Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0854270
Nº Convencional: JTRP00042164
Relator: MARQUES PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CANCELAMENTO DO VOO
Nº do Documento: RP200902090854270
Data do Acordão: 02/09/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: LIVRO 367 - FLS 84.
Área Temática: .
Sumário: Aos direitos dos passageiros no contrato de transporte aéreo aplica-se, fundamentalmente o Regulamento (CE) nº 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Fevereiro de 2004, que entrou em vigor em 17 de Fevereiro de 2005, estabelecendo regras comuns aos Estados-Membros para a indemnização e a assistência de passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) nº 296/1991.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4270/08

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

No Tribunal Judicial de São João da Madeira, B………. e C………. intentaram contra D………., Ldª e E………., S.A., acção declarativa de condenação, com processo sumário, pedindo a condenação das Rés:
“a) no pagamento de uma indemnização no valor de € 6.150,00, correspondente à frustração do negócio que os autores pretendiam concretizar em consequência da não realização das viagens;
b) no pagamento de uma indemnização no valor de € 250,00, correspondente aos demais prejuízos suportados pelos autores, em virtude das viagens não se terem concretizado;
c) no pagamento de uma compensação no valor de € 500,00, pelo desgosto e transtorno que a não efectivação das viagens causou aos autores”.
Alegaram, para tanto, e no essencial, os seguintes fundamentos:
Os Autores emigraram para Portugal com o intuito de melhorarem a sua situação económica, arrecadando meios suficientes para a aquisição de uma moradia na Ucrânia.
Essa oportunidade surgiu quando, em princípios de Dezembro de 2005, souberam que F………. iria vender o apartamento em que residia, tendo os Autores imediatamente ajustado o negócio pelo preço de € 30.000,00.
A formalização desse negócio ficou marcada para o dia 7 de Janeiro de 2006.
Motivo pelo qual, em meados de Dezembro de 2005, os Autores se dirigiram às instalações da 1.ª Ré, a fim de reservarem duas viagens aéreas de ida e volta com destino a Kiev.
A viagem ficou agendada para o dia 6 de Janeiro de 2006, com partida do aeroporto de Sá Carneiro, no Porto, fazendo escala em Lisboa e regresso no dia 8 do mesmo mês.
Tendo os Autores adquirido os bilhetes pelo preço unitário de € 448,60, incluindo já as taxas devidas.
Acontece que, na data prevista, o voo foi cancelado, não lhes tendo sido disponibilizada alternativa ou prestada qualquer assistência.
Os Autores tiveram de regressar a casa, de táxi, no que despenderam € 55,00.
Nesse mesmo dia, o Autor acordou com o vendedor em protelar o negócio até 4 de Fevereiro de 2006, bem como, o adiantamento, como sinal, da quantia de € 1.150,00.
No dia seguinte, os Autores interpelaram a 1.º Ré para que remarcasse a viagem, ficando a mesma reservada, junto da 2.ª Ré, para 3 de Fevereiro de 2006, com regresso no dia 5 do mesmo mês, obrigando-se a 1.ª Ré a entregar os bilhetes aos Autores, logo que emitidos.
Em 9 de Janeiro de 2006, o Autor providenciou pela transferência da referida quantia de € 1.150,00.
Acontece que, até ao dia 3 de Fevereiro de 2006, nenhuns bilhetes foram fornecidos aos Autores, só no dia seguinte, tendo sido contactados pela 1.ª Ré para dizer que os bilhetes não haviam sido emitidos pela 2.ª Ré e que a reserva não surtira efeito.
Em consequência, os Autores não realizaram a viagem programada, perdendo o sinal prestado, tendo a casa sido vendida a outro comprador.
Um apartamento idêntico ao que os Autores pretendiam comprar tem agora um valor de mercado superior a € 35.000,00.
Ao não concretizarem o falado negócio, os Autores tiveram, assim, um prejuízo não inferior a € 5.000,00, além da perda do sinal.
Tiveram de fazer despesas em deslocações, em telefone e em consulta jurídica, em valor não inferior a € 250,00.
Sofreram desgosto e transtorno, tanto mais que sendo estrangeiros não sabiam como reagir, devendo ser compensados por tais danos, em valor não inferior a € 500,00.

A acção deu entrada na Secretaria do Tribunal de S. João da Madeira, em 19 de Junho de 2006, conforme carimbo aposto na petição inicial.

As Rés “D………., Ldª” e “E1……….”, apresentaram, cada uma, a sua contestação, defendendo-se por impugnação e pedindo a improcedência da acção, com as legais consequências.

A Ré “D………., Ldª” alegou, em resumo, que:
Serviu de mera intermediária entre os Autores e a operadora na reserva de lugar e na entrega dos bilhetes.
Após cancelamento do voo marcado para o dia 6 de Janeiro de 2006, por solicitação dos Autores e utilizando os mesmos bilhetes, efectuou nova reserva para o dia 3 de Fevereiro de 2006.
Apercebendo-se de que a reserva havia sido cancelada, sem que os Autores tivessem voltado a contacta-la, tentou, por mera cortesia comercial, apurar junto dos mesmos da razão do sucedido.
Novamente, os Autores solicitaram a intervenção da Ré junto da operadora, desta vez, no sentido de conseguirem a reutilização dos mesmos bilhetes para viagem a efectuar em Agosto de 2006.
O que a Ré conseguiu, fazendo a reserva dos lugares para o dia 3 de Agosto de 2006.

A Ré “E1……….” alegou, em resumo, que:
O voo em causa, marcado para 6 de Janeiro de 2006, entre Porto e Lisboa, era realizado pela “G……….”, de acordo com um code-share celebrado entre ambas as companhias aéreas.
Daí que, a existir responsabilidade pela assistência, reencaminhamento ou pagamento de indemnização aos Autores, a mesma seria “da transportadora aérea operadora”, no caso, da “G……….”, nos termos do Regulamento n.º 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004.
Impugnou os danos alegados pelos Autores e, em especial, quanto aos danos de carácter não patrimonial, afirmou não serem, tão pouco, indemnizáveis, face à Convenção de Varsóvia, de 1929, ratificada pelo Estado Português em 20/03/1947.

Requereu o incidente de intervenção provocada acessória da “G1……….”.

Admitido o incidente e citada a chamada, nos termos do art. 332 do CPC, a mesma apresentou contestação, em que concluiu pela improcedência da acção, com as legais consequências.
Alegou, em resumo, que:
Sem prejuízo da impugnação dos factos alegados na petição inicial, a frustração do negócio invocado pelos Autores, não teria resultado do cancelamento do voo do dia 6 de Janeiro de 2006, mas da não realização da segunda viagem que aqueles teriam reservado junto da 1.ª Ré.
O referido cancelamento do voo ficou, apenas, a dever-se a greve do Pessoal dos Socorros, circunstância extraordinária que a chamada não podia ter evitado mesmo que tivesse tomado qualquer medida.
A chamada cumpriu as suas obrigações de reencaminhamento e assistência, que, no entanto, os Autores recusaram.
Os alegados danos não patrimoniais não são indemnizáveis, à luz da Convenção de Varsóvia de 1929, na qual, a Ucrânia é Estado Parte.

Não foram admitidos os articulados de resposta apresentados pelos autores.

Os Autores interpuseram recurso de tal despacho, que foi admitido como agravo, a subir com o primeiro que depois dele houvesse de subir imediatamente e com efeito meramente devolutivo.

Os Autores não apresentaram alegações do agravo.

Proferiu-se despacho saneador e seleccionou-se a matéria de facto controvertida.

Procedeu-se à audiência de julgamento, com gravação das provas oralmente produzidas.

Foi proferida sentença, pela qual, a acção foi declarada improcedente, tendo as Rés sido absolvidas do pedido.

Da sentença, apelaram os Autores, que formularam, na sua alegação de recurso, as seguintes conclusões (transcrição):
1 - A douta sentença proferida nos autos ao dar como provado a existência de um negócio, e sua frustração e a verificação de danos, mas ao não condenar as RR ou a chamada, fez uma errada interpretação dos factos e do direito aplicável, havendo uma inegável oposição entre os factos dados como provados e o que ficou decidido, com o que não podemos concordar.
2 - Dos factos dados como provados fica assente que entre os AA e a 2.ª Ré foi estabelecido um contrato de transporte aéreo que não foi cumprido e do qual resultaram danos para os AA.
3 - Os AA contrataram com a 2.ª Ré uma viagem com destino a Kiev, o que fizeram por intermédio da 1.ª Ré, viagem que programaram para o dia 6 de Janeiro de 2006 e que teria como propósito finalizar o negócio de compra de uma casa - tudo como ficou dado como provado - viagem que, todavia, não se realizou, gorando as expectativas dos AA e causando-lhes graves prejuízos - como foi dado como provado.
4 - Perante a existência de um contrato, dos danos, do nexo de causalidade entre os factos e os danos, resta apurar a responsabilidade pelos mesmos e dúvidas não restam de que essa responsabilidade deverá ser atribuída, no que concerne a esta primeira viagem (6 de Janeiro de 2007), à 2.ª Ré ou, em todo o caso, à chamada, e, lateralmente à 1.ª Ré.
5 - A 2.ª Ré, nos termos do contratado, era responsável pela viagem agendada pelos AA, viagem que não foi efectuada, a qual estava obrigada a prestar independentemente do acordo de "code share" que diz ter estabelecido com a chamada.
6 - Nos próprios termos do acordo firmado entre a 2.ª Ré e a chamada, ambas partilham ("share") os benefícios e, consequentemente, os prejuízos, decorrentes da actividade conjunta.
7 - Quanto muito a 2.ª Ré poderá deter sobre a chamada um direito de regresso.
8 - A 2.ª Ré não foi capaz de afastar a presunção de culpa que, nos termos do disposto no art. 799 do C. C., sobre ela impendia, pelo que deveria ter sido responsabilizada pelos prejuízos sofridos pelos AA. e que ficaram dados como provados.
9 - Mesmo que, admitamo-lo como mera hipótese, não houvesse lugar a qualquer responsabilidade da 2.ª Ré pela não efectivação do voo, que teria, pelo acordo de "code share", sido transferida para a chamada, a verdade é que, em todo o caso, teria esta de ser responsabilizada pelos prejuízos causados aos AA.
10 - Não a exime a alegação de que a não efectivação do voo se ficou a dever a greve do pessoal de socorro, pois que se a greve escapa à sua vontade, a verdade é que a chamada teve conhecimento antecipado da greve, pelo que sempre poderia ter tomado as medidas necessária a assegurar o voo dos AA ou tomado as medidas necessárias a evitar o prejuízo dos AA, o que não aconteceu.
11 - O douto Tribunal entendeu que a chamada, em situações normais, informa devidamente os passageiros, assiste-os, e tenta de imediato arranjar alternativas, entendimento esse que, todavia, não é suportado pela prova produzida em audiência.
12 - Dos depoimentos das testemunhas: H………, cujo depoimento, prestado em sessão de audiência de julgamento realizada a 7/02/2008, se encontra gravado em uma fita magnética com o n.º 4, do lado A, das rotações 2353 a 2500 e, lado B, das rotações 0000 a 0772; I……….., cujo depoimento, prestado em sessão de audiência de julgamento realizada a 7/02/2008, se encontra gravado em uma fita magnética com o n.º 4, do lado B, das rotações 0772 a 1834; e J………., cujo depoimento, prestado em sessão de audiência de julgamento realizada a 7/02/2008, se encontra gravado em uma fita magnética com o n.º 4, do lado B, das rotações 1834 a 2283, o que se retira são meras conjecturas sobre o procedimento dito "normal" assumido pela chamada, o que não pode ser suficiente para dar como provado de que a mesma terá assistido os AA, sendo que esta prova lhe incumbia.
13 - Do depoimento das referidas testemunhas ressalta ainda a confusão e a imprecisão, sendo que nenhuma foi capaz de relatar o que, em concreto, foi dito aos AA e o que lhes terá sido prestado, prova que, repita-se, competia à chamada.
14 - Também a 1.ª Ré, deverá ser lateralmente responsabilizada na medida em que a mesma, sendo emissária dos bilhetes, também ela se obrigou à efectivação da viagem, não colhendo a alegação de que a sua responsabilidade terá cessado com a emissão e entrega dos bilhetes.
15 - Nos termos gerais, sempre um vendedor terá de ser responsável pelo produto que vende, a par do produtor desse mesmo produto, pelo que, também a 1.ª Ré é responsável pelo "produto" (viagem) que vendeu aos AA.
16 - Nestes termos, e no que concerne à viagem agendada para o dia 6 de Janeiro e aos danos resultantes da sua não efectivação, nos quais necessariamente teremos de incluir a frustração do negócio de compra da casa pretendida pelos AA na medida em que os mesmos, pela não realização do voo não mais conseguiram realizar o negócio nos termos inicialmente arranjados, deveriam a 2.ª Ré ou, em todo o caso, a chamada, e a 1.ª Ré sido responsabilizadas e condenadas a ressarcir os AA dos seus prejuízos, prejuízos esses que foram dados como provados.
17 - Ao contrário do decidido, não era aos AA. a quem competia provar a culpa das RR ou da chamada - culpa essa que se presume - antes a estas afastá-la o que não aconteceu, mostrando-se a prova produzida em audiência insuficiente nesse sentido.
18 - O facto de os AA não terem conseguido precisar os montantes concretos desses danos não contraria aquela responsabilização, pois que aqueles danos poderão sempre ser liquidados posteriormente em execução da sentença.
19 - Também não podemos concordar com o decidido quanto à viagem agendada para o dia 3 de Fevereiro, quando atribui a sua não efectivação à própria conduta dos AA.
20 - Ao contrário, da prova produzida resulta que não houve por parte das 1.ª e 2.ª RR um cumprimento escrupuloso das suas obrigações.
21 - O depoimento prestado pelo representante da 1.ª Ré, K………., cujo depoimento, prestado em sessão de audiência de julgamento realizada a 5/12/2007, se encontra gravado em uma fita magnética com o n.º 1, do lado A, das rotações 0000 a 1015, mostra que o mesmo não tinha conhecimento preciso do procedimento a adoptar e que não terá acautelado devidamente os interesses os AA.
22 - Desse depoimento resultou que a 1.ª Ré não sabia como agir e, consequentemente, que não terá esclarecido devidamente os AA que, como tal, ignoravam que teriam de se deslocar ao aeroporto sem terem na sua posse novos bilhetes.
23 - O que foi confirmado pelo depoimento da testemunha L………., cujo depoimento cujo depoimento, prestado em sessão de audiência de julgamento realizada a 7/01/2008, se encontra gravado em uma fita magnética com o n.º 4, do lado A, das rotações 0000 a 0772, a qual relatou que, "deverá", ter respondido ao "e mail" enviado pela 1.ª Ré, na qual solicitava informações sobre o procedimento a tomar, no sentido de os bilhetes dos AA serem revalidados, não esclarecendo suficientemente se efectivamente teria prestado a informação e qual.
24 - Também quanto à viagem agendada para o dia 3 de Fevereiro, que de todo impossibilitou o negócio pretendido pelos AA., devem as RR ser responsabilizadas e condenadas a ressarcir os AA do prejuízo causado.
25 - Os AA devem, pois, ser ressarcidos pelos danos que foram dados como provados e que se resultaram da actuação das RR ou chamada e que se consubstanciam em o A. marido ter tido de faltar ao trabalho, em os AA terem tido de organizar a sua vida no sentido de procederem à viagem, de terem tido de se deslocar, às suas custas, ao aeroporto e daí, perante o cancelamento do voo, para a sua residência, de terem tido de renegociar a compra da casa, com o consequente agravamento do preço e mediante o adiantamento da quantia de € 1.150,00, e de terem visto o negócio impossibilitado.

Apresentaram contra-alegações, a 1.ª Ré, a 2.ª Ré e, ainda, a chamada, em todas se pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Factos dados como provados (após ordenação cronológica):
Os autores, de nacionalidade ucraniana, emigraram, há cinco anos, para Portugal, onde, desde então, residem e para onde transferiram o centro da sua vida familiar e económica, desenvolvendo o autor marido uma actividade profissional regular enquanto operário fabril, sendo a mulher doméstica.
Os autores emigraram para Portugal com o único intuito de melhorarem a sua situação económica de forma a arrecadarem meios suficientes à aquisição de uma residência na Ucrânia, seu país natal.
Os autores pretendiam comprar uma casa na Ucrânia.
Surgiu uma oportunidade de compra.
A concretização e formalização deste negócio estavam marcadas para o dia 7 de Janeiro de 2006.
Motivo pelo qual, em meados de Dezembro de 2005, os autores se dirigiram às instalações da 1ª Ré a fim de reservar duas viagens aéreas de ida e volta com destino a Kiev.
A referida reserva foi confirmada e, em consequência, foram emitidos em 20 de Dezembro de 2005, os correspondentes bilhetes, ficando a viagem agendada para o dia 6 de Janeiro de 2006, com partida do aeroporto Sá Carneiro, Porto, escala em Lisboa e com destino a Kiev, com regresso no dia 8 desse mesmo mês.

Na data prevista para o referido voo (6 de Janeiro de 2006) o mesmo não teve lugar.
A efectivação do voo – Porto/Lisboa não era realizada pela Ré “E………., S.A.”, mas sim, pela “G……….”.
Tal situação resultava de um code-share celebrado entre a Ré “E………., S.A.” e a “G……….” em 18.10.2005.
O voo ………. previsto para o dia 6 de Janeiro de 2006 entre Porto e Lisboa não se realizou.
Tal ficou a dever-se a greve do Pessoal dos Socorros.

A 1ª Ré é uma sociedade comercial que se dedica, com fins lucrativos, ao agenciamento de viagens turísticas, proporcionando a quem com ela contrata os serviços de reserva e organização de viagens, férias e demais circuitos organizados.
A 1.ª Ré é uma agência de viagens que, entre outras actividades, procede à venda de bilhetes e reservas em meios de transporte.
Quando os autores lhe solicitaram a reserva de duas viagens aéreas, ida e volta, do Porto para Kiev, a 1.ª Ré junto da operadora, limitou-se a confirmar a reserva.
A operadora emitiu e enviou os bilhetes à Ré, que são os juntos aos autos com a petição inicial.
Que por sua vez os entregou aos autores contra o pagamento do preço.
O voo a que se referem os bilhetes não foi realizado por razões para as quais a mesma Ré em nada contribuiu, e para as quais é total e completamente alheia, e ao que sabe, por motivo de greve.
A Ré foi uma mera intermediária entre a operadora e os Autores, na reserva de um lugar em meio de transporte e na entrega do bilhete.

Sempre que ocorre uma situação como a dos autos, a “G……….” informa os passageiros nessa situação dos direitos que lhes assistem, no caso concreto, o direito ao reencaminhamento e o direito à assistência.
A “G……….” tenta de imediato arranjar alternativas que permitam aos passageiros cujo voo tenha sido cancelado chegar ao seu destino final na primeira oportunidade, ou caso tal não seja possível, numa data posterior.
A 2ª Ré é uma sociedade de transporte aéreo que opera voos ao abrigo de um contrato com passageiros, ou em nome de uma pessoa colectiva ou singular que tenha contrato com esses passageiros.
Os Autores não apresentaram qualquer reclamação por falta de protecção ou assistência relativa a custos com deslocações.

Os Autores reservaram e adquiriram os bilhetes pelo preço unitário de 448,60 €, neste se incluindo já as taxas devidas.
Para poderem viajar os Autores tiveram de organizar a sua vida nesse sentido, concretamente o autor marido teve de faltar ao trabalho para providenciar os preparativos de viagem e tiveram de arranjar meio de transporte que os levasse de Vale de Cambra ao aeroporto internacional do Porto.
Tudo o que implicou despesas que os Autores suportaram.
Os Autores tiveram de custear as deslocações quer de ida, quer de volta ao aeroporto, aquando do cancelamento da sua primitiva viagem marcada para o dia 6 de Janeiro, e o autor marido teve de faltar ao trabalho.
Em 9.1.2006, o Autor efectuou uma transferência de 1.150,00 € para F………. .
O mercado habitacional na Ucrânia tem verificado um aumento significativo do preço dos apartamentos.

Os Autores interpelaram a 1ª Ré para que esta remarcasse a viagem, ficando a mesma reservada, junto da 2ª Ré para o dia 3 de Fevereiro de 2006, com regresso no dia 5 do mesmo mês.
A 1.ª Ré, por solicitação dos Autores, e utilizando os bilhetes já emitidos, fez uma nova reserva para o dia 3.2.2006.
Reserva que os Autores tiveram conhecimento foi efectuada.
Por razões que a mesma Ré ignora, nunca mais foi contactada pelos Autores.
Até ao dia 3 de Fevereiro nenhuns bilhetes foram fornecidos aos autores.
Os autores não realizaram a viagem.
No dia seguinte, a 1.ª Ré contactou os autores.
Ao aperceber-se de que a referida reserva fora cancelada, a Ré, por mera cortesia comercial, tentou apurar junto dos Autores a razão para tal ter sucedido.
Os Autores, na posse dos bilhetes, como já estavam, podiam sempre ter alterado a data, a classe, e outros termos da viagem, constantes dos bilhetes, directamente com a operadora, sem qualquer intervenção ou interferência da Ré.

Os Autores solicitaram a intervenção da 1.ª Ré, junto da operadora, no sentido de conseguirem a validade dos bilhetes para viagem a efectuar em Agosto de 2006.
O que foi conseguido e confirmado, por especial deferência e atenção _ considerando até razões humanitárias e económicas – da operadora, com reserva de voo para 3.8.2006.

Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (arts. 684, n.º 3 e 690, n.º 1 do CPC).

Questões prévias:
Primeira questão:
Analisando os autos, verifica-se que admitido o recurso de agravo interposto pelos Autores, estes não chegaram a apresentar as respectivas alegações.
Assim, atento o disposto no art. 291, n.º 1 e 690, n.º 3, ambos do CPC, há que julgar deserto o agravo.
Segunda questão:
Por despacho do Relator, não foram admitidas as contra-alegações de recurso apresentadas pela Ré “E1……….”, por se terem considerado intempestivas.
Notificada, a Ré “E1……….” veio requerer que seja dado sem efeito tal despacho, por considerar que, incidindo o recurso de apelação sobre a prova gravada, o prazo legal de apresentação das contra-alegações é de 40 dias.
Não houve oposição a este requerimento.
E, vendo bem, a Recorrida tem razão.
Por força do disposto no art. 698, n.º 6 do CPC, aplicável ao caso dos autos, “se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, são acrescidos de 10 dias os prazos referidos nos números anteriores”, entre os quais, se inclui o prazo facultado ao recorrido para responder, de 30 dias, contados da notificação da apresentação da alegação do apelante.

Tendo a Recorrida sido notificada das alegações dos recorrentes em 5 de Maio de 2008, o prazo legal, de 40 dias, para apresentar as suas contra-alegações terminava no dia 14 de Junho (um sábado) do mesmo ano, transferindo-se para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, para o dia 16, em que, efectivamente, apresentou a sua resposta (cfr. art. 144, n.º 1 e 2 do CPC).
Assim, há que, revogando o mencionado despacho do Relator, considerar as contra-alegações da Ré “E1……….”, como tendo sido apresentadas em tempo.

Entremos, agora, na apreciação dos fundamentos do recurso:

Quanto à matéria de facto:
Os Autores impugnaram a decisão sobre a matéria de facto (conclusões n.º 11, 12, 13, 19, 20, 21, 22 e 23).
Indicaram os depoimentos em que se funda a sua discordância na apreciação da prova, por referência ao assinalado na acta (cfr. art. 690-A, n.º 1, al. b) e 2 do CPC).

Todavia, no que concerne à matéria a que se referem as conclusões 19 e ss., não especificaram os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, o que, envolve, nessa parte, a rejeição da impugnação (cfr. art. 690, n.º 1 al. a) do CPC).

No que concerne à matéria das conclusões 11, 12 e 13, infere-se, claramente, que pretendem impugnar as respostas aos pontos 55 e 56 da base instrutória.
Ponto 55:
“Sempre que ocorre uma situação como a dos autos, a G………. informa os passageiros nessa situação dos direitos que lhe assistem, no caso concreto, o direito ao reencaminhamento e o direito á assistência”?
Respondeu-se: “provado”.
Ponto 56:
“A G………. tenta e tentou no caso concreto, de imediato, arranjar alternativas que permitam aos passageiros cujo voo tenha sido cancelado, chegar ao seu destino final na 1.ª oportunidade, ou caso tal não seja possível, numa data posterior”?
Respondeu-se: “Provado apenas que a G………. tenta de imediato arranjar alternativas que permitam aos passageiros cujo voo tenha sido cancelado chegar ao seu destino final na 1.ª oportunidade, ou caso tal não seja possível, numa data posterior”.
Verifica-se, porém, que a resposta ao ponto n.º 55 está contaminada de conceitos de direito (“direito ao reencaminhamento” e “direito à assistência”), devendo ter-se por não escrita (cfr. art. 646, n.º 4 do CPC).
Por sua vez, a resposta ao ponto n.º 56, dado o seu carácter restritivo, é, salvo o devido respeito, irrelevante para a decisão do caso concreto.
Mostra-se, assim, prejudicada, em relação a ambos os pontos, a requerida reapreciação da prova gravada.

Diga-se, ainda _ agora, oficiosamente _, que a resposta, supra referida, nos termos da qual, “o voo a que se referem os bilhetes não foi realizado por razões para as quais a Ré em nada contribuiu, e para as quais é total e completamente alheia, e ao que sabe por motivo de greve”, sendo manifestamente conclusiva, há-de ter-se por não escrita.

Nestes termos, considera-se fixada a matéria de facto provada.

Quanto à matéria de direito:

Do que se trata, no presente recurso, é de averiguar se os Autores têm ou não o direito a ser indemnizados, pelas Rés, dos prejuízos alegadamente sofridos, por não terem realizado:
Em primeiro lugar, a viagem de avião do Porto para Kiev, com escala em Lisboa, marcada para o dia 6 de Janeiro de 2006 (com regresso a 8 do mesmo mês), devido a cancelamento do voo;
Em segundo lugar, igual viagem, remarcada para o dia 3 de Fevereiro de 2006 (com regresso a 5 do mesmo mês), esta última, devido ao facto de não lhes ter sido feita entrega dos necessários títulos de transporte.

Na sentença recorrida, datada de 25 de Fevereiro de 2008, considerou-se que a não realização da primeira viagem se ficou a dever, apenas, a greve do Pessoal do Socorro, e que a não realização da segunda se deveu aos próprios Autores, “uma vez que efectivada a respectiva reserva, não mais contactaram a Agência de Viagens ou a Transportadora, sequer para confirmarem a viagem e condições da mesma”.
Tendo, desse modo, as Rés afastado a presunção de culpa que sobre elas impendia.
Considerou-se, por outro lado, que os Autores tão pouco lograram provar que a não concretização (em qualquer das duas primeiras datas sucessivamente marcadas) do projectado negócio de compra de uma casa na Ucrânia, se tivesse devido à actuação das Rés.
Como não provaram a ocorrência de quaisquer outros prejuízos imputáveis à actuação das Rés.
Em todo o caso, a viagem contratada acabou por ser realizada numa terceira data (3 de Agosto de 2006).
Pelo que, se concluiu pela total improcedência da acção.

Estamos no domínio da responsabilidade obrigacional (cfr., designadamente, arts. 798, 799, n.º 1 e 2, 487, n.º 2 e 566 e ss., todos do Código Civil). [1]

Importa, porém, ter em atenção a específica legislação aplicável ao caso concreto:

Em relação aos direitos dos passageiros no contrato de transporte aéreo:
Aplica-se, fundamentalmente, o Regulamento (CE) n.º 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004 (doravante designado por “Regulamento”), que entrou em vigor em 17 de Fevereiro de 2005, estabelecendo regras comuns aos Estados-Membros para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.º 295/91. [2] / [3]

Artigo 5 (“cancelamento”)
“1.Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a:
a)Receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos do artigo 8.°; e
b)Receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 9.º, bem como, em caso de reencaminhamento quando a hora de partida razoavelmente prevista do novo voo for, pelo menos, o dia após a partida que estava programada para o voo cancelado, a assistência especificada nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 9.°; e
c)Receber da transportadora aérea operadora indemnização nos termos do artigo 7.°, salvo se:
i)tiverem sido informados do cancelamento pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida, ou
ii)tiverem sido informados do cancelamento entre duas semanas e sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até duas horas antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até quatro horas depois da hora programada de chegada, ou
iii)tiverem sido informados do cancelamento menos de sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até uma hora antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até duas horas depois da hora programada de chegada.
2.Ao informar os passageiros do cancelamento, devem ser prestados esclarecimentos sobre eventuais transportes alternativos.
3.A transportadora aérea operadora não é obrigada a pagar uma indemnização nos termos do artigo 7.°, se puder provar que o cancelamento se ficou a dever a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.
4.O ónus da prova relativamente à questão de saber se e quando foi o passageiro informado do cancelamento, recai sobre a transportadora aérea operadora”.

Artigo 7 (“direito a indemnização”)

Artigo 8 (“direito a reembolso ou reencaminhamento”)
“1.Em caso de remissão para o presente artigo, deve ser oferecida aos passageiros a escolha entre:
a)_O reembolso no prazo de sete dias, de acordo com as modalidades previstas no n.º 3 do artigo 7, do preço total de compra do bilhete, para a parte ou partes da viagem não efectuadas, e para a parte ou partes da viagem já efectuadas se o voo já não se justificar em relação ao plano inicial de viagem, cumulativamente, nos casos em que se justifique;
_um voo de regresso para o primeiro ponto de partida;
b)O reencaminhamento, em condições de transporte equivalente, para o seu destino final, na primeira oportunidade; ou
c)O reencaminhamento, em condições de transporte equivalente, para o seu destino final numa data posterior, da conveniência do passageiro, sujeito à disponibilidade de lugares.
2….
3….”.

Artigo 9 (“direito a assistência”)
“1.Em caso de remissão para o presente artigo, devem ser oferecidos a título gratuito aos passageiros:
a)Refeições e bebidas em proporção razoável com o tempo de espera;
b)Alojamento em hotel:
_caso se torne necessária a estadia por uma ou mais noites, ou
_caso se torne necessária uma estadia adicional à prevista pelo passageiro;
c)Transporte entre o aeroporto e o local de alojamento (hotel ou outro).
2.Além disso, devem ser oferecidos aos passageiros, a título gratuito, duas chamadas telefónicas, telexes, mensagens via fax ou mensagens por correio electrónico.
3….”.

Em relação à responsabilidade das agências de viagens, em especial, nos contratos de prestação de serviços realizados com os clientes:
Aplica-se, fundamentalmente, a Lei das Agências de Viagem e Turismo, aprovada pelo DL n.º 209/97, de 13 de Agosto (alterada pelo DL n.º 12/99, de 11 de Janeiro). [4]

Destacam-se, aqui, as seguintes disposições:
Artigo 2.º (“actividades próprias e acessórias”), que inclui entre as actividades próprias das agências de viagens e turismo:
1.al. c): “A bilheteria e reserva de lugares em qualquer meio de transporte”.

Artigo 17 (sobre a “noção e espécies” das viagens turísticas), em cujo n.º 4, se estabelece que:
“Não são havidas como viagens turísticas aquelas em que a agência se limita a intervir como mera intermediária em vendas ou reservas de serviços avulsos solicitados pelo cliente”.

Artigo 39 (“princípios gerais”, em sede da responsabilidade das agências de viagens), em cujo n.º 6, se prescreve que:
“Quando as agências intervierem como meras intermediárias em vendas ou reservas de serviços avulsos solicitados pelo cliente, apenas serão responsáveis pela correcta emissão dos títulos de alojamento e de transporte”.

Artigo 40 (sobre os “limites” da responsabilidade).

Sendo este o quadro jurídico a observar, é chegada a altura de passarmos à aplicação da lei aos factos que se tiveram como provados.

No que respeita ao que se passou com a viagem marcada para o dia 6 de Janeiro de 2006:
A nosso ver, devendo-se a não realização da viagem, pelos Autores, exclusivamente, ao cancelamento do voo em causa, é de afastar, liminarmente, qualquer responsabilidade por parte da 1.ª Ré “D………., Ldª”, para qual, não se invoca, de resto, qualquer fundamento legal.
Segundo julgamos, a questão da responsabilidade pela não realização da referida viagem coloca-se, verdadeiramente, apenas, quanto à transportadora aérea operadora, atenta a definição constante do art. 2, al. b) do Regulamento:
“Transportadora aérea operadora”, uma transportadora aérea que opera ou pretende operar um voo ao abrigo de um contrato com um passageiro, ou em nome de uma pessoa colectiva ou singular que tenha um contrato com esse passageiro” (cfr. ainda, o citado art. 5, n.º 1, als. a), b) e c) do Regulamento).
No caso, a chamada, que era a companhia que efectivamente operava o voo (……….), entre Porto e Lisboa, previsto para aquele dia, nos termos do “Acordo de Code-Share celebrado entre a G………. (G1……….) e a E1………. (E………., S.A.)”, assinado em Lisboa a 24 de Março de 2000. [5]

Já vimos quais são os direitos dos passageiros aéreos em caso de cancelamento do voo. [6]
E os factos que se provaram, nesse âmbito.
Pois bem.
Relativamente ao “direito a assistência”, pensamos, desde logo, que não bastava aos Autores invocar o seu desrespeito por parte da companhia operadora.
Seria indispensável, para tal, que alegassem os correspondentes factos, enquadráveis nas condições especificadas nos arts. 8 e 9, n.º 1 a), b) e c) e n.º 2 do Regulamento, incumbindo, nesse caso, à parte contrária, a prova do seu cumprimento (cfr. art. 342, n.º 1 e 2 do Código Civil).
O que, os Autores não fizeram.

Mostra-se, apesar disso, ter sido facultado aos Autores o reencaminhamento, para o seu destino final, em data posterior (3 de Agosto de 2006), conforme solicitaram, após as vicissitudes que foram relatadas (art. 8, n.º 1 al. c) do Regulamento).

Relativamente ao “direito a indemnização”, cremos verificar-se a situação de exclusão de responsabilidade da companhia operadora, prevista no art. 5, n.º 3 do Regulamento.
Como se expõe no considerando n.º 14 do Regulamento,
“Tal como ao abrigo da Convenção de Montreal, as obrigações a que estão sujeitas as transportadoras aéreas operadoras deverão ser limitadas ou eliminadas nos casos em que a ocorrência tenha sido causada por circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis. Essas circunstâncias podem sobrevir, em especial, em caso de instabilidade politica, condições meteorológicas incompatíveis com a realização do voo em causa, riscos de segurança, falhas inesperadas para a segurança do voo e greves que afectem o funcionamento da transportadora aérea”.
No caso dos autos, a operadora conseguiu provar que o cancelamento do voo em causa ficou a dever-se a circunstância extraordinária, que não poderia ter sido evitada mesmo que tivessem sido tomadas todas a medidas razoáveis: a greve do Pessoal dos Socorros.
Não sendo, por isso, obrigada ao pagamento de indemnização, nos termos do art. 7 do Regulamento.

No que respeita ao que se passou com a viagem marcada para o dia 3 de Fevereiro de 2006:
Segundo cremos, em face dos factos disponíveis, só há que averiguar, aqui, da eventual responsabilidade da 1.ª Ré, e só dela, na sua actividade de mera intermediação.
Vimos já que, quando as agências de viagens actuam como meras intermediárias em vendas ou reservas de serviços avulsos solicitados pelo cliente, apenas serão responsáveis pela correcta emissão dos títulos de alojamento e de transporte (cfr. arts. 17, n.º 4 e 39, n.º 6 do DL n.º 209/97, de 13 de Agosto).
No caso dos autos, afigura-se que a 1.ª Ré actuou como mera intermediária na reserva de lugares (caso em que, a agência se limita a verificar a disponibilidade de lugares para o meio de transporte pretendido pelos clientes, obtendo a respectiva marcação e cabendo aos clientes obter o bilhete junto do próprio transportador, ao contrário do que sucede na bilheteria, actividade que pressupõe a emissão do título de transporte pela agência de viagens). [7]
Com efeito, o que se provou, neste tocante, foi, tão só, que os Autores solicitaram à 1.ª Ré que remarcasse a viagem, ficando a mesma reservada, junto da 2.ª Ré, para o dia 3 de Fevereiro de 2006.
Ora, sendo, apenas, esse, o acordo existente, nada mais incumbia à agência de viagens do que efectuar, como efectuou, a reserva solicitada, conforme os Autores tiveram conhecimento.
A 1.ª Ré conseguiu, assim, demonstrar que cumpriu a prestação a que se obrigou.

De resto, ficou provado que os Autores não voltaram a contactar a 1.ª Ré (até ao referido dia 3 de Fevereiro), comportamento que, nas circunstâncias do caso, e à luz da experiência comum, significa que se desinteressaram pela realização da viagem naquela data.

Afastada, pelo exposto, e sem necessidade de outras considerações, a responsabilidade obrigacional das Rés e da Chamada.

Decisão:
Acorda-se em:
Julgar deserto o recurso de agravo interposto a folhas 187, com custas pelos agravantes.
Julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos Autores.

Porto, 9 de Fevereiro de 2009
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues

________________________
[1] Ver, por todos, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 3.ª ed., p. 243 e ss.
[2] O âmbito de aplicação do Regulamento rege-se pelo princípio da conexão territorial, aplicando-se a todas as relações contratuais que se estabeleçam entre passageiros e transportadoras (independentemente da sua origem) cujo serviço de transporte se inicie num Estado-Membro desde que a transportadora seja comunitária (cfr. art. 1 do Regulamento).
[3] Sobre a demais legislação aplicável, actualmente, em Portugal, em matéria de direitos dos passageiros, cfr. Matilde Pinto Vieira, Os Direitos do Passageiro Aéreo, in Estudos de Direito Aéreo, Almedina, p. 561 e ss. Pode consultar-se, também, o sítio do INAC, Instituto Nacional de Aviação Civil, I.P. em www.inac.pt/.
Do maior relevo, nesta matéria, o Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (DL n.º 446/85, de 25/10, com as alterações introduzidas por diversos diplomas) e a Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo DL n.º 67/2003, de 08/04).
De entre os estudos de Direito Aéreo, publicados, entre nós, vejam-se, v.g., de Dário Moura Vicente, a Convenção de Montreal sobre o transporte aéreo internacional, em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Joaquim Moreira da Silva Cunha, 2005, ps. 197 a 224; e de Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil do Transportador Aéreo: A Convenção de Montreal de 1999 Constitui um Marco Histórico, em Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Volume IV, Novos Estudos de Direito Privado, ps. 817 a 832; Nuno Manuel Castello-Branco Bastos, Direito dos Transportes, p.292 e ss.
[4] E mais recentemente, alterada pelo DL n.º 263/2007, de 20 de Julho, que republicou, em anexo, o texto integral consolidado.
Nesta área, releva, igualmente, a Lei de Defesa do Consumidor.
[5] A partilha de códigos (code-sharing) consiste na atribuição de numeração múltipla a um voo, permitindo a utilização dos códigos IATA de ambas as transportadoras. Por exemplo, um voo de code-share com a SN Brussels Airlines operado pela E………. entre Lisboa e Bruxelas será simultaneamente o SN5282 e o TP604 (cfr. Luís M. Pestana Rosa, Transporte Aéreo na União Europeia _ Os Desafios do Mercado Comum, in Estudos de Direito Aéreo, Almedina, p. 530, em nota de rodapé, 71).
Podemos dizer, simplificadamente, que o code-share se traduz num acordo de cooperação pelo qual, uma companhia aérea (“operadora”) transporta passageiros cujos bilhetes tenham sido emitidos por outra companhia (conhecida como “marketing transportadora”). O objectivo é o de oferecer aos passageiros mais destinos dos que uma companhia aérea poderia oferecer isoladamente.
[6] Observe-se que o Regulamento se limita a estabelecer “os direitos mínimos dos passageiros”, conforme se afirma, logo, no seu art. 1, n.º 1 (v., ainda, o art 12).
[7] Na distinção entre a bilheteria (ticketing) e a reserva de lugares em meios de transporte, seguimos de perto Carlos Torres, in Lei das Agências de Viagens, Comentário ao Decreto-Lei n.º 209/97, de 13 de Agosto, Cestur, Dezembro de 2008, p. 25.