Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00035889 | ||
Relator: | TORRES VOUGA | ||
Descritores: | ATESTADO FALSO COMPARTICIPAÇÃO ILICITUDE NA COMPARTICIPAÇÃO | ||
Nº do Documento: | RP200403170345083 | ||
Data do Acordão: | 03/17/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | Uma pessoa que não tenha as qualidades referidas no artigo 260 do Código Penal de 1995 pode ser co-autora do crime aí previsto. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: Os arguidos A...... e B ............ foram submetidos a julgamento, perante tribunal singular, no ..... Juízo de Competência Especializada Criminal da Comarca de ..........., sob acusação do MINISTÉRIO PÚBLICO, sendo-lhes imputada a prática, em co-autoria, de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artº. 256º, nº 1, alíneas a) e b), do Código Penal. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, operando a convolação da qualificação jurídica nela contida, julgou a acusação procedente por provada, e, em consequência, no que ora releva, decidiu: a) condenar o arguido A ............., pela prática de um crime de atestado falso p. e p. no art.º 260º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 180 (cento e oitenta ) dias de multa à taxa diária de Esc. 3.000$00 ( três mil escudos ); b) condenar o arguido B ......., pela prática de um crime de atestado falso p. e p. no art.º 260º, nº. 1 do Cód. Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de Esc. 3.000$00 (três mil escudos); Inconformado com esta sentença, dela recorreu o arguido B .........., tendo esta Relação, por Acórdão proferido em 5/6/2002, concedido parcial provimento ao recurso e, em consequência, anulado a sentença recorrida, não só em relação a ele como também em relação ao co-arguido A........, e ordenado a reabertura da audiência de julgamento, a fim de lhes ser dado conhecimento da possibilidade de convolação da co-autoria de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, als. a) e b), do Cód. Penal para o de co-autoria (ou autoria) de um crime de atestado falso p. e p. no art. 260º, n.º 1 do Cód. Penal, nos termos do artº. 358º , nºs. 1 e 3, do CPP. Em cumprimento do deliberado nesse aresto, o processo baixou à 1ª Instância, tendo aí, depois de reaberta a audiência, sido dado cumprimento ao disposto no cit. artº 358º, nºs 1 e 3, do CPP, na sequência do que os arguidos requereram prazo para preparação da defesa (o que lhes foi concedido). Uma vez produzida a prova posteriormente indicada pelos Arguidos (à excepção da audição das testemunhas por eles oferecidas mas depois prescindidas e do requerido exame, pelo Delegado de Saúde, da Delegação de Saúde de ......, dos indivíduos identificados nos 22 atestados médicos mencionados na acusação – pretensão que o tribunal a quo indeferiu), veio a ser proferida nova sentença que, operando a convolação da qualificação jurídica nela contida, julgou a acusação procedente, por provada, e, em consequência, decidiu: “a) condenar os arguidos A .......... e B ..........., pela prática, em co-autoria, de um crime de atestado falso p. e p. no art. 260º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de € 15 (quinze euros) e € 12, 50 (doze euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a multa de € 2700 (dois mil e setecentos euros) e € 2 250 (dois mil duzentos e cinquenta euros), respectivamente; b) condenar cada um dos arguidos em três UCs de taxa de justiça, acrescida de 1%, nos termos do nº 3 do art. l4º do Dec.-Lei nº 423/91, de 30/10 e nas demais custas do processo, fixando-se a procuradoria em 1/4 da taxa de justiça devida”. Ainda irresignado, o Arguido B ........... recorre novamente para esta Relação, agora da 2ª sentença condenatória, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões: “1 - A prova produzida nos autos atinente à pessoa do recorrente e atrás integralmente transcrita, impunha a sua absolvição porquanto: - é inexistente a prova de um qualquer acordo entre os arguidos para a emissão de atestados médicos sem o exame dos candidatos à obtenção da carta de condução; - é inexistente a prova de que o recorrente tivesse qualquer intervenção directa ou indirecta nos exames os contactos efectuados entre o co-arguido Dr. A ..... e os candidatos à obtenção e na enússão dos subsequentes atestados médicos; - não é aceitável que se exigisse do recorrente que interferisse por qualquer forma nos procedimentos usados pelo co-arguido para a emissão dos aludidos atestados. Aliás, apenas o médico sabe avaliar que tipo de procedimento é suficiente e adequado à verificação que lhe é solicitada. 2 - Ainda que se verificasse a prática do crime pelo co-arguido Dr. A ...., o que não se concebe e apenas como hipótese de raciocínio se coloca, nunca o recorrente poderia ser punido como co-autor do crime p. e p. no n.º 1 do artigo 260º do C.P., enquanto "crime próprio", porquanto: - dos autos não resulta a prova de qualquer dos requisitos da comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria, ou seja, decisão e execução conjuntas; atenta a especificidade do tipo legal quanto à pessoa do agente, nunca o recorrente podia ser punido pelo citado crime porquanto não possuía nenhuma das profissões, nem exercia nenhuma das funções descritas no tipo legal. 3- A sentença recorrida, pelas razões atrás resumidas, violou as disposições legais constantes dos artigos 385º, ns. 1 e 3 do C.P.P., 355º, nº. 1 do C.P.P., 124º e 127º do C.P.P., e 26º do C.P.”. O MINISTÉRIO PÚBLICO respondeu à motivação apresentada pelo Arguido B ......., pugnando pela improcedência do recurso por este interposto e extraindo da sua contra-motivação as seguintes conclusões: “1 . A prova produzida em audiência é suficiente para sustentar a matéria vertida sob os nºs 1 a 11 da sentença em sede de factos provados ; 2. Apesar de o recorrente não possuir as qualidades funcionais exigidas pelo tipo de ilícito de "Atestado falso", é juridicamente concebível, por força do disposto no art. 28º do C. Penal, a sua co-autoria no crime em apreço ; 3. E da concreta matéria dada como provada resulta que a sua actuação se subsume a tal forma de comparticipação : decisão e execução conjuntas; 4. Em conformidade, a sentença recorrida não violou nenhuma disposição legal, designadamente o disposto nos artigos 385º, n.ºs 1 e 3; 355º, n.º 1; 124º e 127º do CPP e 26º do CP.”. Nesta instância, o MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer igualmente no sentido da improcedência do recurso interposto pelo Arguido. Colhidos os vistos e efectuada a audiência prevista nos arts. 421º, nºs 1 e 2, e 429º do CPP, cumpre apreciar e decidir. FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: “1 - O arguido A ........... é médico de profissão, possuindo um consultório próprio na Rua .......... , ....., e é assistente graduado no Hospital de S. João e no Centro de Saúde da ....... . 2 - O arguido B ............ é sócio e Director Técnico da Escola de Condução ........, sita na Rua ........., .........., ...... . 3 - Por razões de amizade que une o primeiro arguido ao segundo arguido, bem como a um sócio dessa escola já falecido, C ........, aquele acordou com estes passar atestados médicos necessários à actividade dessa Escola de Condução, sem receber qualquer contrapartida monetária. 4 - No âmbito desse acordo os dois arguidos combinaram entre si que o primeiro arguido passaria os referenciados atestados sem fazer os respectivos exames médicos. 5 - Na sequência desse mesmo acordo o arguido passava com certa regularidade, pelo menos duas vezes por semana, ao fim da tarde, nas instalações da Escola de Condução. 6 - Tal acordo perdurou durante um período de tempo que não foi possível apurar com precisão, mas que remonta, pelo menos a 29/10/96 e que se prolongou, pelo menos até 31/12/97, e no âmbito do qual o 1º arguido subscreveu um número indeterminado de atestados médicos, mas seguramente não inferior a 20, para efeitos da condução de veículos. 7 - Estes atestados eram enviados à Direcção Geral de Viação, atestando que, também pelo menos 20 candidatos à condução de veículos, que eram clientes da referida Escola, não apresentavam alterações de visão e tinham aptidão física e mental para a condução de veículos automóveis ou de motociclos, consoante os casos, sem restrições . 8 - O 1º arguido subscreveu os referidos 20 atestados sem ter efectuado exame médico específico, pelo menos a 18 das pessoas cujos nomes deles constam, o que fazia com o conhecimento e o consentimento do 2º arguido . 9 - O 1º arguido ao assinar os referenciados atestados sem fazer o respectivo exame médico e o 2º arguido ao ter conhecimento e consentir tal facto, admitiram como possível que o teor de algum desses atestados não corresponderia à verdade e que, consequentemente, alguma(s ) pessoa(s) não tinha(m ) aptidão para a condução de veículos automóveis ou de motociclos ou teriam restrições (tais como óculos de correcção). 10 - Sabiam ainda ambos os arguidos que, desta forma, lesavam o interesse do Estado, pondo em causa a segurança rodoviária e a credibilidade das instituições . 11 - Os arguidos agiram livre voluntária e conscientemente, de comum acordo e em conjugação de esforços na prossecução de um plano que previamente haviam delineado, sabendo que toda a sua conduta era proibida por lei . 12 - O 1º arguido conhecia um número indeterminado de alunos da referenciada escola, em número seguramente não inferior a 13. 13 - Alguns dos alunos dessa escola, pelo menos 2, são ou foram recentemente doentes do 1º arguido no Centro de Saúde da ..... ou em consulta de medicina privada. 14 - Pelo menos relativamente a estes últimos, o arguido tem conhecimento que eles não sofrem de anomalia física ou mental que impeça ou limite o exercício da condução . 15 - O 1º arguido remeteu, pelo menos, dois candidatos que apresentavam patologias impeditivas ou limitativas ( claudicavam ostensivamente ) do exercício da condução ao Delegado de Saúde. 16 - O arguido A ........... exerceu durante cerca de 15 anos as funções de médico militar, realizando as inspecções médicas respectivas, recebendo pelos serviços prestados louvor militar. 17 - Exerceu funções no Centro de Saúde da ....... durante cerca de 30 anos, observando cerca de 1000 doentes por mês . 18 - O 1º arguido aufere o salário de € 1845, 55 (Esc. 370 000$00) - € 1 496, 39 (300.000$00) no Hospital de S. João e € 349, 16 (70 000$00) no Centro de Saúde da ...... - , a sua esposa é doméstica e tem dois filhos estudantes a seu cargo . 19 - O 2º arguido aufere o salário de Esc. 200 000$00 (€ 997, 60 ), retira de rendimentos da escola de Condução de que é sócio Esc. 500 000$00/600 000$00 (€ 2493, 99/ 2992, 79 ), anuais tem dois filhos estudantes a seu cargo e tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade. 20 - Os arguidos não têm antecedentes criminais.” FACTOS NÃO PROVADOS: O Tribunal a quo considerou não provados os restantes factos com interesse para a decisão da causa, designadamente que: “1. no âmbito do acordo mencionado nos nºs 3 a 5 supra, o 1º arguido tenha subscrito mais de 600 atestados médicos ; 2. o 1º arguido estivesse presente diariamente entre as 19 e 20 horas na escola de condução acima referenciada ; 3. o 1º arguido conheça todos os alunos dessa Escola; 4. e tivesse conhecimento se todos eles sofrem ou não de anomalia física que impeça ou limite o exercício da condução; 5. a grande maioria dos alunos daquela escola de condução sejam seus clientes (do 1º arguido) em consulta de medicina privada; 6. pelo menos 18 das pessoas a que se reportam os 20 atestados médicos mencionados tenham aptidão física e mental para a condução de veículos automóveis; 7. as mesmas pessoas não padeçam de alterações de visão; 8. o 1º arguido, sem proceder ao respectivo exame médico, detecte com facilidade qualquer deficiência física ou mental; 9. o 1º arguido emitisse os mencionados atestados sem receber qualquer retribuição”. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO: O Tribunal recorrido fundamentou do seguinte modo a sua convicção: a) Quanto aos factos que considerou provados: “O tribunal baseou a sua convicção na apreciação crítica e conjugada das declarações dos arguidos, dos depoimentos das testemunhas D ............, E ........, F ......., G ........, H ........, I ........., J .............., L .......... , M......, N ............, O ......, P .........., Q ............, R ..........., S ..........., T .............., U .........,V ............, X ........, Z ......., A1 ......., B1 ........, C1 e D1 ..............., na informação de fls. 7 e documentos de fis. 11 a 20, 22 a 24 e 26 a 32 ( sendo que os atestados de fis. 21 e 25 são repetidos). O primeiro arguido afirmou, no essencial, que por razões de amizade que o unia aos sócios da Escola de Condução em questão, especialmente ao sócio já falecido C ..........., acordou com eles, há cerca de 6 a 7 anos, emitir os atestados médicos necessários à actividade dessa escola. Na sequência desse acordo dirigia-se regularmente à escola em causa ao fim da tarde, pelo menos às terça e sextas-feiras, onde, por norma, ao balcão da respectiva recepção questionava os alunos se viam bem ou tinham alguma deficiência física, assinando depois o respectivo atestado . Mais afirmou que a circunstância de conhecer os alunos, designadamente por alguns deles serem seus doentes, aliada à sua larga experiência profissional lhe permitia verificar com muita facilidade se os mesmos padeciam de alguma deficiência que impedisse ou limitasse o exercício da condução, circunstância que reafirmou após a abertura da audiência nos termos supra expostos e que lhe permite concluir que os atestados em causa são verdadeiros. As declarações do 2º arguido foram, no essencial, coincidentes com as declarações daquele, designadamente no que conceme ao acordo referido. Declarou, no entanto, este arguido que raramente se encontrava no interior da Escola de Condução em causa e que por tal motivo não tinha conhecimento preciso como todos os exames se processavam, afirmando que apenas ouviu algumas vezes o 1º arguido a questionar os alunos se designadamente viam bem, o que ocorria na recepção da Escola em causa. Sucede, porém, este arguido tinha conhecimento que os alegados exames eram sempre feitos na sede da Escola de Condução em causa e que o 1º arguido não possuía ali qualquer compartimento específico para esse efeito, bem como não tinha ali instrumentos adequados, nomeadamente para realizar os respectivos exames oftalmológicos . Quanto ao facto de o arguido não proceder aos respectivos exames médicos o tribunal atendeu também ao depoimento de todas as testemunhas ouvidas, que foram alunos da Escola de Condução em causa há cerca de 6/7 anos e que foram unânimes em afirmar que o 1º arguido nunca lhes efectuou qualquer exame médico na escola em causa. Relativamente a essa circunstância (de o primeiro arguido não proceder aos respectivos exames médicos) e embora o lº arguido tenha referido que face à sua larga experiência profissional era suficiente para a emissão dos atestados médicos em causa as perguntas que efectuava, entendemos que tal forma de proceder nunca poderá integrar o conceito de exame médico, designadamente, no que se refere ao necessário exame oftalmológico para o qual são necessários instrumentos e objectos adequados. Por seu turno, convém salientar que apenas as testemunhas D ........, G......, L ........., R ........, Z ............., A1 ........ e B1...... afirmaram que o 1º arguido os questionou sobre se, designadamente, viam bem e se padeciam de alguma doença, sendo que, em regra, tais perguntas eram feitas na recepção da escola em questão e, por vezes, na sala onde efectuavam os testes de código. Importa ainda referir que, para além destas testemunhas, apenas as testemunhas I .........., V ..........., C1 .......... e D1 ............., H ...... e S ..........., admitiram conhecer o arguido, sendo que a testemunha V .............. afirmou que embora frequentasse as aulas de código sempre ao fim da tarde, por volta das 18 horas, nunca viu o primeiro arguido na referida escola. Cumpre também anotar que a testemunha U ............ afirmou peremptoriamente que apenas teve aulas de condução e, por tal motivo, nunca teve necessidade de entrar no edifício da Escola de Condução, concluindo-se que nunca teve contacto com o lº arguido. Relativamente aos factos descritos nos nºs 13 e 14 o tribunal atendeu aos depoimentos das testemunhas H ........ e S ........., que afirmaram que o primeiro arguido era seu médico de família e a segunda acrescentou que o consulta, em regra, duas vezes, por ano. No que concerne aos descritos sob o nº 15, o tribunal atendeu aos depoimentos das testemunhas C1 .......... e D1 ..........., que afirmaram que o arguido, após os ter questionado e devido à circunstância de padecerem de uma deficiência física visível (claudicam ostensivamente), remeteu-os para o Delegado de Saúde competente. Quanto à situação económica e familiar dos arguidos e demais circunstâncias pessoais, foram preponderantes as suas declarações, sendo que em relação ao primeiro arguido foi ainda considerado o documento de fls. 171 . No que concerne aos antecedentes criminais, o tribunal teve em consideração os C.R.Cs. de fls. 117 e 118.” b) Quanto aos factos que considerou não provados: “Relativamente aos factos não provados o tribunal atendeu à circunstância de não se ter produzido prova convincente sobre os mesmos, sendo certo que, quanto aos descritos sob o n.º 4, consideramos que não são suficientes as meras declarações do 1º arguido e das testemunhas em causa, designadamente no que se refere às alterações de visão ( necessidades de óculos de correcção) e, em relação aos factos descritos no nº 9, na circunstância dos arguidos terem reconhecido que o primeiro recebia em contrapartida algumas prendas, nomeadamente, no Natal e Páscoa, e que os filhos daquele tiraram a carta de condução na Escola em questão sem a terem pago.” O MÉRITO DO RECURSO DO ARGUIDO B .......... Como se sabe, é pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer [Cfr., neste sentido, o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág 271); o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág 263); SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES (in “Recursos em Processo Penal”, p. 48); GERMANO MARQUES DA SILVA (in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, p. 335); JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES (in “Recursos”, “Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, 1988, p. 387); e ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pp. 362-363).] [«São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal ad quem tem de apreciar» (GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem). ] Ora, nesta sede, «não se concebe como seja possível, sem outros instrumentos que não sejam as transcrições das gravações da prova produzida em audiência, formar uma convicção diferente e mais alicerçada do que aquela que é fornecida pela imediação de um julgamento oral, onde, para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam» [Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 9/7/2003, proferido no Proc. nº 02P3100 e relatado pelo Conselheiro LEAL HENRIQUES, cujo texto integral pode ser consultado no site http://www.dgsi.pt. ] O que é necessário e imprescindível - mais se adianta nesse acórdão (desta feita à luz da doutrina de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA) - é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. Donde - remata-se no mesmo aresto - o que o tribunal de segunda jurisdição vai à procura, não é de uma nova convicção, mas de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si [Cfr., também no sentido de que «a garantia do duplo grau de jurisdição relativamente a matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre determinados pontos da matéria de facto», o Ac. da Rel. de Lisboa de 22/11/2002 proferido no Proc. nº 0020409 e relatado pela Desembargadora MARGARIDA VIEIRA DE ALMEIDA (cujo sumário está disponível no site http://www.dgsi.pt.).] Daqui decorre que o conhecimento de factum do tribunal de 2ª instância é necessariamente limitado. E isto, à partida, impõe que a matéria de facto só possa ser alterada quando o registo da prova o permita com toda a segurança [Cfr., também no sentido de que «a apreciação das provas gravadas pelo Tribunal da Relação só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1ª instância caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas, dado que a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação», o Ac. da Rel. do Porto de 5/6/2002, proferido no Proc. nº 0210320 e relatado pelo então Desembargador COSTA MORTÁGUA (cujo texto integral está disponível no site http://www.dgsi.pt.)]. Por outro lado – como bem se observou no Acórdão desta Relação de 10/10/2001 [Proferido no Proc. nº 0140385 e relatado pelo Desembargador JOSÉ MANSO RAÍNHO, cujo texto integral está disponível no site http://www.dgsi.pt.], muito embora livre apreciação de provas (princípio que vigora plenamente em processo penal, salvaguardadas as excepções legais) não se possa confundir com apreciação arbitrária de provas - do que se trata é antes de uma apreciação que, liberta de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, dessa forma determinando uma convicção racional, objectivável e motivável -, não pode nem deve olvidar-se que «dificilmente o julgador dos factos lidará com a prova cem por cento segura ou certa». «Inevitavelmente terá que conviver com a ausência de certeza absoluta e com a dúvida» [Cit. Ac. da Rel. do Porto de 10/10/2001]. «Mas nem por isso se pode demitir de, com recurso à experiência comum e à lógica das coisas, porfiar por uma certeza relativa sobre os factos (tenha-se em atenção que "certeza relativa" não equivale a "certeza dominada por incertezas"; significa antes "convicção honesta e responsável da realidade ou irrealidade do facto")» [Ibidem.]. «Se conseguir superar o umbral da dúvida razoável, de modo a sentir a necessária segurança sobre a realidade ou irrealidade de um facto, então tem que o assumir» [ Ibidem. ]. Efectivamente, «as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (artº 341º do Código Civil), mas esta demonstração da realidade não visa a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente)» [Ibidem] . «Os factos que interessam ao julgamento da causa são, de ordinário, ocorrências concretas do mundo exterior ou situações do foro psíquico que pertencem ao passado e não podem ser reconstituídas nos seus atributos essenciais» [Ibidem.]. «A demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, sob pena de o Direito falhar clamorosamente na sua função social de instrumento de paz social e de realização de justiça» [Ibidem. ]. «A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador (judici fit probatio) um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto [V. Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 434]» [Ibidem.]. De modo que «dificilmente o julgador poderá ter a certeza absoluta de que os factos aconteceram tal como eles são por si interiorizados, como são dados como provados» [Ibidem.]. «Mas isto não obsta a que o tribunal se convença da realidade dos mesmos, posto que consiga atingir o umbral da certeza relativa» [Ibidem.]. «A certeza relativa é afinal um estado psicológico (a tal convicção de que se costuma falar) que, conquanto necessariamente se tenha de basear em razões objectivas e possa ser fundamentável, não demanda que estas sejam inequivocamente conclusivas» [Ibidem.]. «Daqui decorre que não é decisivo para se concluir pela realidade da acusação movida a um qualquer arguido, que haja provas directas e cabais do seu envolvimento nos factos, maxime que alguém tenha vindo relatar em audiência que o viu a praticar os factos, ou que o arguido os assuma expressamente» [Ibidem.]. «Condição necessária, mas também suficiente é que os factos demonstrados pelas provas produzidas, na sua globalidade, inculquem a certeza relativa (a tal convicção honesta e responsável de que se falou atrás), dentro do que é lógico e normal, de que as coisas sucederam como a acusação as define» [Ibidem.]. Ora, sendo indubitável que «há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução», «se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável pois foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção» [Ac. da Rel. do Porto de 19/3/2003, proferido no Proc. nº 0310070 e relatado pelo Desembargador FERNANDO MONTERROSO, cujo texto integral está disponível no site http://www.dgsi.pt.]. E «isto é assim mesmo quando tiver sido feito o registo das declarações orais prestadas no julgamento, pois, de outro modo, seriam defraudados os fins visados com a oralidade e a imediação da prova» [Ibidem.] [Cfr., também no sentido de que, «tendo o tribunal formado a sua convicção com provas não proibidas por Lei, prevalece a convicção que da prova teve o julgador sobre a formulada pelo recorrente, que é irrelevante, de acordo com o príncipio da livre apreciação da prova», o Ac. da Rel. de Lisboa de 22/11/2002, proferido no Proc. nº 0020409 e relatado pela Desembargadora MARGARIDA ALMEIDA (cujo sumário está disponível no site http://www.dgsi.pt.).] [Cfr., igualmente no sentido de que «limitado o recurso a matéria de facto, na solução da questão posta atentar-se-á nos dois princípios fundamentais que norteiam a apreciação da prova: - o de que ela é apreciada, salvo quando a lei disponha diferentemente, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador - principio da livre apreciação da prova; - o de que o tribunal, ao decidir, não tem de formular um juizo de certeza, bastando-se a lei com a convicção da ocorrência», pelo que, «respeitados estes princípios pela sentença recorrida, como se extrai do contexto da prova produzida, não pode a mesma sentença deixar de ser confirmada», o Ac. da Rel. do Porto de 18/3/92 proferido no Proc. nº 9210093 e relatado pelo então Desembargador PEREIRA MADEIRA (cujo sumário está disponível no site http://www.dgsi.pt.).] Segundo HELENA MONIZ [In “O Crime de Falsificação de Documentos. Da Falsificação Intelectual e da Falsidade em Documento”, 1999, p. 247.], uma das razões que levou o legislador a autonomizar este tipo legal de crime actualmente descrito no art. 260º, nº 1, do Código Penal de 1995 (disposição correspondente, embora com ligeiras alterações formais e nas molduras penais, ao art. 234º, nº 1, do Cód. Penal de 1982, na sua versão originária) relativamente ao tipo base da falsificação de documentos (actualmente descrito no art. 256º do Código Penal de 1995 e originariamente previsto no art. 228º do Cód. Penal de 1982) está em que se trata «de um tipo legal de crime que deverá ser praticado por um específico agente». Estamos perante «um crime específico próprio, dado que o agente do crime não poderá ser uma qualquer pessoa, mas sim uma pessoa com especiais características – terá que ser um “médico, dentista, enfermeiro, parteira, dirigente ou empregado de laboratório ou de instituição de investigação que sirva fins médicos, ou pessoa encarregada de fazer autópsias» [HELENA MONIZ in “O Crime de Falsificação de Documentos” cit., p. 245.]. Este específico agente «tem um dever especial de dizer a verdade; além de que a sua conduta no caso em apreço não se resume a uma incorporação num escrito de um facto falso, pois, também, ele atesta ou certifica falsamente» [HELENA MONIZ in “O Crime de Falsificação de Documentos” cit., p. 247.]. «Considerando que os crimes específicos próprios são aqueles em que a qualidade do agente é que justifica a criação autónoma do tipo, e considerando que o crime específico impróprio é aquele em que a qualidade do agente apenas determinou uma agravação da pena, parece que estamos perante um crime específico próprio» [HELENA MONIZ in “Comentário Comimbricense do Código Penal”, “Parte Especial”, Tomo II, Artigos 202º A 307º, 1999, p. 728.] «As qualidades ou relações especiais fundamentadoras ou modificativas do grau da ilicitude são “elementos pessoais” (art. 12º, nº 1, a) do Cód. Penal), que ao serem exigidos pelo tipo incriminador significam que o círculo dos potenciais autores deixa de ser indeterminado, como é na generalidade dos casos em que a lei usa expressões como “quem” ou “aquele que”» [TERESA PIZARRO BELEZA in “Ilicitamente Comparticipando – O Âmbito de Aplicação do ART. 28º do Código Penal”, Estudos em Homenagem ao Prof. Eduardo Correia, III, 1984, p. 593.]. «São elementos ou requisitos de “idoneidade típica”, cuja ausência determina o carácter atípico do comportamento» [TERESA PIZARRO BELEZA, ibidem ]. De facto, «as normas incriminadoras da parte especial do Código Penal não exigem, em geral, qualquer elemento típico do agente, pelo que pode ser sujeito activo do crime qualquer pessoa» [HENRIQUE SALINAS MONTEIRO in “A Comparticipação em Crimes Especiais no Código Penal”, 1999, p. 11.]. «Noutros casos, porém, excepcionalmente, mas não raramente, verifica-se, em certas normas incriminadoras, uma restrição do círculo dos possíveis agentes» [HENRIQUE SALINAS MONTEIRO, ibidem.]. «As normas incriminadoras em que esta restrição do círculo de agentes existe são em geral designadas crimes especiais ou próprios, dando assim origem a tipos especiais» [HENRIQUE SALINAS MONTEIRO, ibidem]. Todavia, «a mera restrição do círculo de agentes não basta (…) para caracterizar devidamente os crimes especiais; se assim fosse, o conceito tornar-se-ia demasiado amplo, permitindo a inclusão no seu âmbito de realidades completamente distintas» e, «em consequência, ficaria sem qualquer utilidade prática» [HENRIQUE SALINAS MONTEIRO in “A Comparticipação…” cit., p. 13.] Segundo HENRIQUE SALINAS MONTEIRO [In “A Comparticipação…” cit., p. 16.], «o núcleo definidor dos crimes especiais é o dever jurídico, que só vincula certas pessoas e cuja violação é sancionada penalmente no tipo respectivo». «Daqui resulta, necessariamente, uma restrição do círculo de possíveis agentes àqueles que se encontrem vinculados ao dever específico» [Ibidem.]. «A existência deste dever específico pode ser revelada por diferentes vias: pela circunstância de constituírem elementos do tipo determinadas qualidades pessoais do agente; mediante a descrição, no tipo, do dever específico; ou através da descrição típica de uma situação de facto que é a fonte desse dever» [Ibidem.] Segundo TERESA PIZARRO BELEZA [ In loc. cit., p. 594.], casos possíveis dessas qualidades ou relações especiais exigidas pelo tipo incriminador especial são, nomeadamente: De notar que – como põe em evidência HENRIQUE SALINAS MONTEIRO [In “A Comparticipação…” cit., p. 69.] -, embora este artigo 28º tenha por epígrafe “Ilicitude na comparticipação”, o seu âmbito é, afinal mais restrito: «esta restrição do âmbito de aplicação do artigo 28º resulta de, nos termos da própria letra da lei, esta norma apenas regular a ilicitude na comparticipação nos casos em que esta ilicitude (ou o seu grau) está dependente da existência de certas “qualidades ou relações especiais”». Procurando delimitar este conceito, em ordem a traçar os limites do campo de aplicação do cit. art. 28º, o mesmo Autor acaba por concluir o seguinte [In “A Comparticipação…” cit., p. 92.]: «Por outro lado, nem todos os elementos do tipo relacionados com a pessoa do agente devem ser incluídos no âmbito de aplicação do artigo 28º do Código Penal»[ HENRIQUE SALINAS MONTEIRO, ibidem.]. «Só estão aí em causa “qualidades ou relações pessoais” e portanto excluem-se os estados de espírito, intenções, fins específicos, como a “avidez”, o “prazer de matar”, o “motivo torpe ou fútil” artigo 132º, nº 2, alínea c) do Código Penal, a “ilegítima intenção de apropriação” artigo 203º; artigo 210º do Código Penal, a “intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo” artigo 217º do Código Penal, que não podem considerar-se “qualidades ou relações especiais”». Ainda assim, «nem todas as “qualidades ou relações especiais” atrás referidas estão submetidas ao âmbito de aplicação do artigo 28º do Código Penal»[ HENRIQUE SALINAS MONTEIRO in “A Comparticipação…” cit., p. 94.]. Por um lado, «ficam de fora do domínio do artigo 28º do Código Penal todas as “qualidades ou relações pessoais” que não influenciem a “ilicitude” ou o “grau de ilicitude” do facto, como sejam aquelas cuja relevância se traduza em causas de isenção ou dispensa de pena, ou em condições de procedibilidade»; «por outro lado, estão também fora do âmbito de aplicação do artigo 28º do Código Penal as “qualidades e relações especiais” que não respeitem à “ilicitude” ou ao “grau de ilicitude” do facto, mas antes à culpa» [HENRIQUE SALINAS MONTEIRO, ibidem.], às quais é aplicável o artigo 29º do mesmo Código [«Assim, se num determinado tipo legal existirem “qualidades ou relações pessoais” que digam respeito à culpa, será aplicável o artigo 29º do Código Penal, o que conduz a que apenas possam ser punidos por esse tipo os comparticipantes nos quais essas “qualidades ou relações” se verifiquem» (HENRIQUE SALINAS MONTEIRO in “A Comparticipação…” cit., p. 95). «Se as “qualidades ou relações especiais” fundamentarem o juízo de culpa, os comparticipantes que não as possuam ficarão impunes; se apenas revelarem uma maior ou menor culpabilidade, o tipo legal respectivo só será aplicável aos comparticipantes em relação aos quais se demonstre terem as “qualidades ou relações especiais”» (ibidem). Daí que «é sempre relevante, no Código Penal português, saber se as “qualidades ou relações pessoais” dizem respeito à ilicitude – caso em que será aplicável o artigo 28º, com a consequente aplicabilidade do tipo legal espectivo a todos os comparticipantes – ou à culpa – caso em que será aplicável o artigo 29º, pelo que o tipo legal que contenha tais qualidades só será aplicável aos comparticipantes em que estas se verifiquem» (ibidem).] De todo o modo, dúvidas não existem que, no tipo legal de crime descrito no artigo 260º, nº 1, do Cód. Penal, médico, dentista, enfermeiro, parteira, dirigente ou empregado de laboratório ou de instituição de investigação que sirva fins médicos e pessoa encarregada de fazer autópsias constituem “qualidades ou relações pessoais”, nos termos e para os efeitos do cit. artigo 28º-1 do mesmo Código [Cfr., explicitamente neste sentido, HENRIQUE SALINAS MONTEIRO (in “A Comparticipação…” cit., p. 93).]. Finalmente, a despeito das divergências existentes na doutrina acerca da fundamentação apresentada para tal solução, todos os autores estão de acordo quanto à solução final a dar às hipóteses de comparticipação em crimes especiais de executores intranei e extranei não executores: «na verdade, as hipóteses de comparticipação em crimes especiais nas quais intervêm executores intranei e extranei não executores (…) são consensualmente resolvidas mediante a punição pelo crime especial de todos os intervenientes, intranei e extranei» [HENRIQUE SALINAS MONTEIRO in “A Comparticipação…” cit., p. 142.]. Designadamente, «todos estão de acordo em considerar que o cúmplice e o instigador extranei devem ser punidos pelo crime especial se o executor for um intaneus» [HENRIQUE SALINAS MONTEIRO in “A Comparticipação…” cit., p. 149.]. Por outro lado, inexiste qualquer divergência entre os autores quanto à aplicabilidade do cit. art. 28º, nº 1, do Cód. Penal aos casos de comparticipação em crimes especiais de executores extranei e cúmplices ou instigadores intranei [Cfr., neste sentido, HENRIQUE SALINAS MONTEIRO in “A Comparticipação…” cit., pp. 180-181.]. «Deste modo, se um cúmplice ou um instigador for intraneus também o executor extraneus responderá pelo crime especial» [HENRIQUE SALINAS MONTEIRO in “A Comparticipação…” cit., p. 184.]. O que, de resto, se afigura ser um resultado justo, se se tiver presente que «o executor imediato, apesar de ser um extraneus, adopta uma conduta que seria considerada verdadeira autoria, de acordo com os critérios gerais vigentes na matéria» [HENRIQUE SALINAS MONTEIRO in “A Comparticipação…” cit., p. 186.]. E «caem também no âmbito de aplicação do artigo 28º, nº 1, do Código Penal as situações de comparticipação em crimes especiais em que intervêm um executor extraneus, um cúmplice ou instigador intraneus e um cúmplice ou instigador extraneus, não existindo aqui divergência entre a doutrina que se tem pronunciado sobre o âmbito de aplicação desta norma» [HENRIQUE SALINAS MONTEIRO in “A Comparticipação…” cit., pp. 200-201.]. «Assim, basta para que todos os comparticipantes respondam pelo crime especial, próprio ou impróprio, que seja intraneus um cúmplice ou um intigador, ainda que o executor e os outros cúmplices ou instigadores sejam extranei» [HENRIQUE SALINAS MONTEIRO in “A Comparticipação…” cit., p. 201.] Finalmente, «a execução conjunta de intranei e extranei em crimes especiais está também incluída no âmbito de aplicação do artigo 28º, nº 1, do Código Penal», visto que «a co-autoria é também uma modalidade de “comparticipação”, bastando, em consequência, que um dos co-autores seja intraneus para tornar aplicável a disciplina jurídica constante do artigo 28º, nº 1, do Código Penal»[ HENRIQUE SALINAS MONTEIRO in “A Comparticipação…” cit., p. 201in “A Comparticipação…” cit., p. 215.]. «Assim, nos termos deste preceito, basta que um dos co-autores seja intraneus para que todos respondam pelo crime especial» [HENRIQUE SALINAS MONTEIRO, ibidem.]. Esta ressalva da parte final do nº 1 do art. 28º do Cód. Penal à aplicabilidade da consequência jurídica estatuída na primeira parte do mesmo preceito teve a sua origem nos casos de comparticipação em crimes de mão própria, embora tivesse sido admitida a possibilidade de a ela se recorrer noutras hipóteses [Cfr., neste sentido, HENRIQUE SALINAS MONTEIRO in “A Comparticipação…” cit., pp. 243 a 245.]. «O ponto de partida para a exclusão da aplicação da consequência jurídica do artigo 28º, nº 1, 1ª parte, do Código Penal, aos casos de comparticipação em “crimes de mão própria”, parece residir na circunstância de estes crimes apenas poderem ser cometidos mediante uma execução corporal de certas pessoas» [HENRIQUE SALINAS MONTEIRO in “A Comparticipação…” cit., p. 245.]. «O tipo exige, assim, não apenas a violação de um dever especial, mas também que essa violação seja realizada corporalmente pelo intraneus» [HENRIQUE SALINAS MONTEIRO, ibidem]. Segundo FIGUEIREDO DIAS [In “Textos de Direito Penal. Doutrina geral do crime”, Lições ao 3º ano da Faculdae de Direito da Universidade de Coimbra, elaboradas com a colaboração de Nuno Brandão, Coimbra, 2001, pp. 28-29.], crimes de mão própria são «os tipos de ilícito em que o preceito legal quer abranger como autores apenas aqueles que levam a cabo a acção através da sua própria pessoa, não através de outrem; quer abranger apenas pois, em princípio, os autores imediatos, ficando excluída a possibilidade da autoria mediata; e mesmo da coautoria relativamente àqueles comparticipantes que não tenham chegado a executar por próprias mãos a conduta típica, não podendo, por isso, nestes casos, verificar-se a “comunicabilidade” a que se refere o art. 28º (cf. a parte final do nº 1: “excepto se outra for a intenção da norma incriminadora”)». «É o caso, v.g., dos arts. 165º e 166º: só quem pratica, por si mesmo, o acto sexual incriminado pode ser considerado autor; como é o caso do art. 295º relativo à auto-colocação em estado de inimputabilidade através da ingestão ou consumo de bebidas alcoólicas ou de substância tóxica» [FIGUEIREDO DIAS, ibidem.]. |