Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0454266
Nº Convencional: JTRP00037144
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
TELEFONE
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP200409210454266
Data do Acordão: 09/21/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: .
Sumário: I - No contrato de prestação de serviço público telefónico (rede fixa), se o prestador do serviço envia ao utente as facturas respeitantes aos consumos, no prazo de seis meses após a prestação do serviço, não ocorre prescrição.
II - Efectuado o envio, nos termos referidos em I), o prazo de prescrição (extintiva) é de cinco anos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

RELATÓRIO

C..............., S.A., com sede em ............, intentou a presente acção declarativa, de condenação, sob a forma de processo sumário, contra B............., Lda., com sede em .............., pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de €4.455,01, acrescida dos juros de mora vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.
Alega, em síntese, ter celebrado com a Ré um contrato de prestação de serviço telefónico, na sequência do qual iniciou a Autora a prestação regular dos seus serviços (telefone fixo), com efectiva utilização pela Ré da rede pública comutada, através do posto telefónico nº ........... .
Contudo, não obstante os serviços prestados pela Autora, a Ré não pagou as facturas cujas cópias junta, no montante global de € 3.063,17, as quais deveriam ter sido pagas nas datas do respectivo vencimento. As facturas foram enviadas em devido tempo à Ré.
Citada, a Ré contestou, afirmando que nada deve à autora pois que pagou os serviços prestados pela autora e excepcionou a prescrição do direito de crédito da demandante.
Houve resposta da Autora à matéria de excepção. No respeitante à prescrição alega que interrompeu a prescrição facturando os consumos feitos pela Ré dentro do prazo de seis meses que a lei determina, remetendo à Ré as respectivas facturas.
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No despacho saneador, o julgador da 1ª instância conheceu, desde logo, da excepção peremptória da prescrição, julgando-a procedente e, consequentemente, absolveu a ré do pedido.
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Inconformada, a autora apelou, tendo, nas alegações, concluído:
1ª- O contrato de prestação de serviço telefónico é mensal e periodicamente renovável;
2ª- Assim, o prazo de prescrição aplicável ao caso em apreço é de cinco anos (al. g) do artº 310º do CC);
3ª- O DL nº 381-A/97 de 30 de Novembro veio já afastar a aplicação da Lei 26/96 ao serviço de telefone;
4ª- Ao determinar que o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado se esgotava com a apresentação da respectiva factura (nºs 4 e 5 do artº 9º), considerava-se que o direito de exigir o crédito, não tendo sido objecto de qualquer disposição em contrário, estava sujeito ao disposto no CC;
5ª- A Lei 5/2004 de 10 de Fevereiro esclareceu esta questão definitivamente e expressamente excluiu o serviço de telefone do âmbito da lei 23/96 de 26 de Julho (nº 2 do artº 127);

Não houve resposta às alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

2.1- OS FACTOS E O DIREITO APLICÁVEL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 690º, nº 1 e 3, do C.P.Civil.
A questão primeira e essencial a resolver consiste em saber-se se o julgador a quo podia, desde logo, em face do alegado nos articulados, proferir o saneador-sentença, ou seja, conhecer, sem mais, da excepção peremptória da prescrição e do mérito da acção.
Vejamos.
Alega a autora/apelante ter prestado à ré serviços de telecomunicações móveis entre Junho de 1999 e Maio de 2000.
Na contestação, a demandada limita-se a dizer (ver arts. 5º a 8º) que correspondendo o eventual débito a serviços prestados durante o referido período de tempo (Junho de 1999 a Maio de 2000) e a acção ter sido proposta em Setembro de 2003, já havia decorrido o prazo prescricional de 6 meses estabelecido no artº 10º, do DL nº 23/96, de 26/06.
Como é sabido, cabia à ré a prova dos factos atinentes à procedência da excepção peremptória da prescrição (artº 342º, nº 2, do CC), sem prejuízo do disposto nos arts. 344º, nº 1, e 350º, do CC.
Ora, mostra-se alegado pela demandante (ver artº 4º da petição e 3º da resposta), o que a ré não impugnou na contestação (ver arts. 487º e 490º, do CPC), que as facturas respeitantes aos serviços prestados foram enviadas em devido tempo à demandada, concretamente que facturou os consumos feitos pela ré dentro do prazo de seis meses que a lei determina, remetendo à ré as respectivas facturas.
Trata-se, pois, de matéria de facto não controvertida com inegável interesse para a decisão da aludida excepção peremptória, em face do estatuído nos arts. 10º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, de 26/06, e 9º, n.º 4, do DL n.º 381-A/97, de 30/12, onde se estabelece que "o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação".
Ora, no caso, antes de se analisar a controversa questão da natureza presuntiva ou extintiva da prescrição de seis meses prevista nos citados normativos, importa ponderar desde quando se inicia a contagem do prazo prescricional aí referido.
Ensina o Prof. Menezes Cordeiro ("Da Prescrição do Pagamento dos Denominados Serviços Públicos Essenciais", p. 69 e sgs.) e decidiu-se nos Acs. desta Relação, de 25/10/2000 e 02/12/2002 (Apelações n.º 1258/2000-3ª secção, in www.dgsi.pt., e nº 1555/2002-5ª secção), que o prazo de seis meses apenas se refere à apresentação das facturas e que tal prazo não abarca outras formas de exigência de pagamento, designadamente, a judicial, aplicando-se, neste caso, o prazo de cinco anos previsto no artº 310º, al. g), do Código Civil. Seis meses depois de efectuado o fornecimento, se não houver factura, há prescrição. Enviada a factura no aludido prazo, o direito de exigir o pagamento foi tempestivamente exercido. A partir daí, haverá prescrição (extintiva) quinquenal.
Parece-nos ser este o melhor entendimento (artº 9º, n.º 3, do CC) do estatuído no artº 10º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, e que se coaduna com o instituto da prescrição e os interesses - do utente e do prestador de serviço - envolvidos na prestação destes serviços públicos (electricidade, água, gás e telefone). Refere o Prof. Menezes Cordeiro (ob. cit., p. 70) que "o legislador pretendeu (objectivamente) que o prestador não demore indefinidamente o envio das facturas. Se o não fizer no prazo de seis meses após a prestação, presume-se que a remessa teve lugar e que a factura foi paga. Nada mais havendo, o prestador já não poderá provar que mandou uma factura determinada e, consequentemente, que ela não tenha sido paga. Só por confissão do destinatário, que reconheça não a ter recebido (e logo: não a ter pago), se poderá considerar uma factura chegada seis meses após o fornecimento".
Isto dito, apurado, no caso em apreço, o envio das facturas à ré no prazo seis meses após a prestação dos serviços de telefone fixo (1999-2000) e que a acção foi intentada em Setembro de 2003, não procede a invocada prescrição.
O direito de exigir o pagamento foi tempestivamente exercido pela autora.
É, assim, possível conhecer, no saneador, da referida excepção peremptória.
No entanto, uma vez que a ré alega ter pago os serviços prestados pela autora, importa dar seguimento à acção a fim de a demandada, em julgamento, provar o pagamento.
Quer dizer, ainda não se pode decidir de mérito, devendo a acção prosseguir com a condensação, instrução e julgamento.
Procedem, deste modo, as conclusões do recurso.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, e, na improcedência da excepção peremptória da prescrição, determina-se o prosseguimento da acção a fim de a demandada, em julgamento, provar o pagamento dos mencionados serviços que lhe foram prestados pela autora.
Custas pela apelada.
Porto, 21 de Setembro de 2004
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues
José António Sousa Lameira