Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0353703
Nº Convencional: JTRP00036381
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
NÃO-CUMPRIMENTO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
CLÁUSULA RESOLUTIVA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
CONTRATO
Nº do Documento: RP200307070353703
Data do Acordão: 07/07/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 2 V CIV PORTO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: .
Sumário: I - Haverá cumprimento defeituoso, mau cumprimento ou cumprimento imperfeito quando a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela, ao objecto da obrigação a que ele estava adstrito. Em matéria de cumprimento defeituoso importa ter presente, em conjugação, as normas respeitantes ao cumprimento e incumprimento das obrigações e ao contrato de compra e venda.
II - O promitente comprador pode excepcionar o não cumprimento do contrato por parte da promitente vendedor, recusando-se a cumprir, ou seja, a celebrar o contrato prometido (a escritura de compra e venda) enquanto o promitente vendedor não reparar os defeitos. Tal instituto opera mesmo no caso de incumprimento defeituoso, tendo-se em conta, todavia, o princípio da boa fé.
III - O contraente que cumpre defeituosamente a sua obrigação não tem o direito de exigir a respectiva contraprestação, como se nenhuma falta houvesse da sua parte dentro da economia da relação contratual.
IV - O promitente vendedor ao operar a cláusula resolutiva expressa deve respeitar o princípio geral da boa fé e o da autonomia da vontade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


1- RELATÓRIO

P..., Lda., com os sinais dos autos, instaurou a presente acção declarativa, de condenação, com processo ordinário, contra João... e mulher Paula..., com os sinais dos autos, pedindo que seja decretada a resolução do contrato-promessa, por incumprimento definitivo dos RR., a perda a seu favor de todas as quantias por eles entregues, a condenação dos RR. a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre as fracções e a entregarem-lhas livres e desocupadas, bem como a pagarem-lhe, solidariamente, a quantia de Esc. 180.000$00 por cada mês de ocupação ilegítima, desde 20/2/96, até efectiva entrega.
Alegou, em síntese, que celebrou com o réu marido um contrato-promessa de compra e venda relativo a um prédio (fracções autónomas), situado na cidade do Porto, prometido comprar pelo réu, contrato esse que este não cumpriu, visto que se recusou a comparecer no local, dia e hora designados para a escritura (31/01/1996), o que, de acordo com o teor da cláusula 5ª do contrato-promessa, origina o incumprimento definitivo e justifica a resolução do contrato, o que a demandante fez. Os réus ocupam ilegitimamente as fracções autónomas, causando prejuízo à autora.
Citados, os RR. contestaram, alegando, em síntese, que o não comparecimento, no dia 31/01/1996, no Cartório Notarial, se ficou a dever ao facto de as fracções objecto do contrato-promessa não terem as virtualidades necessárias ao fim a que se destinam, nomeadamente por deficiências de construção, que discriminam, defeitos esses que constataram dias após as terem ocupado e de que deram conhecimento à A., a qual prometeu resolver a situação mas, passado cerca de mês e meio, em fins de Janeiro de 1996, tudo continuava na mesma já que a A. apenas enviou ao prédio, naquela data, um ou dois trabalhadores, os quais, todavia, nenhum defeito repararam. Por isso, o R., com data de 30/01/96, enviou à A. carta registada com A.R. que junta e que dava conta dos diversos defeitos, os quais eram do conhecimento da A. que, por isso, não tinha o direito de marcar a escritura, até porque o R., antes de lhe enviar a referida carta registada datada de 30JAN96, que ela deliberadamente omite, a alertara de que não compareceria à escritura enquanto os defeitos não fossem reparados, carta essa em que mostrava o seu interesse no contrato prometido logo que reparados os defeitos ou desde que a A. reduzisse o preço em Esc. 3.000.000$00, montante estimado para a reparação.
Houve réplica, na qual a demandante manteve o vertido na petição.
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Saneado, condensado e instruído o processo, foi designado dia para audiência de discussão e julgamento.
Após julgamento, foi proferida sentença, julgando-se a acção improcedente.
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Inconformada, a demandante apelou, tendo concluído nas suas alegações:

1°- Do contrato promessa bilateral celebrado entre a Apelante e os Apelados resulta claramente a marcação de um prazo limite e absoluto para celebração do contrato definitivo, pelo que a falta de comparência do Apelado marido ao Notário para celebração desse contrato, fá-lo incorrer na imediata resolução do contrato promessa com as inerentes consequências legais.

2°- É entendimento unânime entre a Doutrina que, para além das situações de conversão da mora em incumprimento definitivo, previstas no Art°808° do C.c., o mesmo sucederá se o devedor manifestar vontade de não cumprir o contrato de forma expressa ou tácita. Pelo que, não tendo o Apelado marido comparecido na data peremptoriamente marcada para a celebração do contrato definitivo sem que até essa data, tenha manifestado a sua vontade em sentido diverso, deve ter-se por não cumprido o contrato-promessa em causa. Em consequência,

3º- Tendo-se obtido assim, o incumprimento definitivo do aludido contrato-promessa, não tinha a Apelante, salvo o devido respeito, necessidade de alegar circunstâncias objectivamente denunciadoras da perda de interesse no cumprimento do contrato promessa para justificar a conversão da mora em incumprimento definitivo.

4°- Invocada pelos Apelados a excepção de não cumprimento do contrato, a Apelante não se encontrava em mora no cumprimento da sua obrigação porquanto, nunca fora, até à data marcada para o cumprimento do contrato definitivo, interpelada judicial ou extra judicialmente para cumprir, conforme dispõe o Art°805° do Código Civil.

5º- A prestação recusada pelos Apelantes não deverá ser considerada essencial pois, no caso concreto, bem poderiam os Apelados sem perder o benefício do prazo, exercer os seus legítimos direitos contra o eventual cumprimento defeituoso da Apelante lançando mão das acções próprias de cumprimento ou indemnização pelos danos provenientes desse cumprimento.

6°- O Tribunal a quo na interpretação e aplicação da "exceptio non adimpleti contractus" contida na norma do Art°428° do Código Civil, não teve em conta o princípio da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito da Apelante e o exercício da excepção por parte dos Apelados.

7°- Sendo considerada válida e eficaz a resolução do contrato promessa em discussão, deverão pois, ser considerados procedentes os pedidos que a Apelante deduziu designadamente, a perda a seu favor do sinal entregue pelos Apelados, a condenação destes a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre as fracções autónomas em causa entregando-as livres e desocupadas de pessoas e bens bem como, a pagar-lhe solidariamente indemnização por cada mês de ocupação ilegítima desde 20/02/96 até efectiva entrega.

8°- Salvo o devido respeito, a douta sentença do Tribunal a quo viola as disposições contidas nos Art°s 801°, 805°, 808° do Código Civil e ainda, o Art°428° do mesmo diploma legal.

Contra-alegaram os réus, sustentando que deve manter-se a decisão recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

2.1- OS FACTOS

A matéria de facto adquirida pela 1ª instância não vem posta em crise pelo que, nos termos do artº 713º, nº 6, do CPC, remete-se, nesta parte, para os termos da sentença recorrida.

2.2- O DIREITO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 690º, nº 1 e 3, do C.P.Civil.
O que se discute na apelação é, no essencial, a existência, ou não, de falta de cumprimento ou incumprimento definitivo por parte do réu promitente comprador e o consequente direito de resolução contratual exercido pela promitente vendedora.
As partes celebraram um contrato-promessa de compra e venda de imóvel, válido e eficaz - arts. 410º, 874º e 875º, do C. Civil - que, conforme decorre manifestamente do seu clausulado, é um contrato bilateral ou sinalagmático.
A autora e o réu marido obrigaram-se a celebrar o contrato prometido ou, mais concretamente, a emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido ( A. Varela, Das Obrigações em Geral, 9ª ed., vol. I, p. 317, Do Contrato--promessa, de Abel P. Delgado, 3ª Edição, págs. 83 e seguintes).
Como contrato que é esse negócio jurídico deve ser pontualmente cumprido, ou seja, o cumprimento deve coincidir ponto por ponto com a prestação a que o devedor se encontra adstrito (art. 406º, nº1, do C. Civil).
Decorre do artº 762º, nº 1, do CC, que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.
É sabido que, atendendo ao efeito ou resultado, existem três formas de não cumprimento: a falta de cumprimento ou incumprimento definitivo, a mora ou atraso no cumprimento e o cumprimento defeituoso (A. Varela, Das Obrigações em Geral, 9ª ed., II, págs. 62 e segs., e M.J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed., págs. 927 e segs.).
A falta de cumprimento ocorre quando a prestação deixou de ser executada no devido tempo e já não pode ser cumprida e por se tornar impossível (arts. 801º e 802º, do CC).
Pode, ainda, o não cumprimento definitivo resultar da falta irreversível de cumprimento, equiparado por lei à impossibilidade (artº 808º, nº 1, do CC). Tal sucede quando a prestação, sendo materialmente possível, perdeu o interesse, objectivamente justificado, para o credor.
Dispõe-se no citado nº 1, do artº 808º, do CC, que "se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação,..., considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação".
No nº 2 desse normativo, estatui-se que "a perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente".
Na referida norma, consagram-se duas causas de inadimplimento definitivo: quando se verifica a perda do interesse do credor na prestação devida, com a demora do devedor, e quando o devedor moroso não cumprir no prazo razoável, adicional e peremptório (admonitório), fixado pelo credor.
Pressupõe-se a mora do devedor (artº 804º, nº 2, do CC), convertida em não cumprimento definitivo, equiparando-se este à impossibilidade de cumprimento (artº 801º, do CC).
Uma terceira causa de incumprimento definitivo ocorrerá quando o devedor declara, inequivocamente, que não cumprirá o contrato ou quando o promitente vendedor vende a terceiro o imóvel objecto do contrato (ver doutrina citada, e, por todos, o Ac. STJ, CJ/STJ, 1999, I, p. 61).
Haverá cumprimento defeituoso, mau cumprimento ou cumprimento imperfeito quando a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela, ao objecto da obrigação a que ele estava adstrito ou quando “o comerciante cumpre oportunamente a obrigação, mas entregando géneros avariados ou produtos deteriorados” (A. Varela, ob. cit., II, p. 65, Parecer na CJ, 1987, IV, p. 21, e, também, Almeida Costa, ob. cit., p. 947-952).
Em matéria de cumprimento defeituoso importa ter presente, em conjugação, as normas respeitantes ao cumprimento das obrigações (artº 762º e segs., do CC), ao não cumprimento (artº 798º e segs., do CC) e ao contrato de compra e venda (art. 905º e segs. e 913º e segs.). No artº 914º, do CC, estabelece-se o direito do credor à reparação ou substituição da coisa defeituosa. Não cumprindo o devedor essa sua obrigação, poderá o credor, como se deixou referido, com base no incumprimento definitivo ou na mora equiparada a incumprimento definitivo, resolver o contrato (arts. 432º e 801º, do CC) ou, querendo ainda realizar o contrato, excepcionar o não cumprimento (artº 428º, do CC).
No cumprimento defeituoso compete ao credor fazer a prova do defeito verificado (artº 342º, nº 1, do CC, e A. Varela, ob. cit., p. 101).
Quanto à causa da falta de cumprimento existem duas modalidades de não cumprimento: inimputável ao devedor e imputável ao devedor.
Só nos casos de não cumprimento imputável ao devedor se pode rigorosamente falar em falta de cumprimento.
O não cumprimento definitivo, imputável a um dos contraentes, confere ao outro o direito de resolver o contrato-promessa (arts. 432º, nº 1, e 801º, nº 2, do C. Civil). No caso de essa falta de cumprimento ser imputável ao promitente comprador, pode o promitente vendedor fazer sua a quantia entregue a título de sinal (artº 442º, nº 2, do CC).
A resolução consiste no acto de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, em plena vigência deste, e que tende a colocar as partes na situação que teriam se o contrato não se houvesse celebrado (M.J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed., pág. 268).
O direito de resolução é um direito potestativo extintivo e dependente do facto do incumprimento, estando sempre condicionado a uma situação de inadimplência -Batista Machado, "Pressupostos de Resolução por Incumprimento", Estudos de Homenagem ao Prof. Teixeira Ribeiro, págs. 348-349.
Admite-se a resolução do contrato fundada na lei ou a convencional (artº 432º, nº 1, do CC), podendo aquela fazer-se, extrajudicialmente, mediante declaração à outra parte (artº 436º, nº 1, do C. Civil) ou judicialmente.
Feitas estas breves considerações de natureza normativa, doutrinal e jurisprudencial, analisemos o objecto do recurso.
No tribunal recorrido decidiu-se no sentido de que a autora promitente vendedora não podia resolver o contrato-promessa, porquanto “a A. não alegou circunstâncias objectivamente denunciadoras da perda do interesse no cumprimento do contrato, situação esta susceptível de conversão de uma situação de mora em incumprimento definitivo, para além da ultrapassagem do prazo estabelecido para a outorga da escritura e do constante nas cláusulas 4ª, n° 1, e 5ª do contrato-promessa”.
Prova-se, além do mais, que nos termos da cláusula 4ª, n° 1, do contrato-promessa, a escritura pública de compra e venda realizar-se-ia até ao dia 31 de Janeiro de 1996. Na cláusula quinta (5ª) do contrato-promessa celebrado pelas partes estabelece-se que "a falta de comparência do promitentes comprador ao acto de assinatura da escritura de compra e venda, (…) será tido para todos os efeitos como recusa do cumprimento deste contrato, acarretando todos os efeitos previstos na lei".
No entender da apelante resulta claramente do contrato-promessa bilateral celebrado a marcação de um prazo limite e absoluto para celebração do contrato definitivo e não um prazo relativo determinante da simples incursão em mora.
Em princípio, assim também nos parece (ver, a propósito, o Ac. STJ, in CJ/STJ, 2000, II, 32).
A nosso ver, a referida cláusula 5ª poderá até constituir uma cláusula resolutiva expressa, pela qual se confere a uma das partes, no caso à promitente vendedora, o direito potestativo de extinção da relação contratual, no caso de se verificar certo facto futuro e incerto (A. Varela, ob. cit., 7ª ed., vol. II, p. 278, e, entre outros, os Acórdãos do STJ, CJ/STJ, 2000, II, 24 e 32).
No entanto, ponderados os interesses em causa, o princípio geral da boa fé (artº 762º, nº 2, do CC) e da autonomia da vontade (artº 405º, do CC), poder-se-á entender que a autora, ao operar a referida cláusula resolutiva expressa, respeitou, objectivamente, aqueles princípios? Ou tinha que alegar e provar “circunstâncias objectivamente denunciadoras da perda do interesse no cumprimento do contrato”, como se ajuizou na sentença recorrida?
No caso em apreço, o que importa analisar, antes de mais, é se a falta de comparência do réu marido, no dia 31/01/1996, para a outorga da escritura de compra e venda, implica, sem mais, a violação, terminante, do seu dever jurídico de contratar, ou seja, o não cumprimento definitivo por parte do promitente comprador.
Não nos parece.
Com efeito, tendo presente o critério interpretativo (objectivista ou normativo) da impressão do destinatário, consagrado no artº 236º, nº 1, do CC (ver, também o artº 238º, nº 1), a interpretação que faria um declaratário normal e medianamente hábil, do clausulado no contrato-promessa, designadamente das cláusulas 4ª, nº 1, e 5ª, será, a nosso ver, no sentido de que apenas a falta de comparência injustificada significaria a recusa do cumprimento e conduziria, desde logo, ao incumprimento definitivo. Basta atentar numa situação de impossibilidade de comparência do promitente comprador originada, por exemplo, por doença súbita deste e da R. mulher, para se concluir não ser aceitável que a não comparência do mesmo permitisse à promitente vendedora resolver, sem mais, o contrato.
Pensamos que a mais elementar boa fé negocial e o necessário equilíbrio das prestações (arts. 227, nº 1, 237º, 239º e 762º, nº 2, do CC) assim o impõem, sem que, com isso, haja atropelo dos princípios da liberdade, da pontualidade e estabilidade contratual consagrados nos arts. 405º e 406º, nº 1, do CC.
Isto dito, importa, de seguida, indagar se a não comparência do R. marido, no dia 31/01/1996, tem justificação no quadro da relação sinalagmática estabelecida pelos contraentes, ou seja, da reciprocidade e interdependêcia das obrigações dos contraentes características dos contratos bilaterais.
Está provado que a autora entregou, em 06/12/1995, aos RR. as fracções objecto da promessa de compra e venda.
Através da carta de fls. 57-59, datada de 30/01/1996, o réu expôs as razões da sua não comparência no dia marcado para a escritura, manifestando, por outro lado, a sua intenção de celebrar o contrato prometido desde que a promitente vendedora prestasse garantia (3.000.000$00) de que repararia os defeitos num prazo razoável.
Dessa carta resulta, desde logo, o que nos parece relevante, que o réu marido e promitente comprador exprime, em termos categóricos, que quer cumprir o contrato-promessa, embora condicione esse seu propósito a uma prestação da promitente vendedora.
Em face do clausulado no contrato-promessa, livremente celebrado, será razoável condicionar a realização da escritura à reparação dos defeitos do imóvel ou à prestação de caução por banda da promitente vendedora como fez o promitente comprador ao enviar à autora a mencionada carta datada de 30/01/1996?
Por outras palavras, o promitente comprador poderia excepcionar o não cumprimento do contrato por parte da promitente vendedora (artº 428º, do CC)?
Ensina o Prof. M. J. Almeida Costa (ob. cit., p. 308 e segs.), que tal instituto opera mesmo no caso de incumprimento defeituoso, tendo-se em conta, todavia, o princípio da boa fé (artº 762º, nº 2, do CC), daí resultando a exigência de uma apreciação da gravidade da falta, que não pode mostrar-se insignificante, bem como se impõe a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção (ver, ainda, a extensa doutrina e jurisprudência citadas na nota 2, na p. 310).
Ora, se bem que tenha ficado provado que “A fracção não impede as normais condições de habitabilidade mas ocasiona desconforto, aliado a uma certa insalubridade”, o certo é que, em termos de deficiências do objecto (fracção) da promessa de compra e venda, provaram-se os factos descritos em 2.2.27, 2.2.28, 2.2.32 a 2.2.37, 2.2.39 e 2.2.40, da sentença recorrida.
Parece-nos, assim, inegável a existência de uma falta qualitativa de cumprimento da obrigação a que estava adstrita a promitente vendedora, ou seja, cumprimento defeituoso (artº 799º, do CC), sendo que está provado que a autora sabia da existência de humidades na fracção e, em fins de Janeiro de 1996, tudo continuava quase na mesma, tendo a A. enviado dois ou três trabalhadores da construção civil.
Decorre do exposto que, a nosso ver, o promitente comprador podia recusar-se a cumprir, ou seja, a celebrar o contrato prometido (a escritura de compra e venda) enquanto a promitente vendedora não reparasse aqueles defeitos. Na verdade, entendemos que a falta da promitente vendedora não se mostra insignificante e, bem assim, que a recusa (excepção) do promitente comprador não é inadequada ou desproporcionada relativamente à mencionada falta.
Como salienta o Prof. A. Varela (Parecer citado) “não faria nenhum sentido, na verdade, que a vendedora deixasse culposamente de realizar a prestação a que se encontrava adstrita, cumprindo defeituosamente a sua obrigação, e mantivesse intacto o seu direito à contraprestação, como se nenhuma falta houvesse da sua parte dentro da economia da relação contratual”.
Mais refere que “o que é justo e o que está conforme com o pensamento subjacente aos contratos bilaterais, espelhado claramente no artº 428º e noutras disposições mais do Cód. Civil, é que o contraente que cumpre defeituosamente a sua obrigação não tem o direito de exigir a respectiva contraprestação, como se nenhuma falta houvesse da sua parte dentro da economia da relação contratual.
O que é justo e o que está conforme com o pensamento subjacente aos contratos bilaterais, espelhado claramente no artº 428º e noutras disposições mais do Cód. Civil, é que o contraente que cumpre defeituosamente a sua obrigação não tem o direito de exigir a respectiva contraprestação enquanto não corrigir o defeito da sua prestação”.
Deste modo, após a carta que lhe foi remetida pelo réu marido, datada de 30/01/1996, a autora deveria oferecer-se para reparar os defeitos, num prazo razoável, ou aceitar a prestação da garantia sugerida pelo promitente comprador, e, seguidamente, marcar nova data para a realização da escritura de compra e venda.
Nada disso fez a autora, limitando-se a resolver o contrato-promessa invocando, objectivamente, o teor da cláusula 5ª do contrato e, três anos depois, a intentar a presente acção.
A nosso ver, não assistia à promitente vendedora o direito à resolução contratual nos termos (tempo, forma e conteúdo) em que o concretizou. Não ficou, na verdade, provado que sob uma aparente recusa de contratar por parte do promitente comprador se verificou, na realidade, um incumprimento do contrato imputável ao(s) réu(s).
A acção deve improceder, se bem que do ponto de vista ético-jurídico pareça, à primeira vista, inaceitável o comportamento dos réus ao ocuparem as fracções autónomas, desde Fevereiro de 1996, até ao presente, sem pagarem, ao menos, a “taxa de ocupação” mensal, em conformidade com o acordado no aditamento contratual efectuado em 06/12/1995 (cláusula 3ª, al. c)).
Porém, tal situação ficou a dever-se, salvo melhor opinião, a uma conduta omissiva e culposa da promitente vendedora, a qual deve suportar o respectivo ónus (arts. 762º, nº 1, 798º e 799º, nº 1, do CC).
Improcedem, assim, as conclusões do recurso.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juizes deste Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 7 de Julho de 2003
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues
José António Sousa Lameira