Acórdão do Tribunal da Relação do Porto  | |||
| Processo: | 
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| Nº Convencional: | JTRP00038883 | ||
| Relator: | ALZIRO CARDOSO | ||
| Descritores: |  INVENTÁRIO HERDEIRO LEGATÁRIO  | ||
| Nº do Documento: | RP200602210523824 | ||
| Data do Acordão: | 02/21/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: |  I - Nos casos em que o fideicomisso recai sobre a universalidade ou uma quota da universalidade e, em que, por isso, fiduciário e fideicomissário são herdeiros, há lugar a inventário. II - Porque o direito de propriedade do fideicomissário promana do autor da herança, há apenas que relacionar os bens objecto de fideicomisso, tomando o inventário a figura de inventário arrolamento.  | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: |  ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I- Relatório B……… e esposa C………. requereram inventário para partilha da herança aberta por óbito de D………., seu tio, para partilha dos imóveis que foram legados a este por E………. . Por despacho proferido a folhas 867 a 872, por se ter entendido que foi requerido inventário, quando ao caso em apreço cabe o processo especial de divisão de coisa comum, existindo erro na forma do processo que tem como consequência a nulidade de todo o processado, julgou-se verificada a aludida nulidade e determinou-se a extinção da instância. Inconformado o requerentes B………. interpôs o presente recurso, tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões: 1- O legatário sabe o que tem direito, conhece o objecto ou o valor com que foi contemplado pelo testador, sem que a herança haja sido partilhada e o herdeiro, só com a partilha da herança vê concretizado o seu direito e até lá tem mera porção ideal no montante hereditário que poderá ser preenchido de uma outra forma, de acordo com a partilha que se vier a efectuar; 2- Assim, a disposição testamentária de E………., pela qual deixou, a favor dos seus irmãos, no qual se inclui o inventariado D……… “…o remanescente da minha herança …, sendo porém todos somente usufrutuários, revertendo os seus legítimos herdeiros a raiz da propriedade que lhes pertencer, logo que estes meus irmãos venham a falecer”, constitui uma instituição de herdeiros e não de legatários; 3- Tal conclusão assenta, não só na vontade real da testadora, mas também no disposto no artigo 2030º, n.º 2 e 3 do Código Civil, pois ao deixar o remanescente da sua herança aos seus irmãos, não ficaram determinados nem especificados os bens em que estes sucederiam; 4- Coloca-se ainda a questão de saber se a instituição fideicomissária – que está em causa nestes autos – é causal do processo de inventário; 5- A resposta a tal questão terá de ser positiva, quando a fideicomisso recai sobre a universalidade ou uma quota da universalidade – como é o caso dos presentes autos, conforme as conclusões anteriores -, e em que, por isso fiduciário e fideicomissário são herdeiros; 6- Assim, aos presentes autos cabia o processo especial de inventário, tal qual foi requerido pelo aqui recorrente, e não a acção especial de divisão de coisa comum, não se verificando erro na forma de processo. Deverá, consequentemente, revogar-se a decisão recorrida, proferindo-se acórdão que ordene o prosseguimento dos autos. Não houve contra-alegações Corridos os vistos cumpre decidir. II- Questão prévia O presente recurso foi admitido e tramitado como apelação. Porém, tendo em conta que a decisão recorrida não conheceu do mérito da causa, tendo declarado extinta a instância, por se ter entendido haver erro na forma de processo que determina a anulação de todo o processo, o recurso próprio é de agravo e não o recurso de apelação (artigos 733º e 691º do CPC). Assim, determina-se a alteração da espécie do recurso, corrigindo-se a distribuição. III- Fundamentos e apreciação do mérito do recurso 1. De Facto Com interesse para apreciação do recurso têm-se como assentes os seguintes factos: Em processo de inventário obrigatório que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Paredes, sob o n.º ../1964, procedeu-se À partilha por óbito de E………., falecida em 27-12-1963. A inventariada E………., fez testamento, no qual instituiu vários legados e declarou deixar a favor dos seus irmãos, incluindo o aqui inventariado D………. “o remanescente da sua herança (…) sendo, porém, todos somente usufrutuários, revertendo para os seus legítimos herdeiros a raiz da propriedade que lhes pertencer, logo que estes seus irmãos venham a falecer”. B………. e esposa requereram o presente inventário para partilha da herança aberta por óbito de C………., seu tio e irmão da dita E………. . Os bens imóveis relacionados nos presentes autos de inventário correspondem aos bens imóveis adjudicados ao inventariado D………. nos autos de inventário por morte de E………. . 2. De direito A única questão a decidir consiste em saber se há erro na forma de processo escolhida pelos requerentes do presente inventário. A resposta pressupõe a resolução de uma questão prévia, qual seja a de saber se os requerentes devem ser qualificados relativamente à herança em causa como herdeiros ou legatários. Com efeito, a qualidade dos sucessores impõe procedimentos diferentes quanto à forma de entrarem na posse do que lhes pertence na sucessão a que são chamados. Sendo herdeiros, o processo adequado ao reconhecimento das suas quotas e composição dos respectivos quinhões será o de inventário (2101º n.º 1, do Cód. Civil e 1326º e segs. do CPC); Sendo legatários, apenas lhes compete reclamar dos herdeiros a entrega dos bens legados (arts. 2265º n.º 1 e 2270º do Cód. Civil) e subsistindo compropriedade entre os legatários, o processo adequado para fazerem cessar tal comunhão, é o de divisão de coisa comum. Importa, pois, antes de mais saber se os requerentes do inventário têm a qualidade de legatários ou de herdeiros. Depois de proclamar no seu n.º 1 que os sucessores são herdeiros ou legatários, o n.º 2 do artigo 2030º estabelece o seguinte: “diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido, e legatário o que sucede em bens ou valores determinados”. No caso dos autos, os requerentes instauraram o presente inventário para partilha dos bens que couberam ao seu falecido tio, D………., na partilha por óbito da irmã deste, E……… . Esta, por testamento, deixou aos seus irmãos, entre eles o aqui inventariado E………. “o remanescente da sua herança (…), sendo porém, todos somente usufrutuários, revertendo para os seus herdeiros a raiz da propriedade que lhes pertencer, logo que estes seus irmãos venham a falecer”. O remanescente da herança ou do património hereditário é aquilo que eventualmente resta ou sobeja da quota disponível da herança ou de toda a herança, no caso de não haver herdeiros legitimários, após o autor da sucessão ter instituído, por testamento ou contrato, os legados ou quotas da herança. Face à noção de herdeiro do n.º 2 do artigo 2030º do Código Civil, como o “que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido”, poderiam surgir dúvidas quanto à qualificação das deixas do remanescente, uma vez que este verdadeiramente não é a totalidade nem uma quota patrimonial. Daí que, para evitar dúvidas, o n.º 3, do artigo 2030º, estabeleça que “é havido como herdeiro o que sucede no remanescente dos bens do falecido, não havendo especificação destes”. Sendo assim, ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida os irmãos da referida testadora não forma instituídos como legatários, dado que não sucederam em bens certos e determinados, mas sim num conjunto indeterminado e não especificado de bens, constituído pelo “remanescente da herança”. Embora sem rigor técnico, a dita clausula não oferece dúvidas de interpretação quanto à vontade da testadora de estabelecer uma disposição fideicomissária. A lei civil permite as substituições fideicomissárias, disposições pelas quais o testador impõe ao herdeiro instituído o encargo de conservar a herança, para que ela reverta, por sua morte, a favor de outrem: o herdeiro agravado com o encargo chama-se fiduciário e o beneficiado com a instituição fideicomissário (art. 2286º). O objecto da substituição pode ser constituído por herança ou por legado (art. 2296º). O fiduciário tem o gozo e a administração dos bens, numa situação muito semelhante ao usufrutuário, como a lei reconhece (cf. art. 2290º n.º 2). Todavia, o fiduciário é verdadeiro titular dos bens, tendo uma situação diversa da do usufrutuário. Diz o legislador que os bens revertem do fiduciário para o fideicomissário, não que este suceda àquele. O fideicomissário não é sucessor do fiduciário: os bens revertem do fiduciário para o fideicomissário, sendo ambos sucessíveis do de cujus. Como refere a decisão recorrida, nos casos em que o fideicomisso recai sobre a universalidade ou uma quota da universalidade, e em que, por isso, fiduciário e fideicomissário são herdeiros, há lugar a inventário. Embora, porque o direito de propriedade do fideicomissário promana do autor da herança, havendo apenas que relacionar os bens objecto de fideicomisso, o inventário toma a figura de inventário arrolamento –cf. artigo 1326º, 2ª parte, do CPC. Entendeu-se, porém, não haver lugar a inventário, por se ter considerado que a disposição testamentária pela qual E………. deixou, a favor de seus irmãos, incluindo D………. “o remanescente da sua herança (…), sendo porém, todos somente usufrutuários, revertendo para os seus herdeiros a raiz da propriedade que lhes pertencer, logo que estes seus irmãos venham a falecer”, constitui legado. Partindo desse pressuposto, conclui que tendo a testadora instituído como fideicomissários todos os seus herdeiros legítimos dos fiduciários, na proporção constante do testamento, e não pretendendo os fideicomissários manter-se na indivisão, o processo próprio para porem fim à indivisão é o da acção de divisão de coisa comum, inexistindo, nas hipóteses em que o testador institui um legado, com disposição fideicomissária, como foi o caso dos autos, fundamento para inventário. Concorda-se com a decisão recorrida na parte em que defende que nos casos em que o testador institui um legado, com disposição fideicomissária, inexiste fundamento para inventário. Mas, com o devido respeito, a referida disposição testamentária, não institui os irmãos da testadora como legatários. Como acima se referiu, nos termos do n.º 3, do artigo 2030º “é havido como herdeiro o que sucede no remanescente dos bens do falecido, não havendo especificação destes”. No caso dos autos os irmãos da testadora não sucederam, como fiduciários, em bens certos e determinados, mas sim num conjunto indeterminado e não especificado de bens, constituído pelo “remanescente da herança”. Ao deixar o remanescente da sua herança aos seus irmãos, não ficaram determinados nem especificados os bens em que estes sucederiam como fiduciários. Assim, diferentemente da decisão recorrida, entendemos que os fiduciários e fideicomissários não são legatários, mas sim herdeiros da testadora. Assim, conforme fundamentação da própria decisão recorrida, há lugar a inventário arrolamento (cf. art. 1326º, 2ª parte, do CPC). Porque o direito de propriedade do fideicomissário promana do autor da herança, resta apenas relacionar os bens objecto de fideicomisso. Mas não se verifica a declarada nulidade por erro na forma de processo. Termos em que procedem as conclusões do recorrente. IV- Decisão Pelo exposto, acordam em julgar o recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida. Sem custas (artigo 2º n.º 1, alínea g), do C.C.J.). * Porto, 21 de Fevereiro de 2006Alziro Antunes Cardoso Albino de Lemos Jorge Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves  |