Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00037653 | ||
Relator: | JOÃO VAZ | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO ALCOOLÉMIA NEXO DE CAUSALIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP200501270436871 | ||
Data do Acordão: | 01/27/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Do facto de um condutor de um veículo automóvel interveniente num acidente de viação ter apresentado um grau de alcoolemia de 0,95 g/l e se ter dado como provado que tal quantidade de álcool lhe provocou uma diminuição de atenção e reflexos, não se tem necessariamente que concluir que esse condutor tenha agido no acidente sob a influência do álcool. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I-Relatório: No .. Juízo Cível da Comarca de .........., “Companhia de Seguros X.........., S.A.” intentou acção ordinária contra B.........., pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de €138.675,98, acrescida dos respectivos juros. Fundamenta o seu pedido no exercício do direito de regresso sobre o Réu, segurado da Autora ao tempo do acidente de viação em questão nos autos, direito de regresso esse que alega assentar na condução sob o efeito do álcool feita pelo Réu, que, assim, terá originado culposamente esse acidente. O Réu não contestou, após citação edital. Seguiu-se a tramitação decorrente da citação edital, sem elaboração de Despachos Saneador e de Condensação. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, finda a qual se proferiu sentença, pela qual se julgou a acção improcedente e se absolveu o Réu do Pedido. Inconformada a Autora interpôs recurso, que foi recebido como apelação e em cujas alegações conclui pela forma seguinte: 1. Na sentença proferida no âmbito da acção criminal, foi provado que a TAS de 0,95 g/1 fez com que o R. tivesse ficado com a sua atenção e reflexos diminuídos. 2. Nos termos do douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 6/2002 de 28/05/2002, é exigida, para procedência do direito de regresso nestas situações, a prova do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente. 3. No seguimento desta exigência, está provado que o facto do R. conduzir com uma TAS de 0,95 g/l, fez com que a sua atenção e reflexos tivessem ficado diminuídos, o que se repercutiu, seguramente, na condução do respectivo veículo, de tal forma que fez com que o R. imprimisse ao veículo ZE-..-.. uma velocidade de, pelo menos, 100 Km/h, que não lhe permitiu descrever uma curva, acabando por ir em derrapagem e completamente desgovernado embater noutros veículos. 4. Estando o R. com a sua atenção e reflexos diminuídos, o seu comportamento, ao nível da condução, estava afectado, pois o tempo de reacção é mais prolongado, aumentando o risco de acidente. 5. Ao contrário do que é referido na douta sentença recorrida, está demonstrado o nexo de causalidade entre a mencionada TAS e a ocorrência do acidente, tendo, por isso, a recorrente direito de regresso sobre o recorrido, relativamente ás quantias despendidas com o acidente de viação em causa. 6. A sentença recorrida violou pois a alínea c) do artº 19º do D.L. 522/85 de 31/12. Não foram apresentadas contra-alegações. II-Fundamentos: A)Factos tidos por provados na sentença recorrida: 1. A Autora, no exercício da sua actividade seguradora celebrou com o Réu um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº .........., através do qual assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro ZE-..-..; 2. No dia 21/8/94, cerca das 3h30m, na EN ., .........., .........., nesta Comarca, ocorreu um acidente de viação; 3. No qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros ZE-..-.., marca “Mercedes”, conduzido pelo Réu, seu proprietário; o veículo ligeiro de mercadorias UD-..-.., marca “Citroen”, conduzido por C.......... e propriedade de D..........; e o veículo pesado de mercadorias PT-..-.., propriedade de E..........; 4. O veículo ZE, conduzido pelo Réu, circulava pela referida EN ., no sentido ..........-.........., seguindo o seu condutor à velocidade de, pelo menos, 100Km/h; 5. Num local onde a estrada é um pouco descendente, para quem circule no sentido em que circulava o Réu, este ultrapassou um veículo que o precedia; 6. Mais adiante, circulando já a uma velocidade de, pelo menos, 80 Km/h, o Réu deparou com uma curva à direita, razoavelmente apertada; 7. O Réu não conseguiu descrever a curva com perfeito domínio da viatura que tripulava; 8. Invadindo, em derrapagem, de modo desgovernado, a hemi-faixa de rodagem esquerda, tendo em conta o seu sentido de marcha; 9. Na derrapagem, o veículo conduzido pelo Réu, produziu rastos de borracha numa distância de 42,30 metros; 10. O Réu, quando invadiu a faixa de rodagem esquerda, destinada ao trânsito que circulasse em sentido contrário, coincidiu com o momento em que, no sentido contrário, ..........-.........., circulava o veículo UD, a uma velocidade de cerca de 50 Km/h, e bem encostado à direita da hemi-faixa, tendo em conta o seu sentido de marcha; 11. Pelo que o veículo ZE, conduzido pelo Réu, embateu com a frente lateral esquerda, desde a frente até à traseira, na parte dianteira do veículo UD, arrastando-o cerca de 5 metros, em sentido inverso ao que o citado circulava; 12. O embate entre as duas viaturas (ZE e UD) ocorreu, aproximadamente, a meio da hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido de marcha do Réu; 13. O Réu continuou durante mais de cerca de 32 metros, completamente descontrolado, até embater com a parte traseira no veículo pesado de mercadorias, com a matrícula PT-..-.., que se encontrava devidamente estacionado, fora da faixa de rodagem, bem encostado à direita, atento o sentido ..........-..........; 14. O acidente ocorreu num local da estrada em que a faixa de rodagem tem uma largura de 7,20 metros e bermas de 4,20 metros e 3,10 metros, respectivamente, dos lados esquerdo e direito, tendo em consideração o sentido ..........-..........; 15. A cerca de 100 metros do local do acidente, no sentido em que circulava o veículo conduzido pelo Réu, existiam quatro sinais verticais, com os quais ele deparou, que determinavam a proibição de ultrapassar e sugeriam prudência especial resultante da aproximação de uma curva à direita e de um entroncamento à esquerda, sinais estes de cuja existência o Réu se apercebeu; 16. O acidente ocorreu de noite, o piso estava seco, dispondo o local de iluminação pública suficiente e o tempo apresentava-se bom; 17. O Réu conhecia o local do acidente e sabia que apresentava características tais que lhe exigiam um cuidado especial na condução. 18. O Réu apresentava, no teste que lhe foi feito após o acidente, uma taxa de álcool no sangue de 0,95 g/l, obtido com o aparelho de medição SD 2; 19. Deste acidente, para além de danos avultados no veículo UD-..-.., resultaram ferimentos no seu condutor, a morte de F.......... e de G.........., e ferimentos em H.........., passageiros transportados no veículo que o Réu conduzia; 20. Em relação a este acidente, foi o Réu acusado pela prática, em autoria material, de um homicídio estradal, pº e pº pelo artº 59º, alª b), do Cód. da Estrada, aprovado pelo Dec. Lei nº 39.672, de 20/5/1954, agravado pela determinação de outra morte e de ofensas corporais negligentes; 21. Esta acusação deu origem ao Proc. Comum Singular com o nº .../96, do .. Juízo Criminal deste Tribunal .........; 22. Nestes Processo, veio o Centro Nacional de Pensões pedir a condenação da agora Autora, como seguradora do veículo ZE-..-.., eventual responsável por este acidente, no pagamento de 188.220$00, a título de despesas de funeral de F.......... e de G..........; 23. Por sentença de 10/7/00, transitada em julgado, proferida no Processo referido, ficou provado que este acidente ocorreu da forma já descrita, sendo provocado exclusivamente pelo Réu, que conduzia o ZE de forma desatenta, num local onde existia um sinal a indicar a aproximação de uma curva perigosa e um outro a proibir a circulação a velocidade superior a 50Km/h; 24. Tendo também ficado provado que o Réu conduzia o seu veículo com uma taxa de 0,95 g/l de álcool no sangue, o que lhe provocou uma diminuição da atenção e reflexos; 25. O Réu foi condenado como autor material de um crime de homicídio estradal pº e pº pelo artº 59º, alª b), do Cód. da Estrada, aprovado pelo Dec. Lei nº 39.672, de 20/5/1954; 26. Na sentença respectiva foi a agora Autora condenada a pagar ao Centro Nacional de Pensões a quantia de 188.220$00, o que a Autora veio a fazer em Fevereiro de 2001; 27. Deste acidente resultaram danos para o veículo UD-..-.., tendo o seu proprietário, D.........., intentado contra a Autora acção judicial, no valor de 1.500.000$00, pelos danos sofridos na sua viatura em consequência deste acidente; 28. Sendo 1.200.000$00 de danos materiais resultantes da perda total da sua viatura, e 300.000$00 resultantes da paralisação da mesma; 29. O respectivo Processo correu termos neste Tribunal no .. Juízo Cível, sob o nº .../97; 30. Nesta acção, o proprietário do UD-..-.., alegava que a reparação do seu veículo ascendia a 2.491.103$00, o qual, como ficou todo destruído, o seu salvado valia a importância de 100.000$00; 31. Sendo certo que o referido UD, à data deste acidente, tinha o valor comercial de 800.000$00, o que desaconselhava que se procedesse à sua reparação; 32. Durante o período de tempo em que decorreu todo o processo de avaliação dos danos deste veículo, o seu proprietário sofreu um prejuízo patrimonial, pois não pôde exercer a função de formador, por não dispor de meio de transporte, reclamando a título de diminuição de rendimentos, a quantia de 300.000$00; 33. A Autora tendo em conta todos estes danos, em 21/4/98, acordou com D.......... na quantia de 1.000.000.$00 como indemnização por tais danos; 34. Tendo a Autora, em Maio de 1998, pago a D......... a dita quantia de 1.000.000$00; 35. Do acidente em causa resultaram lesões para o condutor do UD-..-.., C.........., que deduziu igualmente contra a Autora acção judicial no valor de 20.000.000$00, por todos os danos sofridos no acidente, a qual correu termos no .. Juízo deste Tribunal, sob o nº .../97; 36. Nessa acção, C.........., reclamava a quantia de 5.000.000$00 pelos danos morais e 15.000.000$00 pelos danos materiais e patrimoniais, sofridos em consequência deste acidente e ainda como indemnização pelos danos que lhe advirão como consequência directa de tal acidente, nomeadamente da sua desvalorização e incapacidade permanente para o trabalho de que ficou afectado; 37. Alegava C.......... que do acidente lhe resultaram contusões múltiplas, nomeadamente ferida no joelho da perna esquerda, esfacelo frontal e traumatismo craniano, com perda do conhecimento e escalpelo fronto parietal esquerdo; 38. Tendo sido transportado para o Hospital B........., de onde foi transferido para o Hospital C.........., no .........., tendo posteriormente sido levado de novo para o Hospital C..........; 39. Das lesões sofridas resultaram 30 dias de doença, com incapacidade para o trabalho, período durante o qual esteve a convalescer dos ferimentos e a efectuar fisioterapia para poder voltar novamente a caminhar e a poder desempenhar normalmente as suas funções; 40. C.......... como consequência do acidente apresentava ainda: Cicatriz rósea, ligeiramente quelóide e dolorosa e irregular de 7 por 4 cm2 de maiores dimensões na metade esquerda da região frontal; Cicatriz de 7cm de comprimento na região fronto-parietal esquerda, coberta por cabelo; Cicatriz de 2 centímetros na metade direita da região frontal, coberta por cabelo; Cicatriz de 4 por 1cm de maiores dimensões no pólo inferior do joelho esquerdo; 41. Alegava também C.......... que ainda sofria de cefaleias intensas, irritabilidade fácil, perturbações de memória, dificuldade de concentração e perturbações do sono, tudo como consequência directa do acidente; 42. Dando origem a que perdesse o ano lectivo de 1994/19995 do 3º ano da Faculdade .........., no ..........to, no qual estava inscrito e frequentava; 43. Pelo facto de ter diminuído e baixado consideravelmente o seu rendimento intelectual, devido aos sintomas antes referidos, e ainda ao facto de passar a sofrer de depressão reactiva e de alterações significativas de sono e ter dificuldades de concentração e memorização; 44. Apresentava C.......... sinais de fractura do crânio por cicatriz de 8cm com desnivelamento ósseo, e na metade esquerda da região frontal múltiplas cicatrizes, viciosas e deformantes; 45. Apresentando também despertares frequentes, desinteresse pelas actividades diárias, ansiedade e tristeza, situação que muito o afectava no seu rendimento escolar, tendo até de receber tratamento psiquiátrico; 46. O acidente em causa afectou profundamente C.......... para toda a vida, dado que não mais será uma pessoa saudável e capaz como era; 47. Tais sequelas atormentá-lo-ão toda a sua vida e impedem que ele tenha uma vida normal e saudável, tendo de se socorrer ainda do auxílio psiquiátrico permanente; 48. Das ditas sequelas resulta para C.......... uma Incapacidade Permanente para o Trabalho de 24%, que o irá afectar para toda a sua vida e que se reflectirá negativamente em termos económicos na sua vida profissional; 49. C.......... era um jovem alegre, saudável, forte e inteligente, sem qualquer problema de saúde e com apenas 21 anos de idade 50. Encontrando-se, à data da propositura da acção, no 4º ano de Direito da dita Universidade .........., no ........., tendo despendido a quantia de 750.000$00, sendo 200.000$00 de transportes, 50.000$00 de bens materiais perdidos, 250.000$00 de despesas médicas e medicamentosas e 250.000$00 de propinas e inscrição na Universidade; 51. A Autora, tendo em conta os danos sofridos pelo C.........., acordou em 23/3/98, através do respectivo termo de transacção, onde C.......... reduziu o seu pedido para 6.500.000$00, que a ora Autora se comprometeu a pagar; 52. Em Abril de 1998, a Autora pagou a C.......... a referida quantia de 6.500.000$00; 53. Do acidente resultou a morte de F.........., solteiro, filho de I......... e J..........; e de G.........., solteiro, filho de L.......... e de M..........; 54. Tendo os respectivos herdeiros, I.......... e mulher J.........., pais do falecido F..........; e M.........., viúva, mãe do falecido G........., deduzido contra a agora Autora acção judicial conjunta, no valor de 26.760.000$00, a fim de serem indemnizados pelos danos que lhes advieram em consequências das referidas mortes, ocorridas no acidente em causa; 55. Acção esta que correu termos no .. Juízo Cível deste Tribunal, sob o nº .../99; 56. Na qual o Centro Regional de Segurança Social do centro reclamava da aqui Autora o reembolso da quantia de 25.890$00, referente ao subsídio de funeral de F..........; 57. Alegavam os Autores nessa acção que os falecidos F......... e G......... morreram na ambulância, a caminho do Hospital D.........., por via das graves lesões sofridas e constantes dos relatórios de autópsia (aqui tidos por reproduzidos); 58. Não sem que antes da morte tivessem sofrido dores horríveis e passado pela angústia e desespero da inevitável morte; 59. Cujo ressarcimento pediam fosse compensado com indemnização não inferior a 1.000.000$00 para os pais do dito F.......... e com igual valor para a mãe de G..........; 60. Os então Autores mantinham com os filhos um relacionamento harmonioso e se devotavam amor e carinho, filhos que eram jovens e saudáveis; 61. O falecido F.......... tinha 21 anos de idade, pelo que se valorizou o direito à sua vida em valor não inferior a 5.000.000$00, valorizando-se a do falecido G.........., com 31 anos de idade, em quantia não inferior a 4.500.000$00; 62. Alegavam ainda os Autores o direito aos seus próprios danos morais, dado que viviam sob o mesmo tecto com os seus filhos, que se sentiam bem, numa humilde, sã e harmoniosa convivência, caracterizada por amor e carinho que reciprocamente se devotavam; 63. Por este facto, a morte dos filhos causou aos então Autores profundo desgosto, tristeza e trauma, que neles viam os filhos mais dedicados e queridos; 64. O dano moral daí resultante não deveria ser avaliado em quantia não inferior a 2.700.000$00 para cada um dos grupos dos então Autores; 65. O falecido F.......... era carpinteiro, oficial de 1ª, com um vencimento mensal de 100.000$00, com direito a férias e subsídio de férias, tendo já projectado tomar conta da oficina do patrão para quem trabalhava, o que seguramente iria suceder em prazo não superior a um ano, e traria um rendimento mensal, de pelo menos 200.000$00; 66. A vítima não tencionava casar antes dos 30 anos, pelo que se concentrava as suas preocupações no lançamento da sua futura oficina; 67. Era saudável e com muita apetência par a profissão que exercia; 68. Era dedicado aos pais, a quem entregava 2/3 do seu vencimento, com o qual os mesmos sobreviviam, dado que eram ambos doentes e inválidos, dependendo, alimentarmente, na essência, do filho falecido, não dispondo de qualquer outro rendimento que não fossem as pensões de reforma; 69. Com a falta do filho, do ponto de vista patrimonial, passaram necessidades quer de alimentação e vestuário, quer de tratamento médico; 70. I.......... e J.........., pais do falecido F.........., peticionavam uma indemnização de 5.500.000$00 para ressarcimento do seu dano patrimonial; 71. Por sua vez, o falecido G.......... rebelo era operário da construção civil, auferindo mensalmente a quantia de 100.000$00, com direito a férias e subsídio de férias. 72. Era um jovem saudável e robusto, trabalhador, e que, vivendo com a mãe, não tinha qualquer intenção de se casar; 73. Mantendo com a sua mãe uma exemplar relação familiar, sendo quase exclusivamente dos seus proventos que a sua mãe sobrevivia; 74. A sua mãe, pessoa inválida, com uma pensão mensal de 25.000$00, acrescida da pensão de viuvez de 15.000$00; 75. Sendo pessoa doente, necessitando de regular assistência médica; 76. Sendo que os demais filhos tinham projectos de casamento muito próximos; 77. Assim, quem suportava e continuaria a suportar todas as carências económicas da mãe, era o falecido G.........., que lhe entregava 2/3 dos seus proventos salariais; 78. Deste modo, afigurava-se para a ali Autora M.......... uma indemnização pelo dano patrimonial não inferior a 4.000.000$00; 79. Quer os primeiros Autores quer a segunda Autora, na dita acção, pagaram as despesas de funeral de seus filhos, tendo cada grupo de Autores despendido quantia não inferior a 180.000$00; 80. Assim, os Autores I.......... e mulher J.......... peticionavam a quantia global de 14.380.000$00 e a Autora M.......... peticionava a quantia global de 12.380.000$00, importância às quais deveriam acrescer juros de mora a partir da citação, até integral pagamento; 81. A aqui Autora, tendo em conta os danos sofridos pelos lesados I.......... e mulher J.........; e pela lesada M.........., em 22/6/01, foi lavrado termo de transacção onde os referidos lesados reduziram o seu pedido global para 20.000.000$00 82. Quantia que a agora Autora pagou em Julho de 2001; 83. Nessa mesma transacção a Autora assumiu a responsabilidade pelo pagamento da quantia de 25.890$00 ao interveniente Centro Regional de Segurança Social do Centro, pagamento esse que efectuou em Julho de 2001; 84. Deste acidente resultaram também ferimentos para H.........., passageiro do carro seguro e conduzido pelo Réu B..........; 85. O qual recebeu assistência médica no Serviço de Urgência do Hospital C.........., nos dias 21 e 22/8/94, tendo a Autora pago a este Hospital a quantia de 288.250$00, respeitante ao custo da referida assistência médica B)Apreciação e qualificação dos factos: É pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, nos termos dos artºs 684º e 690º do C.P.Civil. Não se discute a culpa do Réu na ocorrência do acidente a que deu causa: ela está, aliás, suficientemente demonstrada através da factualidade que se deu por provada. A questão suscitada neste recurso reveste-se de grande simplicidade, tal como a recorrente a pretende ver solucionada: a de saber se os factos tidos por provados são suficientes para que se considere que a conduta do Réu se enquadra na alínea c) do artº 19º do Dec. Lei nº 522/85, de 31-12 que estabelece o “direito de regresso da seguradora que tenha satisfeito a indemnização, contra o condutor que tenha agido sob a influência do álcool”. Para tanto, a recorrente sustenta que, ao se ter considerado que a quantidade de álcool no sangue (0,95 g/l) provocou, no Réu, uma “diminuição de atenção e reflexos”, no exercício da condução (v, factualidade indicada sob o nº 24), demonstrado está que o mesmo agiu sob a influência do álcool, mostrando-se, assim, incurso em responsabilidade perante a Autora Companhia de Seguros, por via de direito de regresso. Cremos que não tem razão. O Acórdão Uniformizador de jurisprudência nº 6/2002, publicado no D.R., I Série, de 18 de Julho, veio desfazer as dúvidas que até então se suscitavam, ao estabelecer que “A alínea c) do artº 19º do Dec. Lei 522/85, de 31-12, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor, por ter agido sob a influência do álcool, o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”. Será que, como pretende a recorrente, a circunstância de se ter considerado provado que a taxa de alcoolemia, detectada no sangue do Réu, logo após o acidente a que deu causa, leva à conclusão de que agiu sob a influência do álcool, só pelo facto de lhe ter produzido o efeito de “diminuição da atenção e reflexos”? Afigura-se-nos que não, como vamos fundamentar: É certo que o contrato de seguro foi celebrado, tendo em vista o risco resultante da condução normal do veículo. O risco inerente à condução de veículo por condutor que dá causa a um acidente porque se encontra alcoolizado (sendo a embriaguez, em maior ou menor medida, causadora do evento) não se encontra previsto no contrato de seguro, por exceder o que se considera como condução normal. Daí que se justifique aquela norma que estabelece o direito de regresso da seguradora. Só que esse risco acrescido apenas surge quando o acidente foi causado, exclusivamente ou em parte, pelo álcool e não nos casos em que o álcool não concorreu para a respectiva produção – de contrário, a simples circunstância de o condutor que deu causa a acidente, submetido a exame, apresentar taxa de alcoolemia, fá-lo-ia incorrer, automaticamente, em responsabilidade perante a sua seguradora, independentemente da intensidade da culpa e quer a presença de álcool no sangue (por diminuta que fosse a percentagem) tivesse ou não concorrido para ele. Como é sabido, o álcool só afecta a condução, a partir de certos parâmetros, e não produz o mesmo efeito em relação a todos os condutores, sendo certo que a maior ou menor influência do álcool nas capacidades do condutor, ao nível da atenção, da destreza e do domínio dos sentidos, depende de pessoa para pessoa, podendo variar em função de diversos factores como a maior ou menor habituação ao álcool, a disposição física e mental do momento, etc. E até pode acontecer que, apesar de o condutor estar embriagado, este dê causa a um acidente sem que a embriaguez seja sua consequência. É por demais evidente que, em regra, qualquer indivíduo que tenha ingerido bebidas alcoólicas, a partir de determinada quantidade se sinta diminuído (em maior ou menor grau, insiste-se), nas suas capacidades. Por isso, temos como normal que o ora Réu, apresentando uma taxa de alcoolemia de 0,95 g/l de sangue, estivesse com a sua atenção e reflexos diminuídos. No entanto, concluímos que não é suficiente que o condutor, no momento do acidente, estivesse sob a influência do álcool. É necessário, nos termos da lei, que o condutor tenha agido sob essa influência, ou seja, que o acidente tenha, como causa adequada, o álcool ingerido pelo condutor ou que, pelo menos, essa ingestão de álcool tenha sido uma das causa do acidente. Só que não sabemos se foi ou não por causa daquela “diminuição da atenção e dos reflexos” que o acidente se deu, pois que isso não ficou demonstrado, como, aliás, se afirma na sentença recorrida – nem essa circunstância, pela incerteza da relação entre ela e o evento lesivo pode, como referimos e sem mais, constituir presunção natural ou judicial de que foi a causadora do acidente, de modo a podermos aplicar o regime contido no 349º do C.Civil. V. sobre estes pontos, entre outros, Acs do STJ de 9-1-97, na CJ, Tomo I, pág. 39, e de 22-2-2000, no BMJ 494, pág. 325. Deste modo, a apelação tem de improceder. III-Decisão: Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. Custas do recurso, pela apelante. Porto, 27 de Janeiro de 2005 João Carlos da Silva Vaz Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo Mário Manuel Baptista Fernandes |