Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00037586 | ||
Relator: | BORGES MARTINS | ||
Descritores: | INSTRUÇÃO CONTRADITÓRIA PRESENÇA DO ARGUIDO | ||
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Nº do Documento: | RP200501190414174 | ||
Data do Acordão: | 01/19/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | É legal a decisão do Juiz de Instrução de, ao abrigo do artigo 289 n.2 do Código de Processo Penal de 1998, proceder à inquirição de testemunhas sem a presença do defensor do arguido. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal da Relação: Nos Autos de Instrução n.º 35/01.6 da Comarca de Castelo de Paiva foram proferidos vários despachos dos quais foram interpostos recursos , que se passam a analisar. I - Recurso do Arguido B.....: competência territorial. Este arguido recorreu do despacho do JIC (fls. 20 257-20 270) , que julgou competente o Tribunal Judicial da Comarca de Castelo de Paiva para conhecer das infracções pelas quais os arguidos vêm acusados, em detrimento do Tribunal Judicial de Almada. Foi admitido tal recurso a subir com o que viesse a ser interposto da decisão que pusesse termo à causa- art.º 407.º, n.º 3 do CPP – fls. 20 600. Nos termos do disposto no art.º 412.º, n.º 5 do CPP, “havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse”. Na sua resposta à motivação, o recorrente não manifestou qualquer interesse na apreciação deste recurso, apenas reiterando a sua concordância com o despacho de arquivamento dos autos. Foi alertado para o não cumprimento do ónus de especificação obrigatório no parecer emitido Pelo Exmo PGA ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 1 do CPP. Teve oportunidade de tomar posição quanto a esta questão, pois foi notificado ao abrigo do disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP para responder a tal parecer. Nada veio dizer. Assim, face ao disposto na invocada norma legal, julga-se procedente a pretensão enunciada pelo Exmo PGA no sentido de reconhecer desistência implícita deste recurso, não se conhecendo do mesmo. II - Recurso do arguido B.....: inquirição de testemunhas sem a presença dos sujeitos processuais. Recorreu também este arguido do despacho do JIC que determinou que a inquirição das testemunhas passaria a fazer-se sem que fosse permitida a presença do M.º P.º, dos mandatários dos arguidos e dos assistentes (fls. 20 601). A este recurso é aplicável o enunciado inserido a propósito do anterior, não se conhecendo também do mesmo e julgando-se prejudicado o conhecimento da sua tempestividade. III - Recurso do arguido C.....: inquirição de testemunhas sem a presença dos sujeitos processuais. a) a tempestividade. Entende o Exmo PGA junto deste Tribunal da Relação que este recurso não é de conhecer, por extemporâneo, pois, tendo sido o recorrente notificado do despacho de fls. 20 601, proferido em 12.5.03, nesta mesma data- por via telefónica, só veio a interpor recurso em 3.6.03, para além dos 15 dias previstos no art.º 411.º, n.º 1 do CPP, acrescidos dos 3 dias úteis a que se reporta o art.º 145.º, ns. 5 e 6 do CPC. Notificado nos termos do disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, veio este arguido dizer que a interposição do recurso foi tempestiva, pois o contacto telefónico não obedeceu a todos os requisitos legais previstos no art.º 113.º do CPP. Assim, desde já não se pode agora considerar consistente a posição daquele parecer no sentido de também considerar ocorrer desistência quanto a este recurso, já que ao tomar posição em favor do mesmo o recorrente implicitamente manifesta interesse no mesmo. E na verdade afigura-se-nos que tem razão, pois que a cota de fls. 20 603 apenas regista que foi dado conhecimento do despacho que antecede aos mandatários das partes, tendo em vista deslocações desnecessárias ao Tribunal. Ora o art.º 113.º, n.º 7, al. b), refere que valem como notificações, as comunicações por via telefónica se no telefonema se avisar o notificando de que a comunicação vale como notificação e ao telefonema se seguir confirmação telegráfica, por telex ou telecópia. Dos autos não se retira que estas formalidades tenham sido cumpridas, pelo que terá de se considerar relevante apenas a notificação ao mandatário do recorrente, através de carta expedida em 14.5.03 e constante de fls. 20 615. E sendo assim manifestamente é tempestivo o requerimento de interposição datado de 3.6.03. b) o mérito do despacho. Entende também o recorrente que o despacho recorrido tem por base uma interpretação do disposto nas alíneas a) e f) do artigo 61.º, n.º 1 e dos artigos 289.º e 290.º, ambos do CPP, que viola o direito de defesa do arguido consignado no n.º 1 do artigo 32.º da CRP. Respondeu o M.º P.º junto da 1.ª instância, considerando que o despacho recorrido deverá ser mantido e, em síntese, que: - tendo a instrução sido requerida também pelo assistente, o processo continua em segredo de justiça; - na instrução apenas o debate instrutório e as declarações para memória futura estão sujeitos ao contraditório; - como os actos de inquirição de testemunhas não estão sujeitos ao princípio do contraditório, os arguidos ou os seus defensores não têm o direito de estar presentes à inquirição de testemunhas por si indicadas; - tal interpretação não viola os direitos de defesa dos arguidos, designadamente o disposto no art. 61.º, n.º 1, als. a) e f) do CPP, nem contraria o art.º 32.º da CRP. O Exmo PGA perfilhou esta posição no seu parecer. Cumpre decidir. Foi o seguinte o teor do despacho recorrido: A fls. 20403 e ss foi proferido despacho no sentido de autorizar a presença dos advogados dos arguidos, assistentes e MP a certos actos de instrução, a saber inquirições de testemunhas, atendendo à complexidade dos autos e tendo em vista o conhecimento imediato por parte dos sujeitos processuais dos actos processuais realizados, procurando, assim, facilitar o exercício das suas funções e respectivo mandato. Constata-se, porém, que a presença dos mandatários das partes não se mostra viável ao bom andamento do processo, na medida em que a sua presença torna as diligências de instrução, designada mente inquirição das testemunhas, em diligências demasiado morosas, dadas as constantes interrupções dos advogados intervenientes, apesar de se lhes mostrar vedada tal intervenção, o que não se compadece com a complexidade dos autos que se invocou no nosso anterior despacho. Tal conclusão se retira da anterior inquirição de testemunhas ocorrida no passado dia 8 de Maio de 2003, na medida em que se pode constatar que, das seis testemunhas notificadas para comparecer neste tribunal para a respectiva inquirição, apenas foi possível inquirir duas delas. Assim sendo, decide-se, a partir desta data, não permitir a presença, quer dos mandatários das partes, quer do MP, às inquirições das testemunhas indicadas. Notifique, pela via mais expedita, tendo em vista evitar a sua deslocação desnecessária a este tribunal. Sobre esta questão pronunciaram-se os Acórdãos do Tribunal Constitucional (59/91 e 372/2000) que decidiram: “não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 2 do art.º 289.º do CPP, na interpretação segundo a qual as diligências de instrução prévias ao debate instrutório, nomeadamente os depoimentos das testemunhas, são realizadas sem a notificação e presença do mandatário do assistente, do arguido ou do seu defensor”. O art.º 289.º, n.º 1 do CPP impõe a obrigatoriedade de um debate instrutório, oral e contraditório, no qual podem participar o M.º P.º, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado”. O n.º 2 desta norma dispõe: Fora do caso previsto no n.º anterior, o M.º P.º, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado apenas podem participar nos casos em que tenham o direito de intervir, nos termos expressamente previstos neste Código”. Sobre esta solução pronunciou-se muito recentemente o Acórdão deste Tribunal da Relação e mesma Secção, proc. n.º4817/04 nestes termos: Assim, para que o defensor do arguido pudesse participar na inquirição das testemunhas por si arroladas, antes do debate instrutório, era necessário que tal decorresse expressamente da lei. Na verdade, e fora dos casos expressamente previstos na lei, a “instrução” é ainda uma fase secreta do processo (art. 86°, 1 do Cód. Proc. Penal). Ou seja, nesta fase do processo, o defensor só participa “os actos em que tenha o direito de intervir, nos termos expressamente previstos no Código”: interrogatório do arguido (art. 61°, 1, al. e); debate instrutório (art. 298°, 300°, 301°, 3 e 302) e declarações para memória futura (art. 294°) - cfr. GERMANO MARQUES DA SlLVA, Curso de Processo Penal, lII, pág. 160. Não existindo qualquer disposição legal expressa, no sentido de conferir ao advogado do arguido o direito de participar/assistir à inquirição das testemunhas por si arroladas, em fase anterior ao debate instrutório, os despachos que designaram dia para essa inquirição, sem a presença do defensor do arguido, não violam o art. 289°, 2 do Cód. Proc. Penal. Este entendimento também não viola o disposto no art. 32° da Constituição, designadamente o princípio do contraditório, como de resto tem sido jurisprudência desta Relação e do Tribunal Constitucional - cfr. Acórdãos 59/2000, proc. 407/000, de 13 de Fevereiro. A questão foi devidamente ponderada no Acórdão desta Relação, de 28-11-2001, processo 0141048, em termos com os quais concordamos inteiramente e, por isso, transcrevemos: “(....) Acerca do conteúdo essencial do princípio do contraditório, escreveu- se logo no parecer da Comissão Constitucional n° 18/81 (Pareceres da Comissão Constitucional, 17° vol., pp. 14 e segs.) e, mais tarde, em vários acórdãos deste Tribunal (cfr.i, designadamente, os Acórdãos nos.../.. e .../..., in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 10.º vol., pp. 502 e 503, 22° vol., pp. 350 e 351, respectivamente) que ele está, “em que nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar”. Já sobre a extensão processual do princípio do contraditório dispõe o nº 5 do artigo 32.º da Constituição que a ele está subordinada a audiência de julgamento, bem como os actos instrutórios que a lei determinar. A Constituição remete assim para a lei ordinária a tarefa de concretização dos actos instrutórios que hão-de ficar subordinados ao princípio do contraditório. A este propósito, escreveu-se no Acórdão na .../.. já citado): “Na determinação dos actos instrutórios que hão-de ficar subordinados ao princípio do contraditório goza, assim, o legislador de grande liberdade. Ele só não pode esquecer que o arguido tem de ser sempre respeitado na sua dignidade de pessoa, o que implica ser tratado como sujeito do processo, e não como simples objecto da decisão judicial. Ou seja, tem sempre de ter presente que o processo criminal há de ser a de process of law, a fair process, onde o arguido tenha efectiva possibilidade de ser ouvido e de se defender, em perfeita igualdade com o Ministério Público. É que, como adverte Eduardo Correia, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 114, p. 365, o princípio do contraditório se traduz, ao menos, num direito à defesa, num direito a ser ouvido”. [...] “Também agora se entende que, na determinação dos actos instrutórios que hão-de ficar subordinados ao princípio do contraditório, goza o legislador de grande liberdade (tal como, aliás, decorre do próprio teor literal do artigo 32-º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, na parte em que determina que estão subordinados ao princípio do contraditório os actos instrutórios que a lei determinar) e que o respeito pelo contraditório é garantido não apenas pelo facto de o mandatário do assistente poder ter acesso integral aos depoimentos prestados, que são obrigatoriamente reduzidos a escrito, mas, fundamentalmente, pelo facto de, nos termos do artigo 302.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, esse mandatário poder, no início do debate instrutório, contraditar o teor das declarações anteriormente prestadas pelas testemunhas ouvidas durante a fase da instrução, podendo requerer a produção de prova indiciária suplementar (incluindo mesmo, se necessário, uma nova inquirição daquelas testemunhas) que considere pertinente”. O despacho recorrido também não assentou em qualquer arbitrariedade, adiantando uma justificação para a alteração processual anunciada: o comportamento processual dos sujeitos processuais em anterior diligência deixar antever graves delongas e incidentes, caso não fosse assim decidido. Não merece o mesmo qualquer censura, tendo que ser confirmado. IV - Recursos do arguido D.....: inquirição de testemunha sem a presença dos sujeitos processuais; esclarecimentos dos peritos sem a presença dos sujeitos processuais. A estes recursos são aplicáveis as mesmas considerações feitas supra a propósito dos recursos interpostos pelo arguido B....., não se conhecendo dos mesmos, por se considerar ocorrer desistência implícita. V - Recurso do Assistente E...... O Exmo PGA junto deste Tribunal da Relação considerou que, além de extemporâneo, o recurso não possui motivação. Como se verifica de fls. 22 751 a 22 756, o recurso foi interposto, por telecópia (fax), em 22.4.04 e consta de 6 folhas. Todavia, o “original” constante de fls. 22 757 a 22 773 é composto por 16 folhas, constituindo aquela apenas uma parcela deste. No recurso remetido via fax consta como sendo de 6 o total de páginas, cfr. inferior de fls. 22 736, concluindo-se não ter ocorrido qualquer lapso do tribunal na junção aos autos daquela peça processual. O recorrente não se certificou se a telecópia recebida em tribunal correspondia, nos seus exactos termos, ao texto que, por carta registada de 26.4.04, remeteu aos autos. Não pode o “original”, apresentado em 26.4 servir para colmatar a deficiência da telecópia, porque foi remetido a tribunal fora dos prazos possíveis para a interposição do recurso (arts. 411.º, n.º1 do CPP e 145.º do CPC). Acresce que sendo o acto praticado por telecópia, o “original” serve apenas para confirmar os precisos termos daquela e não para a completar ou corrigir. Assim, o recurso tem de ser rejeitado ( arts. 414.º, n.º 3, 417.º, n.º 2, al. C) e 420.º,n.º 1 do CPP) . O Assistente, além de se pronunciar no sentido da tempestividade do recurso, considerou também não lhe poder ser imputada qualquer omissão de dever de diligência ou um eventual mau funcionamento do equipamento de fax do tribunal, como parece ter sucedido no caso; da análise das 5 primeiras folhas retira-se que o mesmo estava incompleto, cabendo aos serviços judiciais informar o recorrente, em nome de um Princípio de Cooperação, da anomalia ocorrida, o que provavelmente não sucedendo por entender o tribunal que não se colocava qualquer problema de prazo. Cumpre decidir. Determina o art.º 411.º, n.º 3 do CPP que “o requerimento de interposição do recurso é sempre motivado, sob pena de não admissão do recurso”. Só se o recurso for interposto por declaração na acta, a motivação pode ser apresentada em momento ulterior. O Exmo PGA cita no seu parecer jurisprudência que é aceitável por nós, no sentido de apenas vale como acto de apresentação da motivação a telecópia enviada a juízo. No Ac. da RL de 17.10.1996 por ele citado também se refere que o original não serve para completar a telecópia ou corrigir deficiência desta – o envio do original tem apenas por função confirmar o acto, permitindo a respectiva conferência. Também a propósito e com fundamentos com os quais concordamos, veja-se o Ac. do STJ, de 20.3.1997 (Acórdãos do STJ, 1997,t. II, pág 171): “deve ser rejeitado por falta de motivação o recurso interposto por fax, quando o que se diz ser seu original, posteriormente junto aos autos, contém alterações, por acrescentamentos e omissões, em relação à telecópia antes recebida”. No caso presente, tratando-se de uma alteração por acrescentamento, e sendo a telecópia junta omissa em argumentação minimamente suficiente susceptível de viabilizar o recurso, impõe-se a sua rejeição. Alega o recorrente que a junção do trecho incompleto se ficou a dever a eventual avaria do aparelho do tribunal. Mas tal facto cabia ao recorrente o ónus de alegar e demonstrar tal facto, através de incidente a suscitar nos 5 dias seguintes ao conhecimento da anomalia, oferecendo prova e invocando justo impedimento. Como o acto de envio de telecópia é efectuado no interesse do recorrente, é perfeitamente consensual a ideia de que é a ele que incumbe certificar-se de que a mesma chegou de forma idónea ao seu destino. VI - Recurso do M.º P.º sobre a decisão de não pronúncia. O M.º P.º pretende que a mesma deve ser revogada e substituída por outra em que os arguidos D....., F....., G....., H....., B..... e C....., sejam pronunciados pelos factos que constam da acusação do Ministério Público e pelos crimes que igualmente aí lhes são imputados. São as seguintes as questões levantadas no presente recurso e identificadas nas conclusões: 1 - Em 1986 e 1988, a fundação do pilar P4 da Ponte de Entre-os-Rios sobre o rio Douro não possuía qualquer protecção à sua volta e não atingia o maciço rochoso, assentando directamente em matéria aluvionar e 2 - A altura dessa matéria aluvionar acima da base do respectivo caixão de fundação era, em 1986 e 1988, de cerca de 8,5 metros; 3 - Essa situação constituía, já nessa altura, perigo para a estabilidade e segurança do referido pilar e, consequentemente, da Ponte, 4 - O que resulta quer do relatório da Comissão de Inquérito Ministerial, quer do relatório da perícia realizada no inquérito; 5 - E igualmente resulta, de forma manifesta e inequívoca, do relatório da perícia realizada na instrução. 6 - Tal situação de perigo resulta do facto de a altura de areia que cobria a base do pilar P4, conjugada com o facto de este estar desprotegido e não atingir rocha firme, não ser suficiente para lhe garantir segurança quanto aos efeitos conjugados da erosão localizada e da erosão generalizada decorrentes de uma cheia no rio Douro. 7 - Com efeito, segundo o Anexo Técnico 2 elaborado pelo LNEC um caudal de 8.000m3/s poderá ser suficiente para fazer desaparecer 8 metros de areia devido a erosão localizada. 8 - Os cálculos apresentados nesse Anexo Técnico são rigorosos e merecedores de credibilidade, tendo sido validados por grande quantidade de observações de erosões localizadas em pilares de diferentes pontes 9 - E em nada são contrariados pelo Anexo Técnico 3 elaborado pelo LNEC, uma vez que os cálculos apresentados nesse Anexo dizem apenas respeito à resistência ao carregamento, não tendo a ver com a influência da erosão. 10 - Acresce que da acta de esclarecimentos de peritos de 26 de Fevereiro de 2004 (fls. 22301) não se pode concluir que os senhores peritos que realizaram a 1.ª perícia entendam que a situação do pilar P4 não era, em 1986 e 1988, uma situação de perigo, 11 - Já que essa opinião apenas é manifestada pelos peritos I..... e L..... e já não pelo perito J...... 12 - Perante a situação de vulnerabilidade em que se encontrava o pilar P4, conhecida através da inspecção subaquática efectuada pela AL..... e da campanha de sondagens levada a cabo pela AM....., impunha-se, sempre e em qualquer circunstância, segundo as regras técnicas em geral reconhecidas pela engenharia de pontes, a adopção de medidas de protecção e consolidação das suas fundações, designadamente através de enrocamento, fosse ou não decidido proceder ao alargamento do tabuleiro da ponte. 13 - A ter sido utilizada essa técnica de enrocamento, que até era de reduzido custo, ter-se-ia obstado, ou pelo menos diminuído, a progressão da erosão junto à fundação do pilar P4, mesmo no decurso do ano hidrológico 2000/2001, 14 - Tal como aconteceu com o enrocamento existente à volta dos pilares P2 e P3 que, após o colapso da Ponte, se constatou ter contribuído decisivamente para a diminuição do abaixamento do leito do rio junto à base desses pilares. 15 - Pelo que não se pode concluir, como se fez na decisão instrutória, que a causa principal do colapso da Ponte tenha sido a sucessão de cheias no ano hidrológico 2000/2001, mas sim que o colapso se ficou a dever à acção conjugada da situação precária em que se encontrava o pilar P4 (desprovido de protecção à sua volta e sem assentar na rocha) e das cheias. 16 - O Estudo Prévio encomendado pela JAE à AC..... para o Reforço e Alargamento da Ponte de Entre-os-Rios sobre o rio Douro integrava-se no planeamento de modificação daquela obra de arte; 17 - Como autores desse Estudo Prévio, os arguidos G..... e H..... manifestaram o entendimento de que só havia necessidade de efectuar obras de consolidação das fundações no caso de alargamento do tabuleiro, não propondo a realização dessas mesmas obras, mas apenas de ligeiras reparações, no caso de não alargamento; 18 - E também o arguido G..... no Projecto que elaborou relativo aos arranjos e beneficiação da Ponte não propôs a realização de quaisquer obras de consolidação das suas fundações; 19 - Tendo o arguido D....., na qualidade de engenheiro da Direcção dos Serviços de Pontes da JAE e primeiro responsável pela Ponte de Entre-os-Rios sobre o rio Douro, e o arguido F....., na qualidade de Chefe da Divisão de Conservação da Direcção dos Serviços de Pontes da mesma Junta, concordado com aqueles Estudo Prévio e Projecto de arranjos e beneficiação da Ponte, não tendo igualmente proposto ou aconselhado a realização de obras concretas de consolidação das fundações. 20 - Após a opção pela JAE da construção de uma nova ponte, os arguidos D..... e F..... desinteressaram-se por completo da realização de obras de consolidação das fundações da ponte existente, que se mantinha e manteria aberta ao trânsito, não tendo, por outro lado, acautelado a observação contínua da evolução da erosão e das infra-escavações detectadas nas fundações dos pilares P2, P3 e P4 da Ponte, com vista a tomar as medidas adequadas a contrariar a sua progressão; 21 - Sendo certo que o acompanhamento da evolução do abaixamento do fundo do rio junto aos pilares constituía um acto de planeamento de modificação da Ponte, com vista a decidir qual a técnica a utilizar e quais as obras a realizar para impedir ou, pelo menos, fazer diminuir esse abaixamento provocado pela erosão. 22 - Os arguidos D....., F....., G..... e H..... tinham o dever jurídico de propor a realização de obras de protecção das fundações da Ponte, resultando esse dever, quanto aos dois primeiros, do facto de serem funcionários da JAE e, quanto aos restantes, do facto de terem celebrado contratos administrativos com a JAE, tendo por objecto o reforço e a beneficiação da Ponte. 23 - O pedido da Direcção de Estradas do Distrito do Porto, de 22 de Junho de 1998, para que fossem accionados os trabalhos necessários à circulação, em segurança, de veículos e peões visou a realização de trabalhos de conservação especializada, da competência exclusiva da Divisão de Conservação da Direcção dos Serviços de Pontes, tendo, por isso, dado origem a um processo de planeamento da modificação da Ponte, que se iniciou com a inspecção levada a efeito pelo arguido B...... 24 - Para tanto, impunha-se a este arguido consultar todos os elementos respeitantes à Ponte, a fim de analisar as deficiências detectadas em anteriores inspecções e patologias que as tinham originado, bem como verificar que trabalhos tinham sido então realizados; 25 - Tanto mais que se tratava de uma ponte antiga, com pilares assentes no leito do rio e com sinais evidentes de haver intensa actividade de extracção de areias na albufeira em que se encontrava implantada. 26 - E igual comportamento se impunha ao arguido C....., até porque, na qualidade de superior hierárquico do arguido B....., tinha, acrescidamente, deveres de fiscalização do seu desempenho. 27 - Os arguidos B..... e C....., na qualidade de funcionários da JAE, sendo o segundo Chefe da Divisão de Conservação da Direcção dos Serviços de Pontes, tinham o dever jurídico e funcional de garantir as boas condições da Ponte e a segurança dos utentes. 28 - Nos vários momentos em que decorreu o planeamento de modificação da Ponte de Entre-os-Rios sobre o rio Douro os arguidos violaram regras técnicas geralmente respeitadas e reconhecidas e que como tal deviam ser observadas; 29 - Da conduta omissiva de todos os arguidos resultou uma situação de perigo para a vida e integridade física de um número indeterminado de pessoas; 30 - Perigo esse resultante da situação de vulnerabilidade em que se encontrava a Ponte e particularmente o seu pilar P4; 31 - Situação essa que, conjugada com os fenómenos da erosão localizada e generalizada, tornava previsível que, em situação de cheias, toda a areia que envolvia o pilar P4 pudesse ser arrastada e originar o seu colapso; 32 - Cheias que, num rio como o Douro, têm de ser encaradas como situação normal. 33 - O crime de violação ou infracção das regras técnicas a observar no planeamento de modificação de construção exige apenas a verificação de nexo de causalidade entre a conduta e o perigo, 34 - E no caso do crime de violação ou infracção das regras técnicas a observar no planeamento de modificação de construção agravado pelo resultado, crime imputado aos arguidos na acusação, exige-se ainda a verificação de nexo de causalidade entre o perigo e o resultado, devendo este mesmo resultado ser imputado ao agente a título de negligência, 35 - Para a imputação ao agente da agravação pelo resultado não se exige a verificação de duplo nexo de causalidade entre a conduta e o perigo e entre aquela e o resultado, como parece entender-se da decisão instrutória. 36 - Os autos contêm indícios dos quais resulta uma possibilidade razoável de aos arguidos vir a ser aplicada em julgamento uma pena; 37 - Pelo que se mostram reunidos os pressupostos para a sua pronúncia; 38 - Ao não entender assim, a decisão instrutória violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos conjugados artigos 263.º, n.os 1 e 2, e 267.º do Código Penal de 1982, 277.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e 285.º do Código Penal na sua versão actual, e artigos 283.º, n.º 2, e 308.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal. Os arguidos pronunciaram-se a favor da manutenção da decisão recorrida, enquanto o Exmo PGA junto deste Tribunal da Relação considerou merecer provimento o recurso agora em análise. Foi determinado o cumprimento do disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP. Apenas responderam ao mesmo parecer os arguidos C..... e F....., concluindo ainda pela manutenção da decisão recorrida. Colhidos os vistos, cumpre decidir. Fundamentação: a) uma proposição não fundamentada: a causa principal da ruína do pilar 4 consistiu no ano hidrológico anormal, com cheias sucessivas. I - Retenhamos, com vista a apreciação desta matéria, os seguintes aspectos indiciários do processo: 1 - O Prof. N..... , do ICBAS, fez um trabalho de campo no troço do Rio Douro a montante de Crestuma. Percepcionou extracção de areias fora de horas e sem fiscalização – fls. 3446. 2 - Inquirição do Eng. P....., fls. 6286: verificou-se um abaixamento do rio junto ao Cais de Sardoura. Pediu aos Serviços de Hidráulica para só autorizarem extracção de areia a montante do cais. 3 - Gab. Nav. Douro, 24.3.93 : “O leito do rio está a baixar impressionantemente”; “o leito do Douro na zona de Entre-os Rios baixou desde 1980 mais de 10 metros” – fls. 6293. 4 - Q....., Junta de Freguesia de Raiva desde há 15 anos: nunca viu qualquer fiscalização de inertes, fls. 6405; R....., Pres. J. Freguesia de Sardoura: idem- fls. 6409. 5 - Em 1997, Guarda rios receberam um ofício do IND, comunicando a sua cessação de funções, em virtude de a fiscalização ter passado para o IND. Segundo depoimentos deles, quando chegavam aos locais os populares diziam-lhes que já era tarde, porque a extracção de areias tinha começado de madrugada. Encontravam mesmo barcos já parados- fls. 6885. 6 - Depoimento do Eng.º S....., assessor principal do Núcleo Técnico e Comercial do IND desde 1997 – muito explicito sobre o aumento de extracção do volume de inertes- principalmente no último trimestre de 2000, areeiros reclamaram, por alegados dias invernosos e caudalosos no Douro, que não lhes permitiam retirar areia e não poderem compensar nos outros dias com meios adequados- fls. 7638. 7 - Exposição do Eng. P....., de 29.11.88, ao Dr. T....., da Dir. Serv. Reg. da Hidraúlica do Douro, alertando para os dados incorrectos indicados pelos areeiros; e descrição de infracções vistas por ele mesmo, identificando os infractores – fls. 7715; novo aviso em 18.9.90, quanto ao abaixamento do nível do rio e proposta de suspensão de extracção de areia por três meses- fls. 7800; novo aviso em 4.12.90, com comunicação ao Sec. Estado das Obras Públicas. 8 - Eng. D....., JAE, 21.5.79- em resposta a carta anónima, informa Serviços que a extracção de areias se verifica a escassas dezenas de metros dos pilares da ponte. 9 - Em Julho de 79, o Jornal de Notícias dá grande destaque ao risco da ponte desabar por extracção de areias desenfreada; em 17.8.79, a Hidraúlica do douro, propõe que se fixe a extracção de areia a 400 metros a montante da ponte, detectando nela graves anomalias – fls. 8508. Novo alerta a fls. 8511: percepcionadas infracções pelo chefe dos Serviços de Hidraúlica do Porto e ainda em 29.11.85 novo aviso relativamente ao cais de atraque. 10 - Em 15.11.85, U....., vizinho, queixa-se de incómodos provocados pelo areio de Boure (junto aos pilares da margem esquerda) : há trabalho aos fins de semana e à noite fls. 8684. 11 - Denúncia anónima em 28.11.90 ao Comandante da Capitania do Porto do Douro em nome de moradores de Entre-os Rios, queixando-se de barulhos à noite motivados pela extracção de areia –fls. 9190. 12 - V....., Pres. Junta Freguesia de Alpendurada, presenciou e fotografou – ver fls. 10 011- inúmeros barcos a extrair areia, a 10 Km da ponte, em Midões. Viu isso 2 a 3 anos antes da queda- fls. 9742. 13 - Depoimento de X....., morador a cerca 1 Km a jusante da ponte: presenciou vários barcos a extraírem areia de noite, causando barulho, em frente à sua casa – mais ou menos em 1992 – fls. 10 039. 14 - Depoimento de Z....., proprietário da Quinta do Freixo, 150 metros a jusante da ponte: desde 19.4.97 assistiu dezenas de vezes à extracção de areia em frente à sua Quinta; havia noites em que era acordado várias vezes , com o barulho das gruas e constatava a presença de vários barcos a operarem em simultâneo – fls. 10 934. Fotografias a fls. 16 082 e ss. 15 - Depoimento de M....., industrial de granitos: em Julho ou Agosto de 1997, o depoente foi surpreendido com diversos barcos a extrairem areia mesmo defronte do Porto de Sardoura, o que o preocupou, na medida em que essa actividade poderia pôr em causa a estabilidade estrutural desse porto – fls. 11 347. 16 - O Eng. N..... detectou fissuras no vizinho Cais de Sardoura: “deslocou-se aí e verificou após testes expeditos, que se verificava um assentamento da estrutura do cais de acostagem a montante, denunciado por pequenas fissuras detectadas no cais; não obstante as diligências efectuadas para pôr cobro de imediato às referidas extracções, as mesmas prosseguiram e só terminaram com a intervenção do Eng. Y....., que, entretanto, tinha retomado a sua actividade. O depoente ouviu dizer que a areia extraída naquele local seria de muito boa qualidade e daí o interesse dos industriais de extracção de areia em posicionar as suas embarcações no local fronteiro ao cais”. 17 - Depoimento de O....., morador a cerca de 100, 150 metros da ponte; presenciou barcos a extrair areia frente à Quinta do Freixo, um ano ou um ano e meio antes da queda; também frente ao Cais de Sardoura, 3 anos antes da queda da ponte- fls.15 943. II - Pode ler-se na recente obra “Philosophie des Sciences”, II, 2002, Gallimard, Paris, dos Ilustres Profs. da Un. Paris-Sorbonne/ Collège de France, no capítulo intitulado «La causalité»: Resulta que o principio da explicação causal visa reconstituir um processo que se produz no tempo. Essa tentativa implica duas condições: que se possa determinar um estado inicial e que sejam conhecidos os esquemas causais (leis de produção) que regem o domínio investigado. A tais exigências gerais acrescem as exigências particulares, pois que nem as entidades nem as leis nem as teorias são as mesmas em todas as regiões da natureza. No estudo das causas, encontramos duas espécies de problemas: a reconstituição de cenários particulares, o entrelaçar de processos que se sobrepõem, se encaixam e se misturam – pág. 899; uma aproximação rigorosa da relação causal é definida: existência de séries causais independentes, permitindo isolar do resto da realidade um conjunto circunscrito de acontecimentos ligados entre si; carácter cronológico da relação causal; associação estreita da causalidade e da contingência; utilização das estatísticas e do cálculo de probabilidades para testar a realidade da ligação causal, pág. 841; o estudo das relações causais é o meio mais seguro de descobrir como, ao mesmo tempo, encadeamentos causais (pertencendo à mesma ordem ou a ordens diferentes da natureza) se desenvolvem independentemente ou interferem. Em razão do carácter «transversal» das relações causais e do seu intrincado, a procura das causas traduz-se pela reconstituição ou a antecipação de histórias limitadas que, se bem que esclarecidas pelas ciências, não se dissolvem nunca completamente em elas- pág. 877. Ainda em aprofundamento desta ideia, escrevem os ditos autores: Quando se tenta, para tornar inteligíveis tais processos, decompô-los em sequências elementares e colocar cada uma das suas sequências sob uma forma cientifica, encontra-se um resíduo que não se funda no império das leis naturais. É esse resíduo que confere o seu carácter histórico ao processo causal(...) São pois históricas as séries de acontecimentos cujo modo de ligação é ao mesmo tempo inteligível, cronológico e conforme à realidade: entre tais acontecimentos, laços necessários e encontros contigentes combinam-se(...) Há uma irredutibilidade do encadeiamento histórico à dedução cientifica: a investigação histórica tem por objectivo a reconstituição de sequências de acontecimentos alguns dos quais pelo menos são únicos e não reproduzíveis. A investigação etiológica utiliza, claro, todos os recursos das ciências; mas ela acrescenta normas próprias da história(...) põe em evidência não somente o que é genérico e universal nos processos, mas também aquilo que eles comportam de singular. Há dois tipos de singularidade: uma tende à individualização dos seres; a outra nasce do encontro de séries causais independentes , ou seja, o surgimento do acaso- págs. 868-869. III - Referência de passagens concretas da decisão recorrida a este propósito: A pág. 91, acerca do conteúdo da 1.ª perícia: Os elementos constantes do anexo técnico 2 são de tal forma imprecisos que não podem ser utilizados para o caso em concreto sendo que, não havendo elementos históricos relativos aos níveis de erosão localizada junto do pilar P4 não é possível calcular qual a cota a que se faziam sentir os efeitos da erosão causada por cada cheia. Salienta-se o facto de, ao longo da sua história, a ponte ter sofrido fenómenos de cheias com pontas mais elevadas dos que as ocorridas no ano hidrológico 2000/2001. Por outro lado, na falta de elementos concretos sobre o local em questão, nunca se poderá saber, com alguma precisão, qual a real quota de erosão existente naquele local. Prosseguindo, argumenta a decisão recorrida: (...) não podemos esquecer que o fenómeno da sucessão de cheias provocou uma erosão muito significativa na zona próxima do pilar P4, erosão essa uniforme – que justifica a posição horizontal em que o pilar que colapsou apresenta após a queda – e que terá sido de cerca de 4 metros, e que foi determinante na queda do pilar, muito mais do que o fenómeno de erosão localizada o que até permitirá concluir, como mais provável, que a cota de erosão localizada provocada pelas cheias não é tão profunda como resulta das equações utilizadas – pág. 93. (...) mesmo partindo do princípio de que, em 1986, existia já um fenómeno de infra – escavação – o que não podemos assumir como certo, uma vez que não existem elementos sobre a existência desse fenómeno nem em 1986 nem posteriormente, pelo que não pode ser utilizado contra os arguidos – não podemos dizer que o enrocamento fosse a solução a adoptar -pág. 117. (...) conforme as conclusões que referimos, a falta de obras de protecção na fundação do pilar P4 – como, e adiantando desde já, a extracção de areia e a construção de barragens – embora tenham tido influência provável no colapso da ponte, na medida em que contribuíram para uma menor protecção aos fenómenos de erosão (aquelas) e ao abaixamento do leito do rio (estas) sendo que, ainda que existissem as cheias, o colapso talvez se não tivesse dado (contando aqui uma probabilidade séria e não uma certeza uma vez que do que não aconteceu não podemos, nunca, ter uma certeza absoluta, e tendo em conta a situação dos pilares P2 e P3) - não foram de tal forma relevantes que contribuíssem de uma forma decisiva: o factor decisivo foi, sem dúvida, a continuidade das cheias no ano hidrológico em causa. Podemos mesmo dizer, seguindo aqui os elementos de prova, que sem essa sequência de cheias, o mais provável era não se ter dado o colapso da ponte nem sequer a colocação em perigo da mesma - momento o qual, aliás, será impossível de detectar uma vez que não existem dados sobre esse facto, podendo, no máximo, situá-lo entre Fevereiro de 2000 e 4 de Março de 2001 – pág. 119. A permanência das cheias foram a única causa directa no colapso da ponte, como comprova o facto de em alguns meses a protecção lateral do pilar ter baixado mais do que em 15 anos – pág. 120. IV - Conclusão: Estudado o processo, dos dados dele constantes, não é possível extrair uma explicação acerca do processo causal naturalístico que determinou como efeito a ruína do pilar e consequente queda da ponte. Isso acontece por duas ordens de razões. Uma, a de que não estão presentes dados suficientes sobre a situação inicial – asserção que é parte central do conteúdo da 1.ª perícia e a que a decisão recorrida aderiu como premissa básica para a sua argumentação, como supra se exemplificou. A título exemplificativo, diga-se que não havia um conhecimento do estado do fundo do rio, não havia conhecimento se ocorreram infra-escavações na base de assentamento dos pilares, não havia conhecimento do hidrodinanismo presente na zona da ponte, provocado pela extracção de areias na zona envolvente. Por outro lado, há várias linhas causais susceptíveis de provocar tal efeito, como a descontrolada extracção de areia na zona da própria ponte e os efeitos sucessivos de cheias, dentro destes, o das relativas ao ano hidrológico de 2001. Não é possível estabelecer, com os indícios constantes dos autos, que uma delas tenha sido exclusiva, ou ambas concorrentes, ou uma mais concorrente que as outras. Daí até a própria imprecisão terminológica da decisão recorrida a este nível, que umas vezes se refere às sucessivas cheias de 2001 como causa principal, outras como causa determinante, outras como causa única. Assim, tal episódio vai assumindo a natureza de causa necessária, mas não suficiente, e causa necessária e suficiente. O que é óbvio é que foi nesse conjunto de cheias que foi desencadeada a causa eficiente imediata da queda da ponte. Mas esta simultaneidade com certeza que não sossega qualquer anseio de explicação para o evento, dado o real desconhecimento em campo do que se estava a passar nos últimos anos com as infra-estruturas da ponte e o estado do leito do rio na zona circundante as mesmas. Só para aflorar a real complexidade das variáveis em presença, repare-se na ideia expressa no depoimento do Prof. L....., a fls. 14 939 : Por efeito de obstrução dos enrocamentos nos pilares P2 e P3, o talvegue na secção do Rio Douro ter-se-á deslocado gradualmente no sentido do Pilar 4, agravando as erosões junto dele. Como muito impressivamente se pode ler na motivação de recurso do arguido G....., a fls. 22 852, “ao longo dos anos que se seguiram a 1989 a ponte foi praticamente deixada ao abandono. No leito do Rio Douro, nas proximidades da ponte, efectuavam-se extracções de areias de modo totalmente descontrolado e em quantidades desmesuradas.” Qualquer juízo sobre o processo causal executivo da queda da ponte afigura-se-nos nesta fase ainda prematuro. b) a proposta viável de enrocamento do pilar 4. I - Sobre este tema, ponderam-se estes indícios processuais: 1 - Esclarecimentos suplementares periciais, a fls. 11 441 e ss: a situação encontrada junto ao pilar 4 em Dezembro de 1986 não era substancialmente melhor do que a existente em 2000, visto que a altura de material aluvionar acima da base de fundação seria apenas 1 a 3 metros superior. Assim, pode inferir-se que os factos, decorridos posteriormente mostraram que a situação encontrada junto ao P4 em Dezembro de 1986 não oferecia condições de segurança satisfatórias em relação a efeitos conjugados de erosão localizada e generalizada. Face aos resultados da inspecção subaquática de 1986, conjugados com as conclusões do relatório da AM..... de 1988, a intervenção correctora e mitigadora poderia ser a colocação de enrocamento em torno do Pilar 4 ou o reforço da fundação deste por forma a assegurar que as solicitações eram transmitidas ao maciço granítico e não às aluviões erodíveis. 2 - Prof. L....., do ISTL, a fls. 15 945: é muito provável que se o Pilar 4 tivesse sido protegido com a referida banqueta(de enrocamento), não tivesse colapsado e é muito provável ainda que, nesse caso, o talvegue do rio se tivesse deslocado mais para o intradorso da curva, erodindo ainda mais as fundações do pilar 5. Um especialista em Hidraúlica Fluvial teria corroborado a necessidade de proteger o P4 e teria considerado a hipótese de proteger também o pilar 5 contra a acção erosiva, embora não tivesse necessariamente de optar por uma solução de protecção com enrocamento, pois existem outras soluções de protecção. 3 - Prof. H....., a fls. 16 854: face aos resultados das observações e exames efectuados nos elementos estruturais da Ponte Hintze Ribeiro a partir de 1986, inspecção subaquática e sondagem dos pilares, qualquer hipótese de aproveitamento da ponte referida na carta de 14.3.88, impunha a protecção com o enrocamento dos pilares, total no Pilar 4 e a reposição dos níveis nos pilares já com enrocamento, caso implicasse o aumento significativo das cargas. 4 - Esclarecimento pericial, a fls. 21 015 – Há, portanto, uma indicação, em duas linhas, sobre a possibilidade de a ponte actual poder ser reservada, com ligeiras reparações, ao trânsito de ligeiros e peões. Esta alusão apenas pode ser entendida como sendo uma afirmação em termos gerais de que, caso não se alterasse a largura da ponte (até tendo sido apontadas, nestas circunstâncias, restrições à circulação), as reparações seriam necessárias e comparativamente muito menores do que se a ponte fosse alargada. Pode mesmo entender-se que no contexto de ligeiras reparações poderia estar incluída, por exemplo, uma solução de colocação de enrocamento de protecção da fundação do P4 ou de monotorização da evolução do fundo do rio, o que poderia garantir uma maior segurança do pilar. 5 - Prof. W....., FEUP, depoimento em sede de instrução: Se a solução constatada indiciasse emergência, sem dúvida, colocaria enrocamento. II - Juridicamente encontramos fundamentos para que estes indícios sejam considerados muito relevantes, já que são referências de pessoas que pelos seus conhecimentos técnico-cientificos estão em posição de corroborar a sua plausibilidade. Nos termos do disposto no art.º 163.º, n.º1 do CPP, o juízo técnico, cientifico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador. Determina o n.º 2 deste mesmo preceito que sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência. No nosso caso, aderimos aos pareceres de natureza técnica que supra pusemos em destaque, porque são os que mais se coadunam com a informação nestes autos disponível- não esquecendo que oportunamente e na sede própria serão alvo de exame e crítica que se mostrarem necessários. III - Justificação desta tomada de posição processual: O enrocamento foi implantado nos pilares P2 e P3 em altura anterior a 1930. Nestas dezenas de anos, até 1985- ano do enchimento da albufeira de Crestuma, sofreram estes pilares a maior erosão, -com sucessivas cheias, algumas violentas, e ainda o hidrodinanismo particularmente violento originado por a escassas dezenas de metros a montante se situar a confluência de dois caudalosos rios- a corrente de água ao longo do ano só neles era efectiva. Sobreviveram ao infeliz sinistro, mostrando-se eficaz o respectivo enrocamento. Não há qualquer informação nos autos que assevere como negativo, ou carente de substituição tal enrocamento. Cumpriu pois um papel plenamente positivo. Também facilmente se constata da leitura dos autos que é um modo de conservação utilizado universalmente, entre outros. Objectou-se em sentido contrário à conveniência do enrocamento que o facto de a banqueta de enrocamento se encontrar assente em aluvião, contrariamente aos ditos P2 e P3, postados em rocha firme, não o recomendar – por a instabilidade da areia, dos caudais, não permitir que o resultado das forças de erosão fosse comunicado às forças graníticas. Contudo, este argumento não se nos afigura defensável – porque parte de um pressuposto não minimamente ventilado pelos seus autores: mesmo que assim pudesse ocorrer um certo grau de instabilidade, essa eventual instabilidade não pudesse ser acompanhada pelos serviços competentes, em termos de relativa segurança; ou, exprimindo-nos de outro modo, nunca referem a possibilidade de a mesma poder ser repentina e brusca em termos de ruína do pilar que visava proteger, de forma a não poder haver remédio da parte da fiscalização. É que não podemos partir do princípio geral da inépcia dos Serviços de Fiscalização após a detecção de uma patalogia e supor que efectuado o enrocamento, estar-se-ia de novo inúmeros anos sem pensar mais no assunto. Seria então caso para nessa medida acompanhar a posição expressa por uma motivação de recurso, onde se refere que frustado o papel protector do enrocamento oportunamente proposto, o arguido proponente sempre estaria agora a responder pela ruína do pilar, por o enrocamento ter sido insuficiente medida de protecção. c) a situação objectiva do Pilar n.º 4. Relativamente à sua consistência interna parece não haver dúvidas que relativamente aos anos de 1986-1988 a mesma era boa. O próprio relatório da inspecção sub-aquática menciona o bom estado do pilar n.º 4, por comparação com os pilares ns. 2 e 3. Sublinhem-se agora algumas características importantes relativamente à natureza e funções desta obra pública. A mesma foi construída já em fins do século XIX. Esta longevidade devia ser um factor a ponderar liminarmente nas tarefas de conservação e fiscalização da mesma. E imediatamente conexionado com este aspecto, o facto de a mesma não estar implantada numa zona isolada do interior, com um menor fluxo de trânsito de veículos e peões e consequente reduzido risco de acidentes graves em termos de vidas humanas. Antes pelo contrário, numa zona populosa, com constante tráfego de veículos, ligeiros e pesados, e mesmo peões. Por outro lado, há duas referências incontornáveis relativamente à localização geográfica da ponte: Uma, é a de a mesma, indevidamente segundo a opinião do Prof. AB....., ter sido edificada num ponto a jusante muito próximo da confluência de dois rios com caudais elevados, criando a confluência das correntes um hidrodinanismo agressivo sobre os pilares da ponte. O outro é justamente o de tais rios não poderem ser qualificados de detentores de comportamento regular ou relativamente previsível. Principalmente, no rio Douro sucedem-se episódios atípicos de cheias, que evidentemente as barragens, num dos seus objectivos de regularização do caudal do mesmo, não podem eliminar de todo. Continuando a reportar-nos ao ano de 1988, também se revelaram incontornáveis, por meios infra-mais explicitados, estes dados relativos ao Pilar n.º 4: - este pilar, contrariamente aos pilares ns. 2 e 3, não dispunha de protecção de enrocamento; - tal situação muito possivelmente teve a ver com o facto desde a altura da construção da construção da ponte até 1985 (enchimento da barragem de Crestuma), se encontrar implantado em zona de extenso areal, na face interior da curva do rio- apenas sendo submerso em ocasiões invernosas ou de cheias; - a base de assentamento do pilar encontrava-se em contacto com a aluvião, contrariamente ao pilares ns. 2 e 3, os quais estavam em contacto com a parte rochosa do leito do rio; - no topo a montante a profundidade era de 15 metros, enquanto a jusante já baixava para 13 metros, contrariamente aos pilares P2 e P3, em que a profundidade maior se verificava a jusante, justamente 9 metros. Ocorreu pois a partir de 1985 uma alteração radical naquele estado de coisas inicial. O mesmo pilar passou a estar durante todo o ano sujeito a hidrodinamismos, a erosão localizada, e à erosão geral decorrente do abaixamento do leito do rio; e muito provavelmente a mais erosão localizada que os pilares ns. 2 e 3, devido à deslocação do talvegue do rio na sua direcção e do Pilar n.º 5. O mesmo pilar passou a estar mais invisível e consequentemente mais dificilmente controlável nas suas eventuais patologias. O comportamento do caudal do rio Douro, atenta a incerteza dos valores de pluviosidade que incide sobre o norte da Península, e a sua complexa rede hidrográfica, tem-se revelado de todo imprevisível – podendo dizer-se que na época de Inverno o perigo de destruição que os grandes caudais trazem consigo é iminente. Que o digam as populações das zonas ribeirinhas, as quais desesperam durante anos pela chegada de prometidas indemnizações. É quase uma expressão forçada falar-se em regime normal ou anormal de cheias. Será que se viesse anteriormente um ano hidrológico com três cheias seguidas seria considerado normal? Mas já não aquele em que sobreviessem quatro? E em que medida a simples continuação de um caudal elevado e impetuoso durante uns meses, isto é, um dado quantitativo diverso é suficiente para produzir uma alteração qualitativa num dado estado de coisas, partindo-se do princípio que as estruturas de obras públicas que estão em campo têm de previsivelmente estar aptas para receber o exercício continuado de tais forças intensas? Mas dir-se-á: a técnica de conservação então disponível criou mecanismos de reforço e implantou-os. Tal não foi o caso e não era inevitável, a ruína do pilar n.º 4, por força irresistível ou imprevista da natureza – como seria o caso de um tremor de terra ou uma anomalia muito difícil de detectar. Mesmo num caso de que os responsáveis tudo tivessem feito para diagnosticar e dar uma solução ao problema e o não conseguissem, havia sempre a solução radical e última de propor o encerramento da ponte. Então, é legítimo pensar-se que algo que teve a ver com os homens falhou. Porque foi exactamente a parte mais frágil da estrutura que tragicamente veio a ceder. Relativamente á matéria aluvionar envolvente do pilar n.º 4, cremos que a partir de 1988 não fornecem os autos elementos relevantes quanto à areia envolvente do pilar, designadamente a respectiva altura relativamente à base. A medição efectuada em 2000 apenas revelou que foi detectada areia a uma dada profundidade e não mais que isso. Vale plenamente o raciocínio supra exposto acerca da falta de dados de campo suficientemente elucidativos. Não se estudou o fundo do rio com meios adequados ao longo de todos estes anos subsequentes, estudo esse que se consideraria de molde a suportar conclusões sobre a protecção lateral do pilar com areia, se nos esclarecesse dois pontos fulcrais: - o primeiro, de que, não obstante a desenfreada retirada de inertes nas imediações da ponte, as cheias que intercalarmente se verificaram, a erosão localizada intensa, e os fundões também detectados muito próximos da ponte, existiu uma camada de areia à volta do pilar, que se manteve estável, homogénea e susceptível de neutralizar força agressiva de erosão à parte do pilar que se dizia proteger; - o segundo, de que não ocorreram fenómenos de infra-escavação junto ao Pilar n.º4. Não tendo nós garantias sobre a existência ou inexistência destes fenómenos; e antes pelo contrário, os autos apontarem para a sua muito possível não configuração, tal a instabilidade que as diversas forças da natureza e do homem produziam de uma forma conjugada nesta zona do rio, parece-nos muito arriscado estar a argumentar com a evolução ocorrida nesse aspecto, como se a descida do leito do rio fosse um movimento proporcional e harmónico. Chegou-se ao ponto caricato de na troca de argumentos se discutir a verificação de um metro ou meio metro a mais ou a menos dessa suposta protecção! Isto mesmo sabendo-se que neste ponto do rio, como aliás ao longo da albufeira de Crestuma, não houve qualquer monotorização do fundo do rio efectuada ao longo do tempo, de forma consistente. Veja-se a este respeito o ofício de fls. 4764 da EDP ao Dir. Estradas do Norte e da carta de fls. 4775 ao Eng. Director da JAE, em que se referenciam fundões com mais de 6 m junto aos pilares! Avisadamente, porque foi subsequentemente recusada a possibilidade de a EDP colocar material de sedimentação proveniente das obras da Barragem de Torrão, em área contígua à ponte sinistrada... Mas o que era verdadeiramente importante era atentar, como resultou claro depois da campanha de sondagens da AM..... que os pilares 2 e 3 assentavam estavam envolvidos por enrocamento e assentavam na rocha; e que o pilar n.º 4 não estava protegido por enrocamento e assentava na aluvião – ou seja, não tinha segurança. A pressão da corrente era transmitida directamente ao próprio pilar, a do tabuleiro à aluvião, em lugar de incidirem sobre o maciço granítico. Evidencia-se dos autos que o enrocamento foi aposto nos pilares P2 e P3 pelo menos antes de 1931, primeira documentação fotográfica existente com o mesmo já implantado, pois se deve ter concluído da sua necessidade imperiosa. E também se pode ler a trágica ironia do relatório da destruição da parte residual da ponte sinistrada, a fim de dar lugar à nova que já foi edificada: a dinamitação destes dois pilares estranhamente teve necessidade de três cargas, tendo os especialistas suposto que uma seria suficiente para os fazer ruir. c) o conhecimento pelos arguidos da situação objectiva do pilar n.º 4: A inspecção subaquática realizada em Dezembro de 1986 pela empresa AL..... , foi presenciada pelo próprio arguido D...... Este arguido e o arguido F..... tiveram conhecimento do respectivo relatório, tendo ambos assistido na sala de reuniões da Presidência da JAE à primeira reprodução das cassetes vídeo relativas à observação subaquática dos pilares da ponte. Em 13.1.1987, o arguido D....., referindo-se aos resultados daquela inspecção, elaborou a informação n.º 5/87/DSP- fls. 10 394-10 397, na qual tece os seguintes comentários: as profundidades detectadas foram de certo modo uma surpresa; na zona dos três pilares, é o local onde a corrente se faz sentir com grande intensidade e onde igualmente em tempos de cheia as infra-escavações são mais agressivas; o enrocamento devia existir de forma idêntica ao redor das sapatas e não como se verifica; tal facto deve-se às alterações a que o regime do rio tem tido, à impetuosidade das correntes nos períodos de cheia e igualmente às alterações a que se encontrava sujeito o regime do rio em consequência da extracção de material sólido ou da forma como a mesma se tem processado. A fls. 10 394 e 16 904 constata-se que foi determinado que a projectista da obra deveria ter conhecimento dos vídeos e relatório, que era a firma AC....., da qual eram sócios-gerentes os arguidos G..... e H...... Com vista a tal conhecimento, a JAE enviou à AC..... a título de base informativa, oito desenhos relativos à ponte e cópia da dita informação, acompanhada do relatório da inspecção dos pilares da ponte apresentado pela AL..... ( fls. 10 393, 16 894 a 16 929). Em 9.3.1988, na mesma sala de reuniões da JAE, ocorreu nova reprodução das cassetes vídeo, desta vez com a presença dos arguidos D..... e H...... A fls. 7368 o Prof. H..... referia que fez estudos das fundações, sempre opinou, por várias vezes que qualquer alteração necessitaria de reforço dos pilares. E a fls. 16 855: reportado ao momento presente, pode confirmar que aqueles relatório e informação foram recebidos na AC...... Em declarações prestadas no TIC, a fls. 20 646, esclarece com muita utilidade este mesmo arguido: Confirma ter-se deslocado a Lisboa, às instalações da JAE, onde foi exibido o filme da inspecção aquática, a fim de ter a percepção de como se encontrava a superfície exterior dos pilares. Recorda-se da exibição ter sido cansativa, não tendo a mesma chegado ao fim, tendo sido apenas exibido o filme respeitante a dois dos pilares, sendo que ambos tinham enrocamento. Tal assim sucedeu na medida em que os engenheiros da JAE já haviam visto o filme diversas vezes (...). Também o arguido F....., nas declarações prestadas no TIC, a fls. 20 701, mencionou o seguinte: se recorda de ter assistido a toda a reprodução das filmagens da inspecção subaquática realizada e, ao que julga, toda a reprodução da filmagem dos pilares daquela ponte, sendo que salientar que ao tempo não considerava a solução de enrocamento adequada, na medida em que a ponte se localizava num rio com um caudal muito elevado”. Acrescenta a fls. 20 901: Existia sempre o perigo de que as pedras utilizadas para proceder ao enrocamento ficassem soltas e submersas com as areias circundantes e não ser possível prendê-las”. Ainda a fls. 20 902: Na altura em que foi visionada a reprodução das filmagens subaquáticas à ponte Hintze Ribeiro, houve a percepção de que a camisa se encontrava cortada em alguns lados, apresentando algumas fendas nas quais se podia inclusivamente meter a mão. Porém, o núcleo do pilar encontrava-se inatacado, encontrando-se em bom estado de conservação, não apresentando perigo de espécie alguma. Apesar disso, foi apresentada a recomendação de avançar com o projecto de nova ponte sobre o rio Douro. d) o planeamento ou modificação de obra. Nesta parte cremos exemplar a exposição constante da motivação, que subscrevemos plenamente, na parte que a seguir se transcreve: Por planeamento entende-se o projecto, o desenho, a concepção da obra a executar. O planeamento é, pois, um conjunto complexo de actividades, onde se inclui, para além do mais, a actividade do engenheiro e do arquitecto na elaboração do esboço inicial, na perspectivação da obra a realizar. Digamos que o planeamento engloba todas as operações e actividades necessárias à definição de um projecto, podendo este ser de âmbito geral ou mais restrito. Por sua vez, a modificação abrange toda e qualquer alteração ou melhoramento de uma construção já existente, devendo considerar-se como modificação para efeito do preenchimento do tipo legal de crime em causa, as obras de consolidação e reforço das fundações de um pilar sem qualquer protecção originária. Assim, constitui obra de modificação a construção dum enrocamento protector da fundação de um pilar de uma ponte, traduzida na colocação de materiais de granulometria crescente de baixo para cima, até pedras de grandes dimensões na parte superior, por forma a assegurar que as solicitações das cargas da ponte sejam transmitidas ao maciço granítico e não às aluviões erodíveis, a fim de evitar, ou pelo menos diminuir, a erosão junto da fundação desse pilar. De igual modo, deverão considerar-se como modificação para efeito do preenchimento do tipo legal de crime em causa, as obras de conservação especializada (trabalhos necessários para a circulação, em segurança, de veículos e peões) solicitadas em 1998 pela Direcção de Estradas do Distrito do Porto à Direcção dos Serviços de Pontes (fls. 10355). Ora, é precisamente a violação ou infracção das regras técnicas que deviam ser observadas no planeamento de modificação de construção, no caso a Ponte de Entre-os-Rios sobre o rio Douro, que é imputada aos arguidos na acusação. Segundo a acusação, a conduta dos arguidos integra-se em três momentos em que decorreu o planeamento de modificação da Ponte, na sequência da detecção de anomalias na sua estrutura. O primeiro planeamento inicia-se quando a Direcção do Equipamento Hidráulico da Empresa Electricidade de Portugal solicitou autorização para depositar produtos resultantes da escavação submersa do leito do rio Tâmega no âmbito da construção da barragem do Torrão nos fundões existentes junto dos pilares da Ponte, o que levou o Director da Direcção dos Serviços de Pontes da extinta Junta Autónoma de Estradas (doravante, designada por JAE) a proferir despacho em 22 de Julho de 1986, no sentido de “prever a contratação de engenheiro com profissão liberal para inspecção da obra e recomendação de reforço se for o caso” (fls. 4764 a 4775). E, em 9 de Maio de 1989, inicia-se outro planeamento de modificação da Ponte, quando a Direcção dos Serviços de Pontes enviou à AC..... o ofício n.º 767, em que solicitava a apresentação de um estudo respeitante aos melhoramentos a introduzir na Ponte, “por forma a mantê-la em condições de servir o tráfego por um período nunca inferior a 6 anos” (fls. 10411). Mais tarde, dá-se início a novo planeamento de modificação da Ponte, quando, em 22 de Junho de 1998, o director da Direcção de Estradas do Distrito do Porto enviou à Direcção dos Serviços de Pontes um ofício em que anexava um conjunto de fotografias relativas à Ponte e solicitava que a mesma fosse inspeccionada e que fossem accionados os trabalhos necessários para a circulação, em segurança, de veículos e peões, ofício sobre o qual recaiu despacho do director da Direcção dos Serviços de Pontes, datado de 1 de Julho de 1998, que determinou a remessa do expediente à Divisão de Conservação para vistoriar a Ponte (fls. 10355 e 10359t a 10362). Como planeamento de modificação da ponte entende-se claramente um conjunto de disposições, de estratégias, pré-ordenadas à alteração de uma obra já existente: a acção de traçar o projecto ou o plano de alguma coisa a realizar, determinando custos, tempo...; processo de projectar ou de programar alguma coisa – Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Verbo, Lisboa, 2001. e) as duas perícias e o perigo. Quer a perícia ordenada em sede de inquérito, quer a ordenada em sede de instrução, apontam claramente para a existência em 1986-1987, de perigo para a segurança da ponte e designadamente do Pilar n.º 4. A última perícia mencionada é mais ostensiva e veemente quanto ao carácter flagrante da sua evidência: a quantidade de areia situada acima da base do caixão já não garantia a sua segurança; era manifestamente previsível que tal quantidade de areia era insuficiente para garantir a sua estabilidade. A fls. 21 904, esta perícia da instrução é contundente: “Se o pilar P4 tivesse banqueta de enrocamento teria tido um comportamento semelhante ao dos pilares P2 e P3”. Continuam os mesmos peritos: “A protecção por enrocamento parece ter sido vantajosa para os pilares P2 e P3, pelo que também para o pilar P4 teria havido vantagem nessa solução, que é, aliás geralmente apontada como eficaz. Assim, a probabilidade de a profundidade de erosão junto ao Pilar 4 ter sido menor era 1 (equivale a 100% é um acontecimento certo, dizemos nós), isto é, a protecção do enrocamento com pilar faria diminuir em cada instante a erosão localizada, podendo eventualmente impedir a queda do pilar”- fls. 21 915. Ainda a fls. 21 918 – “A execução de uma protecção com enrocamento com base da fundação do pilar 4 teria impedido ou limitado a erosão das areias subjacentes, à semelhança do que aconteceu com os pilares P2 e P3, situados numa zona de maior velocidade de escoamento e consequentemente de maior erosão. As anteriores protecções dos pilares P2 e P3, anteriores a 1931 permaneceram após a cheia de 2001”. Não se afigura correcto o parágrafo em que se sintetizou na decisão recorrida o conteúdo da 1.ª perícia, sobre esta matéria, nomeadamente: Em 1986, com os dados conhecidos, não existia perigo para a estabilidade das fundações da ponte Hintze Ribeiro o mesmo acontecendo em 2000, em situação normal de cheias, uma vez que o nível de matéria aluvionar existente acima da fundação do pilar 4 era suficiente para garantir a estabilidade da ponte. O contrário, salvo o devido respeito, é o que se infere do conteúdo do relatório junto no vol. 29 dos autos, como se passa a expor: “Por verificação do que ocorreu com os pilares P2 e P3, é plausível considerar que se tivesse sido realizada uma protecção com enrocamento na envolvente da fundação do pilar P4, a profundidade de erosão poderia ter sido menor do que a verificada aquando do acidente, caso esta banqueta se tivesse mantido estável.” – fls. 8811. “A situação de vulnerabilidade a fenómenos de erosão do leito em que se encontrava a fundação do pilar P4 aumentou progressivamente, na medida do abaixamento do leito do rio, porque a fundação desse pilar não atingia o estrato rochoso” – fls. 8839. “Na zona de implantação do pilar P4, o rebaixamento do leito do rio foi superior ao verificado junto dos restantes pilares da ponte de tal forma que terá atingido a cota da base do caixão de fundação” – fls. 8836. Assim, se bem interpretamos este relatório, não se confere neste relatório qualquer relevância à matéria aluvionar envolvente do pilar. A posição tomada na decisão recorrida invoca esclarecimentos posteriores prestados pelos peritos desta 1.ª perícia. Contudo, o valor de tais esclarecimentos é muito limitado. É que o conteúdo da 1.ª perícia já apresentava uma grave inconsistência lógica. Começava por sublinhar reiteradamente a falta de dados de campo; não obstante esta premissa, concluía que a queda da ponte se ficou a dever fundamentalmente à sucessão de cheias do ano 2001. Supra já comentámos melhor a invalidade desta argumentação. Depois, nos invocados esclarecimentos esta situação agrava-se. Não só porque os peritos se dividem, de forma que não tinham patenteado na elaboração das respostas, como também porque é introduzida uma nova incoerência do ponto de vista lógico-formal, ao pretender-se aparentemente contrariar as conclusões da perícia da instrução: o referir-se que, entretanto nada de relevante aconteceu em termos de segurança da ponte, porque a erosão localizada não atingiu o valor mencionado pelos peritos da 2.ª Comissão. E então o que aconteceu ao alegado rebaixamento progressivo do leito do rio na zona do pilar 4? Não está o julgador vocacionado para se substituir aos juízos técnico-cientificos; mas está em posição para verificar a estrutura lógica neles utilizada. A dita Comissão socorre-se do conceito de plausabilidade. Este conceito na decisão recorrida é omitido, esquecendo-se a sua manifesta relevância. Na perspectiva da plausabilidade, toda a prova se baseia em determinadas aparências, as quais se podem vir a tornar ilusórias ou falsas, em certos casos, relativamente ao modo como representam a realidade. Implica que algo pode ser prova, e prova genuína, apesar de mais tarde poder ser questionável ou inseguro mais tarde, se for então substituída por uma prova melhor (...) Faz-se justiça ao importante e necessário papel das aparências que podem ser sensivelmente apreendidas na prova - cfr. Douglas Walter, “Legal Argumentation and Evidence”, 2002, The Pennsylvania State University, págs. 224 e 226. E acrescenta o mesmo autor a pág. 237: Neste âmbito uma pessoa competente é aquela que é capaz de apreender as aparências num determinado modo que ela pode processar e compreender o que é que se passou. Uma pessoa competente, neste sentido, está “em posição para saber”, de maneira que o que ela relata é baseado naquilo que ela sabe ser verdade, ou tem razões para admitir que pensa ser verdade. Ora são os próprios peritos que sustentam que o enrocamento do pilar teria tido um efeito benéfico. Caso contrário, teriam afirmado: não é plausível pensar que caso o enrocamento tivesse sido efectuado não se teria verificado a mesma profundidade de erosão do Pilar n.º 4. Depois, chamam a atenção para um aspecto condicional: A banqueta do enrocamento teria de se manter estável. Aqui não fazem depender essa estabilidade de factores puramente naturais. Por outro lado, dizem não poder calcular a garantia de que esse enrocamento se tivesse mantido face à sucessão de cheias do ano 2001. Esta última asserção é apenas um desenvolvimento da penúltima – a qual preconizava a estabilidade da banqueta de enrocamento como condição de eficácia deste – sendo óbvio que essa estabilidade poderia, com uma margem de incerteza ampla, não ocorrer perante aquele fenómeno hidrológico. Não se poderá interpretar esta posição tão explicita dos peritos como um mero palpite e não a destacar minimamente, como faz a decisão recorrida. Por outro lado, não se poderá obviamente entrar por uma via semântica, no sentido de dever falar-se de perigo, falta de segurança, vulnerabilidade. O que se pretende caracterizar é aquela situação tão evidente, extensiva aos autores de tal exegese, de menor vontade de pessoalmente passar naquela ponte ou de ver a família fazê-lo. Não se consegue compreender, perante estas evidências, afirmações inaceitáveis da decisão recorrida, como esta: um outro factor decisivo: o tipo de patologia que levou ao colapso da ponte, apesar de conhecido, só se poderia detectar com inspecções no local e, muito provavelmente, durante as cheias, uma vez que, cerca de um ano antes, com as medições efectuadas, o pilar parecia seguro - importa reter que não é plausível a existência de túneis pelo que, com a quantidade de areia em causa detectada em Fevereiro de 2000, nenhum perigo estava indiciado (...). f) arguidos D....., F....., G..... e H....: o esquecimento das fundações da ponte. O Engenheiro AD....., director do LNEC, em depoimento prestado em sede de inquérito, afirmou: “conjugados os dados apurados na inspecção sub-aquática de 1986 com as informações das sondagens obtidas em 1988, estrava reunida a informação essencial para proceder à avaliação das condições de segurança do pilar P4 relativamente aos fenómenos de erosão do leito do rio” – fls. 15 953. Ainda a fls. 21 724 esclareceu: “A referência à situação de risco importante para a estabilidade do pilar significa que os seis metros de areia acima da base da fundação do caixão poderiam não ser ser suficientes para manter estável a estrutura em situação de uma acção particularmente severa do rio”. Isto concedendo que existia uma base estável e protectora de areia à volta do pilar, sem infra-escavações, nem fundões nos confins, o que como vimos supra, duvidamos. Os ditos arguidos não ponderaram, nas suas declarações na omissão verificada, ao não proporem o enrocamento do pilar, em termos que lhes poderão ser favoráveis em futuro desenvolvimento processual e não reconheceram implicitamente que há responsabilidades humanas a atribuir. Excepção feita ao arguido G....., que a fls. 8126, referiu elucidativa e desassombradamente: “o não ter ocorrido mais cedo a ruína do pilar n.º 4 ficou a dever-se ao acaso e ao facto de não terem ocorrido as circunstâncias necessárias para desencadear o colapso”. Quer dizer, havia um livre jogo de processos causais naturalísticos, sem interferência humana correctora, faltando apenas acontecer o mais apropriado. A Comissão de peritos nomeada na instrução escreveu significativamente: já em 1996, ano de cheia intensa, já o pilar P4 deverá ter estado perto da ruína – fls. 22 291. E mais tarde, a fls. 16 848, continua o próprio arguido G.....: não sabe explicar a razão por que não foram referidos esses dados no projecto de arranjos e beneficiação da ponte, sendo que não pode deixar de estranhar essa omissão. Estas declarações não podem deixar de se reputar como impressionantes, pois nestas situações há sempre algo a que atribuir responsabilidades, seja o Estado entidade abstracta, o superior hierárquico ou a falta de meios. E vão ao encontro de um consenso de posições sucessivamente expostas. O perito mergulhador AE..... ficou preocupado com a situação e concordou que no relatório fosse proposta a realização de trabalhos a fim de se corrigir anomalias das fundações – fls. 7342. A seguir , foi ouvido o mergulhador profissional AF..... que simplesmente ficou impressionado com a ausência de base de enrocamento no pilar n.º 4. A fls. 7902 consta o depoimento do mergulhador AG.....: impressionou-o a profundidade do pilar n.º 4 comparada com os pilares ns. 2 e 3. Alega-se a dado passo: mas estes indivíduos não eram técnicos qualificados – a proposta de enrocamento que faziam no seu relatório carecia de suporte justificativo, Só que eles também referem que nos seus trabalhos já extensos no tempo apenas se limitavam a descrever as operações realizadas e resultados percepcionados. Mas neste caso o que observaram foi tão excepcional que sentiram necessidade de redigir uma parte suplementar, em que chamavam a atenção dos responsáveis para a gravidade da situação. Por outro lado, e abstraindo das observações da Comissão da Instrução, repare-se no que a este respeito foi escrito no relatório dos peritos da Comissão do Inquérito cujo teor os arguidos invocam a favor das suas posições: quando dois anos mais tarde se abandonou a ideia de reforçar e alargar a ponte, o que implicava reforçar as fundações (por razões de aumento de carga), preconizando-se apenas a execução de arranjos e beneficiações, sem intervenção nos pilares, não houve a capacidade para perceber que tinha ficado por resolver a questão suscitada pela recomendação da AL..... respeitante à protecção em banqueta de enrocamento do pilar n.º 4, como existia nos pilares P2 e P3 fls. 8827. Ainda a fls. 8838 – Quanto à questão de o colapso da Ponte Hintze Ribeiro se ter ficado a dever a falha de fiscalização e falta de manutenção, aos signatários parece ter havido, fundamentalmente, uma falta de percepção clara da possibilidade de progressão da erosão dos fundos –já evidente em 1986 (relatório da AL.....) – que pudesse por em perigo a estabilidade das fundações dos pilares da ponte. Podemos constatar após a leitura dos autos que em matéria de conservação e fiscalização de pontes Portugal se encontrava pouco desenvolvido, na altura dos factos imputados aos arguidos. Tanto assim que constituiu um facto inédito a realização de uma filmagem sub-aquática dos pilares da ponte. Os responsáveis do Estado que a determinaram como que tiveram uma intuição da gravidade do problema, pois a prática comum era muito diferente, assentando essencialmente na visualização a olho nu das partes emersas das pontes. Tal novidade não o era para aqueles mergulhadores, relativamente a outro tipo de serviços; mas foi para eles uma novidade o seu resultado. Foram, pois, produzidos dois factos novos, a chamar a atenção, constituindo sinais de alarme dirigidos à atenção dos responsáveis arguidos. Um, a existência de um vídeo com imagens raras das fundações de uma ponte secular, vital para as comunicações de uma região, e assente num grande rio. Outro, o relatório e problema posto na parte final deste ,a merecerem uma ponderação, como os factos o vieram a demonstrar. Aquele primeiro facto novo foi como tal percepcionado devidamente, tanto assim que foi projectado várias vezes frente a pessoas idóneas e até mereceu a certa altura o seguinte comentário de uma delas: “venham ver o que pode acontecer a uma ponte! “. Já o segundo passou em branco. A questão era muito concreta: a execução do enrocamento como necessária ao Pilar n.º 4. Tudo indica que foi esquecida e que apenas foi ponderado o binómio alargamento do tabuleiro da ponte existente/construção de uma nova. Assim, os arguidos não trataram uma informação preciosa que lhes foi servida de bandeja por uma situação contingente. Havia uma maior obrigação da sua parte de reflectirem sobre o assunto, já que foram postos à sua disposição meios não usuais para o fazerem- incluindo uma iniciativa muito louvável de técnicos submarinos que não tinham especial obrigação para a tomarem. Não se percebe como depois vêm invocar duas situações de factos que se aceitam consensualmente – mas invocação essa que assume a natureza de um autêntico tiro no próprio pé: Uma é a falta de meios, a desorganização dos serviços, a repartição de competências nos organismos das obras públicas, o caracter atávico e pontual das fiscalizações a pontes. A outra, é o seu passado de engenheiros experimentados, com um vasto curriculum de obras executadas no terreno e também prestígio académico ou de investigação na área de conservação de pontes. Todavia, a sua posição perante aquele conjunto de documentos era o contrário de todas aquelas situações; e este passado torna ainda mais premente as exigências da comunidade relativamente às responsabilidades que o caso concreto demandava. Quem leia o processo atentamente, logo no sua parte inicial depara com o mencionado conjunto de documentos; e fica naturalmente na expectativa de ver a reacção, o tratamento justificado à evidência surgida e questão levantada. Todavia, essa curiosidade é vã - porque justamente nada foi estudado, nada foi comentado ou proposto. Diz-se que afinal houve uma preocupação com as fundações porque vagamente se referiu a necessidade de reforço das mesmas para o caso de se proceder a um alargamento do tabuleiro. Mas isso, qualquer pessoa leiga nestas matérias poderia também opinar: tratando-se de uma ponte com mais de cem anos, com os pilares assentes no Rio Douro, se houver um alargamento do tabuleiro, não nos podemos esquecer de ver se os pilares aguentam! No que diz respeito aos arguidos D..... e F....., havia que reflectir no problema e propor uma solução aos responsáveis pela decisão. Como escreveu o Prof. Marcello Caetano (“Manual de Direito Administrativo”, Almedina, Coimbra, 1980, a pág. 744), o funcionário deve ter empenho em que o departamento a que pertença se aperfeiçoe e em defender os interesses públicos que estão a seu cargo. Elemento de uma orgânica destinada a realizar certos fins com continuidade e eficiência, incumbe-lhe colaborar, dentro das suas possibilidades, na realização desses fins, propondo providências, sugerindo soluções e participando aos seus superiores os factos de que tenha conhecimento e que possam afectar os interesses a cargo dos serviços administrativos. Os arguidos G..... e H..... estavam igualmente na posse de toda a informação necessária para a formulação da proposta de enrocamento do pilar, como necessária em todos os cenários de opção por parte das autoridades responsáveis. E a formulação de tal proposta, devidamente fundamentada, não se pode dizer não ser susceptível de vir a influenciar a decisão que viesse a ser tomada pelas autoridades. Pode, pois, dizer-se que os autos indiciam muito fortemente terem os arguidos agido, pelo menos, com negligência grosseira. g) uma inspecção virtual. Acerca do dever de zelo do funcionário, acrescenta o mesmo Ilustre Prof., a pág. 743: Não basta, porém, saber fazer: é preciso fazer bem, com diligência, com exactidão, com empenho, isto é, torna-se necessário que o funcionário, além de sabedor do seu ofício («profissionalmente competente», como se costuma dizer) seja zeloso. Em 1998, os arguidos C..... e B..... tinham obrigação de saber o conteúdo de toda a informação a que se acaba de fazer referência. Foram incumbidos pela Direcção de Estradas do Porto de accionarem os trabalhos necessários para a circulação, em segurança, de veículos e peões. Havia aqui uma preocupação relacionada com a segurança. A vistoria da ponte que foi determinada não impunha limites, no sentido de apenas abarcar determinada parte da ponte. Porém, os arguidos em causa não se inteiraram dos estudos da AL..... e da AM....., acerca do estado das fundações, quando podiam e deviam tê-lo feito. Nesta parte, concordamos plenamente com o teor da motivação de recurso, que pela sua clareza, objectividade no sentido de descrever o comportamento destes dois arguidos, cremos ser útil sublinhar: Um terceiro planeamento de modificação da Ponte inicia-se em 22 de Junho de 1998, com o pedido do director da Direcção de Estradas do Distrito do Porto para que a Ponte fosse inspeccionada e que fossem accionados os trabalhos necessários para a circulação, em segurança, de veículos e peões – fls. 10355, 10359t) a 10362. Esse ofício e o respectivo expediente anexo, após dar entrada na Direcção dos Serviços de Pontes, foi endereçado pelo arguido C....., chefe da Divisão de Conservação, ao arguido B..... “para vistoria e informação” – fls. 10359t). O arguido B..... deslocou-se à Ponte para proceder à ordenada vistoria em 28 de Julho de 1998, tendo partido de Lisboa às 10 horas do referido dia 28 e nesse dia, com passagem pelo Porto, seguiu em direcção à Ponte de Entre-os-Rios sobre o rio Douro, tendo depois prosseguido viagem para a Ponte da Ovelha na E.N.15 ao Km 66 do concelho de Amarante, pernoitando em 28 de Julho na cidade de Vila Real. Regressou a Lisboa no dia 29 de Julho de 1998, às 20 horas, conforme resulta do respectivo boletim itinerário (fls. 10902). Ao ter conhecimento de que a Ponte já havia sido vistoriada pelo técnico de fiscalização AH..... e este tinha elaborado a correspondente informação, documentada com uma reportagem fotográfica, o arguido B..... acordou com aquele técnico em aproveitar o texto da informação já elaborada, assinando ambos uma informação de serviço conjunta, registada com o n.º 238/98/DSP-DCs e datada de 30 de Julho de 1998 (fls. 10359 g) a 10359 s), 10363 a 10371 e 14390 a 14392). Nessa informação constava: a) - Como consequência da reduzida faixa de rodagem os veículos recorrem constantemente aos passeios para se poderem cruzar (Foto 3). b) - Segundo os registos existentes, os últimos trabalhos efectuados nesta ponte, foram de beneficiação do tabuleiro em Julho de 1990. Em Agosto de 1990 foram postos a concurso os trabalhos de beneficiação, limpeza e pintura tendo sido posteriormente anulados. Assim sendo, parece normal que os guarda-corpos e a superestrutura metálica apresentem corrosão generalizada nos seus elementos (Foto 4). c) - A tampa de acesso ao passadiço interior, encontra-se aparentemente desapoiada num dos lados (Foto 5). d) - O pavimento encontra-se degradado em zonas pontuais, devido à grande intensidade de trânsito pesado, oriundo dos areeiros da margem esquerda (Foto 6) que provocam a rotura das chapas abauladas que apoiando em longarinas servem de cofragens ao pavimento. Estima-se em cerca de 12 m2 a área mais degradada, a necessitar de urgente reparação. e) - Devido à passagem constante de veículos não foi possível aceder ao passadiço da superestrutura e fazer uma análise ao estado dos aparelhos de apoio, das chapas copadas, ou avaliar visualmente se os elementos estruturais se encontram num elevado grau de corrosão. E, em conclusão, o arguido B..... propôs: - Que se procedesse aos trabalhos de reparação do pavimento, a fim de que a curto prazo não haja colapso ou roturas localizadas no pavimento. Os trabalhos deverão ser complementados com a execução de uma camada de betão betuminoso na ponte, com espessura mínima, a fim de regularizar o pavimento e evitar vibrações. Estes trabalhos de reparação só serão possíveis com interrupção de trânsito. - Se mandasse proceder ao estudo de beneficiação e alargamento da ponte, já que é intenso o trânsito pesado, sem outra alternativa, feito sem segurança das pessoas e provocando sistematicamente a deterioração dos passeios. O texto da Informação é da autoria do técnico de fiscalização, AH....., tendo o arguido B..... acrescentado ao texto primitivo uma segunda conclusão em que propunha “mandar proceder ao estudo de beneficiação e alargamento da ponte, já que é intenso o trânsito pesado, sem outra alternativa, feito sem segurança das pessoas e provocando sistematicamente a deterioração dos passeios”. Relativamente à reportagem fotográfica que acompanhou aquela informação n.º 238/98/DSP-DCs, as dez primeiras fotografias são da autoria do técnico de fiscalização, AH....., e as restantes sete fotografias foram tiradas pelo o arguido B....., em 28 de Julho de 1998. A fim de elaborar aquela informação, o arguido B..... não consultou o processo da ponte para se inteirar das inspecções e trabalhos de manutenção ou de reabilitação entretanto realizados, bem como para verificar a evolução das deficiências eventualmente observadas em anteriores inspecções. E igualmente não se preocupou em obter informações sobre os antecedentes históricos da Ponte, nem em consultar o seu cadastro. Ao apreciar aquela Informação do arguido B....., o arguido C..... teve a percepção de que a mesma dava resposta de forma conjunta a dois despachos distintos e, nela exarou despacho, propondo que fosse autorizado o lançamento de uma empreitada visando a beneficiação geral do pavimento e dos guarda-corpos, incluindo pintura e substituição de partes danificadas não recuperáveis, bem como a limpeza e lubrificação dos aparelhos de apoio e eventuais reparações nas juntas de dilatação, e ainda que fosse promovido concurso público visando a obtenção de um estudo de reforço e alargamento da superestrutura da ponte, dada a exígua largura da plataforma de rodagem. Contudo, o texto dessa Informação n.º 238/98/DSP-DCs não referia qual a idade da obra de arte vistoriada e evidenciava a clara superficialidade e insuficiência da inspecção realizada, chegando mesmo a reconhecer que “devido à passagem constante de veículos não foi possível aceder ao passadiço da superestrutura e fazer uma análise ao estado dos aparelhos de apoio, das chapas copadas, ou avaliar visualmente se os elementos estruturais se encontram num elevado grau de corrosão”, ou seja, reconhecia expressamente que não tinha sido efectuada uma vistoria completa e detalhada da Ponte. Por outro lado, resultava expressamente do texto daquela Informação que apenas tinham sido consultados registos sobre trabalhos de beneficiação do tabuleiro da ponte realizados em 1990 e embora se referisse que “em Agosto de 1990 foram postos a concurso os trabalhos de beneficiação, limpeza e pintura tendo sido posteriormente anulados”, não só não se cuidou de averiguar que trabalhos de beneficiação foram esses, nem que patologias tinham justificado a sua realização e por que razão tinham sido anulados. Acresce que a informação em referência dá conta que o pavimento da ponte se encontrava degradado em zonas pontuais “devido à grande intensidade de trânsito pesado, oriundo dos areeiros da margem esquerda (Foto 6) que provocam a rotura das chapas abauladas que apoiando em longarinas servem de cofragens ao pavimento”, afirmação que não só alertava para as especiais características do trânsito que utilizava aquela travessia, mas também chamava a atenção para a intensa actividade de extracção de areia que se desenvolvia na albufeira de Crestuma/Lever, o que exigia que se verificasse se essa actividade de retirada de areia estaria a provocar infra-escavações nas fundações da ponte e o eventual descalçamento dos seus pilares. Cremos ser este o caso em que se pode falar em real incumprimento das suas funções, por parte destes dois arguidos, embora aparentemente tenham elaborado um arremedo, uma aparência de cumprimento da tarefa de elevada responsabilidade que lhes foi incumbida. Argumentam os arguidos com a carência de meios para levarem cabo as suas funções, e não haver uma regulamentação para a realização das vistorias, que eram executadas de modo empírico e tradicional, baseado na inspecção visual. Contudo, a fls. 12 639, encontra-se o depoimento do Eng. C....., da Direcção de Conservação de Pontes, o qual referiu que a não existência de normas para a realização das actividades de conservação e inspecção de pontes, não impedia o desempenho das funções de conservação e fiscalização que eram prosseguidas de acordo com as regras de arte próprias da engenharia civil, e segundo o bom senso e experiência dos técnicos. Não nos parece que dentro desse bom senso e regras de arte, esteja o não se informar minimamente acerca do dossier relacionado com a obra centenária que se vai vistoriar, copiar ofícios de há muitos anos, como forma de informar os superiores da forma como se desempenhou uma tarefa, ou realizar uma simples deslocação ao local, dando conta de factos que qualquer leigo poderia mencionar e alegando não se poder fazer mais devido à passagem de camiões! Perante a importância da missão, não se justificaria o recurso à ajuda de agentes policiais, a fim de por algum tempo condicionarem o trânsito de tais camiões, a fim de ser efectuada a vistoria pelo passadiço? Por outro lado, não cremos que a segurança de veículos e peões tenha a ver só com a parte do tabuleiro, prescindindo de uma cuidada observação dos pilares, ainda que da parte emersa, mas convocando todo o saber e experiência do técnico que realiza a intervenção. A propósito da actuação destes dois arguidos, escreveu-se na decisão recorrida: Não é exigível a quem tinha, pelo menos, e partindo do número mais baixo, 2000 pontes a seu cargo, que tivesse de actuar de forma a antever a existência de vícios que não são visíveis e para os quais nunca houve qualquer chamada de atenção – arguidos C..... e B..... – nem para quem, em determinada altura, constatou que não existia perigo para a segurança da ponte, apesar de se poder apontar o lapso de não terem anotado nas fichas da ponte o estado das fundações e alturas das areias, apesar de, como se viu, tal não implicar a prática de um crime nem ser causa da criação do perigo, porque não detectável antes das cheias. Como é evidente o facto de terem a ser cargo a inspecção de 2000 pontes é um dado que poderá ter algum interesse para a fixação da medida da pena, não nos parecendo que tenha a virtualidade de ilidir a presença dos elementos constitutivos do crime. Não é de pensar que estes dois arguidos, com a sua larga experiência, não tivessem a noção exacta das prioridades nas suas funções e do caso delicado que esta centenária ponte representava. Mas não é só “o lapso” de não terem procedido a anotações nas fichas que está em causa. Além do que supra se referiu, há que recordar este conteúdo da acusação, fortemente indiciado nos autos: o arguido B..... conhecia bem as fichas juntas de fls. 10217 a 10222, que eram organizadas e preenchidas por funcionários da Repartição de Expediente Técnico, constando da ficha de fls. 10221 que as fundações da Ponte Metálica de Entre-os-Rios sobre o rio Douro tinham sido observadas pela firma Investigação e Técnica Submarina, no âmbito do projecto de alargamento, beneficiação e reforço, mostrando-se anotado que a documentação referente a essa observação subaquática estava contida na Caixa n.º 76 – E – 2ª. 153º O arguido B..... não se preocupou em obter informações sobre os antecedentes históricos da Ponte, nem em consultar o cadastro da Ponte.O mesmo se diga do que é dito na decisão recorrida a propósito da falta de recursos humanos e financeiros: É ainda relevantíssimo dizer que não só não existia nenhum sistema de inspecções como a falta de recursos humanos e financeiros era tal que não nos parece ser exigível a qualquer dos arguidos que providenciasse por inspecções regulares sem que houvesse sinais que levassem a entender poder existir uma situação de perigo, como era o caso da ponte. Mais: apesar da idade da ponte, da situação de cheias naquele ano, do conhecimento que havia sobre o facto de o pilar P4 estar assente em aluviões, de se saber dos fenómenos de erosão que podem existir naquele local, em face do volume de obras de arte existente no país e de não haver um responsável directo por aquela ponte leva-nos a concluir que não poderemos imputar a nenhum dos técnicos a falta de inspecções mais rigorosas à ponte, quando não havia sinais que levassem a concluir por essa necessidade, sendo o caso dos arguidos C..... e B...... Aquela falta de recursos, a existir terá relevância na mesma sede de individualização da pena, recordando-se que o que verdadeiramente parece ter ocorrido no caso em apreço foi uma inspecção putativa, muito incompleta - não se tratando propriamente de mais ou menos rigor. E naquela sede, é bom lembrar o que acima se referiu sobre o meio excepcional que foi posto á disposição de todos os arguidos, e que foi a filmagem sub-aquática. h) vícios formais da decisão recorrida. Esta decisão, na sua parte argumentativa relativa aos presentes arguidos, e que entendemos confinada a fls. 91-93 e 116-124, contém duas insanáveis incompatibilidades lógicas. A primeira, resulta da concordância e homologação do silogismo contido na 1.ª perícia, que supra comentamos como inconsistente, o qual partia da premissa da manifesta insuficiência de dados para caracterizar uma situação inicial do processo causal, para no fim concluir que a queda da ponte se ficou essencialmente a dever à sucessão de cheias do ano hidrológico de 2001. A segunda, manifesta-se no parágrafo a seguir indicado, fulcral na economia da decisão: Simplesmente, conforme as conclusões que referimos, a falta de obras de protecção na fundação do pilar P4 – como, e adiantando desde já, a extracção de areia e a construção de barragens – embora tenham tido influência provável no colapso da ponte, na medida em que contribuíram para uma menor protecção aos fenómenos de erosão (aquelas) e ao abaixamento do leito do rio (estas) sendo que, ainda que existissem as cheias, o colapso talvez se não tivesse dado (contando aqui uma probabilidade séria e não uma certeza uma vez que do que não aconteceu não podemos, nunca, ter uma certeza absoluta, e tendo em conta a situação dos pilares P2 e P3) - não foram de tal forma relevantes que contribuíssem de uma forma decisiva: o factor decisivo foi, sem dúvida, a continuidade das cheias no ano hidrológico em causa. Tendo o Exmo PGA deste deste Tribunal abordado a sua inaceitabilidade, nos seguintes termos: Lê-se, volta-se a ler e continua-se a discordar, em absoluto. De facto, as afirmações falam por si, sendo, a nosso ver, manifesta a falta de coerência e de fundamento legal das mesmas. Reconhece o M.º Juiz que houve diversas causas humanas que contribuíram, umas mais do que outras, para o colapso do pilar: a falta de protecção e reforço deste, a extracção de areias e a construção de barragens. Mas, em seu entender, nenhuma dessas causas foi suficientemente grave para responsabilizar criminalmente quem quer que seja, pois a culpa foi das cheias. Não é possível concordar-se com tal raciocínio. A decisão recorrida manifesta a intuição clara que transparece nos autos e que acolhemos: se tivesse ocorrido a realização de obras de protecção na fundação do pilar P4, talvez o colapso não se tivesse dado. E vai mais longe nessa intuição (com largo fundamento indiciário, aliás, como vimos): a probalidade de não ocorrer o colapso era séria. Quer dizer, era uma probabilidade insofismável, ponderosa, importante. Só que depois deixa-se conduzir pela falaciosa conclusão pericial - o que representa uma flagrante insustentabilidade lógica: Num primeiro momento, se são efectuadas as obras muito provavelmente a ponte não cai. Depois, num segundo momento, se ocorrem 5 cheias sucessivas, a ponte cai. Logo, a queda da ponte ficou a dever-se a 5 cheias sucessivas. Há neste argumento um vício que afecta a sua validade e que em Lógica Formal se poda de um contrafactual: há uma possibilidade de a conclusão não estar garantida pela informação trazida pelas premissas - que é o caso de a queda da ponte se ter dado por não terem sido efectuadas obras. Continuando, na sequência do primeiro vício lógico indicado, a decisão recorrida volta a incorrer em excesso conclusivo: a erosão na zona próxima do pilar 4 foi muito significativa, uniforme, terá sido de cerca de 4 metros- foi determinante na queda do pilar – fls. 93. E, avança, por isso é que o pilar colapsado ficou em posição horizontal. Ora, na página anterior, fazia-se inserir um extracto, relativo à 1.ª perícia, que a argumentação agora em análise pretende aceitar em abono da sua tese, e que para não cairmos na rotina de afirmações anteriores relativas à falta de dados, agora passamos a transcrever: Os elementos constantes do anexo técnico 2 são de tal forma imprecisos que não podem ser utilizados para o caso em concreto sendo que, não havendo elementos históricos relativos aos níveis de erosão localizada junto do pilar P4 não é possível calcular qual a cota a que se faziam sentir os efeitos da erosão causada por cada cheia. Salienta-se o facto de, ao longo da sua história., a ponte ter sofrido fenómenos de cheias com pontas mais elevadas dos que as ocorridas no ano hidrológico 200/2001. Por outro lado, na falta de elementos concretos sobre o local em questão, nunca se poderá saber, com alguma precisão, qual a real quota de erosão existente naquele local (...). Perante estas asserções será possível aceitar que na zona circundante do pilar 4 existia uma camada homogénea e suficientemente relevante de areia para se poder qualificar de protecção antes da ruína do pilar? E que depois desta, em consequência das cheias, tinha desaparecido essa camada à medida de 4 metros de profundidade? Cremos que não, porque a ocorrência de outros fenómenos é muito plausível ou mesmo provável, como o rebaixamento localizado do leito do rio, as infra escavações motivadas pela extracção de areia na própria zona da ponte. Quanto á posição do pilar, antes de algo se afirmar, recorde-se só o que supra foi dito acerca do que aconteceu na dinamitação dos pilares 2 e 3 - sendo certo que os mesmos não apresentavam tão boa consistência interna e robustez como o P4 – dados da observação sub-aquática. Por fim, refere a decisão recorrida: não podemos dizer que o enrocamento fosse a solução a adoptar, uma vez que não foram realizados os tais estudos que, conforme foi dito, podiam aconselhar à não adopção desta técnica, não só pelas consequências naquele local como também noutras secções do rio, na medida em que podia transferir o talvegue – o leito da corrente – para outros locais e causar aí danos, como no caso do pilar P5, também sem enrocamento. Esta é uma afirmação que inverte os termos do problema: não havendo estudos, não se executa o que se evidencia ser necessário. Claro que todas as intervenções de modificação de uma obra não são feitas a olho: a sua execução pressupõe uma componente de estudo prévia relativamente ao seu modo de concretização e previsão de efeitos; e naturalmente que o acompanhamento que se seguiria não deixaria, de forma competente, de equacionar também a situação do Pilar n.º 5, ou seja passar este a ser o único pilar submerso sem enrocamento, ou abrangê-lo na mesma solução do Pilar n.º 4. O que é manifestamente censurável é que não se tenha minimamente diligenciado a realização de tais estudos, os quais, com toda a probabilidade iriam determinar a protecção do pilar por enrocamento. No estado em que a engenharia actualmente está não é crível pensar que fossem necessárias grandes operações intelectuais para determinar a forma como se daria corpo a tal modificação; e pensando nesse estado tão evoluído resultam caricatas afirmações de algumas testemunhas ouvidas nos autos, com conhecimentos nesta área, pretendendo justificar a inércia, pela complexidade da realização desta obra, envolvendo estudos relativos a variados domínios das ciências da natureza, desde a geologia até às ciências do ambiente... Dizendo as coisas mais francamente: o avanço actual da engenharia permite o diagnóstico rápido de uma obra que não ofereça condições de segurança. i) conclusões sem base indutiva. Escreveu-se na decisão recorrida: (...) quer os estudos tendentes a analisar a influência da colocação do enrocamento na dinâmica do rio, quer a solução da colocação das estacas implicavam um grande dispêndio financeiro ao qual não podemos dissociar o facto de, em 1989, ter-se optado pela construção de uma nova ponte. Foi alegado dispêndio financeiro avultado como motivo para a não realização do reforço das fundações da ponte, com vista ao seu alargamento; e, em consequência, os responsáveis entenderam optar pela realização de uma ponte nova. Numa fase mais avançada deste processo, os arguidos então recuperaram este argumento, aplicando-o fora do contexto primitivo, tendo em vista o caso mais específico do Pilar n.º 4. Em primeiro lugar, não há quaisquer referências materiais nos autos quanto às verbas que aquele primeiro reforço implicava, sendo a ideia até este momento desconhecido na sua fisionomia concreta. Por outro lado, há que dizer que o pilar n.º 4 se encontrava em bom estado na sua estrutura interna. Não se tratava de um pilar cuja composição se encontrasse deteriorada e a justificar uma intervenção mais ampla. Diferentemente, pode ver-se nas fotografias juntas aos autos o que aconteceu com o pilar central da Ponte de Penacova, o qual, em 1979, assentou, mudou completamente de posição, encontrando-se as sapatas dos pilares bastante erodidas, o que não impediu a intervenção corretora, liderada pelo Prof. AB....., justamente impondo enrocamento em cone em todos os pilares (cfr. vols. 32, fls. 10.011, depoimento do Eng. AI....., e vol. 51, do Eng. AJ....., da Direcção de Conservação de Estradas do Centro). Esta situação presumivelmente terá ditado a posição supra expressa pelo esclarecimento pericial, a fls. 21.015, no sentido de considerar que o enrocamento em causa se tratava de uma ligeira reparação! Daí que não se possa inferir, como o faz a decisão recorrida, a conclusão seguinte: (...) não podemos deixar de concluir que, com a opção pela construção de uma ponte nova, e com a consciência de que a ponte existente estaria ao serviço durante um período de tempo não muito longo – 6 anos – não seria exigível aquele dispêndio de verbas (...). De facto, foi inserido o prazo de seis anos nos ofícios da administração como o cálculo de tempo mínimo em que se previa que a ponte nova não devia estar ao serviço das populações. Contudo, é preciso lembrar que nessa altura já há vários anos que as entidades políticas tinham manifestado vontade de satisfazer tal pretensão dos autarcas e população de Castelo de Paiva, indicando mesmo prazos, os quais - como é normal e facto notório nas obras públicas em Portugal, desde que são anunciadas até que entram ao serviço das populações – raramente são cumpridos. Antes pelo contrário, mediaram décadas até que a nova realidade tenha surgido, e é até legítimo interrogarmo-nos se já teria sido edificada a nova ponte se a catástrofe se não tivesse verificado. Entende-se, pois, que a decisão de construir uma nova ponte, em nada desculpa o comportamento omissivo dos arguidos. Também não se percebe que se tenha considerado que pelo facto de nenhum dos arguidos ter o poder de decisão de determinar o reforço do pilar, não parece que se possa responsabilizar qualquer um dos dois primeiros arguidos pela não realização de obras de protecção, quaisquer que elas fossem. Como melhor se verá infra, esta interpretação levaria a restringir os sujeitos activos do crime em causa aos agentes que tivessem poder de decisão de realização de um planeamento ou modificação de obra. Justamente, não parece que isso esteja consagrado na própria lei. Tal perspectiva aproximaria a Administração da instituição castrense, o que não nos parece nos tempos de hoje já defensável- basta ler o conjunto de ofícios juntos aos autos trocados nos serviços em causa, para concluirmos que ocorre, pelo contrário, toda uma interacção, uma repartição de responsabilidades, num processo complexo de formação da vontade administrativa. Até porque é expressa a compreensão deste estado de coisas noutro passo da decisão recorrida, a propósito dos arguidos G..... e H....., quando se escreve: Se existisse uma situação de claro perigo, e em face do poder de conformação sobre a realidade externa que os arguidos tinham, uma vez que estavam a estudar a ponte em causa, parece-nos que, ainda que fora do âmbito contratado, os arguidos, como técnicos da área, deveriam chamar a atenção para esse eventual perigo, ainda que soubessem que os técnicos da JAE interpretariam correctamente as informações disponibilizadas. Também se insiste na qualificação do acontecimento de cheias sucessivas como um fenómeno “imprevisível”, não podendo ser exigida a sua previsão ex ante. As aspas no adjectivo parecem excluir a qualificação do fenómeno como algo não susceptível de ser antevisto. As cheias no Douro são fenómenos que acontecem regularmente e previsíveis; será difícil caracterizar um comportamento normal do rio. Como já escrevemos supra, não se demonstrou em que é que um processo quantitativo (mais quantidade de água, mais tempo de pressão de caudais rápidos) se pode conceber como uma alteração qualitativa do quadro funcional da obra pública em questão. Se pensarmos nas cheias que sofreu ao longo da sua história, e nelas o pilar n.º 4 tendo papel a desempenhar, também é defensável que este episódio de 5 cheias sucessivas é comparativamente de pouco relevo. Já se considerou como o processo naturalístico oferece pouco interesse na controvérsia jurídica presente. Como escrevem os mencionados autores, na obra citada “Philosophie des Sciences”, II, a pág. 828: “Compreende-se que a investigação das causas faça intervir ao mesmo tempo o físico e o jurista. O físico está dividido entre o desejo de reconstituir as filiações incertas (a sequência de relações necessárias) e de referenciar os encontros fortuitos; e o que a experiência revela é a solidariedade das coisas; o jurista, esse, descobre o intrincar das causas e a mistura do necessário e do acidental na acção do sujeito”. j) as normas jurídicas implicadas pela prova indiciária. I - Arguidos D....., F....., G..... e H.....: À data da prática dos factos, o art.º 263.º, do CP de 1982, cujo n.º 1 continha como hipótese as seguintes condutas: Quem, no planeamento, direcção ou execução de construção, demolição, instalação técnica em construção, ou sua modificação, infringir as disposições legais ou regulamentares, ou ainda as regras técnicas que no caso, segundo as normas geralmente respeitadas ou reconhecidas, devem ser observadas, criando desse modo um perigo para a vida, integridade física ou para bens patrimoniais de grande valor de outrem (...). Por sua vez, o n.º 2 deste preceito acrescentava: Se o perigo referido no número anterior for criado por negligência, a pena será a de prisão até 3 anos e multa até 120 dias. Há ainda que fazer referência à agravação contida no art.º 267.º do mesmo CP: Quem, através dos crimes descritos nos artigos anteriores, causar, com negligência, a morte ou lesão corporal grave de outrem será punido na moldura penal que ao caso caberia, agravada de metade. Neste momento de aplicação do Direito, correspondem a tal conjunto de normas estoutras do Código Penal de 1995 em vigor: O art.º 277.º, n.º 1, al. a) descreve as actividades em questão: Quem, no âmbito da sua actividade profissional infringir regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser observadas no planeamento, direcção ou execução de construção, demolição ou instalação, ou na sua modificação, e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais de valor elevado(...). Também o n.º 2 determina: Se o perigo referido no número anterior for criado por negligência, o agente é punido com prisão até 5 anos. Estatui ainda o art.º 285.º do CP que Se dos crimes previstos nos artigos 272.º,273.º,277.º,280.º, ou 282.º a 284.º resultar morte ou ofensa á integridade física grave de outra pessoa, o agente é punido com a pena que ao caso caberia, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo. II - Arguidos B..... e C.....: O mesmo crime, mas apenas na última modalidade do Código de 1995, vista a data dos factos imputados a estes arguidos ser posterior à entrada em vigor deste diploma legal. Mostra-se correcta e não controvertida a caracterização dos elementos constitutivos presentes nestes tipos legais efectuada na motivação do recurso: São elementos típicos do crime imputado aos arguidos, previsto e punido no artigo 263.º, n.os 1 e 2, do Código Penal de 1982, na sua versão original: – Omissão dolosa; – Violação das regras técnicas que no caso, segundo as normas geralmente respeitadas ou reconhecidas, deviam ser observadas no planeamento de modificação de construção; – Criação culposa de um perigo para a vida. Por seu lado, são elementos típicos do crime imputado aos arguidos, previsto e punido no artigo 277.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal actual: – Omissão dolosa no âmbito de uma actividade profissional; – Violação das regras técnicas que deviam ser observadas no planeamento de modificação de construção; – Criação culposa de um perigo para a vida. Em ambos os casos, para que se verifique a agravação pelo resultado, igualmente imputada aos arguidos, prevista no artigo 267.º do Código Penal de 1982, na sua versão original, e no artigo 285.º do mesmo Código, na sua versão actual, é ainda necessária a ocorrência do resultado (morte, no caso concreto) e que este resultado possa ser imputável ao agente a título de negligência. Em função do exposto supra, entendemos que a prova indiciária aponta para a presença destes elementos constitutivos na conduta dos arguidos, deixando antever uma forte probabilidade de eles virem a ser condenados e sujeitos a uma pena. Não nos alongamos quanto á matéria dos conteúdos legais, pois que não foi posta em causa no presente recurso a dúvida se os factos descritos na acusação deviam ou não integrar estes tipos de crime, com excepção dos dois problemas do planeamento e da extensão do sujeito activo dos mesmos, já tratados supra. Há que lembrar que a natureza do nosso sistema de recursos se destina a reparar vícios contidos nas decisões recorridas; já não a reexaminar todo o objecto do processo, como se este Tribunal se estivesse a substituir ao tribunal recorrido; ou a materializar um sistema de dupla jurisdição. Por isso, as respostas à motivação têm que se pronunciar sobre as questões nestas levantadas, que pretendam levar à modificação da decisão recorrida e defender ou atacar esta, conforme os casos. Assim, não tem pertinência para tal fim a questão suscitada na motivação relativamente ao problema do nexo de causalidade nos crimes em apreço, já que o mesmo não foi tratado de modo explícito na decisão recorrida. Por outro lado, não é viável virem-se agora invocar excepções ou inconstitucionalidades que foram já decididas no despacho recorrido preliminarmente, em sentido desfavorável aos respondentes - não tendo estes interposto recurso de tais decisões. Decisão: Pelo exposto, acordam os juizes deste Tribunal da Relação em: 1) - rejeitar, por manifestamente improcedentes, nos termos do disposto nos arts. 420.º, n.º 1 do CPP, os recursos interpostos pelo arguido C..... e do assistente E...... 2) - Julgar desertos, por desistência, os dois recursos interlocutórios apresentados por B..... e por D...... 3) - Conceder provimento ao recurso interposto pelo M.º P.º, revogando o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que pronuncie os arguidos D....., F....., G....., H....., B..... e C....., pelos factos e crimes que lhes são imputados na acusação. O arguido C..... e o assistente E..... pagarão taxa de justiça, cujo montante se fixa em 5 UCs e a sanção prevista no art.º 420.º, n. 4 do CPP, que se estipula em 5 UCs. Os arguidos B..... e D..... pagarão também 2 UCs pelas desistências referidas. * Porto, 19 de Janeiro de 2005.José Carlos Borges Martins Maria Onélia Madaleno José Manuel da Purificação Simões de Carvalho |