Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00042421 | ||
Relator: | FREITAS VIEIRA | ||
Descritores: | EXECUÇÃO OPOSIÇÃO PRESTAÇÃO CAUÇÃO IDONEIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP200904022239/07.9TBOVR-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/02/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO - LIVRO 793 - FLS 212. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – O art. 623º, nº3, do CC atribui ao tribunal a função de apreciar a idoneidade da caução, sempre que não haja acordo entre os interessados, não prevendo, no entanto, qualquer critério pelo qual haja de ser aferido esse juízo de idoneidade. II – Na ausência de critério específico previsto no CC, a idoneidade da mesma terá de atender às finalidades que lhe estão associadas e que a mesma visa acautelar, constituindo um reforço da segurança do credor em relação à garantia geral que é dada pelo património do devedor, devendo, pois, traduzir um “mais” em relação às garantias pré-existentes. III – A prestação de caução através de hipoteca já constituída anteriormente no processo para garantia de pagamento da quantia exequenda e que incide sobre o bem penhorado no mesmo processo não se prefigura como idónea, tanto mais que não aporta nenhuma garantia adicional em relação às garantias existentes para pagamento da quantia exequenda, equivalendo, por outro lado, a dispensa de prestação de caução em situações não contempladas pelo legislador. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | AGRAVO PROC. N.º 2239/07.9TBOVR-B.P1 Tribunal Judicial de Ovar/.° Juízo ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO Os executados B………. e C………., tendo deduzido oposição à execução que lhes move D………., S. A., requereram a prestação de caução através de constituição de hipoteca sobre o imóvel penhorado nos autos. Opôs-se o exequente D………., S. A., considerando inidónea a caução na modalidade indicada pelos executados. Foi então proferido despacho que, sublinhando o facto de que, enquanto a hipoteca já constituída a favor do exequente tem uma função de garantia de pagamento, a caução pretende ser Uma garantia para o exequente de que a demora do processo, enquanto se aprecia a oposição à execução, não o prejudicará. E concluiu indeferindo a pretendida prestação de caução na modalidade indicada por entender que a hipoteca já constituída a favor do exequente não se afigura como caução idónea à pretensão dos executados em ver suspensa a acção executiva de que os presentes autos são dependência. Recorrem os executados B………. e C.………, sustentando na síntese das alegações de recurso as seguintes CONCLUSÕES: ………………………………………………… ………………………………………………… ………………………………………………… Não houve contra-alegações. Remetidos os autos a este tribunal da Relação impõe-se proferir decisão. A única questão submetida à nossa apreciação reconduz-se a saber se, como pretendem os recorrentes, não obsta só por si à idoneidade da caução o facto de ser prestada através de hipoteca constituída anteriormente ao processo, sobre o imóvel penhorado nos autos, para garantia da quantia exequenda, por ser este um dos meios legalmente previstos para prestação de caução – artº 623º do CC. Do pouco que vem documentado nos autos pode ter-se como adquirido o seguinte: - O D………., S.A. propôs acção executiva com processo comum para pagamento de quantia certa em que são executados os ora recorrentes B………. e C………. . - Sobre o Prédio Urbano – casa de r/c e 1° andar – habitação, sito na Rua ………., n.º ., freguesia de Ovar, inscrito sob o artigo 7365, descrito na conservatória sob o n.º 03405/191193 encontra-se constituída, a favor do E………., S.A. hipoteca voluntária para garantia do pagamento de empréstimo até ao valor máximo de 18.734.375$00. - Sobre o mesmo prédio recaiu penhora para pagamento da quantia exequenda de 77.421,61 euros, de que é credor o E………., S.A., registada em 18-10-2005 - No âmbito da execução de que estes autos são apenso foi efectuada nova penhora sobre o referido prédio, para pagamento da quantia exequenda de 66.665,15 euros de que é credor o ora recorrido D………., S.A. - Os executados, e ora recorrentes, B………. e C………. deduziram oposição à execução, e, por apenso, requereram a prestação de caução através da hipoteca já referida, constituída sobre o imóvel em questão. × Não está em causa apreciar da insuficiência da caução assim oferecida, uma vez que não foi essa a questão suscitada.Em causa está apenas aquilatar da idoneidade da caução prestada por meio de hipoteca já constituída sobre o imóvel penhorado em execução à qual foi deduzida oposição, e para efeitos de suspensão da mesma. Considerou a Sra. Juíza a quo que a hipoteca constituída a favor do exequente para garantia da quantia exequenda, não se configura como caução idónea para a suspensão da execução. Os recorrentes sustentam que esta conclusão não tem apoio legal, já que, sendo uma das formas pelas quais a lei permite que seja prestada a caução, a sua idoneidade enquanto tal dependerá de saber se o bem hipotecado, no momento da propositura da execução pode ou não ter valor suficiente para garantir a obrigação exequenda e legais acréscimos, não sendo fundamento bastante para a sua rejeição por inidoneidade o facto de já se encontrar constituída como garantia da quantia exequenda. O artigo 623º, nº 3 do do CC atribui ao tribunal a função de apreciar a idoneidade da caução, sempre que não haja acordo entre os interessados. Não prevê no entanto qualquer critério pelo qual haja de ser aferido esse juízo de idoneidade. Na ausência de critério específico previsto no Código Civil, a idoneidade da mesma terá de atender às finalidades que lhe estão associadas, e que a mesma visa acautelar. Ora, a caução, enquanto garantia especial das obrigações tem desde logo como finalidade um reforço da segurança do credor em relação à garantia geral que é dada pelo património do devedor. E por aí se entenda dever sufragar-se o entendimento que vemos defendido na oposição dos ora recorridos, de que a caução, quando exigida por lei, deve constituir um “mais” em relação às garantias pré-existentes. À prestação de caução, enquanto garantia especial das obrigações, são associadas finalidades como a de prevenir o incumprimento de obrigações que possam vir a ser assumidas por quem exerce determinadas funções, como requisito de exercício de um determinado direito, ou para afastar o direito de outra parte. À prestação de caução, enquanto condição para a suspensão da execução como efeito da oposição à mesma deduzida têm vindo a ser associadas pela jurisprudência finalidades específicas que vão além da garantia de pagamento da quantia exequenda, e que visam colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva, obviando a que, por virtude de tal demora, o embargante-executado possa empreender manobras delapidatórias do seu património”. Reconhece-se assim que, quando visa o objectivo específico de possibilitar a suspensão da execução por parte do opoente/executado, a exigência de prestação de caução é ditada por razões eminentemente processuais, tendo em vista viabilizar a suspensão do procedimento executivo. Razões que se prendem com a necessidade de acautelar o credor/exequente contra o risco de possíveis manobras delapidatórias levadas a cabo pelo devedor/executado durante o tempo da suspensão (cfr. Ac. da RC, de 2/11/94, CJ, Tomo V, pág. 32). Prestada a caução “o interesse do exequente, não obstante a suspensão, fica satisfeito porque está seguro contra o risco de possíveis prejuízos que lhe cause qualquer demora ilegítima do processo executivo (...)”- Ac. do STJ, de 8/4/87, BMJ 366, pág. 481,. A justificação da caução radica então, e nessa perspectiva, em “pôr o exequente a coberto dos riscos da demora no seguimento da acção executiva: desde que o exequente tem a segurança de que, se os embargos improcederem, encontrará à sua disposição valores que lhe assegurarão a realização efectiva do seu crédito, o seguimento da execução não tem razão de ser” - A. dos Reis, ob. cit., pág. 66. O Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado concordantemente com este entendimento - acórdãos do S.T.J. de 12 de Outubro de 1962, 18 de Janeiro de 1966, 8 de Junho de 1978, 8 de Abril de 1987, in, respectivamente, B.M.J. 120, 333; 153, 232; 278, 135; 366, 431). E, corroborando claramente esta orientação, há um acórdão deste Supremo que diz "... o único meio legal de o embargante suspender a execução é tão-só a prestação da caução (acórdão do S.T.J. de 4 de Junho de 1980, B.M.J. 298, 232). A razão de ser da caução colhe assim fundamento na necessidade de prevenir quaisquer possíveis riscos para a cobrança do crédito do exequente por virtude da suspensão da execução – Ac deste Tribunal, de 26-06-2006, (AMARAL FERREIRA) disponível in www.dgsi.pt Não vemos razão válida para dissentir deste entendimento. E, tendo presente esta específica finalidade, a prestação de caução através de hipoteca, já constituída anteriormente no processo para garantia de pagamento da quantia exequenda, e que incide sobre o bem penhorado no mesmo processo, não se pré-figura como idónea. Desde logo porquanto, destinando-se a garantir o pagamento da quantia exequenda, não acautela a específica finalidade da caução exigida enquanto condição de suspensão da execução, mas também por, na prática não aportar nenhuma garantia adicional em relação às garantias existentes para pagamento da quantia exequenda. Assim que a pretensão da recorrente se reconduz na prática a pretender a suspensão da execução apenas com base na existência de garantia real anteriormente constituída, posição que se consideramos não ter apoio na letra da lei. Neste ponto discordamos da orientação doutrinária que sustenta a inexigibilidade de prestação de caução, como condição da suspensão da execução quando exista já garantia real anterior – posição que no domínio do CPC anterior à revisão operada pelo DL 38/2003 de 8-3 era sustentada por Anselmo de Castro, que sublinhava a impossibilidade de ver na caução outra finalidade que não a de mera garantia da dívida exequenda, e que no CPC, na versão posterior às alterações introduzidas pelo DL 38/2003 continua a ser defendida por autores como Lebre de Freitas - A Acção Executiva 4ª Edição , págs 199, Nota 76 – e Amâncio Ferreira - Curso De Processo De Execução 8.” Edição, págs. 1170/171 De acordo com esta orientação doutrinária, a prévia existência de garantia real (v.g. hipoteca) ou de garantia decorrente da ulterior penhora, justificam a não exigência de prestação de caução por o crédito exequendo, e bem assim os créditos acessórios, incluindo juros, estarem suficientemente garantidos. Cremos no entanto que a orientação referida, para além de não acautelar, nem dar o devido relevo à finalidade específica da prestação de caução enquanto tendo por objectivo viabilizar a suspensão da execução por parte do executado/oponente, não se apresenta sustentável em face do direito constituído, já que se traduziria na dispensa da prestação de caução em situações em que o legislador não prevê essa dispensa. Com efeito a oposição à execução por regra não suspende a execução, e, anteriormente à reforma operada pelo DL 38/2003 de 8-3, e desde o Código de 1939, só a suspendia quando o oponente (embargante) o requeresse e prestasse caução, apenas diferençando os meios de a prestar, mais rigorosa na sentença do que nas execuções com base noutro título executivo. Era conhecida a divergência que suscitava a interpretação deste regime legal, tal como emergia desde o versão inicial do CPC de 1939, havendo quem, como Lopes Cardoso – Manual da Acção Executiva, 3ª edição, págs 279 – e a jurisprudência maioritária do Supremo tribunal de Justiça, sustentasse que não bastava a existência da garantia da penhora, ou de outra garantia especial, para suspender a execução, e aqueles que, como Anselmo de Castro, que na esteira de Vaz Serra, sustentavam que a lei não exigia a caução quando houvesse penhora já efectuada, ou garantia real anteriormente constituída – V. “Acção Executiva Singular, Comum, E Especial”, págs. 321. Sendo conhecida esta divergência, e os termos em que a mesma se desenvolvia, o legislador veio, com o Dec. Lei nº 38/2003 de 8-3, alterar o regime legal vigente, estabelecendo um regime dicotómico, consoante tenha havido ou não citação prévia do executado. E, se de acordo com as alterações introduzidas pelo referido DL 38/2003 ao artº 818º do CPC resulta que, não tendo havido citação prévia – e consequentemente tendo a execução começado desde logo pela penhora (artº 812º-B, nº1, do CPC) – a regra é a de que a oposição suspende o processo executivo, sem necessidade de prestação de caução (sem prejuízo do reforço ou substituição da penhora) – artº 818º, nº 2 do CPC – nas situações em que haja lugar à citação prévia o artº 818º, nº1, do CPC dispõe claramente como regra a não suspensão da execução por mero efeito da oposição, estabelecendo, em termos claramente excepcionais, como situações em que essa suspensão se verifica, como sendo os casos em que seja prestada caução, e a situação particular das execuções, em que o titulo executivo é um documento particular assinado pelo executado, quando o oponente tenha impugnado a assinatura e apresentado documento que constitua princípio de prova – artº 818º, nº 1, do CPC. Temos pois de concluir que o legislador, mal ou bem, manteve a exigência da prestação de caução em execuções em que, como nos autos houve citação prévia, não bastando para tal a existência de garantia real constituída anteriormente ao processo – neste mesmo sentido Rodrigues Bastos - Notas Ao Código De Processo Civil “ Vol. IV, págs 39. E assim sendo, temos de concluir pela inidoneidade da caução quando ela nada acrescenta à garantia real existente anteriormente ao processo para garantia do pagamento da quantia exequenda. TERMOS EM QUE ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO EM NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO, CONFIRMANDO A DECISÃO RECORRIDA. CUSTAS PELA RECORRENTE. Porto, 2 de Abril de 2009 Evaristo José Freitas Vieira José da Cruz Pereira António Fernando Barateiro Dias Martins |