Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0434679
Nº Convencional: JTRP00037247
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: MARCAS
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
Nº do Documento: RP200410150434679
Data do Acordão: 10/15/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: Não sendo a marca primeiramente registada de prestígio, a confundibilidade só interessa se os serviços ou bens assinalados a que se reporta a segunda forem idênticos ou afins.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I –
BRUSCHES INTERNATIONAL (PORTUGAL) – ESCOVAS INDUSTRIAIS, LDA, com sede no Parque ....., ....., n.º .., ....., ....., interpôs recurso contencioso da decisão do Ex.mo DIRECTOR-GERAL DOS REGISTOS E DO NOTARIADO que manteve a decisão do inferior hierárquico de não registar, por confundibilidade com outra anteriormente registada, a firma OSBORN INTERNACIONAL – ESCOVAS INDUSTRIAIS, LDA.

O Sr. Juiz, mantendo a ideia de confundibilidade, julgou improcedente o recurso.

II -
Recorre BRUSCHES INTERNATIONAL agora para este Tribunal da Relação.

Conclui as alegações do seguinte modo:

1º As firmas Osborn International - Escovas Industriais, Ld e Osborne (Vinhos de Portugal) & Companhia, Lda, são díspares : Contêm apenas um elemento (parcialmente) comum, que é o vocábulo Osborn;
2º A novidade significa inconfundibilidade a há-de ser aferida em relação ao conteúdo global da firma (Abílio Neto, Notas Praticas ao CSC, 1989, p. 59), não existindo confusão fácil se das firmas decorre a diferente natureza jurídica, os seus diferentes fins a âmbitos territoriais sendo ainda diverso o objecto social de ambas as sociedades (Ac. RL de 30.6.98, in AJ, Ano II, n° 23, p. 25);
3º Para determinar o conceito de confundibilidade devera proceder-se com base num critério objectivo, assumindo como unidade de medida o cidadão médio, o bom pai de família, o publico consumidor;
4º Comparando as firmas em questão, na sua globalidade, não se antolha hipótese de o homem médio ser induzido em confusão ou que, pelo facto de terem um vocábulo semelhante, pode subentender-se uma relação de associação;
5º É permitida a inclusão de elementos em firmas utilizados por outras já registadas, desde que, através de aditamentos adequados, se estabeleça a diferenciação exigida por lei, o que sucede, in casu, pelo aditamento da referencia a actividade a produtos comercializados;
6º A firma tem por função essencial individualizar a sociedade por forma a distingui-la de outras, especialmente na área do mercado onde entram a se esgotam os seus produtos, ou no campo da sua actuação especifica (Ac. do STJ de 19.6.84, in BMJ 338, p. 436);
7º No caso, não há nem pode haver concorrência: As actividades, os produtos a os mercados onde actuam são diferentes a não tem qualquer ponto de contacto, podendo ambas as firmas operar a diferenciação, sem hesitação;
8º A recorrente pertence a um grupo de sociedades estrangeiras com firmas registadas no estrangeiro com a denominação «Osborn», pelo que tem todo um interesse legitimo de a ele se associar com a firma pretendida;
9º A decisão recorrida fez incorrecta aplicação das normas dos art°s 1° a 2° do DL 42/89, de 3.2, e do art° 10°, n° 3, do CSC, na redacção do DL 257/96, de 31.12.

Contra-alegou OSBORNE (VINHOS DE PORTUGAL) E Cª LDA, pugnando pela manutenção do decidido.

O Ex.mo Director-geral dos Registos e Notariado ofereceu o merecimento dos autos.

III –
A questão a decidir cifra-se, pois, apenas em saber se é ou não de acolher a pretensão de registo.

IV –
Na 1ª instância, o Sr. Juiz considerou provado o seguinte:

1 - A recorrente requereu ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas a admissibilidade da firma Osborn International - Escovas Industriais L.da, tendo um tal pedido sido indeferido por despacho de 24-6-1998, que, como fundamento, invocou o facto de uma tal firma ser confundível com a firma Osborne (Vinhos e Portugal) & C. Lda.
2 - A recorrente interpôs recurso hierárquico desse despacho, recurso esse que também foi indeferido por despacho de 14-8-1998, com os mesmos fundamentos.
3 - A recorrente tem por objecto a produção e comercialização de todo o tipo de escovas e pincéis e respectivos acessórios e componentes, sendo a sua sede no Parque de ....., ....., ......
4 - A Osborne (Vinhos a Portugal) & C.ª L.da tem por objecto a produção de vinhos comuns e licorosos, tendo também a sua sede em ......
5 - O grupo Osborne, do qual a Osborne (Vinhos a Portugal) & C.ª L.da faz parte, tem registado em Portugal diversas marcas com o vocábulo Osborne, nomeadamente, de café e sucedâneos de café, chá, cacau e açúcar - documentos de fls. 50 a 56 dos autos.


V – Já vem de longe o princípio da novidade com o qual e conforme refere o prof. Ferrer Correia (Lições de Direito Comercial, I, 279) se visa “assegurar à firmas a sua função diferenciadora,” permitindo “a terceiros a fácil identificação dos comerciantes que pretendem entrar em relações comerciais.”
Tal princípio – já há muito consagrado legislativamente -encontra tradução nos artºs 4º e 5º, n.º1 b) e c) da Directiva n.º89/104/CE do Conselho de 21.12.1989 e, no plano interno, no artº 10º, n.º3 do Código das Sociedades Comerciais, e, bem assim, nos artºs 1º e 2º, n.º1 e 2 do DL n.º42/89, de 3.2 e nos artºs e 191º e seguintes do Código da Propriedade Industrial de 1995 (quer o DL n.º42/89, quer o CPI de 1995 foram entretanto revogados, mas manifestas razões de direito intertemporal determinam que nos fixemos ainda em tais normativos ; aliás, as leis novas não trouxeram alteração relevante quanto ao que aqui nos importa).
Assim, conforme refere Carlos Olavo (CJ, XII, 2, 26), o direito à marca “desdobra-se na liberdade de utilização e na faculdade que o seu titular tem de se opor ao seu uso por parte de terceiros.”

VI –
A referida directiva contém – na parte que agora nos importa - uma regra imperativa, a alínea a) do n.º1 do artº5º.
E contém uma regra que deixa aos Estados-Membros um regime de liberdade – é o n.º2 do mesmo artigo.

Por sua vez, o CPI de 1995 transpôs o conteúdo da alínea a) e inseriu o artº191º ( artº242º, no de 2003 ), este traduzindo a possibilidade que aquele n.º2 do artº 5º da Directiva consignou.

Do cotejo destas disposições resulta que:
Há que distinguir as marcas de prestígio [Não entramos aqui na questão que deriva de a norma comunitária e o código de 2003 aludirem só a “marca de prestígio” e o de 1995 a “marca de grande prestígio “]das demais;
Se a marca previamente registada for de prestígio, o registo da nova ( que se possa confundir ) deve ser recusado, independentemente de se destinar ou não a produtos ou serviços semelhantes [Verificado ainda o requisito da parte final do artº 191º, do código de 95 ou da parte final do n.º1 do artº242º do código de 2003, matéria que aqui não nos interessa];
Se não for de prestígio, a recusa, com base na confundibilidade, só terá lugar quando ambas as marcas se destinem a assinalar produtos ou serviços idênticos ou de afinidade manifesta.

VII –
Temos, então e ao contrário do que por vezes se entende, que, não sendo a marca registada de prestígio, não basta a confundibilidade. É necessária a dita identidade ou afinidade de produtos ou serviços.
Esta posição resulta, com evidência, da palavra “cumulativamente”, constante do artº193º do CPI de 1995 (e que se mantém no de 2003 - artº245º). Foi acolhida pelos Acórdãos do STJ de 25.3.2003 e de 13.5.2003 (que se podem ver em www.dgsi.pt) e, na doutrina, nomeadamente, pelo Dr. Luís Gonçalves (Função Distintiva da Marca, 90). Traduz o chamado princípio da especialidade da protecção da marca.
Princípio consubstanciado, aliás, no que às marcas comunitárias respeita, no artº 8º, n.º1 do Regulamento 40/94 do Conselho de 20.12.93.

VIII –
Mas não é, de todo, indiscutível.
É que, a referida disposição do artº 10º, n.º3 do CSC ignora-o.
E o artº2º, nº2 do DL nº42/89 referido (assim como o, actualmente vigente, artº33º, nº2 do DL n.º129/98, de 13.5, inseridos no Registo Nacional das Pessoas Colectivas) refere-o apenas como critério para aferir a confundibilidade. Não como requisito autónomo.

Não cremos, porém, que aquela ignorância ou a redacção destes preceitos do RNPC relevem para o afastar.
Em primeiro lugar, temos a primazia do Direito Comunitário e a referida Directiva é bem clara com a copulativa “e“ da alínea b) do falado artº5º e com a ressalva relativa às marcas de prestígio. A lei interna, ao consignar como regra o que é uma ressalva, iria contra tais disposições.
Depois, subsidiariamente, porque, mesmo que se negasse este choque, sempre haveria que ter em conta que as normas internas que dispõem sobre matéria também versada nas Directivas devem ser interpretadas em conformidade com os resultados ou objectivos a atingir por estas. (Cfr-se prof. Mota Campos, Manual de Direito Comunitário, 310 e Ac. do STJ, versando precisamente um caso de marcas, de 25.3.2004, transcrito no apontado sítio).

Além disso, independentemente desta observação tendo em conta a estatuição comunitária, sempre teríamos de atender a que aquele n.º3 do artº 10º do CSC não está inserido num contexto relativo à estatuição sobre a novidade das firmas.
E que este requisito da especialidade figura nas ditas normas do CPI, de modo expresso contraposto a uma redacção conceptualmente pouco esclarecida daqueles preceitos respeitantes ao Registo Nacional das Pessoas Colectivas. Tão pouco esclarecida que no nº1 dos citados artigos se insere a expressão “no mesmo âmbito de exclusividade“.

IX –
Tendo, então, como assente o mencionado princípio da especialidade, temos de averiguar:
Se a marca já registada é de prestígio;
Não o sendo, se os serviços ou bens assinalados pelas duas marcas são idênticos ou afins.

Só se respondêssemos afirmativamente a qualquer destes itens, se justificaria a entrada na questão referente à confundibilidade das marcas.

X –
A primeira das questões tem necessariamente resposta negativa. Nem sequer é invocado o prestígio. É invocado o muito conhecimento em Espanha do grupo de que faz parte (folhas 26, nº5. 1). Mas, independentemente da insuficiência de tal “muito conhecimento“ para o que nos interessa, há que ter em conta que a opinião mais defensável é a que sustenta, para este tipo de marcas, a notoriedade aferida relativamente ao país em que se joga o cotejo delas; que, neste caso, é Portugal (veja-se, Dr. Luís Gonçalves, ob. cit. 169).

E, do mesmo modo, nos parece impor-se a resposta negativa à segunda.
Totalmente claro é que os produtos oferecidos não são idênticos.
A conceptualização da expressão “produtos afins“ levanta algumas dúvidas.
E praticamente em nada as esclarece o n.º2 do artº 245º do CPI de 2003, que, esclarecendo-as, poderia servir aqui como norma interpretativa e, consequentemente, de aplicação retroactiva. [Na verdade, a disposição limita-se a afastar o recurso à classificação de Nice (emergente do chamado “ Acordo de Nice, de 15.6.1957, Relativo à Classificação dos Produtos e Serviços Detentores de Marcas de Fábrica ou de Comércio “)]
Acolhendo a posição do Dr. Luís Gonçalves (ob. cit., 189) temos que serão afins produtos ou serviços concorrentes no mercado, tendo a mesma utilidade e fim. Sendo ainda – segundo o autor – de considerar a natureza (estrutura) dos produtos e serviços, os circuitos e hábitos de distribuição.
No caso presente, dum lado, temos uma empresa de vinhos, integrada num grupo que comercializa também, nomeadamente, café, sucedâneos do café, cacau e açúcar.
E do outro uma empresa visando a produção e comercialização de escovas e pincéis e respectivos acessórios e componentes.
Ou seja, em confronto, produtos para ingestão humana e objectos para utilização em trabalhos, nomeadamente de construção civil.
Nenhum dos critérios referidos supra conduz à afinidade exigida por lei.

XI –
Falece, pois, um dos requisitos para ser recusado o registo.
Não interessa já indagar se o da confundibilidade se verifica ou não.

XII –
Decerto que o entendimento que vem sendo exposto pode levar à coexistência de marcas com designação até igual. E que daí podem resultar prejuízos para qualquer das empresas que sobre elas têm direito.
Mas estamos a falar “de jure condendo“ e neste plano não interessa aqui racionar. De “jure condito“ os excessos da solução apontada podem ser temperados com recurso à figura do abuso do direito, aqui sem fundamento para ser tida em conta.

XIII –
Nesta conformidade, concede-se provimento ao recurso, determinando-se que se proceda ao registo da marca da recorrente.
Custas nesta e na 1ª instância pela apelada.

Porto, 15 de Outubro de 2004
João Luís Marques Bernardo
Gonçalo Xavier Silvano
Fernando Manuel Pinto de Almeida