Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0457125
Nº Convencional: JTRP00037594
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: CUSTAS
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
SEGURANÇA SOCIAL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: RP200501170457125
Data do Acordão: 01/17/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: I - A reclamação de créditos, no contexto da acção executiva, não pode ser considerada como um processo autónomo, que tem existência por si só, antes resulta da tramitação inerente ao processo executivo, apenas existindo se houver credores com garantia real sobre os bens penhorados que, então, devem ser citados para, querendo, reclamarem os seus créditos.
II - Correndo por apenso à execução - artº 865, n.4 do Código de Processo Civil - a reclamação de créditos só existe porque aquela execução, nasceu e vive tendo, em relação a ela uma dependência funcional, apendicular, sendo mero trâmite da acção executiva; por isso, não se pode considerar um processo independente da execução.
III - A reclamação de créditos é um incidente da a acção executiva.
IV - O regime de custas que lhe é aplicável é o que vigora à data da instauração do processo que lhe deu origem - no caso o processo executivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, em 22.1.2004, por apenso aos autos de Execução Ordinária para Pagamento de Quantia Certa – Proc. .../2001 – pendente no Tribunal de .......... – .. Juízo – em que é executada:

B..........., Ldª.

Reclamou o pagamento do seu crédito pelo produto dos bens penhorados à executada, nos termos e pelos seguintes fundamentos:

- na sua qualidade de entidade empregadora, a executada é contribuinte do regime geral de Segurança Social, e, como tal, estava obrigada, como está, ao pagamento das contribuições normais para a Segurança Social relativas aos salários pagos aos seus trabalhadores;

- a executada não efectuou o pagamento das contribuições relativas aos salários pagos aos seus trabalhadores nos meses de Novembro de 1995 a Fevereiro de 1996; Fevereiro de 2000 a Novembro de 2003, assim se tendo constituído devedora da quantia de € 240.938,09;

- sendo, igualmente, devedora de juros de mora, até integral pagamento, correspondentes às contribuições referidas, ascendendo os vencidos, em Janeiro de 2004, ao montante de € 72.321, 11.

Concluiu, requerendo que os mencionados créditos, no montante global de € 313.259,20 fossem verificados e, a final, graduados no lugar que lhes competir.
***

Por despacho de fls.9, em 22.3.2004, foi rejeitada a reclamação com o fundamento de que o reclamante não tinha pago, previamente, a taxa de justiça inicial a que estava obrigado, pelo facto do novo Código das Custas Judiciais lhe ter retirado a isenção de que até aí beneficiava.
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Inconformado recorreu o IGFSS que, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1 – Pelo ofício nº..... de 21/01/04, o ora agravante reclamou o valor total de € 313.259,20 na execução ordinária já identificada.

2 – Sucede, que por despacho de 22.03.04 do M.mo Juiz “a quo” foi a mesma indeferida liminarmente com base no entendimento de que esta Instituição não goza das isenções subjectivas e objectivas, tudo de acordo com o previsto no novo Código das Custas.

3 – Entende este Instituto, salvo melhor opinião, que não está sujeito ao pagamento da taxa de justiça inicial visto os presentes autos correrem por apenso a um processo de execução instaurado antes da entrada em vigor do novo Código das Custas Judicias — Decreto-Lei 324/2003 de 27.12, e com o devido respeito não lhe deve tal legislação ser aplicada pois goza das isenções concedidas por Lei ao Estado conforme o disposto no art. 118, nº l, da Lei 32/2002 de 20/12, art. 2º, nº l, alínea g), do Código das Custas Judiciais, na sua redacção anterior, e art.5º, alínea b), do Código de Imposto de Selo, art. 118º, n° l, da Lei 32/2002 de 20/12, art. 2º, n° l, alínea g), do Código das Custas Judiciais, na sua redacção anterior, e art. 5º, alínea b), do Código de Imposto de Selo.

4 – Refere o art. 14° do Decreto-lei nº324/2003, acima citado, o seguinte: em regra, as alterações ao Código das Custas Judiciais constantes deste diploma, nas quais se inserem a revogação das isenções subjectivas previstas no art. 2° do Código das Custas, apenas se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor.

5 – Sendo os presentes autos de Reclamação um incidente dos principais e como tal dependentes daqueles, deve aplicar-se a lei vigente à data da propositura da acção principal.
Na verdade, um tal processo não tem autonomia relativamente a tais autos de execução, assumindo a natureza de um incidente relativamente a estes pese embora a sua tramitação por apenso.
Neste sentido veja-se Anselmo de Castro, em “A Acção Executiva Singular, Comum e Especial”, 2ª edição, pág. 266 e Acórdão do STJ, de 16.04.1998, BMJ, 476, pág. 305.

6 – Assim, não faz sentido que a um tal apenso seja de aplicar o novo regime das custas quando ao processo de execução principal, relativamente ao qual o mesmo assume carácter instrumental, se aplica o anterior regime, com as isenções subjectivas.

7 – De facto, se de outro modo fosse, poderia em vários apensos do mesmo processo verificar-se a aplicação de diferentes regimes de custas quando, como exige o art. 53º, do Código das Custas Judiciais, a conta deve abranger as custas, incidentes e apensos.

8 – Salvo melhor entendimento, nenhum sentido faria na conta final, haver apensos em que o ora Reclamante fosse responsável por custas e outros em que estivesse isento.

9 – Pelo exposto, entende o ora Reclamante que não está sujeito ao pagamento da taxa de justiça inicial, pois, a lei a aplicar-se, com o devido respeito, é a lei em vigor à data da propositura dos autos principais de que estes são mero incidente.

10 – A sentença recorrida violou o disposto nos artigos art. 118º, nº l, da Lei 32/2002 de 20/12, art. 2º, nº l, alínea g), do Código das Custas Judiciais, na sua redacção anterior, e art. 5, alínea b), do Código de Imposto de Selo, art. 14° do Decreto-Lei nº324/2003, de 27 de Dezembro, art. 12° do Código Civil, termos em que se requer a substituição da decisão proferida pelo M.mº Juiz “a quo” como é de Justiça.

A Ex.ma Juíza sustentou o seu despacho, louvando-se na opinião de Joel Timóteo, in, “Boletim Informação e Debate IV Série/nº4/ Outubro 2004, pág. 73”.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso, afora as questões de conhecimento oficioso, importa saber se o reclamante Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, tendo reclamado o seu crédito, em 22.1.2004, está ou não, isento do pagamento de custas – taxa de justiça inicial.

Releva, factualmente, o que consta do Relatório, mormente, que a reclamação da ora agravante se fez na sequência, de processo executivo instaurado no ano de 2001 – Processo .../2001 da Comarca recorrida.

O despacho em crise entendeu ser aplicável o “novo” Código das Custas Judiciais, ou seja, o regime normativo, constante do DL. 324/2003, de 27.12, que aprovou aquele Código, que no seu art. 2º – Isenções Subjectivas – não contempla, nas suas alíneas a) a h), qualquer isenção a favor de institutos públicos, como é o reclamante.

No art. 14º, nº1, do DL. citado – CCJ – consta que, salvo as excepções previstas no nº2 – que ao caso desinteressam – as alterações introduzidas ao CCJ apenas se aplicam “aos processos instaurados após a sua entrada em vigor”.

Nos termos do art. 16º do citado diploma, o CCJ entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004.

A questão nodal da controvérsia expressa no recurso, está em saber se a reclamação de créditos constitui “processo” que se possa considerar instaurado após 1.1.2004.
Efectivamente, a reclamação de créditos deu entrada em juízo, no dia 22.1.2004, já vigência do novo CCJ.

Mas será novo processo?

Se for, aplica-se o regime do novo CCJ e, então, o ora agravante não está isento do pagamento das custas que, em regra, são devidas pelos litigantes em juízo – art. 1º, nº1, do CCJ – DL. 324/03, de 27.12.

A reclamação de créditos faz-se, por apenso aos autos executivos que, no caso, foram instaurados em 2001, ao tempo em que o IGFSS gozava de isenção de custas – art. 2º, nº1, g) do DL.224-A/96, de 26.11 [revogado CCJ] que entrara em vigor em 1.1.1997 – cfr. seu art. 18º.

A reclamação de créditos, no contexto da acção executiva, não pode ser considerada como um processo autónomo, que tem existência por si só, antes resulta da tramitação inerente ao processo executivo, apenas existindo se houver credores com garantia real sobre os bens penhorados que, então, devem ser citados para, querendo, reclamarem os seus créditos – art. 864º, nº1, b) e 865º, nº1, do Código de Processo Civil do Código de Processo Civil – na redacção anterior à da Reforma da Acção Executiva.

Daí, que, correndo embora por apenso à execução – art. 865º, nº4, do Código de Processo Civil – a reclamação de créditos só existe porque aquela execução, nasceu e vive, tendo, em relação a ela uma dependência funcional, apendicular, sendo mero trâmite da acção executiva; por isso, não se pode considerar um processo independente da execução, como o não são a execução por custas, ou o incidente de habilitação de herdeiro ou cessionário, nos casos em que a tramitação processual implica, gera, a respectiva existência, mas antes um incidente do processo executivo.

“Trata-se de mais um processo declarativo de estrutura autónoma, mas funcionalmente subordinado ao processo executivo…
A convocação é feita nos autos do processo executivo e só com as reclamações (petições iniciais) é que tem início a acção declarativa.
Esta é uma só para todas as reclamações.” – Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva” – 1993 – pág. 258.

Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil” – 2ª edição -1997 – pág.635 – considera que a reclamação de créditos – arts. 864º a 869º do Código de Processo Civil – a par com o incidente de liquidação pelo tribunal (arts. 806° a 808°), os embargos de executado (arts. 812° a 819°), a oposição à penhora (arts. 863°-A e 863°-B), e os embargos de terceiro (arts. 351° a 359°) “são processos declarativos incidentais”.

A reclamação de créditos é um incidente da a acção executiva [J.Alberto dos Reis escrevia que “o incidente é uma forma processual secundária que apresenta, em relação ao processo da acção, o carácter de episódio ou acidente”, representa “uma intercorrência no processo destinado à composição da lide” – “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. III, pág. 563].

Considerar diferentemente seria autonomizar, processualmente, aquilo que não é separável, tendo que ser entendido como um todo; não se pode considerar que um processo incidental tenha existência própria, ele existe porque algo o faz existir e, no caso, a fonte a sua génese é a acção executiva de que depende em absoluto, sem ela não há concurso de credores e, logo, reclamação de créditos.

O regime de custas aplicável é o que vigora à data da instauração do processo que lhe deu origem – no caso o processo executivo – sob pena de se considerar que um processo “na acepção de sequência de fenómenos que se dirige a certo resultado” [Castro Mendes, “Direito Processual Civil”, 1980, 1º.Vol.-34] pode ser cindido, com a absurda consequência de lhe poderem ser aplicáveis regimes de tributação diversos, caso a lei das custas judiciais seja alterada, o que, a nosso ver, não é compaginável com o estatuído no art. 53º, nº2, do CCJ, vigente à data da instauração da execução – 2001 – que impõe, a “elaboração de uma só conta quando sejam da responsabilidade da mesma parte as custas de mais do que um procedimento, incidente ou recurso…” sendo que nessa conta se há-de operar com o regime tributário aplicável ao processo principal.

Assim, salvo o devido respeito, o despacho recorrido não pode manter-se.

Decisão:

Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que dê seguimento á reclamação, por o reclamante estar isento de custas.

Sem custas por delas estar isento o recorrente.

Porto, 13 de Janeiro de 2005
António José Pinto da Fonseca Ramos
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale