Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0631840
Nº Convencional: JTRP00039038
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
PROPRIEDADE
SUCESSÃO
Nº do Documento: RP200604060631840
Data do Acordão: 04/06/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 665 - FLS 36.
Área Temática: .
Sumário: Em princípio, um condomínio não é responsável pela quota parte das despesas do condomínio relativas a período de tempo anterior a sua aquisição da propriedade da fracção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Em 05.09.15, no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia – .º Juízo Cível – a B………. intentou contra a C………. os presentes embargos de executado

alegando
em resumo, que
- na execução em que é executada, é-lhe exigido o pagamento uma quota de condomínio respeitante a período de tempo em que não era proprietária da fracção;
- a dívida é da responsabilidade do anterior proprietário.

pedindo
a extinção da execução

contestando
o embargado, também em resumo, alegou que
a dívida, apesar de ser relativa a encargos do condomínio relativos a período anterior à arguição da propriedade por parte da embargante, é da responsabilidade desta, por se tratar de uma obrigação “propter rem”.

Proferido despacho saneador, fixada a matéria assente e elaborada a base instrutória, foi realizada audiência de discussão e julgamento.

Em 05.09.15, foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes.

Inconformada, a embargante deduziu a presente apelação, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

O embargado contra alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que
- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;
- nos recursos se apreciam questões e não razões;
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido
a única questão proposta para resolução consiste em determinar se um condómino é responsável pela quota parte das despesas do condomínio relativas a período de tempo anterior à sua aquisição da propriedade da fracção.

Os factos

São os seguintes os factos a ter em conta:
- a embargante adquiriu em 03.03.28 a fracção B do prédio constituído em propriedade horizontal sito da R. ………., n.º… (Edifício .), ………., Vila Nova de Gaia;
- a embargante deu conhecimento destes factos à embargada em 03.07.01, através de carta;
- estão em dívida os montantes relativos à quota parte nas despesas do condomínio referentes àquela fracção correspondentes ao 4º trimestre de 2001, fundo de reserva de 2002, quatro trimestres de 2002 e 1º trimestre de 2003, cujo pagamento é objecto da execução de que estes embargos são um apenso.

Os factos, o direito e o recurso

Vejamos, então, como resolver a questão.

Na sentença recorrida entendeu-se que a responsabilidade pelo pagamento da quota parte das despesas do condomínio era da embargante, actual proprietária adquirente da fracção.

A apelante entende que essa responsabilidade pertence ao anterior proprietário.

Cremos que tem razão.

A obrigação de um condómino de contribuir para as despesas com os encargos do condomínio, estabelecida no n.º1 do artigo 1424º do Código Civil, é uma típica de obrigação “propter rem”, não de uma relação creditória autónoma, mas do estatuto do condomínio – neste sentido, ver Pires de Lima e Antunes Varela “in” Código Civil Anotado, em anotação ao citado artigo 1424º.

Conforme nos dá conta Henrique Mesquita “in” Obrigações Reais e Ónus Reais, 1990, página 316,” existe uma “communis opinio” no sentido de que a obrigação “propter rem” se transmite sempre para o sub adquirente do direito real a cujo estatuto se entre geneticamente ligado”

Mas o dito autor, na mesma obra, na mesma página e páginas seguintes, põe em crise esta ideia, pois considera que esta ambulatoriedade não é uma característica de todas as obrigações “propter rem”.

Entende que se há obrigações em que a ambulatoriedade se impõe, outras existem, pelo contrário, que devem considerar-se intransmissíveis, por ser essa a solução que melhor se harmoniza com os vários interesses a que importa conferir tutela adequada.

Um dos casos que considera ser a obrigação intransmissível ou não ambulatória é precisamente o do alienante de uma fracção autónoma de um prédio deixar várias prestações relativas a despesas do condomínio em atraso.

Diz o referido mestre que tratando-se de prestações destinadas a custear despesas habituais originadas pela utilização de serviços ou pelo consumo de bens necessários a assegurar a funcionalidade normal do condomínio, seria injusto fazê-las recair sobre o adquirente da fracção.

Por um lado, este não disporia, de qualquer elementos objectivos que revelassem ou indiciassem a existência das dívidas.

Por outro lado, tais prestações representam, em regra, na economia do instituto, a contrapartida de um uso ou fruição (das partes comuns do edifício) que couberam ao alienante e, por conseguinte, só a este deve competir o respectivo pagamento

Concordamos plenamente com tão judiciosas palavras, pelo que nada mais há a dizer sobre a questão.

Apenas dizer que a mesma solução foi seguida por Aragão Seia “in” Propriedade Horizontal, 2ª edição, página 125 e pelo acórdão da Relação de Lisboa de 04.12.14 “in” Colectânea de Jurisprudência 2004, V, 118.

Voltando ao caso concreto em apreço e aplicando o que acima ficou dito, concluímos que sendo a quantia exequenda referente a quotas do condomínio relativas a período anterior à aquisição do direito de propriedade por parte da embargante, não é esta a responsável pelo seu pagamento.

Devem, assim, os embargos proceder.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em julgar procedente a presente apelação e assim, julgar os embargos procedentes e, em consequência, extinta a execução.
Custas pelo apelado.

Porto, 6 de Abril de 2006
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
Gonçalo Xavier Silvano
Fernando Manuel Pinto de Almeida