Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0417396
Nº Convencional: JTRP00037949
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: FALSAS DECLARAÇÕES
ANTECEDENTES CRIMINAIS
Nº do Documento: RP200504200417396
Data do Acordão: 04/20/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: ABSOLVIÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: A obrigação de prestar declarações sobre os antecedentes criminais só existe para o arguido detido sujeito a primeiro interrogatório, seja ele efectuado pelo Ministério Público ou pelo Juiz de Instrução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

No -º Juízo do Tribunal de Vila Real, em processo comum com intervenção do tribunal singular (Proc. ../00), foi condenado o arguido B....., por um crime de falsidade de depoimento ou declaração p. e p. pelo art. 359 nºs 1 e 2 do Cód. Penal, em 7 (sete) meses de prisão;
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O arguido interpôs recurso desta sentença, impugnando a aplicação de pena privativa da liberdade, que entende dever ser substituída por pena de multa de montante a fixar nesta Relação.
A magistrada do MP junto do tribunal recorrido, respondeu defendendo a manutenção da decisão recorrida..
Nesta instância, o sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer no sentido de ser suspensa a execução da pena de prisão.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos, realizou-se a audiência.
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I – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
O arguido foi interrogado no Ministério Público de Vila Real no dia 6-3-2000, no âmbito do inquérito ../00.
Nessa altura foi previamente advertido que estava obrigado a responder com verdade à sua identificação completa e antecedentes criminais, bem como que a falsidade das respostas a tais perguntas o fariam incorrer em responsabilidade criminal.
O arguido respondeu, então, o seguinte:
Perguntado sobre os seus antecedentes criminais disse que nunca respondeu nem esteve preso, declarações essas registadas em auto por si assinado.
Porém, bem sabia o arguido que tal não correspondia à verdade. Como resulta do CRC de fls. 36 a 38 e certidão de fls. 22 a 27, o arguido havia sido já julgado no Tribunal Judicial de Lamego, pela prática de um crime em estado de embriaguez, tendo sido condenado na pena de 90 dias de multa.
Agiu o arguido livre e conscientemente, bem sabendo que prestava informações falsas no que toca aos seus antecedentes criminais.
Sabia que tal conduta era proibida por lei.
Posteriormente o arguido veio ainda a ser condenado pela prática de crime de falsificação de documento e abuso de confiança, por decisão de 26-6-2000, na pena de 185 dias de multa, e pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, por decisão proferida em 19-3-2001 e entretanto já declarada extinta.

FUNDAMENTAÇÃO
Como decorre dos factos provados, o arguido foi condenado por, durante o interrogatório a que foi sujeito num inquérito, ter prestado falsas declarações sobre os seus antecedentes criminais.
Impugna só a pena privativa da liberdade que lhe foi imposta, mas põe-se a questão prévia de saber se o sua conduta, tal como foi descrita na acusação, a que a sentença deu total acolhimento, pode constituir crime.
Vejamos:
Dispõe o 359 do Cód. Penal, citado na sentença recorrida:
1 – Quem prestar depoimento de parte, fazendo falsas declarações relativamente a factos sobre os quais deve depor (...) é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 – Na mesma pena incorrem o assistente e as partes civis (...), bem como o arguido relativamente a declarações sobre a identidade e os antecedentes criminais.
É certo que o arguido prestou declarações falsas sobre os seus antecedentes criminais, mas isso não basta, sendo igualmente necessário que ele tenha o dever processual de os declinar – Conimbricense, tomo III, pág. 456. Quando quem faz o interrogatório não deve, nem pode, perguntar sobre os antecedentes criminais, a falsidade da resposta nenhuma consequências poderá ter, pois o cidadão apenas tem de obedecer a ordens substancialmente legítimas.
Desde a revisão do Dec.-Lei 317/95 de 28-11, a única norma que determina que o arguido seja perguntado sobre os seus antecedentes criminais e advertido sobre as consequências penais da falta de resposta, ou falsidade da mesma, é a do nº 3 do art. 141 do CPP. A epígrafe deste artigo refere que nele se regula o «primeiro interrogatório judicial do arguido detido». Para além desta, existe a norma do art. 143 nº 2 do CPP, que trata do «primeiro interrogatório não judicial do arguido detido», que remete, na parte aplicável, para a regulamentação do art. 141. Todos os outros interrogatórios, em inquérito, instrução e julgamento, de arguidos presos ou em liberdade, estão genericamente previstos no art. 144.
Ou seja, a obrigação de prestar declarações sobre os antecedentes criminais só existe para o arguido detido sujeito a primeiro interrogatório, seja ele efectuado pelo MP ou pelo juiz de instrução.
Há coerência nesta regulamentação.
O já referido Dec.-Lei 317/95 de 28-11 revogou o nº 2 do art. 342 do CPP, que previa que no julgamento, após a identificação, o arguido fosse perguntado pelos seus antecedentes criminais. Fê-lo por razões que se prendem com a sua dignidade e garantias constitucionais (Lei de autorização legislativa 90-B/95 de 1-9 – al. gg), mas também porque a utilidade deste tipo de perguntas começava a ser despicienda, dada a possibilidade de, primeiro por FAX e depois por via informática, serem obtidos CRCs. A obrigação do arguido prestar declarações verdadeiras quanto aos antecedentes criminais foi algo de grande relevância para a boa administração da justiça, na época em que os CRC apenas podiam ser solicitados por ofício, demorando, por vezes, semanas a ser obtida resposta. Não raras vezes as falsas declarações sobre os antecedentes criminais eram a causa de penas mais leves ou medidas de coacção menos gravosas. A obrigação de responder com verdade sobre esta matéria, tinha, assim, para a boa administração da justiça, importância similar à obrigação de falar verdade que impende sobre testemunhas, partes cíveis, assistentes e outras pessoas que prestam depoimento sobre juramento. Note-se que o crime em causa está inserido no capítulo III, do Título V do Código Penal, que tem a epígrafe «Dos crimes contra a realização da justiça». O que está em causa não é punir uma personalidade rebelde e insubmissa, mas aferir em que medida determinado comportamento pode ter afectado a boa administração da justiça.
Actualmente, este tipo de cautelas apenas se justifica relativamente ao arguido detido, que vai ser submetido a interrogatório, após o qual se poderá colocar a questão da aplicação imediata de uma medida de coacção. Para decidir qual a medida de coacção adequada é, naturalmente, necessário conhecer o passado criminal do arguido e por isso a lei manteve, apenas para o caso do arguido detido sujeito ao primeiro interrogatório, a obrigação de responder com verdade aos antecedentes criminais.
Ora, na acusação não se alegou que o arguido estava detido quando não falou verdade sobre os seus antecedentes criminais. Sendo assim, nunca a acusação poderia desaguar numa condenação, devendo ter sido rejeitada por manifestamente insuficiente – art. 311 nºs 2 al. a) e 3 al. d) do CPP.
Não o tendo sido, impõe-se agora a absolvição do arguido.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação do Porto absolvem o arguido B......
Sem custas.
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Porto, 20 de Abril de 2005
Fernando Manuel Monterroso Gomes
Ângelo Augusto Brandão Morais
José Carlos Borges Martins
José Manuel Baião Papão