Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
874/08.7TAVCD-A.P1
Nº Convencional: JTRP00042992
Relator: CASTELA RIO
Descritores: QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL
Nº do Documento: RP20091007874/08.7TAVCD-A.P1
Data do Acordão: 10/07/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: INCIDENTE.
Decisão: INDEFERIMENTO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 594 - FLS 96.
Área Temática: .
Sumário: O estatuto jurídico-processual-penal da Testemunha não se compagina com o estatuto jurídico-processual-penal, civil e estatutário-deontológico do Defensor constituído.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência os Juízes do TRPRT no Incidente de
Quebra de Sigilo de Advogado nº 874/08.7TAVCD-A.P1 da 1ª Secção Criminal:
RELATÓRIO:

Ao Magistrado do MINISTÉRIO PÚBLICO “afigurando-se ilegítima a excusa em causa, (ordenou conclusão) á Mmª Juiz de Instrução com o nosso requerimento de que seja ordenada a prestação do depoimento ás questões acima referidas, nos termos do disposto no artº 135º, nº 2, do Código de Processo Penal”, conforme Despacho de 12.6.2009 a fls 99-100 deste Traslado do Inquérito nº 874/08.7TAVCD-A Secção de Processos do Ministério Público de Vila do Conde, tendo alegado de facto e de direito que:

“A fls. 192 a testemunha B………. declarou não prestar declarações invocando o sigilo profissional e alegando para o efeito ser mandatário dos denunciados e arguidas e nos próprios autos no caso da arguida C………. .
“Não se verifica que a testemunha figure como defensor da referida arguida nestes autos.
“As questões a que a testemunha teria de responder constam de fls. 167 e, no essencial, no nosso entender, não contendem com assuntos de natureza estritamente profissional, pretendendo-se apenas que informasse, na qualidade de mandatário, então, da Ré «D………., Ldª» se deu conhecimento, a quem e quando do teor do acórdão do STJ de 26/10/2004 proferido na acção de processo ordinário nº …/1998 do Tribunal Judicial da Maia.
“Tal informação mostra-se imprescindível para a investigação nos autos, pois ás arguidas é imputado, na qualidade de únicas sócias e gerentes daquela sociedade, terem perante cartório notarial falsamente feito constar na escritura pública de dissolução daquela sociedade que a mesma não tinha quaisquer dívidas, o que não correspondendo á verdade, todavia só lhes poderá subjectivamente ser imputável se aquelas tiverem sido informadas da decisão do tribunal de última instância, o que só poderemos saber mediante o depoimento da testemunha, pois a notificação da decisão daquele tribunal foi feita por seu intermédio”.

Em resposta à notificação efectuada em cumprimento do Despacho de 18.6.2009 a fls 101 da Mma Juiz do .º JCVCD, o Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados comunicou o Parecer de 08.7.2009 a fls 102-109 do Vice Presidente daquele com competência delegada pelo Presidente do Conselho Distrital ao abrigo do nº 3 do art 2º do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional, concluindo que:

1. “A decisão sobre a dispensa de sigilo, a concluir-se liminarmente pela ilegitimidade da escusa, caberá ao tribunal superior, para o qual deve ser remetido o expediente;
2. “Afirmando-se o advogado mandatário constituído das arguidas, não pode o mesmo ser compelido a depor contra os interesses destas e o segredo profissional não pode neste caso ser levantado, por o advogado não poder ser simultaneamente mandatário forense e testemunha num mesmo processo;
3. “A circunstância de não existir ainda procuração forense nos autos, não permite por si só afastar a existência de mandato forense;
4. “Os factos a perguntar ao advogado respeitam directamente ao exercício profissional do mandato forense, bem como respeitam a matéria de natureza privada atinente ao patrocínio, pelo que sempre estariam indubitavelmente sujeitos a prévia dispensa de sigilo;
5. “Nunca em circunstância alguma o advogado pode depor como testemunha em defesa dos interesses contrários aos da parte por si patrocinada - cfr. Art° 87° do E.O.A.;
6. “Não estão cumpridos os requisitos de procedibilidade do pedido de dispensa, uma vez que não emerge dos elementos fornecidos que o depoimento testemunhal do advogado será essencial, exclusivo e imprescindível para a apreciação judicial dos factos.
7. “A ponderação dos interesses em conflito, atenta a factualidade sobre averiguação, sempre nos levaria a propender para o maior relevo e dignidade do interesse público na manutenção do sigilo profissional, mesmo que tal se traduza numa maior dificuldade do Ministério Público na averiguação dos factos em investigação no inquérito e seus possíveis autores”

Sequentemente, a Mma JIC do .º JCVCD, “cotejando os elementos constantes dos autos, conclui-se, por um lado, pela legitimidade da escusa de depor, mas por outro lado pela imprescindibilidade do depoimento em questão para a descoberta da verdade. Assim suscita-se, ao abrigo do disposto no artigo 135º. nº 2 e 3, do C.P.Penal, junto do Tribunal da Relação do Porto, o incidente de quebra de segredo profissional. Autue por apenso instruído com certidão de fls. 2 a 10, 36 a 102, 104 a 107, 109 a 116, 163 a 165, 167 a 168, 192, 196 a 197, 200, 205 a 212 e do presente despacho” de 21.7.2009 a fls 110-111 deste Traslado no qual expendeu que:

“Face á posição assumida pela testemunha B………., advogado, quando inquirido, de não prestar declarações invocando o sigilo profissional, o Digno Magistrado do Ministério Público promoveu, ao abrigo do disposto no artigo 135º, nº 2, do C.P.penal, que fosse determinada a prestação de depoimento da aludida testemunha.

“Foi solicitada a pronúncia sobre o invocado segredo profissional, á Ordem dos Advogados, organismo representativo da profissão da testemunha e relacionada com o segredo profissional, na esteira do disposto no artigo 135º. nº 2, do C.P.Penal. De fls. 205 a 206, a Ordem dos Advogados pronunciou-se sobre a legitimidade da invocação do segredo profissional por parte do seu par.

O Senhor Procurador Geral Adjunto neste TRPRT emitiu PARECER no visto de 17.9.2009 a fls 115 no sentido de que “Face ao princípio da prevalência do interesse preponderante, dado ser importante o depoimento, … que este Tribunal deva decidir pela prestação de testemunho com quebra de segredo profissional, por parte do advogado Doutor B……….”.

A certificada TRAMITAÇÃO PROCESSUAL evidencia apenas que:

1. O Inquérito teve origem em RDA da Denúncia de 22.4.2008 a fls 02-12 subscrita por E………., residente em Inglaterra, como Ofendida/Lesada pela prática pelos Denunciados C………., F………., G………. e H………., todos ali melhor ids, dos factos seguintes, por transcrição integral à excepção das seis repetições de factos da história institucional de D……….…, Lda, por isso eliminadas, e ainda com utilização das siglas CRP (Conservatória de Registo Predial), MPH (matriz predial urbana) e SFM (Serviço de Finanças da Maia), para simplificação narrativa:

2. “A denunciante é dona e legitima proprietária de uma fracção autónoma, designada pela letra “W”, destinada a habitação, com o n° .., localizada no 1° andar, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ………., nºs …, …, …, …, …, … e ………. de nome a designar, n° .., .., .., .. e .., na ………., em ………., Maia, com entrada pelo n° .. da ………. de nome a designar, descrito na CRP da Maia, sob o nº 1846 da freguesia ………. .

3. “A denunciante em conjunto com mais quatro co-autores, intentaram uma acção declarativa de condenação, com processo ordinário contra a sociedade comercial D………., LDA., pessoa colectiva n° ………, com sede na Rua ………., no …, ………., …. Maia, registada na Conservatória do Registo Comercial da Maia sob o n° 05086, processo esse que correu os seus termos no .° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da MAIA, sob o processo n° …/98.

4. As 1ª e 3ª denunciadas são ou foram as únicas sócias e as únicas gerentes da sociedade comercial D………., LDA., … desde a constituição desta sociedade até á sua dissolução e liquidação.

5. A 1ª e o 2° denunciados são casados um com o outro sob o regime da comunhão geral de bens.

6. A 3ª e o 4° denunciados são casados um com o outro sob o regime da comunhão de adquiridos.

7. Após decisão do Tribunal da Comarca da Maia e acórdãos do Tribunal da Relação do Porto e do Supremo Tribunal de Justiça, por decisão transitada em julgado em 15.11.2004 no processo que correu os seus termos no .° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da MAIA, sob o processo no 702/98, a sociedade comercial D………., LDA., … foi condenada perante os aqui autores no seguinte:

7.1. a reconhecer aos autores o direito à existência do muro de vedação, no limite da propriedade dos autores que fica no 10 piso e paralela e contígua à propriedade da ré.

7.2. a reconstruir o muro de vedação dos autores que se encontra no 1° piso e no terraço do edifício dos autores e que delimita e separa a propriedade dos autores e da ré, fixando o limite do prédio dos autores, muro esse que deve ser reconstruído na mesma forma, tamanho e feitio e com os mesmos materiais do muro destruído pela ré, sendo 1 metro e 80 cm de altura, 10 cm de espessura e revestido a azulejo igual ao edifício dos autores.

7.3. a demolir o beiral e o seu parapeito que se situam no topo do prédio, edifício da ré, na parte do prédio da ré que fica contígua ao prédio dos autores e por forma a que não se insira nem propenderem sobre a propriedade dos autores.

7.4. a reparar, substituindo por novos, os corrimões e barões, que fazem e completam o parapeito do terraço do prédio dos autores que está junto ao edifício da ré.

7.5. a pagar à autora E……… a quantia de 1 215,07€ (243.600$00), a título de ressarcimento de prejuízos sofridos com despesas realizadas com alarme e limpeza (danos patrimoniais) , acrescida dos juros à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação até integral e efectivo pagamento.

7.6. a pagar à autora E………. a quantia correspondente ao necessário para pagamento de despesas com uma viagem de ida e volta Londres Porto, acrescida dos juros à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação até integral e efectivo pagamento, relegando para execução de sentença, nos termos do artigo 661° n° 2 do C.P.C.

7.7. a pagar aos autores I………. e mulher a quantia de 47,88€ (9.600$00), a título de ressarcimento de prejuízos sofridos com despesas realizadas com limpeza, acrescida dos juros à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação até integral e efectivo pagamento

7.8. a pagar aos autores I………. e mulher a quantia de 1 496,30€, a título de indemnização dos danos não patrimoniais sofridos, acrescida dos juros à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação até integral e efectivo pagamento.

7.9. a pagar à autora E………. a quantia de 1.496,30€, a título de indemnização dos danos não patrimoniais sofridos, acrescida dos juros à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação até integral e efectivo pagamento.

7.10. a pagar aos demais autores (três), a quantia de 997,60€, a cada um dos autores, a título de indemnização dos danos não patrimoniais sofridos, acrescida dos juros à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação até integral e efectivo pagamento

7.11. (conforme documento nº 1 que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais)

8. No dia 09 de Fevereiro de 2005, no Segundo Cartório Notarial de Vila do Conde, por escritura pública exarada a folhas 62 e 62v do Livro 458 D a 1ª e 3ª denunciadas, na qualidade de únicas sócias e, também, únicas gerentes da sociedade comercial D………., LDA., … com capital social realizado de setenta mil euros procederam à dissolução e liquidação da sociedade, declarando que a mesma não possuía qualquer activo ou passivo (conforme documento n° 2 que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

9. No entanto, à data da dissolução e liquidação efectuada pelas 1ª e 3ª denunciadas, na qualidade de únicas sócias e únicas gerentes da sociedade comercial D………., LDA., esta sociedade efectivamente tinha passivo, pois, tinha em dívida as quantias a que foi condenada a pagar, com transito da decisão em 15.11.2004, cerca de três meses antes da dissolução e liquidação, à aqui denunciante e aos demais autores no processo já identificado com o número …/98 do .° Juízo do Tribunal Judicial da Maia.

10. E, tinha ainda, no referido processo, as obrigações de prestação de facto a que foi condenada a fazer, que também são crédito dos autores e passivo da identificada sociedade, obrigações estas melhor identificadas no antecedente artigo 6° desta denuncia.
ACRESCE QUE,
11. A sociedade comercial D………., LDA., … com capital social realizado de setenta mil euros tinha por objecto social a compra de terrenos, construção e venda de prédios (conforme documento nº 3).

12. À data da dissolução e liquidação, 09 de Fevereiro de 2005, a sociedade comercial D………., LDA possuía os seguintes bens Imóveis:

12.1. Uma parcela de terreno para construção urbana, designada por lote vinte e oito, com área de quatrocentos e quarenta e um metros quadrados, sito no Arruamento B, da freguesia de ………., do concelho da Maia, descrita na Primeira CRP da Maia sob o nº 00745 da freguesia de ………. e inscrita na MPH da referida freguesia sob o artigo 985 do 1° SFM.

12.2. Fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente a um estabelecimento ou similar de industria hoteleira, no piso menos dois, com entrada pelo n° … e arrecadação e garagem no piso menos dois do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ………., n°s …, … e … e Rua ………. n° …, da freguesia de ………., do concelho da Maia, descrita na Primeira CRP da Maia sob o n° 01431 da freguesia de ………. e inscrita na MPH da referida freguesia sob o artigo 3259 do 1º SFM.

12.3. Fracção autónoma designada pelas letras “AD”, correspondente a uma habitação, no terceiro andar direito, com entrada pelo nº … do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na ………., nos … e … e ………., nº …, da freguesia e ………., do concelho da Maia, descrita na Segunda CRP da Maia sob o nº 00283 da freguesia de ………. e inscrita na MPH da referida freguesia sob o artigo 2566 do 1° SFM.

12.4. (conforme documento nº 4 que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

13. No dia 09 de Fevereiro de 2005, mesmo dia da dissolução e liquidação da sociedade, e no momento exactamente anterior à dissolução, no Segundo Cartório Notarial de Vila do Conde, por escritura pública exarada a folhas 59 a 61 do Livro 458 D, a 1 e 3 denunciadas, na qualidade de únicas sócias e gerentes da sociedade comercial D………., LDA., … venderam pelo preço de 203.000,00€ (duzentos e três mil euros) ao 4° denunciado a parcela de terreno para construção urbana, designada por lote vinte e oito, com área de quatrocentos e quarenta e um metros quadrados, sito no ………., da freguesia de ………., do concelho da Maia, descrita na Primeira CRP da Maia sob o n° 00745 da freguesia de ………. e inscrita na MPH da referida freguesia sob o artigo 985 do 1° SFM (conforme documento nº 4)

14. E, nesse mesmo dia 09 de Fevereiro de 2005, dia da dissolução e liquidação da sociedade, e no momento exactamente anterior à dissolução, no Segundo Cartório Notarial de Vila do Conde, por escritura pública exarada a folhas 59 a 61 do Livro 458 D, a 1 e 3 denunciadas, na qualidade de únicas sócias e gerentes da sociedade comercial D………., LDA., … venderam pelo preço de 212.000,00€ (duzentos e doze mil euros) ao 2° denunciado a Fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente a um estabelecimento ou similar de industria hoteleira, no piso menos dois, com entrada pelo nº 330 e arrecadação e garagem no piso menos dois do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ………., nºs …, … e … e Rua ………. nº …, da freguesia de ………., do concelho da Maia, descrita na Primeira CRP da Maia sob o nº 01431 da freguesia de ………. e inscrita na MPH da referida freguesia sob o artigo 3259 do 1° SFM e a Fracção autónoma designada pelas letras “AD”, correspondente a uma habitação, no terceiro andar direito, com entrada pelo nº … do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na ………., n°s … e … e ………., nº …, da freguesia de ………., do concelho da Maia, descrita na Segunda CRP da Maia sob o nº 00283 da freguesia de ………. e inscrita na MPH da referida freguesia sob o artigo 2566 do 1° SFM (conforme documento n° 4).

15. Assim, a parcela de terreno para construção urbana, designada por lote vinte e oito, com área de quatrocentos e quarenta e um metros quadrados, sito no ………., da freguesia de ………., do concelho da Maia, descrita na Primeira CRP da Maia sob o n° 00745 da freguesia de ………. e inscrita na MPH da referida freguesia sob o artigo 985 do 1° SFM e no valor de pelo menos 203.000,00€ passou a integrar o património comum da 3ª denunciada, sócia e gerente da sociedade aqui em causa e do 4° denunciado, que são casados um com o outro sob o regime da comunhão de adquiridos. (conforme documento n° 4)

16. E, a Fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente a um estabelecimento ou similar de industria hoteleira, no piso menos dois, com entrada pelo nº .… e arrecadação e garagem no piso menos dois do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ………., n°s …, … e … e Rua ………. n° …, da freguesia de ………., do concelho da Maia, descrita na Primeira CRP da Maia sob o n° 01431 da freguesia de ………. e inscrita na MPH da referida freguesia sob o artigo 3259 do 1° SFM e a Fracção autónoma designada pelas letras “AD”, correspondente a uma habitação, no terceiro andar direito, com entrada pelo n° … do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na ………., n°s … e … e ………., n° …, da freguesia de ………., do concelho da Maia, descrita na Segunda CRP da Maia sob o n° 00283 da freguesia de ………. e inscrita na MPH da referida freguesia sob o artigo 2566 do 1° SFM no valor de pelo menos 212.000,00€ passaram a integrar o património comum da 1ª denunciada, sócia e gerente da sociedade aqui em causa e do 2° denunciado, que são casados um com o outro sob o regime da comunhão geral de bens (conforme documento n°4).

17. E, em acto imediato, após a delapidação do património da sociedade aqui em causa e consequente acréscimo do património pessoal dos sócios e gerentes, em pelo menos 415.000,00€, foi a sociedade aqui referida extinta.

18. Pelo que, a 1ª e 3° denunciadas prestaram falsas declarações perante oficial publico e falsificação de documento.

19. E, os 1ª, 2°, 3° e 4° denunciados criaram factos com a intenção de obterem para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano que astuciosamente provocaram, causando a outrém prejuízo patrimonial de valor consideravelmente elevado.

20. Só em quantias liquidas de passivo que os denunciados pretenderam causar prejuízo patrimonial à denunciada e outros autores em valores superiores a 20.000,00€.

21. Pois só em quantias liquidas tinha uma condenação de 7.248,35€, acrescido de juros desde 30.01.1998 até integral pagamento que já representa actualmente cerca de 5.000,00€, ao que acresce as condenações em prestações de facto e a liquidar em execução de sentença que representam valores superiores a 7.500,00 €.

22. Os factos expostos integram, ao que parece, a prática, dos crimes de falsificação de documentos e de Burla qualificada, previstos e punidos, respectivamente, nos termos dos artigos 256° e 257 e 217° e 218° do Código Penal, sem prejuízo de outros, ou outra qualificação, que se venha apurar no decorrer do inquérito.

23. As escrituras foram realizadas em Vila do Conde, no 2° Cartório Notarial.

24. Daí que o Ministério Público da comarca de Vila do Conde tenha competência para receber a queixa crime e proceder por si ou delegação de poderes à investigação da infracção criminal denunciada.

25. Tal Denúncia foi instruída com Certidão:

25.1. Da Acta da Audiência de Julgamento por leitura das respostas aos quesitos em 05.11.2002 na Acção Ordinária 702/1998 em que interveio o Sr Dr B………. como Mandatário dos Réus D………., Lda, J………. e K………., doc a fls 14-15,

25.2. Da Sentença de 17.02.2003 naquela Acção Ordinária, doc a fls 16-35,

25.3. Da notificação daquela ao Sr Dr B………., doc a fls 37,

25.4. Do Acórdão do TRPRT de 26.01.2004 que negou provimento à Apelação interposta pela Ré, doc a fls 37-43,

25.5. Da Acta da Conferência em 26.01.2004, doc a fls 44,

25.6. Das cotas de registo do Acórdão e de notificação do mesmo em 28.01.2004, por cartas registadas aos Mandatários das Partes, doc a fls 45,

25.7. Do Acórdão do STJ de 26.10.2004 que deu provimento parcial à Revista interposta pela Ré, doc a fls 46-77,

25.8. Da Acta da Conferência em 26.10.2004, doc a fls 78,

25.9. Das cotas de registo do Acórdão e de notificação do mesmo em 02.11.2004, por cartas registadas aos Mandatários das Partes, como doc a fls 79,

25.10. De 19.5.2008 da Matrícula 05085 de 94.11.07 de D……….., Lda, cancelada por Averbamento pela Apresentação 10 em 2005 03 11 dos factos registados dissolução e encerramento da liquidação tendo 2005.02.09 como data da aprovação das contas, como doc a fls 81-82,

25.11. Do rosto da Escritura Pública de 09.02.2005 de Dissolução de D………., Lda, doc a fls 83,

25.12. Da Escritura Pública de 09.02.2005 de Compras e Vendas no 2º Cartório Notarial de Vila do Conde, pela qual C………. e G………. em representação de D………., Lda, vendeu por 203.000 € o Lote .. a H………., casado com aquela G………. em comunhão de adquiridos, e vendeu por 147 700 € a fracção autónoma letra A e por 64.850 € a fracção autónoma letra AD a F………., como doc a fls 86-90,

25.13. Da Escritura Pública de 09.02.2005 de Dissolução de D………., Lda, celebrada por C………. e G………. como únicas e actuais sócias que “pela presente escritura e de comum acordo, deliberam dissolver esta sociedade, a qual tem por objecto a <<compra de terrenos, construção e venda de prédios>>; E que por a mesma não possuir qualquer activo ou passivo a consideram desde já liquidada, com efeitos a partir desta data”, como doc a fls 91-92.

26. No decurso da investigação no Inquérito, a solicitação do Ministério Público o Mmo Juiz daquela Acção Ordinária …/1998 enviou Certidão da Procuração datada de 27.01.1998 pela qual D………., Lda, “constitui seu bastante procurador o Exmo. Sr. Dr. B………., advogado, com escritório na ………., .. – ………., …. MAIA, a quem confere os mais amplos poderes forenses, em Direito permitidos”, como doc a fls 94-95,

27. Em execução do Despacho de 08.01.2009 doc a fls 96-97 deprecou-se à Maia a inquirição por Magistrado do Dr B………., com cópia de fls. 2 a 12 e 36 a 102 e daquele Despacho, para ser perguntado sobre:

27.1. “Se deu conhecimento à sua constituinte «D………., Ld» do teor da notificação do acórdão do S.T.J. que, no âmbito da acção de processo ordinário que sob o nº …/1998 correu no Tribunal Judicial da Maia, julgou parcialmente procedente a revista interposta por aquela sociedade na qualidade de ré;

27.2. “Na afirmativa, se informou a sua constituinte de que transitava em julgado a parte do acórdão proferido pelo tribunal de 1ª instância, na qual fora condenada, designadamente, o pagamento à autora E………. 1.215,07 euros, a título de prejuízos sofridos com despesas realizadas com o alarme e limpeza, e 1.496,30 euros, a título de danos não patrimoniais, e a reconstruir um muro de vedação;

27.3. “Na afirmativa, a quem da sua constituinte deu conhecimento e prestou tal informação, designadamente, a uma das gerentes que outorgaram a procuração, a G………. ou E……….., ou ao marido(s) de alguma daquelas;

27.4. “Quem nos contactos com a constituinte se apresentava em representação da mesma, importando saber, se as gerentes da mesma o eram de facto ou era algum dos maridos;

27.5. “Tendo por referência que o referido acórdão foi notificado por carta registada enviada para a testemunha em 2/11/2004, em que data aproximada terá dado conhecimento e prestado a informação supra, designadamente, se foi durante os 30 dias seguintes, se foi antes do natal, se foi, ainda, em 2004”.

28. A diligência deprecada teve lugar pelas 10:00 de 18.3.2009, tendo o Sr Dr B………. então deposto que:

28.1. “Foi advogado da sociedade ré na acção cível nº …/1998 que correu termos neste Tribunal da Maia.
28.2. “Actualmente, também é advogado dos réus, aqui arguidos, noutra acção de processo ordinário que corre termos neste tribunal com o nº …./07.0 TBMAI.
28.3. “É igualmente mandatário de C………. neste inquérito que corre termos nos serviços do MºPº de Vila do Conde.
28.4. “Por esse motivo, não presta declarações invocando para tal o sigilo profissional”.

APRECIANDO:
Conforme art 87º, epigrafado “Segredo profissional”, do Estatuto da Ordem dos Advogados in Lei 15/2005 de 26/1, publicada no DR I Série nº 18 de 26.01.2005, cujo art 206º revogou expressamente o anterior EOA in DL 84/84 de 16/3 alterado pela Lei 6/86 de 26/3, pelos DL 119/86 de 28/5 e 325/88 de 23/9 e pelas Leis 33/94 de 6/9, 30-E/2000 de 20/12 e 80/2001 de 20/7:

1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:

a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.

2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, directa ou indirectamente, tenham qualquer intervenção no serviço.

3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.

4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho distrital respectivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respectivo regulamento.

5 – Os actos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
6 – Ainda que dispensado nos termos do disposto no nº 4, o advogado pode manter o segredo profissional.
7 – O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no nº 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua actividade profissional, com a cominação prevista no nº 5.
8 – O advogado deve exigir das pessoas referidas no número anterior o cumprimento do dever aí previsto em momento anterior ao início da colaboração.

Assim, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, reunido em Plenário em 24.3.2006, deliberou, ao abrigo da alínea g) do nº 1 do art 45º do novo EOA, o Regulamento nº 94/2006 AO (2ª Série) de 25.5.2006, publicado no DR II Série 113 de 12.6.2006 e disponível em http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc2916&idsc=48194&ida=4... acedido em 28.9. 2009, intitulado “Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional” com o seguinte teor:
Artigo 1.º - Regime aplicável
A dispensa de segredo profissional rege-se petos preceitos do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) e do presente regulamento.
Artigo 2.° - Do pedido de autorização
1 - O pedido de autorização para a revelação de factos que o advogado tenha tido conhecimento e sujeitos a segredo profissional, nos termos do disposto nos n.°s 1, 2, 3 e 7, do artigo 87.° do EOA, será efectuado mediante requerimento dirigido ao presidente do conselho distrital a cuja área geográfica pertença o domicílio profissional do advogado que pretenda a desvinculação e subscrito por este.
2 - A autorização para que o advogado possa revelar factos abrangidos pelo segredo profissional cabe ao Presidente do Conselho Distrital respectivo.
3 - O Presidente do Conselho Distrital pode delegar a sua competência, em matéria de segredo profissional, em algum ou alguns dos membros do Conselho Distrital.
4 - Caso o Presidente do Conselho Distrital se julgue impedido para proferir decisão num processo de dispensa de segredo profissional, Lavrará nos autos despacho justificativo e, verificado o impedimento pelo Conselho Distrital, caberá ao Vice-Presidente exercer essa competência.
Artigo 3.° - Forma e fundamentação do pedido
1 - O requerimento referido no artigo 2.° deve identificar de modo objectivo, concreto e exacto, qual o facto ou factos sobre os quais a desvinculação é pretendida, conter a identificação completa do advogado requerente, vir acompanhado com os documentos necessários à apreciação do pedido, e, se se tratar de pedido relativo a processo em curso, vir acompanhado das peças processuais pertinentes.
2 - O pedido de autorização é obrigatoriamente fundamentado sob pena de rejeição liminar.
3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o Presidente do Conselho Distrital poderá solicitar ao requerente, sempre que entenda necessário, a prestação de esclarecimentos complementares, bem como a junção de documento ou documentos pertinentes para a apreciação do pedido, para tanto fixará um prazo de apresentação findo o qual os autos serão decididos com os elementos neles constantes.
4 - No caso de se pretender a dispensa de segredo para o advogado depor em processo em curso ou para juntar documentos a um qualquer processo, o requerimento deverá ser apresentado com antecedência em relação à data em que esteja marcada a diligência ou em que seja possível apresentar o documento, ressalvando-se situações de manifesta urgência ou excepcionais, devidamente justificadas, de modo a poder ser proferida uma decisão em tempo útil.
Artigo 4.° - Da decisão
1 - A dispensa do segredo profissional tem carácter de excepcionalidade.
2 - A autorização para revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, apenas é permitida quando seja inequivocamente necessária para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado, cliente ou seus representantes.
3 - A decisão do Presidente do Conselho Distrital, nos termos do EOA e do presente regulamento, aferirá da essencialidade, actualidade, exclusividade e imprescindibilidade do meio de prova sujeito a segredo, considerando e apreciando livremente os elementos de facto trazidos aos autos pelo requerente da dispensa.
Artigo 5.° - Efeitos da decisão
1 - A decisão que negue autorização para dispensa de segredo é vinculativa, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
2 - A decisão de deferimento da dispensa de segredo profissional é irrecorrível
3 - O advogado autorizado a revelar facto ou factos sujeitos a segredo profissional pode optar por mantê-lo, em respeito e obediência ao princípio da independência e da reserva.
Artigo 6.° - Da admissibilidade do recurso
1 - Da decisão de indeferimento de dispensa de segredo profissional cabe recurso para o Bastonário.
2 - Apenas o requerente de dispensa de segredo profissional tem legitimidade para interpor o recurso previsto no número anterior.
Artigo 7.° - Prazo e forma de interposição do recurso
1 - O prazo para interposição de recurso é de quinze dias úteis a contar da notificação da decisão de indeferimento.
2 - O requerimento de interposição de recurso é sempre motivado, sob pena de não admissão do mesmo.
3 - Assiste ao órgão recorrido a faculdade de suprir nulidades, de proceder à rectificação de erros materiais e, bem assim, de reparar o recurso, alterando o sentido da decisão recorrida.
4 - Interposto o recurso, o órgão recorrido notifica, em alternativa, o recorrente da:
a) Não admissão do recurso por falta de fundamentação;
b) Decisão proferida ao abrigo da faculdade prevista no n.º 3;
c) Admissão e subida do recurso para o Bastonário.
Artigo 8.° - Da subida do recurso
1 - Recebido o recurso pelo Bastonário, poderão os autos ser distribuídos ao vogal do Conselho Geral com competência delegada para o efeito.
2 - Caso o Bastonário se julgue impedido para julgar o recurso lavrará nos autos despacho justificativo e, verificado o impedimento pelo Conselho Geral, caberá ao Vice-Presidente exercer essa competência.
3 - O Bastonário não está vinculado à admissão do recurso, podendo decidir pela sua não admissão com fundamento em extemporaneidade, falta de legitimidade do recorrente ou inadmissibilidade material do recurso.
4 - O Bastonário poderá pedir esclarecimentos ao recorrente e ordenar a junção de documento ou documentos que entenda pertinentes, fixando um prazo para o efeito.
5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, no recurso não serão atendidos factos que não tenham sido objecto de apreciação pelo Presidente do Conselho Distrital, excepto se os mesmos forem supervenientes.
6 - O Bastonário poderá, ainda, fazer baixar os autos ao conselho distrital, para suprir alguma nulidade que entenda ter sido praticada.
Artigo 9.° - Prazos de decisão
1 - No pedido de dispensa de segredo deverá ser proferida decisão em prazo que não exceda quinze dias úteis a contar da data da sua distribuição.
2 - A decisão do recurso deverá ser proferida em prazo igual ao estipulado no número anterior, a contar da data da sua distribuição.
3 - Os prazos estipulados nos números anteriores suspendem-se sempre que sejam pedidos esclarecimentos ou ordenada a junção de documentos, nos termos do disposto no n.° 3, do artigo 3.° e do n.° 4 do artigo 8.°, do presente regulamento, pelo período fixado para esse efeito.
4 - Por razões de especial complexidade dos autos ou de remessa destes ao conselho distrital, nos termos do disposto no n.° 6, do artigo 8.°, pode a decisão ser proferida em prazo alargado e desse facto deverá ser lavrado despacho justificativo.
Artigo 10.° - Casos Omissos
Os casos omissos e as dúvidas suscitadas na aplicação do presente Regulamento serão resolvidos pelo Conselho Geral.

Ao tempo da concepção, seguida da vigência, daqueles normativos vigorava a versão original do art 135º epigrafado “Segredo profissional” do CPP do seguinte teor:

1. Os ministros de religião ou confissão religiosa, os advogados, os médicos, os jornalistas, os membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo profissional podem escusar-se a depor sobre os factos abrangidos por aquele segredo.

2. Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.

3. O tribunal imediatamente superior àquele onde o incidente se tiver suscitado, ou, no caso de o incidente se ter suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o plenário das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento (redacção introduzida pelo DL 317/95 de 28/11 em resultado da revisão do CP efectuada pelo DL 48/95 de 15/3, na qual foi eliminada a cláusula de exclusão da ilicitude constante da versão originária do CP 82).

4. O disposto no número anterior não se aplica ao segredo religioso.

5. Nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável.

Notou MANUEL LOPES MAIA GONÇALVES, Código de Processo Penal, Anotado e Comentado, 13ª edição, Almedina, Coimbra, 2002, págs 355-356, que:

“2. Novidade de relevo em relação ao direito anterior é a generalização de quebra do segredo profissional, com a consequente obrigatoriedade de depoimento quando, apesar da invocação do segredo profissional, o tribunal imediatamente superior ordene a prestação do depoimento, como se prevê nos nºs 2 a 4.

“3. O sistema agora estabelecido é simples: as entidades referidas no n.º 1 podem escusar-se a depor sobre factos cobertos pelo segredo profissional, mediante a invocação deste segredo. A autoridade judiciária perante a qual o depoimento deve ser prestado procede a averiguações sumárias. Se após estas, concluir pela manifesta inviabilidade da escusa, ordena o depoimento, que não pode ser recusado. Se concluir pela viabilidade da escusa, prescinde do depoimento ou requer ao tribunal superior que o ordene, usando para isso do processo aqui regulado. O tribunal superior decidirá, e, evidentemente, na decisão a tomar terá que usar de muito critério e moderação, atentos os interesses muito ponderosos que nestes casos estão em jogo, de um lado e de outro (exigências da administração da justiça, do segredo médico, bancário, etc.). Estes interesses foram até aflorados na Lei de Autorização legislativa, a qual, no art. 2.°, al. 33) determinou que se acautelassem especialmente as condições restritivas em que a quebra pode ter lugar.

“De salientar que embora o MP, como autoridade judiciária que é, possa proceder às averiguações necessárias para se decidir o incidente, a decisão deste cabe sempre ao tribunal ou ao juiz, sendo o juiz de instrução a decidi-lo na fase do inquérito.

“O dispositivo da parte final do n.° 5 - nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável - foi introduzido na parte final dos trabalhos preparatórios, não constando mesmo da proposta elaborada pela CRCPP. Significa, em nosso entendimento, que se deve dar prevalência ao disposto na legislação especial relativa aos organismos representativos das profissões, a qual se aplicará, e não os dispositivos gerais do CPP. O ponto, porém, suscita algumas reservas, e esta interpretação não se compagina com a Lei de Autorização legislativa, que apenas mandava ouvir o organismo profissional. Veja-se a exposição do Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 129”.

Porém, o novel art 135º epigrafado “Segredo profissional” do CPP vigente desde 15.9.2007 conforme arts 1º e 7º da Lei 48/2007 de 29/8 epigrafada “15ª alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro” introduziu diversa regulamentação de tutela / quebra dos sigilos profissionais, a saber:

1 - Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.

2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.

3 - O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.

4 - Nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável.

5 - O disposto nos n.ºs 3 e 4 não se aplica ao segredo religioso.

Equacionando analiticamente o quadro legal de tutela / quebra dos segredos profissionais em geral e de Advogado em especial, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, 2ª edição actualizada, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Maio 2008, págs 361-363 e 366-368, sintetiza que:

1. O incidente escusa de segredo profissional rege-se pelos seguintes princípios:
a. O incidente está dividido em duas fases, uma referente à questão da legitimidade da escusa, outra referente à questão da justificação da escusa.
b. Só o tribunal de primeira instância é competente para decidir sobre a legitimidade da escusa.
c. Só o tribunal superior é competente para decidir sobre a justificação da escusa.
d. A intervenção do tribunal superior é oficiosa e tem lugar sempre que o iuiz de primeira instância tenha decidido que a escusa é legítima.

2. Assim, em termos esquemáticos, o incidente estrutura-se do seguinte modo:
a. Pedido de escusa
b. Averiguações necessárias da autoridade judiciária competente, consoante a fase processual, sobre a questão da legitimidade da escusa, incluindo a audição do organismo representativo da profissão
c. Decisão do juiz
i. O juiz declara a ilegitimidade da escusa e ordena a prestação de depoimento (despacho recorrível pelo requerente da escusa) ou
ii. O juiz declara a legitimidade da escusa e ordena oficiosamente a subida ao tribunal de recurso para decisão sobre a questão da justificação da escusa (despacho irrecorrível)
d. Decisão do tribunal superior (recorrível)
i. Injustificada a escusa: o tribunal declara injustificada a escusa e ordena a prestação do depoimento
ii. Justificação da escusa: o tribunal declara justificada a escusa.

3. O incidente de quebra de sigilo profissional está dividido em duas fases: a questão da legitimidade da escusa é tratada no n.° 2 do artigo 135.°, a questão da justificação da escusa é tratada no n.° 3 do artigo 135.° A resolução destas questões foi intencionalmente separada pelo legislador, conferindo competência para decidir a questão da legitimidade da escusa ao tribunal de primeira instância e competência para decidir a questão da justificação da escusa apenas ao tribunal superior. Esta separação funcional foi considerada, no acórdão do TC n.° 7/87, como essencial para afirmar a constitucionalidade do sistema legal. A jurisprudência constitucional foi reiterada no acórdão do TC n.° 589/2005, que afirmou claramente que o tribunal superior conhece em primeira instância da questão da justificação da escusa. Portanto, contraria a letra da lei e a própria CRP a interpretação nos termos da qual se reconhece ao tribunal de primeira instância o poder de apreciar a “legitimidade substantiva” (isto é, a justificação) da escusa (acórdão do TRL, de 5.11.1997, in CJ, XXII, 5, 133, e, de novo, acórdão do TRL, de 24.9.2003, in CJ, XXVIII, 4, 130, mas contra, com inteira razão, acórdão do TRL, de 6.2.2007, in CJ, XXXII, 1, 136), como também contraria a letra da lei e a própria CRP o poder do juiz determinar a realização imediata de uma busca nas instalações do titular do dever de segredo para obtenção da informação pretendida em face da invocação do segredo por este (acórdão do TRP, de 5.6.2006, in CJ, XXXI, 3, 224, e acórdão do TRL, de 28.3.2007, in CJ, XXXII, 2, 128, reiterando já jurisprudência do acórdão do TRE, de 28.3.1995, in CJ, XX, 2, 277). A polémica na jurisprudência foi, aliás, resolvida no sentido correcto pelo recente acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.° 2/2008, nos termos do qual, requisitada a instituição bancária, no âmbito de inquérito criminal, informação referente a conta de depósito, a instituição interpelada só poderá legitimamente escusar-se a prestá-la com fundamento em segredo bancário. Sendo ilegítima a escusa, por a informação não estar abrangida pelo segredo, ou por existir consentimento do titular da conta, o próprio tribunal em que a escusa for invocada, depois de ultrapassadas eventuais dúvidas sobre a ilegitimidade da escusa, ordena a prestação da informação, nos termos do n.° 2 do artigo 135.°

13. A audição do organismo representativo da profissão deve ter lugar antes da decisão sobre a legitimidade do pedido de escusa, como resulta claramente da remissão do n.° 4 para o n.° 2 do artigo 135.° A razão é esta: o organismo profissional está em condições objectivas para se pronunciar sobre a legitimidade da escusa em face das regras estatutárias profissionais, por exemplo, em face de dúvidas que se possam colocar sobre a inscrição na ordem profissional do requerente da escusa. Nada obsta, contudo, a que também o tribunal superior oiça, sendo necessário, o organismo representativo da profissão, como resulta igualmente da remissão do n.° 4 para o n.° 3 do artigo 135.°

14. O n.° 4 do artigo 135.° consagra a preponderância da legislação especial relativa aos organismos representativos das profissões quer quanto aos “termos” da audição desses organismos quer quanto aos “efeitos” da mesma e, portanto, vincula o tribunal à decisão do organismo representativo da profissão sobre o pedido de escusa, nos termos da legislação especial pertinente (ANTÓNIO BARREIROS, 1989: 170, RODRIGO SANTIAGO, 1992: 266, e GERMANO MARQUES DA SILVA, 2002: 152). É certo que o ponto 33 do artigo 2.°, n.° 2, da Lei n.° 43/86, de 26.9, previa apenas a “prévia audição” dos ditos organismos, mas a Lei n.° 90-B/95, de 1.9, reviu o artigo 135.°, mantendo a dita disposição nos precisos termos em que ela estava anteriormente redigida, sanando qualquer questão relativa à inconstitucionalidade orgânica da norma.

15. Mas a questão da constitucionalidade do artigo 135.°, n.° 4, não ficou resolvida. Nos termos da legislação especial, a quebra de segredo pode estar dependente de requisitos específicos fixados nos estatutos, como por exemplo uma autorização prévia do organismo representativo da profissão nesse sentido. A interpretação conjugada do artigo 135.°, n.° 4, com a legislação especial nele referida no sentido de que é atribuída ao organismo de representação profissional a competência para decidir em definitivo sobre a legitimidade e a justificação do pedido de escusa, ficando o tribunal vinculado à decisão do organismo de representação profissional, é inconstitucional, por violar o princípio da independência dos tribunais e o princípio da prossecução da verdade material, próprios de um Estado de Direito, e constituir um encurtamento inadmissível das garantias de defesa (artigos 2.°, 32.°, n.° 1, e 203.°, da CRP). Com efeito, a decisão sobre a quebra do sigilo profissional é uma decisão de ponderação de diversos valores constitucionais em conflito e, portanto, tem natureza constitucional. Por isso, esta decisão deve estar reservada aos tribunais. Por isso também, a vinculação dos tribunais a uma decisão prévia dos organismos representativos da profissão em matéria de natureza constitucional não se compadece com a independência dos tribunais, nem com o princípio da prossecução da verdade material e encurta de forma inadmissível as garantias da defesa. O julgador deve, pois, desaplicar aquelas normas com a interpretação referida, devendo aplicá-las no sentido de considerar a “audição” da decisão do organismo representativo da profissão como não vinculativa. Aliás, é neste exacto sentido que a lei tem sido desde sempre aplicada, como resulta, por exemplo, da jurisprudência sobre o segredo profissional do advogado e do solicitador (acórdão do STJ, de 21.4.2005, in CJ, Acs. do STJ, XIII, 2, 186).

16. Nos termos do artigo 87.°, n.º 4, do EOA, o advogado pode revelar factos abrangidos peio segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a “defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes”, mediante prévia autorização do presidente do conselho distrital respectivo. Por exemplo, não se justifica a quebra de segredo profissional do advogado do queixoso no caso de crime de um emissão de cheque sem cobertura no valor de 2.000.000$00 (acórdão do TRC, de 20.1.1993, in CJ, XV1II, 1, 65), nem no caso de o advogado ter subscrito numa peça processual uma afirmação ofensiva que lhe tinha sido reportada pelo seu cliente (acórdão do TRG, de 11.10.2004, in CJ, XXIX, 4, 296), mas justifica-se a quebra no caso de serem atribuídos crimes ao cliente do advogado e ele ter referido que actuou de acordo com conselhos específicos do advogado (acórdão do TRE, de 7.1.1992, in CJ, XVII, 1, 288) ou no caso de ser absolutamente necessário para a defesa da dignidade e direitos do advogado ou do cliente (acórdão do TRC, de 23.1.1992, in CJ, XVIII, 1, 65, e acórdão do TRL, de 21.9.2005, in CJ, XXX, 4, 137) ou no caso de o arguido alegar que entregou os objectos furtados ao seu advogado com vista a fazer prova da sua relação laboral com a ofendida (acórdão do TRP, de 3.11.2004, in CJ, XXIX, 5, 207).

17. O regulamento 24/2006, de 25.5.2006, da Ordem dos Advogados, prevê que a decisão do presidente do conselho distrital avalia a essencialidade, a actualidade, a exclusividade e a imprescindibilidade do meio de prova sujeito a segredo, considerando e apreciando livremente os elementos de facto trazidos aos autos pelo requerente da dispensa. A decisão de deferimento da dispensa de segredo profissional é irrecorrível. Da decisão de indeferimento de dispensa de segredo profissional cabe recurso para o bastonário, mas apenas o requerente de dispensa de segredo profissional tem legitimidade para interpor o recurso.

18. Os actos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo, não se verificando essa violação sempre que a revelação seja ordenada peio tribunal superior (ver a anotação ao artigo 62.°).

19. Portanto, a quebra de segredo profissional de advogado implica a conciliação do CPP com o EOA nos seguintes termos: quando instado pelo Ministério Público ou pelo juiz a prestar depoimento, o advogado deve de imediato colocar a questão ao presidente do conselho distrital respectivo.

a. Se o presidente não autorizar a quebra, o advogado deve escusar-se a depor com base no segredo, competindo ao tribunal decidir da legitimidade e ao tribunal superior decidir da justificação da escusa
b. Se o presidente autorizar a quebra, o advogado tem três opções:
i. ou prestar depoimento
ii. ou manter o segredo profissional, competindo ao tribunal decidir da legitimidade e ao tribunal superior decidir da justificação da escusa
iii. ou recorrer para o bastonário
1. se este deferir o recurso, o advogado deve escusar-se, competindo ao tribunal decidir da legitimidade e ao tribunal superior decidir da justificação da escusa
2. se este indeferir o recurso, o advogado pode prestar depoimento ou manter ainda ao segredo profissional, competindo, neste caso, ao tribunal decidir da legitimidade e ao tribunal superior decidir da justificação da escusa.

Precisada a história legislativa bem assim a interacção entre EOA e CPP, in casu dir-se-á que o dever de sigilo profissional de Advogado traduz uma obrigação de facto negativo, um non facere disciplinado nos arts 87º do EOA e 135º do CPP.

Em conformidade, a Mma JIC do .º JCVCD, uma vez na posse do Parecer de 08.7.2009 do CD do PRT da AO que oportunamente diligenciou, concluiu expressamente pela “legitimidade da escusa de depor” posto que substancialmente fundada a posição assumida pelo Sr Dr B………. quando depôs em 18.3.2009 que:

“Foi advogado da sociedade ré na acção cível nº …/1998 que correu termos neste Tribunal da Maia. Actualmente, também é advogado dos réus, aqui arguidos, noutra acção de processo ordinário que corre termos neste tribunal com o nº …./07.0 TBMAI. É igualmente mandatário de C………. neste inquérito que corre termos nos serviços do MºPº de Vila do Conde. Por esse motivo, não presta declarações invocando para tal o sigilo profissional”.

Ora, tal dever merece tutela penal porque “quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias” (art 195º do CP vigente desde 15.9.2007, inserido no Capítulo VII “Dos crimes contra a reserva da vida privada” indicando que o sigilo profissional não é mais do que uma consagração do princípio constitucional do art 26º nº 1 da CRP do “direito à reserva da intimidade da vida privada”).

Porém, o dever de segredo profissional em causa não é dever absoluto porquanto não prevalece sempre sobre qualquer outro dever conflituante já que existem outros bens / interesses constitucionalmente protegidos vg a boa e célere administração da Justiça Criminal conforme arts 29º, 32º e 205º e segs da CRP,

Os quais, na ausência duma causa específica de exclusão da ilicitude, podem fazer com que o sigilo profissional não seja absoluto, conforme arts 31º nº 1 al c) e 36º nº 1 do CP 2007 podendo ceder perante esses outros interesses, assim havendo que determinar qual dos deveres (de guardar segredo ou de colaborar com a Justiça) é o predominante,

Tanto mais que o art 182º nºs 1 e 2 do CPP vigente desde 15.9.2007 prevê a violação do sigilo profissional como meio indispensável para a prossecução dos interesses da investigação criminal. Com efeito:

Sendo manifestamente inaplicáveis in casu as excepções ao dever de sigilo profissional pontualmente consagradas nos DL 313/93 de 15/9 e 325/95 de 2/12 quanto a branqueamento de capitais, DL 15/93 de 22/1 quanto a tráfico e consumo de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, Leis 36/94 de 29/9 e 5/2002 de 11/1 quanto a corrupção e criminalidade económica e financeira e DL 454/91 de 28/12 e 316/97 de 19/11 quanto a emissão de cheques sem provisão,

“Não é ilícito o facto praticado…no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade” (art 31º nº 1 al c) como “não é ilícito o facto de quem, em caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou de ordens legítimas da autoridade, satisfizer dever ou ordem de valor igual ou superior ao do dever ou ordem que sacrificar” (art 36º nº 1, todos do CP 2007) por que não será ilícita a violação do sigilo profissional se, ocorrendo conflito deveres, o Advogado satisfizer o dever de valor igual ou superior ao dever que sacrifica.

Em conformidade, admite-se a possibilidade de quebra do segredo profissional, entre eles o de advogado, sempre que o Tribunal entender que se mostra justificada em face das normas e princípios aplicáveis da Lei Penal, nomeadamente em face do princípio da prevalência do interesse preponderante in art 135º do CPP como salientado por Manuel da Costa Andrade in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, págs 795-796:

“Há-de ter-se presente o critério material adoptado pelo legislador e segundo o qual o tribunal competente só pode impor a quebra do segredo profissional quando “esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante». «Uma fórmula que se projecta em quatro implicações normativas fundamentais: a) Em primeiro lugar e por mais óbvia, avulta a intencionalidade normativa de vincular o julgador a padrões objectivos e controláveis, não cometendo a decisão à sua livre apreciação; b) Em segundo lugar, resulta líquido o propósito de afastar qualquer uma de duas soluções extremadas: tanto a tese de que o dever de segredo prevalece invariavelmente sobre o dever de colaborar com a justiça penal ...como a tese inversa, de que a prestação de testemunho perante o tribunal (penal) configura só por si e sem mais, justificação bastante da violação do segredo profissional…; c) Em terceiro lugar, o apelo ao princípio da ponderação de interesses significa o afastamento deliberado da justificação, neste contexto, a título de prossecução de interesses legítimos…; d) Em quarto lugar, com o regime do artigo 135° do CPP, o legislador português reconheceu à dimensão repressiva da justiça penal a idoneidade para ser levada à balança da ponderação com a violação do segredo: tudo dependerá da gravidade dos crimes a perseguir”.

Dito doutro modo: «não se deverá adoptar o entendimento, que se reputaria de maximalista, segundo o qual o dever de cooperação com a justiça prevalece sempre sobre o sigilo bancário...». Antes “a resolução do problema se deverá encontrar com base na aplicação dos critérios que, no caso concreto, sejam idóneos para determinar o peso relativo das representações valorativas dos deveres em conflito». «Ou seja, a prevalência do segredo ou do dever de cooperação com a justiça dependerá da conclusão a que, em concreto, se chegar quanto ao interesse dominante» (Declaração de voto do Conselheiro Garcia Marques no Parecer da PGR n° 28/86 in Pareceres do Conselho Consultivo da PGR, VI, Os segredos e a sua tutela, pg 450).

Ora, in casu, os objecto / sentido / alcance dos dados de facto pretendidos pelo Ministério Público com o depoimento do Sr Dr B……….:

“Se deu conhecimento à sua constituinte «D………., Ld» do teor da notificação do acórdão do S.T.J. que, no âmbito da acção de processo ordinário que sob o nº …/ 1998 correu no Tribunal Judicial da Maia, julgou parcialmente procedente a revista interposta por aquela sociedade na qualidade de ré;

“Na afirmativa, se informou a sua constituinte de que transitava em julgado a parte do acórdão proferido pelo tribunal de 1ª instância, na qual fora condenada, designadamente, o pagamento à autora E………. 1.215,07 euros, a título de prejuízos sofridos com despesas realizadas com o alarme e limpeza, e 1.496,30 euros, a título de danos não patrimoniais, e a reconstruir um muro de vedação;

“Na afirmativa, a quem da sua constituinte deu conhecimento e prestou tal informação, designadamente, a uma das gerentes que outorgaram a procuração, a G………. ou C………., ou ao marido(s) de alguma daquelas;

“Quem nos contactos com a constituinte se apresentava em representação da mesma, importando saber, se as gerentes da mesma o eram de facto ou era algum dos maridos;

“Tendo por referência que o referido acórdão foi notificado por carta registada enviada para a testemunha em 2/11/2004, em que data aproximada terá dado conhecimento e prestado a informação supra, designadamente, se foi durante os 30 dias seguintes, se foi antes do natal, se foi, ainda, em 2004”,

Afiguram-se como factos, por um lado, do conhecimento exclusivo do Sr Dr B……….., por outro, essenciais e imprescindíveis a oportuna decisão conscienciosa, de Arquivamento por “recolhido prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento” conforme art 277º nº 1, ou de Acusação por “recolhidos indícios suficientes” conforme art 283º nº 1, todos do CPP.

Com efeito, “tal informação mostra-se imprescindível para a investigação nos autos, pois ás arguidas é imputado, na qualidade de únicas sócias e gerentes daquela sociedade, terem perante cartório notarial falsamente feito constar na escritura pública de dissolução daquela sociedade que a mesma não tinha quaisquer dívidas, o que não correspondendo á verdade, todavia só lhes poderá subjectivamente ser imputável se aquelas tiverem sido informadas da decisão do tribunal de última instância, o que só poderemos saber mediante o depoimento da testemunha, pois a notificação da decisão daquele tribunal foi feita por seu intermédio” como alegado pelo Magistrado do Ministério Público.

À relevância das informações pretendidas do Sr Dr B………. mais importa a consideração dos crimes denunciados, a falsificação de Escritura Pública p.p. pelos arts 255º, 256º nºs 1 als a) d) 3 com prisão entre 6 meses e 5 anos ou multa entre 60 e 600 dias, a burla qualificada em 2º grau p.p. pelos arts 217º nº 1 e 218º nº 2 al a) com prisão entre 2 e 8 anos, todos do CP 2007, “sem prejuízo de outros, ou outra qualificação, que se venha a apurar no decorrer do Inquérito” como a Denunciante logo ressalvou, por que ora não é de excluir a frustração de créditos p.p. pelo art 227º A, 41º nº 1 e 47º nº 1 com prisão entre 1 mês e 3 anos ou multa entre 10 e 360 dias.

Mas como o Sr Dr B………. depôs que “É igualmente mandatário de C………. neste inquérito que corre termos nos serviços do MºPº de Vila do Conde” e os Magistrados intervenientes nos autos não relevaram tal declaração por “não se verifica(r) que a testemunha figure como defensor da referuda arguida nestes autos” como o Sr Procurador Adjunto notou como facto objectivo, não se pode olvidar a perspectiva do Parecer do CD do PRT da AO emitido para este caso:

“Na verdade, um obstáculo subsiste, que impossibilita irremediavelmente a possibilidade de o advogado em questão vir a depor sobre matéria abrangida pelo segredo profissional.

“Com efeito, é jurisprudência pacífica deste Conselho Distrital que o advogado não pode depor em circunstância nenhuma em processo no qual seja advogado constituído. É a máxima: «Advogado e testemunha, nunca!» que a Ordem tem perfilhado, ao que sabemos, de forma unânime, em todas as decisões.

“Segundo doutrina que inteiramente acolhemos, e que encontrou tradução na jurisprudência da Ordem dos Advogados, “é inaceitável autorizar a depor um Advogado para prestar depoimento em processo no qual esteja ou tenha estado constituído”, pois que “isso seria completa subversão do próprio sistema processual, em que o Advogado entre nós, se não pode nunca confundir com simultânea testemunha. E seria outrossim altamente desprestigiante para a Advocacia” - Augusto Lopes Cardoso, “Do Segredo Profissional na Advocacia”, ed. CELOA, 1997, pág. 82.

“É certo que o Tribunal não parece ainda ter em seu poder procuração que traduza esse mandato forense, nesta fase processual de inquérito. Mas tal não significa que o mandato não exista já. E o próprio advogado, ao ser inquirido, afirmou isso mesmo, dizendo que é igualmente mandatário da arguida neste inquérito, rectius, relativamente aos factos em averiguação neste inquérito.

“Ora, é sabido que o mandato forense se constitui pela declaração de vontade do constituinte, no sentido de que o advogado o represente ou patrocine num determinado assunto, sendo essa declaração de vontade (unilateral e receptícia) completada com uma declaração (expressa ou tácita) do advogado no sentido de aceitação desse patrocínio, que lhe é proposto pelo cliente. Assim se forma o contrato de mandato, que seguidamente se consubstancia numa procuração com poderes forenses, no caso de se tratar dum processo judicial.

“Portanto, pode existir a procuração e não constar ainda dos autos, por razões que só à parte e seu mandatário dizem respeito, como pode bem acontecer que o mandato já tenha sido ajustado mas ainda não tenha sido traduzido num instrumento de representação escrito.

“Num caso como noutro, o mandato já existe e as obrigações decorrentes do mesmo já têm de ser respeitadas pelo advogado, maxime as de índole deontológica e os deveres para com o seu cliente, entre os quais avulta o dever de guardar sigilo profissional.

“Por isso, a ocorrer mandato forense, bem andou o advogado em suscitá-lo e o sigilo — como vimos — não poderá ser dispensado neste caso”.

Uma vez que o CPP, não obstante tantas e tamanhas alterações, continua a estatuir apenas que “nenhum juiz pode exercer a sua função num processo penal … Quando, no processo, tiver sido ouvido ou dever sê-lo como testemunha” (art 39º nº 1 al d) e que “As disposições do capítulo VI do título I são correspondentemente aplicáveis, com as adaptações necessárias, nomeadamente as constantes dos números seguintes, aos magistrados do Ministério Público” (art 55º nº 1), “estão impedidos de depor como testemunhas: a) o arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade; b) As pessoas que se tiverem constituído assistentes, a partir do momento da constituição; c) As partes civis; d) Os peritos, em relação às perícias que tiverem realizado” (art 133º nº 1), “Podem recusar-se a depor como testemunhas: a) Os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os afins até ao 2º grau, os adoptantes, os adoptados e o cônjuge do arguido; b) Quem tiver sido cônjuge do arguido ou quem, sendo de outro ou do mesmo sexo, com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação” (art 134º nº 1);

Uma vez que o Código de Processo Civil, não obstante tantas e tamanhas alterações, continua a estatuir apenas que “Nenhum juiz pode exercer as suas funções, em jurisdição contenciosa ou voluntária: h) Quando haja deposto ou tenha de depor como testemunha (art 122º nº 1)” e que “Estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes” (art 617º),

Importa afirmar que o estatuto jurídico-processual-penal da Testemunha não se compagina com o estatuto jurídico processual-penal, civil e estatutário-deontológico do Defensor constituído.

Enquanto “qualquer pessoa que se não encontrar interdita por anomalia psíquica tem capacidade para ser testemunha e só pode recusar-se nos caso previstos na lei” (art 131º nº 1), “é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova” (art 128º nº 1) e, maxime, “incumbem à testemunha os deveres de: b) Prestar juramento, quando ouvida por autoridade judiciária; d) Responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas” (art 132º nº 1) e “Não pode acompanhar testemunha, nos termos do número anterior, o advogado que seja defensor de arguido no processo” (art 132º nº 2, todos do CPP),

“O defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido (discriminados nas 9 alíneas do nº 1 do art 61º nº 1), salvo os que ela reservar pessoalmente a este” (art 63º nº 1), “o arguido pode retirar eficácia ao acto realizado em seu nome pelo defensor, desde que o faça por declaração expressa anterior a decisão relativa àquele acto” (art 63º nº 2, todos do CPP), “Mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra” (art 1157º), “O mandato geral só compreende os actos de administração ordinária (art 1159º), “O mandatário é obrigado: a) A praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante; b) A prestar as informações que este lhe peça, relativas ao estado da gestão; c) A comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu; d) A prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir; e) A entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu normalmente no cumprimento do contrato (art 1161º); O mandatário pode deixar de executar o mandato ou afastar-se das instruções recebidas, quando seja razoável supor que o mandante aprovaria a sua conduta, se conhecesse certas circunstâncias que não foi possível comunicar-lhe em tempo útil (art 1162º), “O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação (art 1170º), “Se o mandatário for representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, é também aplicável ao mandato o disposto nos artigos 258º e seguintes (art 1178º nº 1), “O mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participam nos actos ou sejam destinatários destes (art 1180º, todos do CPC), “O advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros” (art 84º), “A relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca” (art 92º nº 1), “O advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas” (art 92º nº 2).

Conforme síntese efectuada no Acórdão de 07.02.2007 desta 1ª Secção Criminal do TRPRT, relatado por Maria Leonor Esteves tendo, como Adjuntos, Maria do Carmo Dias e Augusto Carvalho, como Presidente daquela, Baião Papão, publicado na CJ XXXIIII Tomo I / 2007, pág 207:

“Muito embora em nenhum dos preceitos legais que regulam a matéria da prova testemunhal se vislumbre a referência textual a qualquer impedimento que obste a que o advogado de uma das partes do processo preste depoimento durante a vigência da relação processual que o liga àquela, a inadmissibilidade de tal depoimento decorre não só do princípio da não promiscuidade dos intervenientes, princípio geral do processo, mas também de interesses de ordem pública. As razões justificativas que obstam à acumulação das qualidades processuais - seja de julgador com a de parte, seja desta com a de testemunha ou de perito -, que vários preceitos legais procuram prevenir, têm igual cabimento relativamente a actuações que possam produzir efeitos na esfera jurídica de qualquer dos interessados, como sucede com a do mandatário que, em termos jurídicos, se identifica com a do mandante. Por outro lado, a função da testemunha no processo, com o inerente dever de comunicar ao tribunal, de forma isenta, objectiva e verdadeira, todos os factos acerca dos quais seja inquirida (cfr. al. d) do n° 1 do art. 132°), não se coaduna com a do advogado que, não obstante participe na realização da Justiça, se encontra sempre condicionado pelo interesse da parte que representa e ao qual em muitos casos tem de dar prevalência. Nessa medida, os deveres processuais do advogado - que não raro implicam o dever de reservar factos de que tenha conhecimento quando esteja em causa o interesse do seu constituinte, não lhe permitem desempenhar as funções de testemunha de acordo com o figurino traçado na lei para quem ocupa esta posição processual.

“São estas as linhas gerais traçadas no Parecer n° E/950, aprovado em sessão do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de 22 de Setembro de 1995 (publicado em www.oa.pt) e de acordo com o qual, em processo penal, «Não pode depor como testemunha porque tal contraria um princípio fundamental do direito processual, o advogado que mantém em vigor a relação jurídico-profissional com alguma das partes do processo».

Finalmente, a não documentação, neste momento, da constituição do mandato, mediante uma procuração junta aos autos, não preclude a existência daquele porque “O mandato judicial pode ser conferido: a) Por instrumento público ou documento particular, nos termos do Código do Notariado e da legislação especial; b) Por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo” (art 36º do CPC aplicável ex vi art 4º do CPP).

Ora, a junção de procuração, ou a declaração, da Arguida C………., formalizando no Inquérito origem deste Traslado, a constituição do Sr Dr B………. como Advogado dela, pode ter lugar a qualquer momento porquanto do disposto no art 93º nºs 1 e 2 quanto a aceitação do patrocínio e dever de competência e no art 94º nºs 1 e 2 quanto a conflito de interesses emerge o princípio geral da liberdade de aceitação do patrocínio cuja existência in casu não se deve questionar atenta a anterior relação profissional / deontológica geradora de confiança entre aqueles Advogado e Cliente.
TERMOS EM QUE:
1. Julgam justificada a escusa do Sr Dr B………. por que subsiste seu dever de como Advogado da Arguida C………. manter segredo profissional com a inerente proibição de depor aos factos pretendidos.

2. Sem tributação.

3. Comunique-se ao Processo SP nº 167/2009 do CD do PRT da OA.

Porto, 07 de Outubro de 2009.
José Manuel da Silva Castela Rio
Joaquim Maria Melo de Sousa Lima