Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0551153
Nº Convencional: JTRP00038006
Relator: PINTO FERREIRA
Descritores: DIVÓRCIO
ARROLAMENTO
DEPÓSITO BANCÁRIO
DEPOSITÁRIO
Nº do Documento: RP200505020551153
Data do Acordão: 05/02/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: I - A providência cautelar de arrolamento, como preliminar da acção de divórcio, pese embora visar prevenir o perigo de extravio ou dissipação dos bens pertencentes ao património do casal, considera-se consumada, atento o seu fim essencial, com o lavrar do auto de arrolamento donde conste a descrição dos bens existentes, se declare o seu valor e se proceda à sua entrega a um depositário.
II - Os depósitos bancários, da titularidade do casal, para ficarem arrolados, não necessitam de serem colocados à ordem do tribunal, pois implicaria que os cônjuges ficassem impedidos de os utilizar, levantando ou movimentando as quantias depositadas.
III - Serão responsáveis, os titulares das contas arroladas, o cônjuge ou cônjuges titulares, constantes dessas contas, prestando contas da sua função de depositário(s).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório

B.........., residente na Rua .........., n.º ..., .........., veio requerer, como preliminar da acção de divórcio, o arrolamento de bens comuns do casal, contra seu marido C.........., aí também residente.
O tribunal decide decretar o arrolamento dos bens e depósitos, títulos, seguros, obrigações e fundos bancários indicados pela requerente, nomeou como depositária dos bens existentes na casa de morada de família a requerente e quanto ao arrolamento dos depósitos, títulos, seguros, obrigações e fundos bancários ordenou a notificação a cada uma das instituições bancárias identificadas no requerimento e banco de Portugal, com a advertência de que o arrolamento não implica a sua apreensão, mas sim a sua descrição e avaliação (art. 424º n.º 1 do CPC).
Mais tarde, vem requerer o efectivo arrolamento dos saldos bancários, acções, obrigações, valores imobiliários, fundos de investimento, seguros de capitalização e títulos de participação e não apenas a mera descrição dos mesmos bens, levando o tribunal a explicar que o arrolamento de tais bens não implica a sua apreensão, mas sim a sua descrição e avaliação, sustentando, posteriormente, que os depósitos bancários, para ficarem arrolados, não necessitam de serem colocados à ordem do tribunal, pois implicaria que os cônjuges ficassem impedidos de os utilizar, levantando ou movimentando as quantias depositadas.
Não se conformando, interpõe recurso a requerente.
Admitido este, apresentam-se apenas alegações e sustenta-se o despacho agravado.
Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso.
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II – Fundamentos do recurso

Limitam e demarcam o âmbito dos recursos, as conclusões apresentadas aquando das alegações – artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC -.
Justifica-se, assim, que sejam as mesmas transcritas, sendo que, no caso presente, foram:

I - Vem o presente recurso do despacho de fls. 112 dos autos, que indeferiu o requerimento da Recorrente, no sentido de que fosse ordenado e realizado o efectivo arrolamento dos depósitos, títulos, seguros, obrigações e saldos bancários, e não a mera descrição dos mesmos, conforme consta a fls. 54 a 59, 61 , 62 e 65.
II - O arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens, sendo de aplicar ao arrolamento as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrarie o estabelecido nesta subsecção ou a diversa natureza das providências.
III - O arrolamento desdobra-se em três operações sucessivas: em primeiro lugar, procede-se à descrição; em segundo lugar, o bem é objecto de avaliação (no caso de tal operação ser necessária) e, por último, é feito o depósito, pelo qual os bens se consideram entregues ao depositário, o qual será nomeado.
IV - A nomeação do depositário é elemento essencial da providência, cujo escopo é acautelar a conservação dos bens impedindo a sua dissipação ou extravio.
V - A execução do arrolamento de saldos bancários e demais títulos iniciar-se-á com a notificação da entidade bancária para descrever os mesmos, bem como com a sua constituição como depositária judicial dos saldos e títulos, arrolados, já que é a entidade bancária onde tais bens se encontram, a depositária natural dos mesmos.
VI - Na ausência do depósito dos bens, como ocorre no caso sub judice, o arrolamento decretado não se encontra efectivamente ordenado, sendo que a falta de nomeação de depositário constitui nulidade, a qual foi tempestivamente arguida, tendo sido indeferida por douto despacho de fls.-, do qual já se interpôs o competente recurso
VII - O arrolamento efectivo dos bens em causa não foi efectuado, tendo-se omitido quiçá o mais importante dos seus pressupostos, ou seja, o depósito dos bens.
VIII - Na falta deste elemento, fica prejudicada in totum a eficácia e a razão de ser da providência em questão, já que o justo receio pela dissipação dos bens se mantém integralmente, podendo o cônjuge requerido, na ausência de nomeação de depositário (da instituição bancária ou até dele próprio), dissipar, se assim o entender, a seu bel-prazer os bens em causa, torneando desse modo os imperativos legais.
IX - O arrolamento dos saldos bancários e títulos pertença do casal, visou precisamente evitar o seu extravio, ocultação ou dissipação, por forma a assegurar que os mesmos existirão, nomeadamente, aquando da partilha dos bens comuns do casal.
X - Sem a respectiva nomeação de depositário, inexistirá ainda obrigação de sujeição aos deveres impostos pelo art. 1187° do C.C., 843° n.º 1, 845° e 391°, todos do CPC e art. 355° do CP, disposições que, naturalmente, são aplicáveis ao arrolamento.
XI - A Recorrente requereu apenas e tão só o arrolamento dos bens comuns do casal, que, conforme aludido consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens e não na apreensão dos mesmos.
XII - Sendo assim, como é, deveria o douto Tribunal "a quo" ter ordenado se procedesse ao efectivo arrolamento dos saldos bancários, acções, obrigações, valores imobiliários, fundos de investimentos, seguros de capitalização, obrigações e títulos de participação, com o necessário depósito dos bens, nomeando-se depositário desses bens as próprias instituições bancárias onde os mesmos se encontram- conforme art. 861°-A, aplicável ex vi, art. 424° n.º 5 do CPC e não apenas a mera descrição dos mesmos.
XIII - Ao não decidir deste modo, violou o Meritíssimo Juiz "a quo" o disposto nos arts. 421°, 423°, 424°, 426°, 427°, 861° A, 843° n.º1, 845° e 391° do Código de Processo Civil, art. 1187° do Cód. Civil e art. 355° do C. P.

Nestes termos, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que contemple as conclusões acima aduzidas.

Não houve contra alegações
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III – Os Factos e o Direito

Do que efectivamente se recorre é do despacho proferido a fls. 112 em que se entendeu que o arrolamento não implica a apreensão dos depósitos, títulos, seguros, obrigações e saldos bancários, mas sim a sua descrição e avaliação.
O que pretende a recorrente é que se proceda ao efectivo arrolamento do saldo das contas bancárias, acções, obrigações, valores imobiliários, fundos de investimento, seguros de capitalização, obrigações e títulos de participação, com o necessário depósito dos bens, nomeando-se depositário desses bens as próprias instituições bancárias onde os mesmos se encontram, conforme o art. 861º-A e 424º n.º 5 do CPC, impossibilitando deste modo o uso dos bens arrolados e não a mera descrição e avaliação dos mesmos.
Conforme determina o art. 424º n.º 1 do CPC, o arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens.
A presente providência cautelar de arrolamento foi intentada ao abrigo dos artigos 421º do CPC e na previsão do art. 427º do CPC, ou seja, como preliminar ou incidente de acção de divórcio.
Como se sabe, ao arrolamento são aplicáveis as disposições relativas à penhora em tudo o que não contrarie o estabelecido nesta subsecção ou a diversa natureza das providências – n.º 5 do art. 424º do CPC -.
Ressalta da natureza provisória da decisão do procedimento cautelar – n.º 1 e 4 do art. 383º do CPC – que estas se destinam, de forma primordial e rápida, a obter uma decisão que vise acautelar e a prevenir o perigo de ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou mesmo de documentos – art. 421º n.º 1 do CPC –
Mas este pode ter e tem também a função de servir como de descrição no inventário a que haja de proceder – art. 426º n.º 3 do CPC -.
Assim, com o arrolamento, não se pretende acautelar a eventual falta de capacidade económica dos cônjuges, mas sim e antes acautelar a preservação dos bens do casal ao tempo do divórcio.
Com a providência cautelar de arrolamento, no concreto enfoque de preliminar da acção de divórcio, pese embora visar prevenir o perigo de extravio ou dissipação dos bens pertencentes ao património do casal, considera-se satisfeito, atento o seu fim essencial, com o lavrar do auto de arrolamento donde conste a descrição dos bens existentes, se declare o seu valor e se proceda à sua entrega a um depositário.
Deste modo, o arrolamento constitui uma operação descritiva e arrolativa de bens pertencentes aos cônjuges, existentes em determinado momento, concretamente na ocasião do auto de arrolamento – art. 424º n.º 2 do CPC -, donde resulta que não tem como escopo, nem principal nem secundário, uma apreensão efectiva destes bens, com a consequente retirada do domínio efectivo dos respectivos titulares.
Esta característica o distingue do arresto, independentemente da protecção dum credor, que impõe uma apreensão judicial dos bens – n.º 2 do art. 406º do CPC -.
Sucede ainda que na penhora de depósitos bancários vigora o estabelecido no artigo 861-A do CPC, que, por sua vez, remete para as normas da penhora de créditos do art. 856º do CPC.
Ora, apreciando o despacho em recurso, que ocorreu para explicar um despacho anterior, verificamos que neste o tribunal decretou o arrolamento dos depósitos, títulos, seguros, obrigações e fundos bancários nos termos do art. 861º-A e 856º do CPC, por notificação a estas instituições bancárias e ao Banco de Portugal, para procederem à descrição e avaliação desses bens, mas com a advertência de que o arrolamento não implicava a sua apreensão, mas sim a sua descrição e avaliação e naquele, ora em recurso, mantém o decidido, argumentando ainda e em reforço da sua posição de que os cônjuges podem continuar a dispor dos bens arrolados.
Como depositário dos bens arrolados, indica o n.º 1 do art. 426º do CPC que será, quando haja de proceder a inventário, a pessoa a quem deve caber a função de cabeça-de-casal e, segundo o n.º2 do mesmo artigo, nos outros casos, o depositário será o próprio possuidor ou detentor dos bens.
No caso de depósitos bancários, os possuidores ou detentor dos bens, serão o titular/titulares da conta ou contas a arrolar.
E atento a particularidade do arrolamento em causa, instaurado como preliminar da acção de divórcio, não será de aplicar, quando haja arrolamento de contas bancárias, o art. 861º-A do CPC, designadamente, as suas alíneas 5ª, 8º e 9º.
Deste modo, podemos retirar do normativo citado (n.º 2 do art. 424º), que o possuidor ou detentor dos bens será o próprio titular da conta, ficando este ou estes como depositário. Ele ou eles serão os responsáveis e sobre ele ou eles recaem os deveres impostos pelos artigos 1187º do CC, 843º n.º 1 e 845º do CPC.
Daí que a sugestão da recorrente de ficar como depositário dos saldos e títulos arrolados o banco onde permanecem tais contas bancárias, pese embora o estabelecido nos artigos 861º-A e 856º do CPC, não tem aqui aplicação.
Vejamos agora da possibilidade de movimentação das contas arroladas.
O entendimento da possibilidade de movimentação da conta pelos seus titulares, mesmo havendo arrolamento, não é novo e vem já decidido em Ac. R. Porto de 28-10-93, www.dgsi.pt, do qual se retira que as contas bancárias, pela sua especial natureza, não são susceptíveis de arrolamento, mas apenas os depósitos, os bens, pelo que o requerido pode movimentar o dinheiro depositado depois de decretado o divórcio.
E este aspecto da possibilidade de uso de bens arrolados tem sido sufragado em inúmeros acórdãos, referidos em Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil. Vol. IV, pág. 270.
E compreende-se que assim seja, atendendo-se a que tal providência de arrolamento de bens como preliminar de acção de divórcio tem como finalidade última a descrição e determinação da existência dos bens arrolados e não evitar o gozo e utilização desses mesmos bens.
E como se afirma em AC. R.P de 31 de Maio de 2004, CJ, Tomo IV, pág.186, com este arrolamento não pretendeu o legislador impedir a normal utilização dos bens arrolados pelos cônjuges, isto é, não se pretendeu que os bens ficassem numa situação de indisponibilidade absoluta de tais bens, privando muitas vezes o casal ou só um dos cônjuges de satisfazer até algumas necessidades primárias.
Daí que se possa afirmar que os depósitos bancários, para ficarem arrolados, não necessitam de serem colocados à ordem do tribunal, pois implicaria que os cônjuges ficassem impedidos de os utilizar, levantando ou movimentando as quantias depositadas.
E o facto de ficarem depositados nas instituições bancárias e não tendo estas como depositárias, depósito este entendido não no sentido do n.º 2 do art. 426º do CPC, também não obsta ao seu uso, ou seja, podem os cônjuges continuar a dispor dos bens arrolados, ainda que depositados em contas bancárias.
Mister é que constem auto de arrolamento, tanto as contas ou saldos bancários, títulos, seguros, obrigações, descrevendo-os e avaliando-os e se determine e fixe o montante existente nas contas bancárias à data do arrolamento, assim se cumprindo o n.º 3 do artigo 427º do CPC, ao conceder ao auto de arrolamento a função de descrição no inventário.
E nem se diga, como invoca a recorrente, que será a entidade bancária a depositária natural dos bens que ficam à sua guarda, nos termos do n.º 2 do art. 426º do CPC e que com a falta de depósito dos bens, que como já se afirmou não existe, fica prejudicada a eficácia e a razão de ser da providência em questão, ocorrendo o justo receio pela dissipação dos bens e as obrigações impostas pelo art. 1187º do CC – guarda e restituição da coisa depositada -, nem dos artigos 843º n.º 1, 845º e 391º do CPC.
No momento adequado e a todo o momento mesmo, em função das características e funções próprias do arrolamento como preliminar da acção de divórcio acima enunciadas, serão responsáveis os titulares das contas arroladas, neste caso o cônjuge ou cônjuges titulares constantes dessas contas, prestando contas da sua função de depositário, na medida em que as contas bancárias tanto podem estar na titularidade de um só dos cônjuges ou dos dois em conjunto, devendo responder ambos ou cada um nos termos dos artigos 1187º do CC e 843º n.º 1 do CPC.
Associados às contas bancárias andam os títulos, fundos de investimento, acções, obrigações.

Portanto, o que se questionava e procurou dar resposta foi a quem compete, no caso de arrolamento de contas bancárias, a função de depositário; se ao banco onde permanecem as contas, nos termos dos artigos 861º-A e 856º do CPC, não podendo os seus titulares movimentar a conta, ocorrendo uma autêntica apreensão, pois doutro modo estaria o banco a violar tanto o artigo 1187º do CC como os artigos 843º e 845º, mais ainda quando é mesmo a responsável pelos saldos bancários existentes à data da notificação (n.º 9 do 861-A), todos do CPC, ou aos possuidores e detentores dos bens, neste caso, aos titulares da conta bancária arrolada, ficando estes como depositários e sujeitos à disciplina dos artigos 1187º do CC – guardar e restituir a coisa e seus frutos e 843º e 845º do CPC – administrar os bens com a diligência e zelo de um bom pai de família e com a obrigação de prestar contas -, donde que, possa administrar a conta respectiva, prestando, em tempo devido, as respectivas contas.
Optamos, atento todos os factores e circunstancialismos acima expostos, por esta segunda via.

Acontece, porém, o tribunal a quo, de facto, não nomeou depositário aos bens que arrolou e que se encontram em certas e determinadas instituições bancárias.
Assim, justifica, pois, que se altere o despacho em recurso por forma a que do mesmo conste como depositário dos bens arrolados e que estão nas instituições bancárias o titular/titulares da conta ou contas.
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IV – Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em se dar provimento ao recurso, por forma a que a decisão recorrida seja completada com a designação do fiel depositário(s), em tudo o mais se mantendo.
Custas pela agravante.
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Porto, 2 de Maio de 2005
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome