Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1269/13.3T3AVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VÍTOR MORGADO
Descritores: REGULAMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS
ORDEM DOS SOLICITADORES E AGENTES DE EXECUÇÃO
ISENÇÃO DE TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RP201512161269/13.3t3avr-A.P1
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução não está isenta do pagamento da taxa de justiça pela constituição de assistente no processo penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso 1296/13.3T3AVR-A.P1
Origem: Porto- instância central- 1ª secção de instrução criminal- J2

I- RELATÓRIO
Os autos principais tiveram início na participação efetuada pelo Banco B…, S.A., contra C… (na altura dos factos agente de execução), pela alegada prática, por este, de factos que consubstanciariam crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375º do Código Penal.
O participante veio a constituir-se assistente.
Por requerimento de 9 de Abril de 2015, veio a Câmara dos Solicitadores requerer a sua constituição como assistente, entendendo ter legitimidade e que se encontrava isenta do pagamento da taxa de justiça.
O Ministério Público, em promoção por si subscrita na qualidade de titular do inquérito, exarou nada ter a opor à intervenção da referida Câmara nos autos como assistente, nem à requerida isenção.
A Ex.ma J.I.C., com os fundamentos sumários contidos no despacho de folha 339, admitiu a Câmara dos Solicitadores a intervir nos autos como assistente, subentendendo como um dos pressupostos a isenção do pagamento da taxa de justiça.
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Notificado deste despacho, o Ministério Público, alegando discordar do nele decidido, veio interpor o presente recurso, cujos fundamentos condensou nas seguintes conclusões:
«1)- Dispõe o art. 50º, nº1, do CPP, a propósito da legitimidade em procedimento dependente de acusação particular, que "Quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular".
2)- Por isso, nos crimes de natureza procedimental pública ou semipública, não é condição do procedimento a constituição do ofendido ou de outras pessoas como assistente.
3)- Em processo penal, a constituição como assistente, obrigatória ou facultativa, consoante a natureza procedimental do crime depende, entre outras condições ou requisitos, do pagamento de taxa de justiça que, nos termos do art. 8º nº 1, do RCP, "é auto liquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração o desfecho do processo e a concreta actividade processual do assistente".
4)- Sendo que o não pagamento da taxa de justiça devida pela constituição como assistente determina que o requerimento para essa finalidade processual seja considerado sem efeito – n.º 5 do art. 8º do RCP.
5)- O crime p. p. pelo art. 375º do Código Penal não tem natureza procedimental particular, pelo que a constituição da Câmara dos Solicitadores, como assistente, não é obrigatória, dado que, como resulta da Conclusão 1, a ser deduzida acusação, tal compete ao Ministério Público – artigos 48º e 49º, nº1, ambos do CPP – no caso, por se tratar de crime público.
6)- Como entende José Barreiros, do ponto de vista cronológico, as pessoas que normalmente integram o estatuto processual de assistente pertencem à categoria das vítimas, sendo ofendidos, grosso modo, no domínio processual penal. O estatuto de assistente é essencialmente o de mero colaborador, de auxiliar subordinado do Ministério Público enquanto titular do direito de procedimento penal.
7)- O art. 4º, nº1, g), do RCP concede a isenção de pagamento de custas processuais, que abarcam a taxa de justiça, às entidades públicas, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas atribuições para defesa dos direitos fundamentais do cidadão ou de interesses difusos que lhes estão especialmente conferidos pelos estatutos.
8)- É duvidoso que a Câmara dos Solicitadores, ao requerer a sua constituição como assistente em crime de natureza procedimental pública, esteja a atuar exclusivamente no campo das suas atribuições de defesa de algum direito fundamental do cidadão, mormente algum dos direitos os consagrados nos arts. 12º a 79º, da CRP.
9)- Aplicando, ‘mutatis mutandis’, a jurisprudência dos Acs. da RP de 26.09.2012 (proc. nºs 1764/10.9TAVNG), de 03.10.2012 (proc. nº 686/10.6TAVNG), de 20.06.2012 (proc. nº 1038/10.5TASTS) e de 28.09.2011 (proc. nº 1008/09.6TAPRD), e da RE de 28.12.2012 (proc. nº 3892/11.9TBPTM), que decidiram que a entidade pública Instituto da Segurança Social e as Instituições de Solidariedade Social, respectivamente, não estão isentas do pagamento de custas judiciais (nas quais se inclui a taxa de justiça – artigo 3º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais).
10)- Não parece que o recorrente, que visa obter a concessão do estatuto de sujeito processual – assistente – interessado em ver exercida a profissão de solicitador por quem reúne habilitações, esteja a actuar, no processo penal, na exclusiva defesa dos direitos fundamentais do cidadão, já que aqui surge, isso sim, na defesa de interesses dos seus membros (art. 1º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores).
Por isso, a pretensão do requerente não difere em nada da do particular ofendido com a comissão de crime de furto, de burla, ou outro em relação ao qual a lei lhe confere legitimidade para se constituir assistente, mas não prevê a isenção de pagamento da respectiva taxa de justiça, ou a vem a recusar, pela via do indeferimento da concessão do apoio judiciário (artº 16º, nº 1, al. a), da Lei nº 34/2004, de 29/07).
11)- Por conseguinte, afigura-se-nos que o despacho andou mal, ao conceder a imunidade do recorrente no pagamento de taxa de justiça devida pela constituição como assistente; impor o seu pagamento é a interpretação que melhor se harmoniza com a norma da al. g) do nº 1 do art. 4º do RCP.
12)- Epítome conclusivo:
«No crime p. p. pelo art. 375º, do CP, de natureza procedimental pública, a pretensão do Camara dos Solicitadores em intervir no processo na qualidade de assistente, não difere da do particular ofendido por crime relativamente ao qual a lei lhe confere essa faculdade, isto é, não se propõe defender um direito fundamental do cidadão, pelo que não é entidade elencada na alínea g) do nº 1 do art. 4º do Regulamento das Custas Processuais, não gozando da imunidade de pagamento de taxa de justiça».
13)- Nesta senda, propendemos pela total alteração do despacho em crise, que violou as normas dos arts. 4º, nº 1, al. g) do Regulamento das Custas e arts. 1º, nº1, 4º a 6º, todos do Decreto-Lei 88/2003 – Estatuto da Câmara dos Solicitadores – devendo ser concedido provimento ao recurso, e, consequentemente, determinar-se que a Câmara de Solicitadores tem de liquidar pagar a competente taxa de justiça pela constituição de assistente.»
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A Câmara dos Solicitadores respondeu a este recurso, sintetizando as suas contra-alegações do seguinte modo:
«A. A fundamentação do recurso a que se responde, e ao qual deverá liminar e claramente ser recusado provimento, assenta em dois erros:
a. Erro quanto às normas de processo penal existentes;
b. Erro das normas de direito penal substantivo existentes.
B. Erro quanto às normas de processo penal existentes, porquanto as alegações de recurso não respeitam o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º do CPP.
C. Com efeito, estando em causa nos presentes autos a investigação de crime de peculato, deve entender-se que a Câmara dos Solicitadores, ao pretender constituir-se como assistente, está não só a defender os seus interesses estatutariamente previstos, uma vez que, através da atuação da agente de execução arguida nos presentes atos, está em causa a necessidade de tutela direta e imediata dos interesses da classe, designadamente os referidos nas alíneas e), f) e g) do artigo 4.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores,...
D. Mas também está a defender os interesses dos cidadãos, na medida em que compete à Câmara dos Solicitadores representar os consumidores de serviços jurídicos que recorrerem aos profissionais nela inscritos, de forma a garantir a boa qualidade da administração e a probidade e lealdade dos agentes de execução.
E. Assim, deve entender-se que não existe fundamento para que, face ao disposto nas alíneas e), f) e g) do artigo 4.º do ECS, a constituição como assistente da Câmara dos Solicitadores não seja aceite face ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º do CPP.
F. Devendo estar em investigação a prática de um crime de peculato, então deve a Câmara dos Solicitadores ser autorizada a constituir-se como assistente,...
G. Em primeiro lugar porque é ofendida, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1do artigo 68.º do CPP.
H. Sem prescindir, e mesmo que se considere que a Câmara dos Solicitadores não é ofendida, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º do CPP, a Câmara dos Solicitadores deve ser considerada representante de interesses que publicamente pode e deve tutelar, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 68.º do CPP.
IV. PEDIDO
Nestes termos, e nos mais de Direito que V.Exas., Venerando Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto mui doutamente suprirão, se requer seja julgado improcedente o Recurso interposto pelo Ministério Público contra a decisão do Mmo. JIC que admitiu a constituição corno Assistente da Câmara dos Solicitadores, com os fundamentos atrás aduzidos.»
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Tendo subido o recurso em separado, já nesta 2ª instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
Cumpre decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal ad quem tem que apreciar [1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Face às conclusões apresentadas, a principal questão a decidir consiste em saber se a Câmara dos Solicitadores está isenta de custas e, consequentemente, do pagamento de taxa de justiça devida pela constituição de assistente, no presente contexto.
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Previamente à análise da questão posta, há interesse em conhecer o teor literal do despacho recorrido, precedido da promoção do Ministério Público que o antecedeu.
Assim, o Ministério Público, perante o requerimento da Câmara dos Solicitadores, exarou a seguinte promoção:
Considerando o teor do requerimento inserto a fls. 507, remetam-se os autos à 1ª Secção de Instrução Criminal para apreciação da requerida constituição como assistente, à qual nada temos a opor, atendendo a que, face ao crime de peculato em investigação nos autos e sendo a Câmara dos Solicitadores uma associação pública representativa da classe e que goza de personalidade jurídica, afigura-se-nos que a mesma tem legitimidade, está devidamente representada, em tempo e encontra-se isenta do pagamento de taxa de justiça - cfr. arts. 68.°, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal e 4.° e 6.° do ECS.”
Por sua vez, o despacho judicial correspondente, de feição marcadamente tabelar, apresenta o seguinte conteúdo:
Estando o procedimento dependente de queixa ou acusação particular, sendo que além das pessoas a quem leis especiais confiram tal direito, podem constituir-se assistentes os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei quis especialmente proteger com a incriminação.
Por se verificarem os requisitos a que alude o artigo 68° do CPP, nomeadamente, competentes pagamentos, representação, legitimidade e prazo, admito a requerida constituição de assistente/s.”
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A impugnada isenção de custas e taxa de justiça
Como se pode verificar, a fundamentação do despacho recorrido é escassa e até equivocada, tal resultando, provavelmente de se ter usado uma fórmula tabelar, adaptada à maioria das circunstâncias, que não à presente. Com efeito, aí se dá como implicitamente paga a taxa de justiça a que se referem os artigos 519º, nº 1, do Código de Processo Penal e 8º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais, quando se mostra evidente e consensual que tal pagamento não foi feito.
Em todo o caso, nenhum dos sujeitos processuais põe em causa a suficiência da fundamentação ou o desacerto da mesma, pelo que também nós não perderemos tempo com esse momento formal.
Feito este reparo, importa salientar que o Ministério Público, aqui nas suas vestes de recorrente, afirma não pôr em causa a legitimidade processual da recorrida para intervir nos autos como assistente, o que bem se compreende, quanto mais não seja porque, estando em investigação um eventual crime de peculato, qualquer pessoa teria (e tem) legitimidade para intervir nessa qualidade, face ao disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 68º do Código de Processo Penal.
Supomos, porém, que ninguém defenderá que qualquer indistinto cidadão possa assumir essa qualidade sem que tenha previamente pago a taxa de justiça, conforme as leis processual e tributária exigem.
Tudo está, pois, em saber se a recorrida goza de isenção de custas para o efeito ora pretendido.
O Estatuto da Câmara dos Solicitadores ainda aqui considerado – o aprovado pelo Decreto-Lei nº 88/2003, de 26 de Abril (recentemente revogado e substituído pela Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro) – não prevê, no seu texto, qualquer isenção de custas ou de taxa de justiça, não obstante o respetivo artigo 6º prever que “para a defesa dos seus membros, no âmbito do exercício da profissão ou do desempenho de cargos nos seus órgãos, pode a Câmara constituir-se assistente ou assegurar o seu patrocínio”.
Deste modo, a isenção que o despacho recorrido terá reconhecido só poderá encontrar direto respaldo na lei tributária.
Curiosamente, a recorrida não cita, em qualquer das conclusões da sua resposta – de resto, em consonância com a promoção do Ministério Público que antecedeu o despacho recorrido – qualquer preceito do Regulamento das Custas Processuais, colocando a tónica das suas alegações na invocação de algumas disposições do seu Estatuto e do artigo 68º do Código de Processo Penal, dando inteira prevalência, a nosso ver, à questão da sua legitimidade processual (que, como já vimos, o recorrente não põe em causa) em detrimento da questão da isenção de custas.
Invoca o artigo 1º e as alíneas e), f) e g) do artigo 4.º do ECS.
Na verdade, a invocação do artigo 1º do referido Estatuto revela-se efetivamente relevante, na medida em que qualifica a Câmara dos Solicitadores como uma associação pública representativa dos solicitadores, que goza, como tal, de personalidade jurídica própria.
Por sua vez, o artigo 4º do mesmo normativo define as atribuições da Câmara, sendo destacadas pela recorrida as respetivas alíneas e) (defender os direitos e interesses dos seus membros), f) (promover o aperfeiçoamento profissional dos solicitadores) e g) (exercer o poder disciplinar sobre os seus membros).
Afigura-se-nos a intervenção da Câmara como assistente não visará o exercício do poder disciplinar sobre os seus membros (para isso, existem os seus competentes órgãos internos) e muito menos a promoção do aperfeiçoamento profissional dos mesmos.
Por sua vez, que só de forma indireta a Câmara poderá defender os direitos e interesses dos seus membros através da sua constituição como assistente, pois tal atitude permitirá uma demarcação da instituição relativamente ao seu membro ou ex-membro que terá violado gravemente os seus deveres profissionais, permitindo tornar visível à comunidade que a Câmara não se fecha corporativamente sobre si quando se trata de “separar o trigo do joio”.
Mas mesmo dando de barato que a Câmara colha a sua legitimidade como assistente enquanto verdadeira ofendida – isto é, enquanto titular dos interesses que a lei criminal especialmente quis proteger, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 68º do Código de Processo Penal – tal não é suficiente, só por si, para afirmar que goza de isenção de custas no presente contexto.
A resposta só pode ser encontrada na interpretação que se faça do disposto no artigo 4º, nº 1, alínea g) do Regulamento das Custas Processuais, que dispõe que estão isentas de custas “as entidades públicas, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelos respetivos estatutos, e a quem a lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias”.
Vejamos.
Conforme já acima se assinalou, decorre do artigo 1º do seu Estatuto ainda aplicável que a recorrida não pode deixar de ser considerada como “entidade pública” para os efeitos previstos no citado preceito do R.C.P..
Já dúbio será, porém, que, ao formular o seu pedido de constituição como assistente em processo penal, a recorrida esteja a atuar exclusivamente no âmbito da defesa de um direito fundamental.
A propósito deste normativo e do que, no âmbito do mesmo, se deva entender por direitos fundamentais, Salvador da Costa faz uma enumeração que, não deixando de ser assumidamente exemplificativa, extrata apenas os “clássicos” direitos, liberdades e garantias, compreendidos nos artigos 24º a 47º da Constituição da República Portuguesa, não referindo (pelo menos, expressamente) os direitos e deveres económicos, sociais e culturais [2].
Ora, não nos parece defensável o entendimento de que a recorrida esteja a exercer, no caso vertente, um qualquer direito fundamental, na aceção constitucional aludida.
Quanto à tutela de direitos difusos, voltamos a Salvador da Costa que, na obra e local referenciados em nota, explica que “são interesses difusos os que se não reportam a pessoas individualmente consideradas nem a grupos definidos, na medida em que são encabeçados por entidades representativas de interesses supra-individuais. Trata-se de interesses concernentes às pessoas, mas não individualmente determinadas, e, por isso, por elas não apropriados ou subjetivados, como é o caso dos interesses relativos à proteção da saúde, do ambiente, do património cultural e dos consumidores em geral [3]. Ou, noutra perspetiva, em termos objetivos, são os relativos a grupos de extensão indeterminada, que se estruturam em termos de supra-individualidade, pertencentes a todos, mas onde há também o interesse de cada um (…)”.
Como é bem patente, a Câmara não representa ‘grupos indefinidos’, nem de ‘extensão indeterminada’, nem se demonstra que defenda ‘interesses pertencentes a todos’, pelo que também se não pode afirmar que esteja a agir para defesa de interesses difusos.
Acresce que, se examinarmos a evolução das leis atinentes ao regime das custas processuais e, especificamente, a questão das isenções de custas, facilmente verificamos que o Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de dezembro, operou profundas alterações ao regime aprovado pelo Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de novembro (que aprovou o último Código das Custas Judiciais), limitando o campo de aplicação das isenções subjetivas previstas no respetivo artigo 2º, do qual deixaram de fazer parte as instituições de segurança social, bem como o próprio Estado.
Tal perda de isenção era inequivocamente afirmada, na exposição de motivos desse diploma, onde se dizia: «Procede-se, igualmente, a uma profunda alteração do regime de isenção de custas, consagrando-se o princípio geral de que, salvo ponderosas exceções, todos os sujeitos processuais estão sujeitos ao pagamento de custas, independentemente da sua natureza ou qualificação jurídicas e desde que possuam capacidade económica e financeira para tal, sendo as exceções a esta regra equacionadas, sem qualquer prejuízo para os interessados, em sede de apoio judiciário. Neste particular, estende-se aos processos de natureza cível o princípio geral de sujeição do Estado e das demais entidades públicas ao pagamento de custas judiciais. (…) Tal medida reveste carácter essencial para a concretização plena do direito fundamental de acesso à justiça e aos tribunais, garantindo uma efetiva igualdade processual entre a Administração e os cidadãos.» [4].
Com a aprovação do Regulamento das Custas Processuais, aplicável à situação ora em apreciação, foi intenção do legislador diminuir ainda mais o campo das isenções de custas subjetivas, pois, como se afirma na exposição de motivos respetiva, «procurou ainda proceder-se a uma drástica redução de isenções, identificando-se os vários casos de normas dispersas que atribuem o benefício da isenção de custas para, mediante uma rigorosa avaliação da necessidade de manutenção do mesmo, passar a regular-se de modo unificado todos os casos de isenção
De resto, nesta mesma linha, como bem assinala o recorrente, a maioria da jurisprudência – que nos dispensamos de enumerar (por abundantíssima e notória) e a que também aderimos em anteriores acórdãos – tem vindo a negar à própria Segurança Social o estatuto de isenção tributária que a mesma sucessivamente reclamou, designadamente quanto às custas respeitantes aos pedidos cíveis deduzidos em processo penal.
Assim, propendemos decididamente para dar razão ao recorrente, pois não encontramos fundamento bastante para isentar a recorrida do pagamento de taxa de justiça pela constituição de assistente, como fez o Tribunal recorrido.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e em revogar, consequentemente, o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro em que se determine notificação da Câmara de Solicitadores (agora, mais corretamente, Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução) para liquidar, em prazo a conceder, proceda ao pagamento da taxa de justiça pela constituição de assistente, sob pena de não ser admitida a intervir nos autos em tal qualidade.
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Sem custas, na presente instância.
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Porto, 16 de dezembro de 2015
Vítor Morgado
Raul Esteves
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[1] Ver, nomeadamente, o Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, 3ª edição, página 347 e jurisprudência uniforme do S.T.J. (por exemplo, os acórdãos do S.T.J. de 28/04/1999, CJ/STJ, ano de 1999, página 196 e de 4/3/1999, CJ/S.T.J., tomo I, página 239).
[2] Em Regulamento das Custas Processuais, Anotado e Comentado, Almedina, 2009, páginas 147-148.
[3] Aqui citando Luís Linglau Silveira, “A acção Popular”, Separata do B.M.J. nº 373º-499.
[4] No sentido de que, com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27/12, ao Código das Custas Judiciais, o ISS,IP, deixou de estar isento de custas, mesmo relativamente a incidentes suscitados no domínio da lei nova mas respeitantes a processos instaurados anteriormente, vejam-se, por exemplo, os acórdãos da Relação de Lisboa de 27/6/2006, proferido no recurso 4062/2006-1 (relatado por Rosário Gonçalves) e de 3/3/2009, proferido no recurso 10951/2008-1 (relatado por Eurico Reis), bem como o acórdão da Relação de Coimbra de 23/2/2011, recurso nº 145/08.9TBFZZ-A.C1 (relatado por Eusébio de Almeida), todos publicitados em www.dgsi.pt.