Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
815/06.6TYVNG-C.P1
Nº Convencional: JTRP00042295
Relator: ABÍLIO COSTA
Descritores: INSOLVÊNCIA
SUPRIMENTOS
Nº do Documento: RP20090316815/06.6TYVNG-C.P1
Data do Acordão: 03/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO - LIVRO 471 - FLS 166.
Área Temática: .
Sumário: A norma do art. 243º do Código das Sociedades Comerciais, que disciplina o reembolso de suprimentos, não conflitua com a do nº 2 do art. 121º do CIRE, que manda resolver tal reembolso, no âmbito do processo de insolvência, nos casos em que o mesmo tenha ocorrido dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B……… intentou, em 2-10-07, no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, por apenso ao processo de insolvência nº815/06.6TYVNG, acção declarativa, na forma ordinária, de impugnação de resolução, contra a MASSA INSOLVENTE de C………., LDA.
Pede que seja declarado que não se verificam os requisitos de que depende a resolução em benefício da massa insolvente de C………., Lda, consubstanciada na carta enviada pelo Ex.mo Administrador da Insolvência no sentido da declaração de resolução, ao abrigo do disposto nos art.s 120º, nº3, 121º, nº1, al. i), e 123º, todos do CIRE, do pagamento de suprimentos realizados pela insolvente, no valor global de € 155.000,00, nas quantias parcelares de € 27.000,00, em 30-4-06, € 90.000,00, em 30-4-06, e € 38.500,00, em 30-6-06; e que a A. é a legítima e única beneficiária do pagamento/reembolso dos suprimentos por si efectuados à sociedade, quer em termos de empréstimos fungíveis, quer em termos de não distribuição de lucros.
Alega ter-lhe sido enviada pelo Sr. Administrador da Insolvência a referida carta; todavia, à data do pagamento dos suprimentos, não existia qualquer razão, ainda que longínqua, que determinasse a insolvência da devedora e, constituindo obrigação/prerrogativa da sociedade, face ao excesso de liquidez, a distribuição dos valores excedentários, ocorre, nos termos do art.121º, nº2, do CIRE, a verificação de normas legais – as que decorrem da obrigação da sociedade em proceder ao pagamento dos mútuos societários que recebeu – que obrigam à cedência da resolução incondicional imposta pelo art.121º, nº1. al. i), do CIRE.
Na contestação a R. conclui que, confirmando a A. os pressupostos que ditaram a resolução do reembolso do seu crédito, a acção deve ser julgada improcedente logo no despacho saneador.
Houve réplica.
Seguiu-se, então, o despacho saneador no qual, dispensando-se a realização da audiência preliminar, nos termos do disposto no art.508º-B, nº1, al. b), do CPC, se conheceu logo do mérito da acção, julgando-a improcedente.
Inconformada, a A. interpôs recurso.
Conclui assim:
-na sequência da carta enviada pelo Ex.mo Administrador da Insolvência no sentido da declaração de resolução, ao abrigo do disposto nos art.ºs 120.º, n.º 3, 121.º, n.º 1, alínea i) e 123.º, todos do C.I.R.E., do pagamento de suprimentos realizados pela insolvente, no valor global de € 155.000,00 (cento e cinquenta e cinco mil e quinhentos euros), a aqui recorrente impugnou o acto resolutório nos termos do disposto no art.º 121.º, n.º 2 do C.I.R.E. com remissão ao n.º 1, alínea i) do mesmo normativo, o qual dispõe que o n.º 1, alínea i) do C.I.R.E. cede, nos termos do n.º 2 do mesmo diploma “... perante normas legais que excepcionalmente exijam sempre (…) a verificação de outros requisitos.”;
-tais normas legais fez a recorrente reconduzirem-se ao disposto no art.º 243.º, n.º 1 do CSComerciais;
-bem assim como à factualidade alegada em sede de petição inicial, ou seja, a de que os suprimentos realizados resultaram quer de empréstimos pecuniários à sociedade, quer da não distribuição/levantamento dos lucros dos diversos exercícios;
-não levantamento/distribuição de lucros que, ocorrida durante os trinta (30) anos de existência da C………., L.DA, permitiu a constituição de reservas no valor de € 228.262,06;
-mais: demonstra-se nos Balanços dos anos de 2000 a 2005 que o valor dos suprimentos efectuados pelos sócios à sociedade, «maxime», a ora A., manteve-se sempre estável;
-durante a vida da empresa e para além dos suprimentos efectuados, os sócios constituíram prestações suplementares de capital no valor global de € 498.797,89;
-do valor recebido a título de suprimentos a aqui recorrente, conjuntamente com os restantes sócios beneficiários de tais pagamentos, procederam ao pagamento de vultuosas dívidas da própria sociedade, mormente, ao nível das contas caucionadas existentes em nome da empresa;
-que o valor angariado pela C………, L.DA e que serviu de suporte ao pagamento do valor dos suprimentos resultou de um excesso de liquidez da empresa;
-e que à data em que a C………., L.DA procedeu ao pagamento dos suprimentos efectuados pela recorrente não existiam os créditos que se vieram a revelar em OUTUBRO/06 e que conduziram à necessidade de requerer a insolvência;
-insubsistindo, à data do pagamento dos suprimentos à recorrente, qualquer razão, ainda que longínqua que determinasse a eventual insolvência da devedora e constituindo obrigação/prerrogativa da sociedade, face ao excesso de liquidez, a distribuição dos valores excedentários, ocorre, nos termos do n.º 2 do art.º 121.º do C.I.R.E., a verificação de normas legais – as que decorrem da obrigação da sociedade em proceder ao pagamento dos mútuos societários que recebeu em seu benefício – que obrigam à cedência da resolução incondicinal imposta pelo art.º 121.º, alínea i) do C.I.R.E.;
-entendeu o douto Tribunal que à recorrente não se achava assacado o direito de impugnar o acto de resolução praticado pelo Administrador da Insolvência, ou seja, entendeu o Tribunal que à recorrente se acha vedada a propositura da acção impugnatória prevista no art.º 125.º do C.I.R.E;
-a decisão de que se recorre, ao negar à A./recorrente o direito a ver sindicado em audiência de julgamento o valor das suas alegações viola princípios basilares do direito processual civil, mormente, os da garantia do acesso aos tribunais, o da justiça, o do direito ao contraditório e o da igualdade entre as partes preconizados nos art.ºs 2.º, 3.º e 3.º-A do CPCivil;
-viola a decisão o princípio do direito do acesso da recorrente aos tribunais e à justiça por entender que a alegada incondicionalidade da resolução a inibe de utilizar qualquer argumento susceptível de infirmar a resolução do reembolso de suprimentos por não existir norma no ordenamento jurídico português que permita tal derrogação, o que arrasta, por consequência, a própria inibição da recorrente de legitimar a propositura da acção impugnatória a que se refere o art.º 125.º do C.I.R.E.;
-o direito de acção revela-se e exerce-se através da capacidade de afirmação judicial de um direito ou interesse legítimo como se processou neste caso concreto, traduzindo-se, a final, numa pretensão que deve ser judicialmente apreciada em busca da verdade material;
-viola o princípio do contraditório por força da desconsideração da crescente e sucessiva amplitude que lhe vem sendo dado nas últimas revisões do CPCivil – cfr. Decretos-Lei n.ºs 329-A/95 e 120/96 – e que busca o detrimento das chamadas decisões-surpresa, como é claramente a que agora é objecto de recurso;
-viola o princípio da igualdade das partes e da igualdade de armas por negar à recorrente o inalienável direito de, em julgamento, exercer a sua defesa através da prova que sobejamente tramitou para os autos;
-a decisão elaborada em saneador e a correspectiva não realização da audiência de discussão e julgamento é causa de nulidade daquela primeira decisão, já que, nos termos do artigo 201.° do CPCivil, a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, produz nulidade da decisão, uma vez que a realização do julgamento, ou melhor, a sua omissão influi no exame e decisão da causa ;
-só com a realização da audiência de julgamento o Juiz poderá fixar a base instrutória, e as partes poderão proceder à produção de prova e serem apresentadas as alegações finais, seguindo-se então e só aí a decisão da matéria de facto e proferida sentença;
-o princípio genérico em que vem estribada a decisão de mérito não permite que se desprezem e violem princípios e direitos tão importantes como o direito de contraditório, de defesa, da verdade e justiça material, princípios que só se conseguirão alcançar com a realização da audiência de discussão e julgamento;
-a não realização da audiência de discussão e julgamento influiu na decisão da causa, porque existem enquanto alegados sobejos factos controvertidos susceptíveis de serem levados à base instrutória, bem assim como de serem objecto de prova;
-a decisão recorrida violou, neste particular, o disposto nos art.ºs 121.º, n.º 2 com remissão ao n.º 1, alínea i) do mesmo normativo, e 125.º, estes do C.I.R.E. e art.ºs 2.º, 3.º e 3.º-A do CPCivil aplicado «ex-vi» do art.º 17.º do diploma especial falimentar;
-a decisão recorrida versa sobre matéria eivada de inconstitucionalidade, já que impondo-se o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, salvo em caso de justificada e manifesta necessidade, só se admitindo a preclusão do mesmo para salvaguarda de um qualquer emergente efeito útil, constata-se que não existe qualquer razão, designadamente as invocadas na decisão recorrida, que constitua motivo ponderoso para o afastamento da realização da audiência de julgamento;
-donde se concluir pela violação do princípio do contraditório, princípio essencial de direito, como tal recolhido pelo artigo 16º da Constituição da República Portuguesa tal como a mesma resulta da leitura e aplicação da Lei Constitucional n.º 1/2005, de 12 de Agosto;
-o regime constante do art.º 121.º, n.º 1, alínea i) do C.I.R.E., ao determinar enquanto incondicional a resolução do acto de pagamento de suprimentos em momento inferior a um (1) ano ao do início do processo da insolvência viola, em termos desproporcionados e constitucionalmente ilegítimos, o princípio do contraditório, ínsito no direito de acesso aos tribunais, afirmado pelo art.º 20.º da CRPortuguesa;
-o contraditório, constituindo-se como um "princípio reitor do processo civil" e, como tal, assumido pelo art.º 3º do CPCivil, revela-se enquanto decorrência do direito de acesso aos tribunais, também constitucionalmente garantido – cfr. nº 1 do art.º 20º da CRPortuguesa - configurando-se esta como o direito a ver solucionados os conflitos segundo a lei, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência;
-obliterada, na norma emergente do art.º121.º, n.º 1, alínea i) do C.I.R.E. e n.º 2, «a contrario sensu» tal direito de contraditório, ou seja, a capacidade da recorrente em exercer a actividade judicial por força da incondicionalidade da resolução do acto de reembolso de suprimentos por força da inexistência de normas que infirmem tal incondiconalidade, encontram-se violados os princípios ínsitos nos art.ºs 16.º e 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRPortuguesa;
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Os factos relevantes considerados assentes são os seguintes:
-a A. foi destinatária de carta enviada pelo Ex.mo Administrador da Insolvência no sentido da declaração de resolução, ao abrigo do disposto nos art.s 120º, nº3, 121º, nº1, al. i), e 123º, todos do CIRE, do pagamento de suprimentos realizados pela insolvente, no valor global de € 155.000,00, nas seguintes quantias parcelares:
-€ 27.000,00, em 30-4-06;
-€ 90.000,00, em 30-4-06;
-€ 38.500,00, em 30-6-06.
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Questões a decidir, pela ordem indicada nas conclusões:
-verificação de normas legais que obrigam à cedência da resolução incondicional imposta pelo art.121º, nº1, al. i), do CIRE;
-violação dos princípios, de direito processual civil, de acesso aos tribunais, da justiça, do contraditório e da igualdade;
-nulidade processual, por não realização da audiência de julgamento;
-violação do princípio constitucional do contraditório, consagrado nos art.s16º e 20º, nºs 1 e 4, da CRP.
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A propósito da resolução em benefício da massa insolvente, dispõe o art.120º - princípios gerais – que “podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência” – nº1; “consideram-se prejudiciais à massa insolvente os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência” – nº2; e “presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário (sublinhado nosso), os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados” – nº3, não relevando, ou não relevando especialmente, para o caso, o disposto nos nºs 4 e 5.
E no seguimento do estatuído, especialmente, no nº3, estabelece-se no art.121º, nº1, al. i), do CIRE - resolução incondicional – que são resolúveis em benefício da massa insolvente, sem dependência de quaisquer outros requisitos, os actos de reembolso de suprimentos, quando tenham lugar dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência. Resolução que “pode se e efectuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de recepção nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência” – art.123º, nº1, do CIRE.
Nos termos do nº2 daquele art.121º do CIRE, “o disposto no número anterior cede perante normas legais que excepcionalmente exijam sempre a má fé ou a verificação de outros requisitos”.
Atentos estes preceitos legais e a factualidade apurada, concluiu-se na decisão recorrida que “…para tentar obstar a tal resolução – levada a cabo por aplicação do preceituado na alínea i) do nº1 do artigo 121º do CIRE – só estava ao alcance da A. demonstrar, nos termos do nº2 do mesmo preceito, que a resolução do reembolso de suprimentos estava sujeita, por imperativo legal excepcional, ao requisito da má fé ou de outro.
E não o faz, nem podia fazê-lo, já que não há qualquer norma legal que, para o caso de reembolso de suprimentos («o mais flagrante de resolução incondicional», como lhe chamam, e bem, Carvalho Fernandes e João Labareda) exija, como pressuposto da resolubilidade, a verificação de qualquer requisito excepcional de má fé ou qualquer outro.
Dito de outro modo: a norma do art.243º do CSC, invocado pela A., que disciplina o reembolso dos suprimentos, não conflitua com a do nº2 do art.121º do CIRE, que manda resolver tal reembolso, no âmbito do processo de insolvência, nos casos em que o mesmo tenha ocorrido «dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência» (cfr alíneas i) e h) do nº1 do art.121º do CIRE).
Na verdade, só conflituaria – e não é o caso – se se referisse às condições de resolução do reembolso e estas fossem, excepcionalmente, mais restritivas, em termos de requisitos (de má fé ou outros), do que as do art.121º referido”.
Com o que se concorda inteiramente, nos termos e para os efeitos do disposto no art.713º, nº5, do CPC: perante os factos assentes e as disposições legais citadas, outra não podia ser a decisão, considerando-se desnecessárias mais considerações.
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Sendo o cerne da questão o referido no ponto anterior, coloca a recorrente, todavia, outras.
Assim, e desde logo, considera que “a decisão elaborada em saneador e a correspectiva não realização da audiência de julgamento é causa de nulidade daquela primeira decisão, já que, nos atermos do artigo 201º do CPCivil, a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, produz nulidade da decisão, uma vez que a realização do julgamento, ou melhor, a sua omissão influi no exame e decisão da causa”.
Não foi omitido, todavia, qualquer acto, designadamente, a audiência de julgamento.
Na verdade, o art.510º, nº1, al. b), do CPC, permite que, findos os articulados, se conheça imediatamente do mérito da causa, “…sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória”. Como era o caso, sendo certo que foi dispensada a realização da audiência preliminar, nos termos do disposto no art.508º-B, nº1, al. b), do CPC, o que não vem posto em causa.
Pelo que não se verifica a apontada nulidade.
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Entende, também, a recorrente que foram violados os princípios de direito processual civil contidos nos art.s 2º, 3º e 3º-A, todos do CPC, designadamente, da garantia do acesso aos tribunais, da justiça, do contraditório e da igualdade entre as partes.
Assim, a decisão viola, alegadamente, o princípio do direito do acesso da recorrente aos tribunais e à justiça “por entender que a alegada INCONDICIONALIDADE da resolução a inibe de utilizar qualquer argumento susceptível de infirmar a resolução do reembolso de suprimentos por não existir norma no ordenamento jurídico português que permita tal derrogação, o que arrasta, por consequência, a própria inibição da recorrente de legitimar a propositura da acção impugnatória a que se refere o art.125º do C.I.R.E.”.
Viola o princípio do contraditório, “por força da desconsideração crescente e sucessiva amplitude que lhe vem sendo dada nas últimas revisões do CPCivil – cfr Decretos–Lei nºs 329-A/95 e 120/96 – e que busca o detrimento das chamadas decisões-surpresa, como é claramente a que agora é objecto de recurso”.
E “viola o princípio da igualdade das partes e da igualdade de armas por negar à recorrente o inalienável direito de, em julgamento, exercer a sua defesa através da prova que sobejamente tramitou para os autos”.
Não se vê, todavia, como foi violado, no caso em apreço, qualquer destes princípios processuais.
No que respeita ao direito de acesso aos tribunais, consagrado no art.2º do CPC – que explicitou as diversas vertentes do princípio constitucional enunciado no art.20º, nº1, da CRP – a A., através desta acção, obteve, em prazo razoável, uma decisão. Embora desfavorável para ela.
Quanto ao princípio do contraditório – art.3º do CPC, com assento constitucional nos art.s 2º e 20º da CRP - a A. expôs a sua posição, relativamente à qual a R. foi chamada a deduzir oposição. Perante a qual - mesmo sem a verificação dos pressuposto constantes do art.502º do CPC – a A. apresentou réplica.
As questões suscitadas foram, assim, devidamente discutidas pelas partes. E foi sobre elas que recaiu a decisão proferida.
Sendo assim, e ao contrário do defendido pela recorrente, não aconteceu qualquer decisão surpresa: o tribunal não disse nada que não fosse esperado – porque previamente discutido - por qualquer das partes. Estas pronunciaram-se, nos respectivos articulados, quanto às questões, sobre as quais – e só sobre elas – incidiu, depois, a decisão recorrida.
Por último, e no que respeita ao princípio da igualdade - das partes e de armas – não se vê, nem a recorrente explicita, como qualquer das partes, ao longo do processo, foi, eventualmente, favorecida ou desfavorecida, “no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais” – art.3º-A, do CPC.
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Por último, entende a recorrente, segundo percebemos, que o disposto no art.121º, nº1, al. i), do CIRE, “ao determinar enquanto incondicional a resolução do acto de pagamento de suprimentos em momento inferior a um ano ao do início do processo da insolvência viola, em termos desproporcionados e constitucionalmente ilegítimos, o princípio do contraditório, ínsito no direito de acesso aos tribunais, afirmado pelo art.20º da CRPortuguesa”. Prosseguindo, “obliterada, na norma emergente do art.121º, nº1, alínea i) do C.I.R.E. e nº2, «a contrario sensu» tal direito de contraditório, ou seja, a capacidade da recorrente em exercer a actividade judicial por força da incondicionalidade da resolução do acto de reembolso dos suprimentos por força da inexistência de normas que infirmem tal incondicionalidade, encontram-se violados os princípios ínsitos nos art.s 16º e 20º, nºs 1 e 4, da CRPortuguesa”.
Vejamos.
Dispõe o art.16º da CRP que “os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional” – nº1; e “os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem” – nº2. Por sua vez, dispõe o art.20º, nº1, da CRP: “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”. Acrescentando o nº4 que: “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
Consagra-se, assim, desde logo, o direito fundamental dos cidadãos de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, o qual se desdobra e vários direitos conexos: direito de acesso ao direito; direito de aceso aos tribunais; direito à informação e à consulta jurídica; direito ao patrocínio judiciário; e direito à assistência de advogado – ver GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA in CRP Anotada, 408 e ss..
Por outro lado, e na sequência dos direitos referidos, os cidadãos têm direito a uma decisão da causa em prazo razoável e a que a mesma decorra de um processo equitativo. Ou seja, no qual sejam observados todos os direitos: direito de acção, direito ao processo, direito à decisão e direito à execução da decisão – ob. cit.415.
Voltando-nos, agora, para o caso em apreço, o que a recorrente parece pretender dizer é que, ao estabelecer-se nas várias alíneas do art.121º, nº1, do CIRE, presunções inilidíveis de prejudicialidade, por um lado, e a resolubilidade dos respectivos actos, “sem dependência de quaisquer outros requisitos”, por outro, está a ser violado o seu direito de contraditório: não pode demonstrar que, apesar verificação da respectiva previsão, como foi o caso, não se verificou prejuízo para a massa insolvente. Daí a sua inconstitucionalidade.
Pensamos que não lhe assiste razão.
As presunções “são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido” – art.349º do C.Civil.
E podem qualificar-se em legais ou judiciais – art.s 350º e 351º do C.Civil.
Quanto às presunções legais, ainda se distinguem em presunções “iuris et de iure”, ou seja, absolutas, irrefutáveis; e “iuris tantum”, relativas, refutáveis, que admitem prova do contrário.
A força probatória das presunções legais resulta, essencialmente, de uma “sólida observação da realidade” – A. VARELA in RLJ, 122º-218. A normalidade das coisas permite concluir, com alguma segurança, que o facto que serve de base à presunção e o facto presumido andam associados entre si.
E, por vezes, aquela associação é de tal modo consistente que não se admite, sequer, prova do contrário – são as presunções legais inilidíveis.
Tal justifica-se, essencialmente por razões de credibilidade dos respectivos meios de prova. Como acontece, por exemplo, na inadmissibilidade de prova testemunhal prevista nos art.s 393º e 394º do C.Civil.
As mesmas razões fazem com que os diversos meios de prova não tenham a mesma força probatória - ver art.s 358º, 371º, 376º, 389º, 391º, e 396º, todos do C.Civil.
Ora, do disposto nas várias alíneas do art.121º, nº1, conjugado com o disposto no art.120º, nº3, ambos do CIRE, o que resulta é que, provados os respectivos factos integradores, presume-se, sem admissão de prova em contrário, que tais actos são prejudiciais para a massa insolvente; e que são, por isso, resolúveis, sem necessidade de prova de mais requisitos.
Mas, sendo isto assim, não se vê como tenha sido violado o direito constitucional da recorrente a um processo equitativo, célere e direccionado para uma tutela efectiva dos seus direitos – LEBRE DE FREITAS in Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais, 85.
Na verdade, aquelas regras não põem em causa, desde logo, o direito da recorrente a que a sua pretensão seja apreciada; e que seja apreciada num processo em que lhe são facultados todos os direitos, nomeadamente, o do contraditório. Só que, ao lado daqueles direitos, também lhe impõem a observância de regras. Como as referidas, no domínio da prova. Que não visam cercear direitos, antes, a descoberta da verdade material.
Atento quanto fica dito, o recurso não merece provimento.
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Acorda-se, em face do exposto, em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença proferida.
Custas pela recorrente.

Porto, 16-03-09
Abílio Sá Gonçalves Costa
Anabela Figueiredo Luna de Carvalho
Maria de Deus Simão da Cruz Silva Damasceno Correia