Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | AUGUSTO LOURENÇO | ||
Descritores: | POLUIÇÃO BEM JURÍDICO PROTEGIDO CRIME DE PERIGO COMUM CRIME PLURI-OFENSIVO DANOS SUBSTANCIAIS | ||
Nº do Documento: | RP201404092721/12.6TAGDM.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/09/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Pratica o crime de poluição, p. e p. pelo art. 279º, n.º 1, do Código Penal quem, por meio de poluição do ar, da água, ou do solo, ou por qualquer forma degradar as qualidades destes componentes ambientais, causando “danos substanciais”. II – Este tipo de ilícito visa a protecção de bens jurídicos colectivos (o ambiente) e individuais (vida, integridade física e bens patrimoniais), agravando-se a punição quando a poluição constitua perigo para a vida, integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado, conforme previsão do art.º 280º do C. Penal. III – Trata-se de um crime de perigo comum - no sentido de que cria perigo para um número indeterminado de pessoas -, sendo construído pelo legislador como crime de perigo concreto, ou seja, o perigo faz parte do tipo legal, tem de se concretizar num dos bens jurídicos protegidos pela norma (crime de resultado de perigo). IV – É crime pluri-ofensivo na medida em que os bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora não se confinam ao bem jurídico de feição colectiva, como é o ambiente, mas abrange igualmente bens jurídicos de natureza individual, como a vida, a integridade física e bens alheios de valor elevado. V – Face à alteração legislativa de 2011, os danos têm de ser "substanciais" (dentro do conceito definido pela própria lei), de molde a poderem repercutir-se quer em direitos colectivos, quer individuais, afectando no fundo o bem estar social. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Proc. nº 2721/12.6TAGDM.P1 Acordam, em conferência, os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto RELATÓRIO No âmbito do processo nº 2721/12.6TAGDM, que corre termos no 2º Juízo Criminal de Gondomar, decidiu o Sr. Juiz “a quo” não pronunciar os arguidos, B… e C…, da prática de um crime de poluição, previsto e punido pelo disposto no artigo 279º do cód. penal, nos termos constantes do despacho de fls. 181 a 192 em que se concluiu: - «(…) Porque não antevemos, em face da factualidade constante dos autos e dos indícios probatórios recolhidos em sede de inquérito e instrução, como provável uma futura condenação dos arguidos B… e C…, decide-se não os pronunciar e, em consequência, ordenar o arquivamento dos autos. Custas a cargo da assistente, fixando-se em 2 UC a respetiva taxa de justiça – arts. 515º, do cód. procº penal e 8º, nº 2, do Regulamento das Custas Processuais». * Inconformado com tal decisão, a assistente D… interpôs o recurso de fls. 233 a 246, pugnando pela respectiva revogação e substituição por outro despacho que pronuncie os arguidos, concluindo nos seguintes termos:a) O tribunal recorrido considerou inexistirem indícios suficientes para pronunciar os arguidos B… e C… pela prática do crime de poluição, p. e p. pelo art. 279º nº 1 do cód. penal. b) Não concorda a recorrente com tal decisão, já que estão suficientemente indiciados nos autos factos capazes de imputar aos arguidos a prática dos factos que se lhe imputa. c) Refere o douto despacho recorrido que excluídas as pessoas com laços de parentesco com os sujeitos processuais em causa, fica-nos a versão dos factos oferecida pelo presidente da Junta de freguesia …, E…, que “se revela assaz importante”, o que não corresponde à verdade dos factos, d) De facto, o Presidente da Junta de freguesia … limita-se a informar os autos que na … não existe saneamento e refere o que normalmente os habitantes de freguesia fazem para esvaziar as fossas, não referindo, em momento algum, os procedimentos adoptados pelos arguidos para esvaziar a sua fossa, desconhecendo, por completo a situação descrita nos autos, não afirmando que as águas subterrâneas do lugar estão poluídas, pelo que, não apresenta o presidente da Junta qualquer versão dos factos e muito menos uma versão assaz importante! e) Das declarações prestadas por esta testemunha, não pode o douto despacho recorrido, retirar qualquer conclusão, quanto mais a conclusão de que tal depoimento não corrobora a versão apresentada pela ora recorrente, já que, na verdade, tal depoimento é de todo irrelevante para os autos e para a descoberta da verdade material! f) Refere o douto despacho recorrido que a versão apresentada pela ora recorrente também não é corroborada pelo órgão de polícia criminal que elaborou o relatório de diligência externa, o que não corresponde á verdade, uma vez que, analisado o referido relatório constata-se que o mesmo se limitou a “relatar” o que os denunciados foram dizendo ao longo da vistoria realizada, pelo que não oferece este relatório uma versão exacta e credível dos factos descritos nos autos. g) Ainda assim, analisadas as fotografias juntas com esse relatório, nomeadamente na fotografia nº 2, vê-se perfeitamente o cano que efectua as descargas para a propriedade da recorrente e nas fotografias nº 3 e 6 vê-se a mangueira com a qual os arguidos lavam o seu pátio encaminhando as águas para baixo, para a propriedade da ora recorrente, não tendo essas fotografias sido devidamente analisadas quer em fase de inquérito, quer em fase de instrução. h) Acresce que, o facto de as testemunhas apresentadas pela ora recorrente serem familiares da mesma não deveria fundamentar o despacho de não pronuncia nos termos em que o fundamentou. É que, não é pelo facto de as testemunhas serem familiares da recorrente que se influi se os seus depoimentos são ou não são credíveis. Ao invés de atender às relações de familiaridade existentes, deveria, outrossim, ter o douto despacho recorrido atendido às declarações prestadas e daí retirar as devidas conclusões. i) Ora, analisados tais depoimentos, facilmente se depreende que os mesmos relatam de forma clara, coerente e credível as descargas efectuadas pelos arguidos e a poluição por eles causada na propriedade da recorrente, daqui resultando fortes indícios da prática do crime pelos arguidos. j) Mas, se dúvidas houvesse, sempre as mesmas poderiam ser desfeitas através da análise das fotografias juntas autos pela ora recorrente com o seu requerimento de abertura de instrução. Sucede que, não consta do douto despacho recorrido qualquer referência ou análise levada a cabo em sede de instrução às supra referidas fotografias juntas pela ora recorrente! l) De facto, em sede de requerimento de abertura de instrução, a ora recorrente juntou aos autos 5 fotografias (doc. numerados como doc. nº 2, 3, 4, 5 e 6), nas quais se vê claramente a água que escorre pelo muro dos arguidos para a propriedade da recorrente, resultante das lavagens que efectuam, e o cano existente nesse muro por onde os arguidos encaminham as suas águas chocas e dejectos (doc. 2, 3 e 6), poluindo não só a propriedade da recorrente como também o solo e subsolo (doc. 4 e 5), já que tais águas escorrem durante largos metros e vão-se infiltrando no solo. m) Pelo que, não compreende a recorrente qual o motivo que levou à não consideração destes elementos de prova em sede de instrução, já que tais fotografias esclarecem de forma clara de onde provêm as lavagens e descargas denunciadas pela ora recorrente e retractam de forma fiel a poluição levada a cabo pelos arguidos, corroborando a versão dos factos apresentada pela ora recorrente e testemunhas nos autos. n) Mal andou o despacho recorrido quando, a analisar o relatório efectuado pelo F…, no qual consta que a água existente em casa da assistente é bacteriologicamente e quimicamente imprópria para consumo, conclui que nada resulta dos autos que leve a concluir que tal facto seja motivado pela conduta dos arguidos (…) podendo tal facto ser motivado pelas mais diversas causas, incluindo, por condutas dos próprios por ausência dos cuidados devidos, já que, existindo, tal como refere, a possibilidade de tal contaminação ser motivada por diversos motivos, da conjugação dos elementos de prova carreados para os autos, nomeadamente, fotografias, e dos depoimentos das testemunhas, existe também a forte possibilidade de a contaminação das águas ser causa directa da poluição levada a cabo pelos arguidos. o) Equacionando o douto despacho recorrido a possibilidade de tal contaminação derivar de diversas causas não relacionadas com a conduta dos arguidos, deveria também ter equacionado a forte possibilidade de a impropriedade das águas se fundar na sua conduta, daqui retirando um forte indício da prática do crime pelos arguidos e não o contrário! p) A prova documental oferecida pela ora recorrente após a realização do debate instrutório não se resume a queixas apresentadas pelo marido da ora recorrente, antes atesta a existência do crime de poluição praticado pelos arguidos há já vários anos, conforme referiram testemunhas. q) Mais do que valorar as queixas apresentadas pelo marido da recorrente e a relação de má vizinhança existente entre a recorrente e os arguidos, deveria o douto despacho recorrido ter atendido às respostas dadas pela delegação da saúde, as quais comprovam a denúncia dos fatos feita pela recorrente: atestam a existência de insalubridade e identificam o responsável pela mesma: o arguido B…! r) Assim, contrariamente ao que entende o douto despacho recorrido, os documentos juntos aos autos pela recorrente indiciam suficientemente a prática do crime de poluição praticado pelos arguidos, tanto mais quando o mesmo é expressamente confirmado pelo delegado de saúde concelhia! s) E não se diga que o mesmo se reporta a factos passados, ocorridos há vários anos e de cariz colateral aos vertidos em sede de requerimento de abertura e instrução, porque, o que os mesmos atestam é a existência de um crime continuado praticado pelos arguidos, os quais iniciaram a sua execução em meados do ano de 1998 e o qual continua anda hoje. t) Ora, os arguidos, ao efectuarem descargas da sua fossa para a propriedade da recorrente, ao encaminharem águas provenientes de lavagens que contêm, entre outros, dejectos de animais e restos de preparação de alimentos e ao encaminharem as águas chocas para o terreno da recorrente, poluindo o solo e subsolo, contaminando a água existente no poço da casa da recorrente e queimando flores e outras plantas lá existentes, poluem a água, o solo e subsolo da propriedade da recorrente e da freguesia onde residem, causando danos substanciais para a recorrente e para o ambiente, já que, prejudicam, de modo significativo e duradoura integridade física e o bem-estar da recorrente e de todo o seu agregado familiar, ao impedir que estes usufruam da água existente no poço de sua casa. u) Além disso, ao efectuar as descargas a céu aberto, poluem o ar, já que as descargas efectuadas causam maus cheiros que se tornam insuportáveis para a recorrente e seu agregado familiar, impedindo a recorrente e o seu agregado familiar de usufruir de um ambiente saudável. v) Causam ainda danos substanciais, porque prejudicam de modo significativo a qualidade da água, solo, subsolo da propriedade da recorrente e causam impacto significativo no ar que a recorrente e o seu agregado familiar respiram diariamente, afectando, além do mais, toda a freguesia onde residem. x) Encontram-se preenchidos os elementos subjectivo e objectivo do tipo legal de crime, existindo tipicidade formal e material. z) Mais: os arguidos, com as condutas descritas, além de poluírem o ambiente, nos termos do supra citado artigo 279º do cód. penal criam perigo para a vida e integridade física da recorrente, pelo que cometeram, assim, em autoria material, um crime de poluição com perigo comum, p. e p. pelo artigo 280º do cód. penal. aa) Estão suficientemente indiciados nos autos factos capazes de imputar aos arguidos a prática dos factos que se lhes imputam, sendo certo que, nesta fase, se exige apenas um juízo de probabilidade de que os arguidos sejam condenados e não de certeza, não sendo antecipado o julgamento. ab) Nomeadamente, encontram-se nos autos indícios suficientes da prática pelos arguidos B… e C… do crime de poluição, p. e p. pelo art. 279º nº 1, do cód. penal e do crime de poluição com perigo comum, p. e p. pelo art. 280º do cód. penal. ac) É que, em sede de instrução e para que surja uma decisão de pronuncia, a lei não exige a prova no sentido da certeza, mas tão-só a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência. ad) O tribunal considera não haver indícios suficientes que possam culpabilizar os arguidos pela prática daqueles factos, não existindo uma alta probabilidade de futura condenação dos arguidos. ae) Não concorda a assistente com este entendimento, porquanto, não foram considerados nos autos todos os factos que deveriam ter sido, nomeadamente, não foram considerados nem devidamente valorados todos os elementos de prova. af) A decisão recorrida fez uma análise simplista dos factos, analisando e sobrevalorizando certos depoimentos em prol de outros, esquecendo-se de certos elementos de prova e desvalorizando outros. ag) Existem indícios suficientes nos autos de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação aos arguidos B… e C… de uma pena. ah) Ao decidir como decidiu violou o tribunal a quo as disposições dos artigos 308º, nº 1 e 410º, nº 1 do cód. penal, pelo que a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra na qual os arguidos B… e C… sejam pronunciados pelos crimes referidos em 54º e ordenando o seu julgamento pela prática dos referidos crimes em processo comum e com tribunal singular Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que pronuncie os arguidos B… e C… pelo crime de poluição, p. e p. pelo artigo 279º nº 1 do cód. penal ou caso assim não se entende, devem os mesmos ser pronunciados pela pratica do crime de poluição com perigo comum, p. e p. pelo art. 280º do cód. penal. Assim decidindo farão V. Exas. inteira e sã Justiça». * O Ministério Público, em 1ª instância, respondeu ao recurso da assistente D…, nos termos de fls. 253 a 256, defendendo a improcedência do recurso nos seguintes termos:- «Uma vez que estamos perante um perigo concreto, é necessário fazer prova em cada caso de um perigo para uma multiplicidade de pessoas representativas da comunidade. Feita esta prova, verificar-se-á o perigo comum mesmo que só uma pessoa tenha sido, de facto, posta em perigo. Assim, para o preenchimento deste tipo legal além de terem que se verificar os elementos do artigo 279º do CP exige-se ainda que a conduta do agente do agente seja causa adequada de uma situação de perigo concreto para a vida ou integridade física de outrem e para bens patrimoniais alheios de elevador valor, o que in casu não resultou da conjugação dos elementos probatórios careados para o inquérito. Nestes termos, não se encontram também preenchidos todos os elementos constitutivos, de ordem objectiva do crime p. e p. pelo art. 280º, com referência ao art. 279º, nº 1, do cód. penal. Pelo exposto, e compulsado o quadro fáctico apurado, dir-se-á ser o mesmo insuficiente para afirmar um juízo indiciário de suficiência fundamentante da dedução de um despacho acusatório. Assim sendo, salvo o devido respeito, entendemos que não deve dar-se provimento ao recurso». Neste Tribunal “ad quem”, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu o Douto Parecer de fls. 264/265 e, subscrevendo a posição do Ministério Público em 1ª instância, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso. * O recurso foi tempestivo, legítimo e correctamente admitido.Colhidos os vistos, cumpre decidir. * FUNDAMENTOSO âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, extraídas pela recorrente, da respectiva motivação[1], que, no caso “sub judice”, se circunscreve à apreciação do despacho de “não pronúncia“, averiguando se a matéria de facto trazida aos autos é ou não susceptível de indiciar fortemente os arguidos em ordem a submetê-los a julgamento, pelos crimes de poluição, p. e p. pelo artº 279º nº 1 do cód. penal ou caso assim não se entenda, pelo crime de poluição com perigo comum p. e p. pelo artº 280º do cód. penal. * DECISÃO INSTRUTÓRIADeclaro encerrada a instrução. O Tribunal é competente. O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem. Inexistem questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da decisão instrutória. * Na sequência do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, a fls. 23, veio a assistente, D…, requerer a abertura de instrução contra os arguidos, B… e C…, no sentido de vê-los pronunciados pela prática de um crime de poluição, previsto e punível pelo disposto no artigo 279º do Código Penal.Para tanto alegou: - os arguidos encaminham os esgotos da casa que “ilicitamente” ocupam para o seu quintal, “poluindo-o” com águas de dejetos e lavagens, causando maus cheiros que se tornam insuportáveis nos dias de calor, causando perigo para a saúde do seu agregado familiar; - as águas e dejetos penetram no solo, “poluindo” os veios de água e o poço existente no quintal colocando, assim, em risco a sua saúde do seu agregado familiar. Termina, pugnando pela prolação de despacho de pronúncia dos arguidos pela prática do crime de poluição. * Declarada aberta a instrução requerida pela assistente, foram parcialmente deferidas e realizadas as diligências instrutórias deferidas. * Procedeu-se à realização do debate instrutório com observância do formalismo legal, conforme se alcança da respetiva ata, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 298.º, 301.º e 302.º, todos do Código de Processo Penal.* Cumpre, agora, nos termos do art. 308º do mesmo diploma legal, proferir decisão instrutória.* A Instrução visa, segundo o que nos diz o art. 286º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP) “a comprovação judicial da decisão de acusar ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”. Configura-se, assim, como fase processual sempre facultativa - cfr. n.º 2 do mesmo dispositivo - destinada a questionar a decisão de arquivamento ou de acusação deduzida.Como facilmente se depreende do citado dispositivo legal, a instrução configura-se no CPP como actividade de averiguação processual complementar da que foi levada a cabo durante o inquérito e que, tendencialmente, se destina a um apuramento mais aprofundado dos factos, da sua imputação ao agente e do respectivo enquadramento jurídico-penal. Com efeito, realizadas as diligências tidas por convenientes em ordem ao apuramento da verdade material, conforme dispõe do art. 308º, n.º 1, “se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”. Na base da não pronúncia do arguido, para além da insuficiência de indícios necessariamente consubstanciada na inexistência de factos, na sua não punibilidade, na ausência de responsabilidade ou na insuficiência da prova para a pronúncia, poderão estar ainda motivos de ordem processual, ou seja, a inadmissibilidade legal do procedimento ou vício de ato processual. Já no que toca ao despacho de pronúncia, a sustentação deverá buscar-se, como vimos, na suficiência de indícios, tidos estes como as causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais de um crime e/ou do seu agente que sejam captadas durante a investigação. Depois, no nº 2 deste mesmo dispositivo legal, remete-se, entre outros, para o nº 2 do art. 283º, nos termos do qual “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”. Isto posto, para que surja uma decisão de pronúncia, a lei não exige a prova no sentido da certeza - convicção da existência do crime; antes se basta com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência, tanto mais que a prova recolhida na fase instrutória não constitui pressuposto da decisão de mérito final; trata-se de uma mera decisão processual relativa ao prosseguimento do processo até à fase do julgamento. Todavia, como a simples sujeição de alguém a julgamento não é um acto em si mesmo neutro, acarretando sempre, além dos incómodos e independentemente de a decisão final ser de absolvição, consequências, quer do ponto de vista moral, quer do ponto de vista jurídico, entendeu o legislador que tal só deveria ocorrer quando existissem indícios suficientes da prática pelo arguido do crime que lhe é imputado. Assim sendo, para fundar uma decisão de pronúncia não é necessária uma certeza da infracção, mas serem bastantes os factos indiciários, por forma a que, da sua lógica conjugação e relacionação, se conclua pela culpabilidade do arguido, formando-se um juízo de probabilidade da ocorrência dos factos que lhe são imputados e bem assim da sua integração jurídico-criminal. Os indícios são, pois, suficientes, quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou pelo menos, quando se verifique uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição. Fixadas as directrizes que de acordo com a lei nos devem orientar na prolação da decisão instrutória, de pronúncia ou não pronúncia, interessa, agora, apurar, em face da prova recolhida até ao momento, se indicia suficientemente a prática pelos arguidos dos factos que lhe são imputados no requerimento de abertura de instrução. * Volvendo ao caso em análise cumpre proceder à análise crítica dos indícios a este propósito recolhidos.Em sede de inquérito: Consta da queixa-crime de fls. 2/3 que os denunciados encaminham os esgotos da sua habitação para o quintal da queixosa, “poluindo” o solo e as águas subterrâneas com águas de dejetos e lavagens, causando maus cheiros que se tornam insuportáveis nos dias de maior calor e causam perigo para a saúde da queixosa e respetivo agregado familiar. Mais afirmou que as águas e dejetos penetram no solo, poluindo os veios de águas e o poço existente no quintal. Inquirida a filha da assistente, G…, a fls. 17/18, esclareceu, além do mais, que a situação denunciada ocorre desde meados do ano de 1998, o que originou ida ao local do Delegado de Saúde e da Divisão de Saneamento da Câmara …. Na origem da situação esteve a construção de uma casa de banho por parte dos arguidos, que se encontra a despejar as águas residenciais diretamente para o terreno da sua mãe, bem como as águas resultantes das lavagens dos pátios, o que tem vindo a danificar um muro que delimita a propriedade. Inquirida, a fls. 19/20, H…, esclareceu, além do mais, que os arguidos, entulharam a fossa sumidora, em meados do ano de 1998, o que implica que todos os dejetos que para ela eram encaminhados vertessem o exterior da mesma. Referiu que são lançados para a propriedade da queixosa todos os dejetos resultantes das lavagens dos pátios, da casa de banho e da preparação dos alimentos. No local existem 2 tubos, sendo que o primeiro encontra-se situado junto à entrada da residência dos denunciados proveniente da casa de banho sendo, por ali, encaminhadas todas as águas sujas. Do segundo provêm as águas da cozinha, servindo também para encaminhar todos os resíduos da preparação dos alimentos sendo que, em ambas as situações, as águas são encaminhadas para junto de um muro que separa a residência da queixosa da dos denunciados, que se encontra danificado. Referiu, ainda, que é utilizado uma mangueira para despejar a fossa sumidoura, que vai desaguar junto ao muro da queixosa. Inquirido o presidente da Junta da Freguesia …, E…, a fls. 22/23, esclareceu, além do mais, que na freguesia não existe rede de saneamento básico, tendo conhecimento que os intervenientes possuem histórico de litígios motivados por desentendimentos relativos a um caminho de servidão. Foi efetuada uma vistoria ao local, conforme relatório de diligência externa de fls. 25/26. Inquirida, a fls. 28/29, C…, esclareceu, além do mais, que a residência não possui fossa sumidora, mas sim uma fossa séptica estanque que foi construída há cerca de catorze anos. Referiu que as águas e dejectos oriundos da cozinha, lavandaria e casa de banho da sua residência são encaminhadas para esta fossa séptica estanque e jamais são lançados para o exterior da sua propriedade. A fossa séptica é despejada mensalmente, sendo para tal utilizado um motor que possuem ao qual é ligada uma mangueira que se encontra estendida ao longo da sua horta e assim aproveitam tais águas para regá-la. Inquirido, a fls. 30/31, B…, na qualidade de testemunha, esclareceu, além do mais, que a habitação não possui fossa sumidora, mas sim uma fossa séptica estanque que foi construída há cerca de catorze anos. Referiu que as águas e dejectos oriundos da cozinha, lavandaria e casa de banho da sua residência são encaminhadas para esta fossa séptica estanque e nunca lançaram dejetos para fora da sua propriedade. A fossa séptica é despejada mensalmente, sendo para tal utilizado um motor que possuem, ao qual é ligada uma mangueira que se encontra estendida ao longo da sua horta aproveitando, assim, tais águas para regar. Em sede de instrução: Inquirida, a fls. 137/138, D…, assistente/requerente da abertura da instrução, confirmou a versão por si oferecida em sede de requerimento de abertura de instrução. Inquirida, a fls. 137/138, I…, neta da assistente, confirmou, em parte, a versão dos factos oferecida no requerimento de abertura de instrução. * É a seguinte a matéria indiciada nos presentes autos:- Na freguesia …, concelho de Gondomar não existe rede de saneamento básico. - A maioria das residências possuem, apenas, fossa sumidoura, sendo que uma parte dos residentes recorrem ora à Câmara Municipal, ora a particulares para fins de esvaziamento das mesmas. - Os arguidos possuem fossa séptica estanque e os dejetos que são encaminhados para esta são, nomeadamente, utilizados na rega de sua horta. Não se encontra suficientemente indiciado: - que os arguidos encaminham os esgotos da sua habitação para o quintal da assistente; - que as referidas águas e dejectos penetram no solo, poluindo os veios de água e o poço existente no quintal da assistente; - que as descargas estão a contaminar o solo, subsolo e água do poço da assistente, tornando-a imprópria para consumo humano, colocando em risco a saúde do seu agregado familiar e a saúde pública na freguesia; - que os arguidos agiram de modo livre, voluntário e consciente, com intenção de poluir o solo, subsolo e água da assistente, tornando-a imprópria para consumo, bem sabendo que tais condutas são proibidas e punidas por lei. Fixadas as directrizes, que de acordo com a lei, nos devem orientar na prolação da decisão instrutória, de pronúncia ou não pronúncia, interessa agora, apurar se se encontra indiciada nos autos a prática pelos arguidos, B… e C…, de um crime de poluição, previsto e punível pelo disposto no artigo 279º do Código Penal. * Vejamos:Prevê o n.º 1, do artigo 279.º do Código Penal: - “Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições, provocar poluição sonora ou poluir o ar, a água, o solo, ou por qualquer forma degradar as qualidades destes componentes ambientais, causando danos substanciais, é punido (…)”. Por sua vez, estatui o n.º 6 do mesmo corpo normativo: - “(…) são danos substanciais aqueles que: a) Prejudiquem, de modo significativo ou duradouro, a integridade física, bem como o bem-estar das pessoas na fruição da natureza; b) Impeçam, de modo significativo ou duradouro, a utilização de um componente ambiental; c) Disseminem microrganismo ou substância prejudicial para o corpo ou saúde das pessoas; d) Causem um impacto significativo sobre a conservação das espécies ou dos seus habitats; ou e) Prejudiquem, de modo significativo, a qualidade ou o estado de um componente ambiental”. O crime de poluição é um crime pluri-ofensivo em que o bem jurídico protegido não visa proteger o ambiente, pelo menos de forma direta. Nas palavras do Sr. Conselheiro José Souto Moura Crimes Ambientais, CEJ, pág. 14., não se trata de um crime ecológico puro, em que o legislador se desinteressa da tutela de bens jurídicos individuais. O que a norma visa proteger é a vida, a integridade física e bens alheios de valor elevado. O crime de poluição prevê a punibilidade de dois tipos de conduta: a de quem provoque a poluição propriamente dita (sonora, do ar, da água, do solo ou degrade a qualidade destes componentes ambientais) e de quem cause danos substanciais às qualidades de vários componentes ambientais, a saber, a qualidade do ar, da água e do solo, à fauna ou à flora. O crime em causa incrimina uma conduta e associa a esta, na descrição típica, como um evento autónomo, um perigo para os bens jurídicos que descreve, sendo, por isto, um crime de perigo concreto. Sendo um crime de perigo concreto que não um crime de perigo comum, ao preenchimento dos elementos do tipo basta a mera colocação em perigo dos bens jurídicos aí mencionados, independentemente da ocorrência de uma situação de perigo para um número indiferenciado e indeterminado de objetos de acção sustentados por bens jurídicos - cf., neste sentido, o Ac. da Relação do Porto de 27-04-2005, publicado em www.dgsi.pt.. * Aqui chegados, há forçosamente que concluir pela inexistência de indícios suficientes para pronunciar os arguidos pela prática do crime pelo qual a assistente pretende a sua pronúncia.Com efeito, resulta à saciedade dos autos que existe uma relação de má vizinhança entre a assistente e os arguidos. A versão oferecida pela assistente é corroborada por si, por I…, sua neta, por G…, filha da assistente e por H…, vizinha e familiar da assistente. Tal versão é, perentoriamente, negada pelos arguidos e não é corroborada pelo presidente da Junta da Freguesia …, E…. Aliás, não é igualmente corroborada pelo órgão de polícia criminal que elaborou o relatório de diligência externa. Assim, excluídas as pessoas com laços de parentesco com os sujeitos processuais em causa, fica-nos a versão dos factos oferecida pelo presidente da Junta da Freguesia …, E…. A propósito, refira-se que causa-nos surpresa que sendo imputada aos arguidos a prática de um crime de poluição e alegando-se que a sua conduta coloca em risco, inclusive, a saúde pública da freguesia devido às infiltrações que necessariamente ocorrem através do subsolo não se tenham disponibilizado outras pessoas da referida freguesia a depor sustentando a tese ventilada pela assistente. Mais estranheza nos causa que tal versão dos factos não seja corroborada pelo presidente da Junta da freguesia em causa, cujo depoimento se revela assaz importante. Não podemos olvidar a natureza das funções que desempenha, o conhecimento que tem da freguesia e que a existir algum problema na área em causa tomaria, certamente, posição pela defesa do ambiente e do interesse público. As testemunhas oferecidas pela assistente são pessoas com laços de parentesco directos com a mesma e em cenários de conflito, como o em apreço, disponibilizam-se a sustentar a versão oferecida movidas pelos laços sentimentais existentes, como comprovam as regras da experiência comum, o que lhes retira consistência. Não ignoramos que, em sede de requerimento de abertura de instrução, a assistente ofereceu um relatório efectuado pelo “F…, Lda.”, nomeadamente, à água para consumo humano existente na sua casa onde se lê “Água bacteriologicamente imprópria para consumo humano, segundo o Decreto-Lei n.º 306/2007” e “Água quimicamente imprópria para consumo humano, segundo o Decreto-Lei n.º 306/2007”. Todavia, nada resulta dos autos que nos leve a concluir que tal facto seja motivado pela conduta dos arguidos, ou seja, que a causa da impropriedade da água esteja na conduta dos arguidos ou exista um nexo causal com a mesma, quando é certo, como promana das regras da experiência comum, que em freguesias, como é o caso da …, onde não existe rede de saneamento básico e em que a maioria das residências possuem, apenas, fossa sumidoura as águas domésticas sejam contaminadas nos referidos termos, podendo tal facto ser motivado pelas mais diversas causas, incluindo, por condutas dos próprios por ausência dos cuidados devidos. Por outro lado, a prova documental oferecida pela assistente (na maioria, queixas do próprio marido) e arguidos após a realização do debate instrutório não nos leva a infletir tal conclusão. Comprova a existência de uma má relação de vizinhança entre a assistente e os arguidos e a alegação de factos com, eventual, relevo na esfera cível e contraordenacional. Todavia, por si só, não oferecem consistência por forma a dar como indiciada factualidade suficiente que nos leve a concluir que a conduta dos arguidos perfectibilize o imputado crime de poluição como, aliás, promana da nossa convicção. Reportam-se a factos ocorridos há vários anos e alguns de cariz colateral aos vertidos em sede de requerimento de abertura de instrução. Afigura-se-nos, assim, que a conduta dos arguidos não perfectibiliza o crime de poluição imputado, não se vislumbrando, inclusivamente, a ocorrência dos danos substanciais susceptíveis de preencher o referido tipo legal. Afigura-se-nos, assim, que não existe tipicidade material e formal do crime de poluição. Quando muito a conduta dos arguidos integra a prática de contraordenação encontrando-se, aliás, em curso procedimento contraordenacional. Com efeito, a rejeição de águas degradadas, para efeitos do art. 81º, nº 3, al. u), do DL nº 226-A/2007, não se cinge a águas residuais industriais, como facilmente se percebe pela leitura da norma e pela própria utilização do conceito amplo de “águas degradadas”. Obviamente que se tem de ter presente que o “ambiente natural” que importa proteger, defender e que constitui direito dos cidadãos assegurado constitucionalmente (arts. 9º e 66º da CRP) é composto, além do ar e da luz, também pela água, pelo solo vivo, pelo subsolo, pela flora e pela fauna (ver, entre outros, arts. 1º, 2º e 6º da Lei de Bases do Ambiente). Portanto, podemos concluir facilmente que a rejeição de águas degradadas no solo, sem qualquer tipo de depuração, inclui igualmente o despejo de matéria proveniente de esgotos, oriundos de fossa de habitação, sem tratamento nem depuração configura e preenche o elemento objetivo da referida contraordenação ambiental. Igualmente, não ignoramos que estamos perante alegação de factos com manifesta relevância na esfera cível ou contraordenacional, todavia, sem a suficiente consistência para perfectibilizar os elementos objetivos e subjetivos do crime imputado. O que se disse é, assim, suficiente para o não provimento do requerimento de abertura da instrução, pois aplicando os princípios e conceitos supra enunciados ao caso sub judice afastada está nos autos prova indiciária suficiente para aos arguidos vir a ser aplicada uma pena pelos factos ali descritos – o que levará, consequentemente, à não pronúncia dos mesmos. * Isto posto, porque não antevemos, em face da factualidade constante dos autos e dos indícios probatórios recolhidos em sede de inquérito e instrução, como provável uma futura condenação dos arguidos B… e C…, decide-se não os pronunciar e, em consequência, ordenar o arquivamento dos autos.* Custas a cargo da assistente, fixando-se em 2 UC a respetiva taxa de justiça – arts. 515º, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais.* Notifique».* DO DIREITOA recorrente, D…, (assistente) inconformada com o despacho de não pronúncia dos arguidos, relativamente a factos que em seu entender consubstanciam a prática de um crime de poluição p. e p. pelo artº 279º nº 1 do cód. penal ou, caso assim não se entenda, um crime de poluição com perigo comum, p. e p. pelo artº 280º do cód. penal, interpôs o presente recurso, manifestando a sua discordância quanto à apreciação da prova indiciária produzida, falta de fundamentação e respectiva interpretação normativa. No caso concreto, segundo a versão da assistente/queixosa, está em causa o encaminhamento dos esgotos da habitação dos arguidos para o quintal daquela, “poluindo” o solo e as águas subterrâneas com águas de dejectos e lavagens, que, segundo a mesma causam maus cheiros e perigo para a saúde da queixosa e do respetivo agregado familiar. Mais alega que as águas e dejectos penetram no solo, poluindo os veios de águas e o poço existente no quintal. A factualidade relevante que resulta indiciada (e não indiciada) que decorre tanto da prova documental como da prova testemunhal, foi resumida na decisão recorrida do seguinte modo: - “Na freguesia …, concelho de Gondomar não existe rede de saneamento básico. - A maioria das residências possuem, apenas, fossa sumidoura, sendo que uma parte dos residentes recorrem ora à Câmara Municipal, ora a particulares para fins de esvaziamento das mesmas. - Os arguidos possuem fossa séptica estanque e os dejectos que são encaminhados para esta são, nomeadamente, utilizados na rega de sua horta. Não se encontra suficientemente indiciado: - Que os arguidos encaminham os esgotos da sua habitação para o quintal da assistente; - Que as referidas águas e dejectos penetram no solo, poluindo os veios de água e o poço existente no quintal da assistente; - Que as descargas estão a contaminar o solo, subsolo e água do poço da assistente, tornando-a imprópria para consumo humano, colocando em risco a saúde do seu agregado familiar e a saúde pública na freguesia; - Que os arguidos agiram de modo livre, voluntário e consciente, com intenção de poluir o solo, subsolo e água da assistente, tornando-a imprópria para consumo, bem sabendo que tais condutas são proibidas e punidas por lei». Em face dessa factualidade, o Tribunal recorrido entendeu não se encontrar indiciada nos autos a prática pelos arguidos, B… e C…, de um crime de poluição, previsto e punível pelo disposto no artigo 279º do cód. penal. No recurso interposto, a recorrente vem sustentar basicamente que o Tribunal recorrido não valorou devidamente a prova que lhe foi apresentada, referindo nomeadamente: - “O facto de as testemunhas apresentadas pela ora recorrente serem familiares da mesma não deveria fundamentar o despacho de não pronuncia nos termos em que o fundamentou. É que, não é pelo facto de as testemunhas serem familiares da recorrente que se influi se os seus depoimentos são ou não são credíveis. Ao invés de atender às relações de familiaridade existentes, deveria, outrossim, ter o douto despacho recorrido atendido às declarações prestadas e daí retirar as devidas conclusões”, (cls. h). “Analisados tais depoimentos, facilmente se depreende que os mesmos relatam de forma clara, coerente e credível as descargas efectuadas pelos arguidos e a poluição por eles causada na propriedade da recorrente, daqui resultando fortes indícios da prática do crime pelos arguidos”, (cls. i). Mais adiante que, “se dúvidas houvesse, sempre as mesmas poderiam ser desfeitas através da análise das fotografias juntas autos pela ora recorrente com o seu requerimento de abertura de instrução. Sucede que, não consta do douto despacho recorrido qualquer referência ou análise levada a cabo em sede de instrução às supra referidas fotografias juntas pela ora recorrente!”, (cls. j). “(…) a ora recorrente juntou aos autos 5 fotografias (doc. numerados como doc. nº 2, 3, 4, 5 e 6), nas quais se vê claramente a água que escorre pelo muro dos arguidos para a propriedade da recorrente, resultante das lavagens que efectuam, e o cano existente nesse muro por onde os arguidos encaminham as suas águas chocas e dejectos (doc. 2, 3 e 6), poluindo não só a propriedade da recorrente como também o solo e subsolo (doc. 4 e 5), já que tais águas escorrem durante largos metros e vão-se infiltrando no solo”, (cls. l). “(…) tais fotografias esclarecem de forma clara de onde provêm as lavagens e descargas denunciadas pela ora recorrente e retractam de forma fiel a poluição levada a cabo pelos arguidos, corroborando a versão dos factos apresentada pela ora recorrente e testemunhas nos autos”, (cls. m). Parece-nos não ser assim tão clara a prova indiciária como a aponta a recorrente, tendo em conta, desde logo, que na zona em que se inserem as habitações, não existe saneamento básico e cada residência utiliza uma fossa sumidoura própria, naturalmente sem as condições que seriam as ideais. Com efeito, dispõe actualmente o artº 279º do cód. Penal[2]: - “Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições, provocar poluição sonora ou poluir o ar, a água, o solo, ou por qualquer forma degradar as qualidades destes componentes ambientais, causando danos substanciais, é punido (…)”. Por sua vez, estatui o nº 6 do mesmo corpo normativo: - “(…) são danos substanciais aqueles que: a) Prejudiquem, de modo significativo ou duradouro, a integridade física, bem como o bem-estar das pessoas na fruição da natureza; b) Impeçam, de modo significativo ou duradouro, a utilização de um componente ambiental; c) Disseminem microrganismo ou substância prejudicial para o corpo ou saúde das pessoas; d) Causem um impacto significativo sobre a conservação das espécies ou dos seus habitats; ou e) Prejudiquem, de modo significativo, a qualidade ou o estado de um componente ambiental”. Pratica o crime de poluição, p. e p. pelo art. 279º, nº 1, do cód. penal quem cause “danos substanciais”[3], (conceito, que o mesmo artigo define no nº 6), poluindo o ar, a água, o solo, ou por qualquer forma degradar as qualidades destes componentes ambientais. O legislador integrou esta norma, bem como o artº 280º do cód. penal, no título IV, reportado aos “crimes contra a vida em sociedade” e por sua vez inseridos no capítulo III, dedicado aos “crimes de perigo comum”. O artigo 279º contempla a punição de várias formas de poluição do ambiente, cujos danos têm agora, face à alteração legislativa de 2011, supra citada, de ser “substanciais” (dentro do conceito definido pela própria lei) e que se possam repercutir quer em direitos colectivos, quer individuais, afectando no fundo o bem-estar social. “O crime de poluição é um crime pluri-ofensivo em que o bens jurídicos tutelados pela norma incriminante não se confinam ao bem jurídico de feição colectiva como é o ambiente mas abrange igualmente bens jurídicos de natureza individual, como a vida, a integridade física e bens alheios de valor elevado”, cfr. Ac. Trib. Rel. Coimbra de 09.07.2008, disponível em www.dgsi.pt. Embora proferido na vigência da anterior redacção o conceito é hoje igualmente aplicável, incluindo ao artigo 279º nº 1 do cód. penal. A poluição, constitui em si mesma a criação de um perigo que pode afectar a saúde, bem-estar e diferentes sistemas de vida, tanto individuais como colectivos, exigindo-se actualmente que tal poluição cause os referidos danos substanciais. Trata-se de um crime de perigo comum – no sentido de que cria perigo para um número indeterminado de pessoas - sendo construído pelo legislador como crime de perigo concreto, ou seja, o perigo faz parte do tipo legal, tem de se concretizar num dos bens jurídicos protegidos pela norma. A criação de perigo é, de facto, um elemento do tipo que tem de se verificar, pois estamos perante um crime de resultado de perigo[4]. É, pois, necessário que se produza o resultado típico de criação de perigo previsto na norma, sem o qual o crime não se consuma, ficando pelo estádio da tentativa[5]. Estamos perante um tipo de ilícito que visa a protecção de bens jurídicos colectivos (o ambiente) e individuais, (vida, integridade física e bens patrimoniais) agravando-se a punição quando a poluição constitua perigo para a vida, integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado, conforme previsão do art. 280º do cód. penal. A propósito deste artigo 280º (embora antes da revisão da Lei 56/2011), escreveu a prof. Anabela Rodrigues: - “Quanto a este tipo de perigo, embora possa tratar-se de um perigo para uma pessoa concreta, só se pode falar de perigo comum se se coloca em perigo um grande número de pessoas. Assim, a pessoa concretamente ameaçada surge não apenas como vítima do crime, mas verdadeiramente como representante da comunidade. Ela só é, no fundo, individualizável, enquanto concretização do perigo para a sociedade que decorre da conduta. Entretanto, trata-se também de um perigo concreto, pelo que é necessário fazer prova em cada caso de um perigo para uma multiplicidade de pessoas representativas da comunidade. Feita esta prova, verificar-se-á o perigo comum mesmo que só uma pessoa tenha sido, de facto, posta em perigo”, cfr. Anabela Miranda Rodrigues, in Comentário Conimbricence do Código Penal, Coimbra Ed., Tomo II, em anotação ao artigo 280º, pág. 982, a qual cita no mesmo sentido Teresa Quintela de Brito, Souto Moura e Leonês Dantas. Feita esta breve abordagem teórica sobre as normas incriminadoras, vejamos se as provas indiciárias são suficientemente fortes para pronunciar os arguidos, conforme pretensão da recorrente. Não obstante estarmos ainda no âmbito de um juízo de probabilidade e não de certeza, afigura-se-nos inconsistente a pretensão da recorrente desde logo por duas razões fundamentais: - Por um lado, estando as casas da queixosa e dos arguidos construídas numa zona sem saneamento básico, não se indiciou minimamente, no sentido de poder vir a consolidar uma verdade objectiva - aquela que pode sustentar uma condenação -, que a alegada poluição resultasse só da casa dos arguidos; - Por outro lado que os mesmos actuassem dolosamente ou mesmo a nível negligente. As fotos juntas a fls. 26, só por si, nada provam quanto à autoria ou origem da poluição em termos seguros; por outro lado, a prova testemunhal inquirida, mormente as citadas pela recorrente também não são suficientemente fortes e credíveis para pronunciar os arguidos. Estamos sim, perante um problema de saneamento básico, que pode vir a constituir um caso de saúde pública, mas cuja responsabilidade poderá, eventualmente vir a ser imputada aos órgãos de poder local a quem compete a gestão da rede pública de esgotos e zelar pelas situações que possam por em perigo a comunidade de modo a evitar danos maiores. O tribunal “a quo” descredibilizou em parte algumas das declarações devido à existência de “relações de má vizinhança entre a assistente e os arguidos” e “as testemunhas da assistente “possuírem laços de parentesco”. É um factor a ter em conta, mas ainda assim, impunha-se no caso concreto a realização de diligências mais objectivas, como as perícias e fiscalizações feitas por técnicos camarários de modo a poderem obter-se provas mais substanciais. Existiram depoimentos completamente antagónicos que trouxeram a dúvida ao tribunal, dúvida essa, que nos parece legítima, citando a dado trecho da fundamentação: - “A versão oferecida pela assistente é corroborada por si, por I…, sua neta, por G…, filha da assistente e por H…, vizinha e familiar da assistente. Tal versão é, perentoriamente, negada pelos arguidos e não é corroborada pelo presidente da Junta da Freguesia …, E…. Aliás, não é igualmente corroborada pelo órgão de polícia criminal que elaborou o relatório de diligência externa. Assim, excluídas as pessoas com laços de parentesco com os sujeitos processuais em causa, fica-nos a versão dos factos oferecida pelo presidente da Junta da Freguesia …, E…”. Note-se que o próprio Presidente da Junta de Freguesia, inquirido, não corroborou a versão da assistente e teria todo o interesse, enquanto responsável político local, em não permitir a poluição dos solos. Em relação a um relatório efectuado pelo “F…, Ldª”, à água para consumo humano existente na casa da assistente concluiu-se que: - “Água bacteriologicamente imprópria para consumo humano, segundo o Decreto-Lei nº 306/2007” e “Água quimicamente imprópria para consumo humano, segundo o Decreto-Lei nº 306/2007”. Todavia, conforme se refere na fundamentação da decisão recorrida, “nada resulta dos autos que nos leve a concluir que tal facto seja motivado pela conduta dos arguidos, ou seja, que a causa da impropriedade da água esteja na conduta dos arguidos ou exista um nexo causal com a mesma, quando é certo, que em freguesias, como é o caso da …, onde não existe rede de saneamento básico e em que a maioria das residências possuem, apenas, fossa sumidoura as águas domésticas sejam contaminadas nos referidos termos, podendo tal facto ser motivado pelas mais diversas causas, (…)”. Acolhemos assim o entendimento do Tribunal recorrido, no sentido de que, a conduta dos arguidos não evidencia prova indiciária suficiente, integradora do crime de poluição, para os submeter a julgamento, tanto em relação ao tipo previsto no artº 279º nº 1 do cód. penal, como muito menos pela previsão do artº 280º do cód. penal. Todavia, não deve excluir-se a eventualidade de se estar perante uma contra-ordenação (cfr. D.L. 226-A/07) o que deve ser aferido e fiscalizado pelas entidades administrativas competentes. Concluindo. Os elementos probatórios carreados para os autos, não permitem ir mais além do que foi o Tribunal recorrido. Nem em relação ao crime de poluição do artº 279º nº 1 do cód. penal, nem em relação ao do artº 280º do mesmo código. Aliás, a assistente não trouxe nada de novo relativamente ao que fora obtido em sede de inquérito, sendo certo que o Ministério Público ordenou então o arquivamento, (cfr. fls. 41). Não podemos esquecer que, encontrando-nos na fase de pronúncia, que assenta num juízo de probabilidade séria e fortemente indiciadora da prática de um (ou mais) crime, não deve o juiz submeter o denunciado a julgamento se não tiver elementos suficientes que lhe permitam acreditar que deles possa vir a resultar uma condenação. O juiz não pode desligar-se da realidade em que assenta toda e qualquer condenação que é apenas e só, a do juízo de certeza da prática do crime. Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança – art. 283º, 2, cód. procº penal. Os indícios serão, pois, suficientes, quando justificam a realização de um julgamento, ou seja, quando a possibilidade de condenação, em função dos indícios, for razoável. Porém, o entendimento do que contenha materialmente o conceito de indícios suficientes não tem colhido unanimidade no que toca à extensão que àquele deve ser conferido, que vai desde a consideração de uma probabilidade dominante (que se pode traduzir em que os indícios serão suficientes quando a possibilidade de futura condenação for mais provável do que a possibilidade de absolvição) até ao denominado critério da possibilidade particularmente qualificada (em que os diversos elementos de prova, relacionados e conjugados, fazem nascer uma convicção de alta probabilidade de que o arguido, em julgamento, será condenado). Assim, para Figueiredo Dias, “os indícios só serão suficientes e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que a absolvição….Tem pois razão Castanheira Neves quando ensina que na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final, só que a instrução preparatória (e até a contraditória) não mobiliza os mesmos elementos que estarão ao dispor do juiz na fase de julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação – Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 1974, pg. 133 -. De outro modo, escreve Germano Marques da Silva que (Curso de Processo Penal, III, 2ª ed., pg. 179) “o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido. A lei não se basta, porém, com um mero juízo subjectivo, mas antes exige um juízo objectivo fundamentado nas provas dos autos. Da apreciação crítica das provas recolhidas no inquérito e na instrução há-de resultar a convicção da forte probabilidade ou possibilidade razoável de que o arguido seja responsável pelos factos da acusação”. Ora, no que concerne à dedução de acusação ou de pronúncia, constitui uma garantia fundamental de defesa, manifestação do princípio da presunção de inocência constitucionalmente consagrado (art. 32º, 2, CRP), que ninguém seja submetido a julgamento penal senão havendo indícios suficientes de que praticou um crime. E o conteúdo normativo a conferir a esse conceito de indícios suficientes não pode alhear-se do mencionado princípio da presunção de inocência – neste sentido, cfr. Ac. TC nº 439/2002, de 23-10, DR-II série, nº 276, de 29.11.2002. Assim, o juízo sobre a suficiência dos indícios, no contexto probatório em que se afirma, deverá passar pela bitola da probabilidade elevada ou particularmente qualificada, correspondente à formação de uma verdadeira convicção de probabilidade de condenação, que será aquela que, num juízo de prognose, exibir a potencialidade de vir a ultrapassar a barreira do in dúbio pro reo na fase de julgamento. A realidade dos autos demonstra que os indícios fortes, assentes em probabilidade séria não resultam minimamente evidenciados. A fundamentação da não pronúncia constante do despacho recorrido, mostra-se adequada e suficiente, não merecendo por isso qualquer censura. Também não decorre dos autos a existência de qualquer outro vício de conhecimento oficioso, mormente os referidos no artº 410º nº 2 do cód. procº penal. Pelo exposto, o recurso é manifestamente de improceder. * DECISÃONestes termos, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pela assistente D…. * Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (quatro unidades de conta). * Porto 9 de Abril de 2014* Augusto Lourenço)[6] Moreira Ramos ___________________ [1] - Cfr. Ac. STJ de 19/6/1996, BMJ 458, 98. [2] - Na redacção dada pela Lei 56/2011 de 15.11, entrada em vigor em 16.12.2011. [3] - A anterior redacção referia a expressão “em medida inadmissível”, que foi objecto de alguma controvérsia, apesar do nº 3 do artigo em causa explicitar o conceito. [4] - Neste sentido, vide Ac. Trib. Rel. Porto de 15.02.2006, disponível em www.dgsi.pt. [5] - Idem Ac. citado. [6] - Acórdão elaborado e revisto pelo relator, (cfr. artº 94º nº 2 do cód. procº penal), sendo da sua responsabilidade a não aplicação do denominado “acordo ortográfico”. |