Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9990/17.3T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DO CONDOMÍNIO
SANÇÃO PECUNIÁRIA
Nº do Documento: RP201805079990/17.3T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 05/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 674, FLS 297-302)
Área Temática: .
Sumário: I - O n.º 1 do artigo 703.º do CPC consagra o princípio da excecionalidade das normas que prevêem títulos executivos avulsos, devido ao seu caráter restritivo de direitos patrimoniais e mesmo processuais do devedor, daí decorrendo o seu âmbito taxativo, bem como a proibição de interpretação analógica.
II - Na aferição do alcance da previsão legal do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de outubro, na parte em que se refere a “contribuições devidas ao condomínio”, haverá que ter em conta o conceito de “Dívidas por encargos de condomínio” a que se reporta a epígrafe da norma em apreço, o qual nos remete para o artigo 1424.º do Código Civil, onde se prevêem tais encargos.
III - Não constituem “encargos de condomínio” as sanções de natureza pecuniária deliberadas pela assembleia de condóminos, razão pela qual não se encontram abrangidas no título executivo previsto n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de outubro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 9990/17.3T8PRT-B.P1

Sumário do acórdão:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Em 3.05.2017, no Juízo de Execução do Porto (Juiz 9), do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, a “Administração do Condomínio B...” instaurou ação executiva contra “C..., Limitada”, para cobrança coerciva da quantia de € 5.803,10, alegando:
«Constam das Actas da Assembleia de Condóminos, e orçamentos anexos, e que constituem os títulos dados à execução.
A Exequente é a Administração do Condomínio B... sito na Rua ..., n.º ..., e Travessa ..., n.º .., ..., Gondomar.
Por seu turno, a Executada é proprietária da fração designada pela letra “V", correspondente a um lugar de garagem na cave, com entrada pelo n.º .. do referido edifício, locatária financeira da fração "AL" correspondente a um estabelecimento comercial (loja 03) no rés-do-chão, com entrada pelos n.ºs .. e ... do referido edifício, e finalmente, ainda, locatária da fração designada pelas letras "ARR" correspondente a uma arrecadação no referido edifício - cfr. cadernetas e informações prediais adiante juntas como docs. 1 a 4.
Em conformidade com o estabelecido no artigo 10.º n.º 1 al. b) do DL n.º 149/95, de 24 de Junho, que instituiu o regime jurídico do contrato de locação financeira, constitui obrigação do locatário "pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum".
Sucede que, a Executada não procedeu ao pagamento de quaisquer contribuições/quotas, despesas e serviços de interesse comum, no período compreendido entre Setembro de 2014 e Março de 2017 (inclusive) respeitantes às frações "V" e "AL", assim como no período compreendido entre Setembro de 2014 e Abril de 2017 (inclusive), respeitante à fração "ARR", ascendendo a dívida ao Condomínio, com referência à data de 11/04/2017, ao montante global de € 4.170,86, de capital – cfr. actas n.ºs Trinta e Três, Trinta e Quatro e Trinta e Cinco, relativas às reuniões da Assembleia de Condóminos realizadas em 09/10/2014, 18/06/2015, e 28/06/2016 que aprovaram os débitos ao Condomínio, assim como o orçamento geral/ordinário para os períodos de Junho de 2014 a Maio de 2015, Junho de 2015 a Maio de 2016, e Junho de 2016 a Maio de 2017, e bem assim, o extracto de valores em débito com referência àquela mesma data - cfr. docs. 5 a 8.
Apesar de devidamente interpelada, a Executada não procedeu ao pagamento das quantias em débito, situação que ainda se verifica à presente data.
Tem, assim, a Exequente direito a haver da Executada, e tendo esta a obrigação de pagar àquela, todo o capital em dívida no aludido valor global de € 4.170,86, e, bem assim, a respectiva pena pecuniária de 2% ao mês conforme estabelecido no art. 30º do Regulamento do Condomínio e deliberado em assembleia de condóminos (cfr. ponto 3 das actas juntas - cfr. doc. 5 a 7), devida pelo não pagamento atempado das contribuições de condomínio, calculada sobre os capitais (contribuições/quotas) sucessivamente em dívida e contada desde as datas em que se venceram até efectivo e integral pagamento, ascendendo a pena pecuniária vencida, na data de entrada em Juízo do presente Requerimento Executivo (24/04/2017), a € 1.332,24 (pena pecuniária diária vincenda de € 2,75).
A Executada deve ainda à Exequente a quantia de € 300,00, a título de honorários devidos ao mandatário e despesas do processo judicial (cfr. ponto 3 das actas juntas como docs. 3 a 5).
Pelo que, à data da entrada em Juízo do Requerimento Executivo (24/04/2017), a quantia e dívida à Exequente totaliza € 5.803,10 (€ 4.170,86 + € 1.332,24 + € 300,00).
A Acta referente à reunião da Assembleia de Condóminos, comprovativa dos débitos invocados e ora reclamados, constitui título executivo extrajudicial de obrigação pecuniária vencida contra o condómino que deixar de pagar – como no caso aconteceu – as suas contribuições para o condomínio, sendo a quantia ora reclamada, inferior ao dobro da alçada do tribunal de 1ª instância, certa, líquida e exigível (cfr. artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94 de 25 de Outubro e artigos 10.º n.ºs 4 a 6, 550.º n.º 2 d) e 703.º n.º 1.º al. d) do novo Código de Processo Civil). Calculou-se a pena pecuniária de 2% ao mês conforme estabelecido no art. 30º do Regulamento do Condomínio e nas actas juntas - cfr. docs. 5 a 7 -, devida pelo não pagamento atempado das contribuições de condomínio, calculada sobre os capitais (contribuições/quotas) sucessivamente em dívida e contada desde as datas em que se venceram até efectivo e integral pagamento, ascendendo a pena pecuniária vencida, na data de entrada em Juízo do presente Requerimento Executivo (24/04/2017), a € 1.332,24 (pena pecuniária diária vincenda de € 2,75).
É ainda reclamado o pagamento da quantia de € 300,00, a título de honorários devidos ao mandatário e despesas do processo judicial (cfr. actas juntas como doc. 5 a 7), despesa a que a Executada deu causa e que a Exequente teve de suportar com vista à efectivação do seu direito.
Pelo que, à data da entrada em Juízo do Requerimento Executivo (24/04/2017), a quantia em dívida à Exequente totaliza € 5.803,10 (€ 4.170,86 + € 1.332,24 + € 300,00)».
Em 18.09.2017 foi proferido despacho com o seguinte dispositivo:
«Em conclusão, o exequente apenas dispõe de título relativamente aos valores peticionados e respeitantes a quotas no valor global de € 4.170,86.
Por todas estas razões a execução terá de ser parcialmente indeferida na parte correspondente – cfr. artigo 726º, n.ºs 2 al. a9 e n.º 3 do CPC.
Por todo o exposto indefiro o pedido executivo e o pedido de cumulação de execuções na parte em que excede a quantia de € 4.170,86».
Não se conformou o exequente/embargado e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões:
1ª - Tendo em conta o que vem sendo decidido por todas as diferentes Relações, é possível asseverar que, atualmente, a jurisprudência maioritária defende a inclusão das penas pecuniárias fixadas nos termos do n.º 1 do art. 1434º, do Código Civil, na expressão “contribuições devidas ao condomínio” (art. 6º n.º 1 do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro).
2ª - Desta forma, a ata da reunião da assembleia de condóminos que delibere sobre a fixação de penas pecuniárias, por falta de pagamento das quotas no prazo estabelecido, constitui título executivo.
3ª - Ora, uma vez que a referida pena aplicável à mora no pagamento das contribuições foi expressamente discutida, fixada e aprovada por maioria dos condóminos nas Atas n.ºs 33, 34 e 35, respetivamente realizadas em 09/10/2014, 18/06/2015 e 28/06/2016, não se descortina qualquer razão para que tal penalidade não possa ser cobrada através de ação executiva intentada com base nas mencionadas Atas.
4ª - Não tendo a Executada, em momento algum, apresentado reclamação, pedido de anulação ou impugnação nos termos do artigo 1433.º do Código Civil, conformou-se, por isso, com o teor de todas as deliberações tomadas nas indicadas reuniões da Assembleia de Condóminos.
5ª - Assim se podendo concluir que inexiste qualquer falta ou insuficiência do título no que respeita à penalidade pela mora peticionada no requerimento executivo, contrariamente ao que é assinalado pela Mmª Juíz a quo no despacho ora recorrido.
6ª - É, desde logo, o preâmbulo do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro, que, com toda a clareza menciona que as normas aí previstas “têm o objectivo de procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal”.
7ª - Logo, e considerando ainda o princípio da economia processual, é absolutamente incoerente entender-se que há regimes distintos para a cobrança, por um lado, das contribuições e despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e, por outro, das quantias relativas às penas pecuniárias legalmente previstas e fixadas pela assembleia de condóminos para o atraso no pagamento das primeiras, porquanto tal entendimento seria incompatível com a intenção legislativa em simplificar e agilizar o regime da propriedade horizontal.
8ª - Pois, não faz o menor sentido, à luz dos mencionados princípios, que, para a cobrança das contribuições e despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, seja possível deduzir imediatamente ação executiva, e, para a cobrança das quantias relativas às penas pecuniárias legalmente previstas e fixadas pela assembleia de condóminos para o atraso no respectivo pagamento se o condomínio credor a instaurar, em primeiro lugar, ação declarativa condenatória tendente a obter um título executivo.
9ª - Por tudo o que vai exposto, conclui-se com toda a certeza que o entendimento defendido no despacho em crise não vai ao encontro do que vem sendo decidido, há muito, pela larga maioria dos nossos tribunais superiores.
10ª - Violou, por isso, o despacho recorrido o princípio da economia processual, assim como, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 1434º n.º 1, do Código Civil, e no artigo 6º n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro. 11ª - Assim, à luz do que precede, e do mais que, doutamente, será suprido, deverá ser dado inteiro provimento ao presente recurso de apelação e revogar-se a decisão recorrida, substituindo-se a mesma por outra que determine a suficiência e exequibilidade das actas juntas como título executivo no que concerne à pena pecuniária peticionada no requerimento executivo, no valor de € 1.332,24, confiando a Apelante, e o signatário, na douta e superior apreciação e decisão de Vossas Excelências, que melhor ajuizarão do acerto e do bem ou mal fundado da Douta Sentença aqui posta em crise.
[…]
Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o mui Douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado inteiro provimento ao presente recurso de apelação e revogar-se a decisão recorrida, substituindo-se a mesma por outra que determine a suficiência e exequibilidade das actas juntas como título executivo e procedência do pedido executivo quanto à pena pecuniária deliberada pela assembleia de condóminos e constante daquelas actas, no valor de € 1.332,24, e, consequentemente, o prosseguimento da execução também nessa parte, com o que se fará sã, serena e habitual J U S T I Ç A.
Não foi apresentada resposta às alegações de recurso.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se numa única questão: saber se as atas do condomínio podem constituir título executivo relativamente à sanção pecuniária.

2. Fundamentos de facto
A factualidade relevante provada é a que consta do relatório que antecede.

3. Fundamentos de direito
A questão em debate neste recurso não é pacífica, constituindo um tema de profunda divergência jurisprudencial, como se ilustra com a breve síntese que se segue:
Pronunciam-se a favor da tese defendida pelo recorrente, os seguintes acórdãos (todos acessíveis no site da DGSI): desta Relação - de 17.05.2016, processo n.º 2059/14.4TBGDM-A.P1, de 24.09.2013, processo n.º 7378/11.9YYPRT-A.P1, de 24.02.2015, processo n.º 6265/13.0YYPRT-A.P1; da Relação de Lisboa - de 9.97.2007, processo n.º 9276/2007-7; de 20.0.2014, processo n.º 8801/09.8TBCSC-A.L1-2, da Relação de Guimarães – de 2.03.017, processo n.º 2154/16.5T8VCT-A.G1; e de 22.10.2015, processo n.º 1538/12.2TBBRG-A.G1.
Contra a tese defendida pelo recorrente (e a favor da que obteve acolhimento na sentença recorrida), registam-se os seguintes arestos: desta Relação – de 16.12.2015, processo n.º 2812/13.6TBVNG-B.P1; da Relação de Guimarães, de 8.01.2013, processo n.º 8630/08.6TBBRG-A.G1; e da Relação de Coimbra – de 4.06.2013, processo n.º 607/12.3TBFIG-A.C1; e de 7.02.2017, processo n.º 454/15.0T8CVL.C1[1].
Vejamos a previsão normativa na qual radica a divergência de interpretação.
Preceitua o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de outubro:
«A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte
A questão recursória resume-se a saber se as penalizações pecuniárias objeto de deliberação dos condóminos integram ou não a previsão do normativo que se transcreveu.
Na resposta à questão enunciada, não pode o julgador prescindir da convocação de várias normas (de direito substantivo e adjetivo) cm vista à interpretação a efetuar sempre de acordo com as regras previstas no artigo 9.º do Código Civil.
Iniciamos o nosso percurso interpretativo, por um princípio que emerge do artigo 703.º do Código de Processo Civil: o da excecionalidade das normas que preveem títulos executivos.
Dispõe o artigo 703.º do Código de Processo Civil
«1 — À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
2 — Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante».
Sublinhámos as palavras “apenas” e “disposição especial”, para enfatizar o princípio da excecionalidade das normas que preveem títulos executivos avulsos em razão do seu caráter restritivo de direitos patrimoniais e mesmo processuais do devedor, como refere Rui Pinto na obra citada [Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, 2017 (A Execução de Dívidas de Condomínio), pág. 196].
Face à apontada característica de excecionalidade, as normas que preveem títulos executivos extrajudiciais têm um âmbito taxativo, não admitindo interpretação analógica, apesar de permitirem interpretação extensiva, atento o disposto no artigo 11.º do Código Civil.
Definida a natureza excecional da norma, passamos à integração concreta da sua previsão.
Decorre da sua interpretação gramatical, que o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 atribui força executiva à ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado a obrigação de cumprimento pelos condóminos das seguintes prestações: i) contribuições devidas ao condomínio; ii) quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns; iii) pagamento de serviços de interesse comum.
E poderemos integrar no conceito de “contribuições devidas ao condomínio” as sanções pecuniárias?
Haverá que tomar em consideração a epígrafe do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10: «Dívidas por encargos de condomínio».
O artigo 1424.º do Código Civil define como encargos de condomínio os respeitantes à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como os que respeitam aos “serviços de interesse comum”.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[2], nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns incluem-se todas as que sejam indispensáveis para manter essas partes em condições de poderem servir para o uso a que se destinam.
Sendo inegável a conclusão de que, uma vez fixada e deliberada em ata, a penalização pecuniária em que incorre o condómino se traduz numa “contribuição devida ao condomínio”, haverá, no entanto, que concluir, atenta a sua natureza excecional, que o título executivo a que se refere o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 [sob a epígrafe «Dívidas por encargos de condomínio»] não abrange no seu âmbito tal penalização, na medida em que esta não corresponde a um “encargo de condomínio” de acordo com a definição consagrada no artigo 1424.º do Código Civil.
Os “encargos de condomínio” a que se referem o artigo 1424.º do Código Civil e o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 apenas respeitam à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como aos “serviços de interesse comum”, traduzindo-se na contribuição proporcional de cada condómino para tais despesas.
Como bem se refere no acórdão da relação de Coimbra, de 7.02.2017, anteriormente citado, se, por exemplo, um condómino danificar uma parte comum do edifício e a assembleia de condóminos deliberar a sua obrigação de reparação, fixando um valor, a ata de tal reunião não constitui título executivo contra o condómino para pagamento dessa quantia, porquanto, neste caso, a contribuição exigida ao condómino não constitui um encargo resultante da sua relação com o condomínio, antes resultando do facto de ser ele o autor do dano.
Tal como no exemplo dado, a contribuição referente a uma penalização deliberada pela assembleia de condóminos nada tem a ver com a previsão legal do artigo 1424.º do Código Civil, não se integrando na previsão do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, encontrando-se prevista, no n.º 1 do artigo 1334.º do Código Civil, que permite a fixação de «penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador».
Fazendo apelo às regras de interpretação previstas no artigo 9.º do Código Civil, constituem elementos da interpretação jurídica: a análise da letra e a determinação do espírito da lei, sendo esta efetuada através dos elementos racional, sistemático, histórico e conjuntural.
O Código Civil incorpora no conceito de “pensamento legislativo” (art.º 9.º/1 do CC) um elemento interpretativo de particular relevância – racional ou ratio legis[3] - o qual se traduz na razão de ser, no fim objetivo, prático, que a lei se propõe atingir; a ratio legis revela a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina[4].
E o objetivo visado pelo legislador ao atribuir à ata de deliberação do condomínio força executiva, através de «disposição especial» [art.º 703.º, n.º 1, d) do CPC], terá sido o de garantir a imediata exequibilidade das “Dívidas por encargos de condomínio”, como se inscreve na epígrafe do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, abrangendo o título apenas as “contribuições devidas ao condomínio” referentes a tais encargos.
Pensamos, salvo o devido respeito, que conclusão diversa não encontra suporte legitimador no parâmetro de excecionalidade expressamente previsto para os títulos executivos avulsos.
Com efeito, se considerarmos que o conceito de “contribuições devidas ao condomínio” para efeitos de integração da previsão do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, abrange tudo o que for devido – qualquer contribuição, desde que deliberada pela respetiva assembleia – deparamo-nos com uma “norma aberta” em que a assembleia de condóminos assume uma estranha soberania: tudo o que delibera que seja devido ao condomínio passa a ser de imediato exequível sem recurso à ação declarativa.
Em conclusão, a integração da previsão legal do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, no que concerne às “contribuições devidas ao condomínio” deverá ser feita com referência ao artigo 1424.º do Código Civil, que define como encargos de condomínio os respeitantes à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como os que respeitam aos “serviços de interesse comum”.
Decorre do exposto a improcedência da pretensão recursória, devendo, em consequência, manter-se a decisão recorrida.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, ao qual negam provimento e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
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Custas do recurso a cargo do recorrente.
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A presente decisão compõe-se de doze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator.
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Porto, 7 de maio de 2018
Carlos Querido
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
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[1] No mesmo sentido, veja-se o Professor Rui Pinto, in Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, 2017 (A Execução de Dívidas de Condomínio), pág. 192: «… esta ata não constitui título executivo de quaisquer outras obrigações pecuniárias de condomínio, como o pagamento de penas pecuniárias fixadas pela assembleia do condomínio, nos termos do art.º 1434.º do CC. […] as penalidades não são nem “contribuições”, nem “despesas”, mas obrigações sucedâneas por incumprimento». Veja-se ainda no mesmo sentido a posição expressa no Código Civil Anotado, Volume II, Coordenação de Ana Prata, Almedina, 2017, pág. 261.
[2] Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, 1972, pág. 368.
[3] Vide Diogo Freitas do Amaral, in Código Civil Anotado, Volume I, Coordenação de Ana Prata, Almedina, 2017, pág. 24.
[4] Vide Santos Justo, in Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra Editora, 5.ª Edição, 2011, pág. 339.