Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
977/09.0TBMCN.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
CONTRATO DE SEGURO FACULTATIVO
Nº do Documento: RP20130314977/09.0TBMCN.P1
Data do Acordão: 03/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I- Um terceiro lesado, estranho a um contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil, pode demandar directamente a seguradora pedindo que esta o indemnize do dano que lhe foi causado pelo tomador de seguro e que se encontra incluído no risco coberto pelo seguro.
II- Essa possibilidade resulta da configuração do contrato de seguro de responsabilidade civil como contrato a favor de terceiro, como contrato com eficácia de protecção para terceiro, como forma de assunção cumulativa ou, ainda, através da interpretação ou integração da vontade negocial.
III- Incorre em violação culposa de disposições legais de segurança destinadas a proteger os interesses dos utentes do espaço onde as obras estão a ser executadas, o autor das obras que abre buracos numa rua de uma povoação para colocar sinais de trânsito e deixa esses buracos abertos durante o período nocturno, sem sinalização ou vedação que impeça o acesso ao local, pelo que é responsável pelos danos sofridos por um transeunte que cai no buraco.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Recurso de Apelação
Processo n.º 977/09.0TBMCN.P1 [Tribunal da Comarca de Marco de Canavezes]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.
B….., residente em …, Marco de Canaveses, instaurou contra a C…., S.A., com sede na Rua …, n.º .., em Lisboa, acção declarativa sob a forma de processo comum ordinário, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de €32.452,10, acrescida de juros à taxa legal desde a citação, até integral pagamento.
Alegou para o efeito que no dia 24 de Setembro de 2007 quando circulava a pé pelo passeio caiu num buraco aberto durante a execução de uma obra por trabalhadores da D…., S.A., o qual não se encontrava sinalizado, tendo sofrido lesões corporais que lhe determinaram danos patrimoniais e não patrimoniais, sendo que aquela empresa tinha celebrado com a ré um contrato de seguro transferindo para esta a responsabilidade civil por danos causados a terceiros.
A ré contestou por excepção e impugnação, alegando que o contrato de seguro é meramente facultativo, que não implica a transferência para a ré da obrigação de indemnizar o autor, que a sua cobertura pressupõe a verificação dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, que desconhece e por isso impugna os factos alegados relativos ao sinistro e aos danos que o autor diz ter sofrido. Termina dizendo que deve ser absolvida do pedido por não ter sido com o A. que subscreveu o seguro; ser absolvida da instância por ilegitimidade passiva; ser absolvida do pedido por os factos e os danos apresentados não estarem compreendidos na cobertura do seguro; ser absolvida do pedido por improcedência da acção.
No despacho saneador não se analisou ou afirmou a legitimidade passiva da ré, tendo a apreciação das excepções deduzidas pela ré sido relegada para a decisão final, com o argumento de que os autos não dispunham de elementos suficientes para o efeito.
Devidamente tramitada e instruída, a acção prosseguiu até julgamento, findo o qual foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e condenando a ré a pagar ao autor a quantia de €4.782 acrescida de juros à taxa legal contados da data da decisão.
Do assim decidido, a ré interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1. A Recorrente considera … que foram incorrectamente julgados os … quesitos n.ºs 1, 2 e 4 da Base Instrutória, cuja alteração se requer pelos motivos que se passam a resumir:
2. Relativamente ao quesito 1.º … as declarações de todas as testemunhas arroladas pelo próprio Autor, seus amigos de copos do café frequentado, à excepção da testemunha E…., foram no sentido do buraco onde o Autor terá caído (uma vez que ninguém o viu cair) se situar na própria rua e não em nenhum passeio, porque naquela rua não existia, assim, como ainda não existe, nenhum passeio;
3. que esse e os outros muitos buracos ali existentes se encontravam há muito tempo, seguramente, pelo menos há 8 dias antes da ocorrência/queda do A.;
4. Que o A., como todas as testemunhas ouvidas, especialmente a testemunha E…., estiveram a beber no café da mulher deste durante aquela noite, como era habitual acontecer todas as noites;
5. Tais factos … faria impender sobre o Autor um especial dever de cuidado, uma vez que estava a passar por um local em obras há mais de um ano e com buracos reconhecidos há muito tempo, há mais de oito dias,
6. O Autor contribuiu, por sua única culpa, para a ocorrência da sua própria queda, sendo-lhe imputável a queda e todas as consequências, danos e prejuízos alegadamente decorrentes de tal ocorrência, nos termos e para os efeitos previstos no Art. 570.ºdo C.C.
7. O tribunal «a quo» devia ter julgando o quesito 1º da seguinte forma: «Facto 1) provado apenas que no dia 24 de Setembro de 2007, pelas 23 horas, o autor, após sair de um estabelecimento de café onde esteve a beber uns copos com os seus amigos sito na Rua …., em …., Marco de Canaveses, caminhava na rua quando caiu num dos buracos abertos, no decurso das obras que no local há mais de um ano se encontravam a realizar, para colocação de sinais de código», alteração que se requer.
8. Relativamente ao quesito n.º2 … deveria ter o Tribunal respondido no sentido negativo, uma vez que nenhuma prova foi feita pelo Autor de ter sido a empresa D…., SA, a executar as obras no local da ocorrência, designadamente, como a responsável pela abertura dos buracos para colocação dos sinais de trânsito.
9. As declarações das várias testemunhas arroladas pelo Autor … não foram (nem nunca poderiam ser por si só) suficientes para julgar provado o … quesito n.º2 … necessitando tal facto de prova documental própria e devida (alguma declaração confessa de tal facto pelo responsável de tal empresa) e/ou por algum responsável que atestasse em depoimento e sob juramento tal facto, o que não se verificou.
10. Não é pelo facto de se verem no local funcionários com capacetes de uma empresa, neste caso a empresa D......, ou do facto do nome de uma empresa constar numa placa junto ao local onde decorrem as obras que se poderá com a certeza jurídica necessária responsabilizar tal empresa por um facto ilicitamente perpetrado… neste caso que tenha sido um funcionário da D......, SA, ou alguém directamente a seu mando quem abriu o buraco onde o Autor terá caído.
11. É de senso comum que as obras públicas de grande envergadura, como seria a do presente caso, serem atribuídas por concessão, depois de um concurso público, sendo várias as empresas que depois, em concreto, realizam e executam os mais variados trabalhos, mediante as respectivas especialidade e por contratos devidamente celebrados, a maioria já por subempreitada!
12. Não existe qualquer documento/contrato nos autos que dite e prove ter sido a D......, SA quem executou a obra e/ou quaisquer trabalhos, designadamente os de abertura dos buracos existentes no local onde ocorreu a queda do A.
13. O documento, de fls. 44, G......ido na motivação do tribunal recorrido, correspondente ao Doc. n.º 1 junto pelo Autor com a sua petição inicial e consiste numa descrição de sinistro num papel timbrado onde aparece o nome da empresa ???F…., assinada por alguém cuja assinatura é ilegível, e que foi devidamente impugnado, como documento particular que se tratava, pela aqui Recorrente nos termos e para os efeitos previstos nos art.sº 544º do C.P.C. e 374.º do C.C.!
14. Cabia ao Autor, impugnado que ficou tal documento, provar o teor, autenticidade e genuidade deste documento, que não o fez, uma vez que nenhuma das testemunhas que depôs na audiência de discussão e julgamento foi o seu autor e subscritor!
15. Não podia, nem devia, o tribunal recorrido, valorar minimamente que fosse tal documento particular, legalmente impugnado pela aqui Recorrente, violando claramente um dos mais básicos princípios dispostos na lei processual civil!
16. Não existindo qualquer outra prova, e seria sempre a documental a exigida para a certeza jurídica que se impõe na condenação de alguém, forçoso é concluir que não foi provado tal facto, de que a abertura do buraco onde o Autor caiu fosse realizada ou por um funcionários da D......, SA, ou a mando desta empresa, por subempreitada a outra e que naquela obra laborassem.
17. Existe ainda contradição insanável na motivação da própria resposta à matéria de facto: se por um lado o tribunal recorrido considera ser a D......, SA a responsável pela execução das obras no local do sinistro, por outro lado afirma: «não se concluindo (…) se de facto as obras efectuadas pela D......, SA, foram empreitadas pela G...... (…), se bem que se fica por saber se foram empreitadas pela G...... à D....., SA, ou se o foram a esta no âmbito de algum contrato de sub-empreitada) e se a sede desta empresa se situa ou não em Lisboa (…)».
18. … para a presente decisão da causa o apuramento desses factos … é … imprescindível, sob pena de se responsabilizar uma entidade que não teve qualquer ligação com a ocorrência do presente sinistro!
19. Não será … suficiente o depoimento de uma única testemunha, a aqui testemunha H…., para fundamentar tamanha decisão quanto a um facto, quando já suscita dúvidas ao tribunal recorrido no demais, e quando tal testemunha é totalmente contrária ao que todas as restantes testemunhas oculares também presenciaram, para além de se questionar as condições em que se encontraria depois de ter passado a noite a beber uns copos, como ele próprio confessou ao Tribunal!
20. O quesito n.º 2 … deverá ser «não provado», alteração que especificamente se requer.
21. Relativamente ao quesito n.º4, … o tribunal «a quo» também não dispunha de meios probatórios suficientes para sustentar a sua decisão, pois o próprio tribunal «a quo», na motivação da decisão da matéria de facto, reconhece as diferenças e contradições encontradas nos depoimentos das testemunhas H…., I…., J…., K…. e o depoimento da primeira testemunha, E….:
22. O tribunal recorrido deveria ter valorado os depoimentos da maioria das testemunhas supra referidas, julgando «não provado» o quesito n.º4 … em vez de ter valorado especialmente o depoimento da … testemunha E…., sem tomar em consideração o facto de ela «ter bebido uns copos» no café da sua esposa, antes da ocorrência…
23. Por tudo o exposto a resposta ao quesito n.º4 … deverá ser alterada para «não provado».
24. Sustenta erradamente … a sentença recorrida que o Autor tem legitimidade para demandar directamente a C…., S.A., pois o contrato de seguro titulado pela apólice que foi accionada não transfere directa e necessariamente a eventual responsabilidade que possa ser aferida ao seu segurado, sendo que os únicos tipos de contratos de seguro em que tal ocorre, são o da Responsabilidade Civil Automóvel e de Acidentes de Trabalho, razão pela qual, as acções a intentar pelos terceiros/lesados, podem ser directa e unicamente intentadas contra as respectivas companhias de seguro, titulares das respectivas apólices de seguro.
25. Inserindo-se a apólice de seguro subscrita pela D......, S.A., junto da C…., no âmbito da Responsabilidade Civil Extracontratual têm, obrigatória e cumulativamente, que se verificar no caso em concreto todos os pressupostos constantes no art.º 483º C.C., e que sejam passíveis de atribuição ao segurado, não possuindo, consequentemente, a aqui Recorrente legitimidade passiva para intervir nos autos como parte principal, sequer.
26. A Recorrente será apenas titular de uma relação jurídica conexa com a que se discute nos presentes autos.
27. O estatuto correcto para a aqui Seguradora intervir nos autos, seria o da Intervenção Acessória Provocada, previsto no art.º 330º e segs. do Código de Processo Civil, onde se alude especificamente ao direito de regresso do réu e ao chamamento do terceiro para auxiliar na defesa, conforme requereu na sua contestação, não podendo nunca ser demandada directamente como parte principal.
28. O tribunal recorrido apoia-se num único Acórdão existente proferido a 13.02.2012. para sustentar a posição contrária, não tendo em conta que as circunstâncias do caso julgado naquele acórdão diferem, no substancial, ao do presente e que vão esmagadoramente ao arrepio da maioria da jurisprudência proferida e ao arrepio do acolhimento da doutrina;
29. O tipo de contrato em discussão nos presentes autos, apólice de responsabilidade civil extracontratual, não consubstancia uma transferência directa da responsabilidade do segurado para a sua seguradora, aqui Recorrente, tendo sempre que no caso em concreto e na actuação do segurado em cada caso concreto, obrigatória e cumulativamente, que se verificarem todos os requisitos impostos no dispositivo legal do art.º 483º, n.º1, do Código Civil, o que no presente caso não se verificou.
30. Não tendo o Autor dos presentes autos subscrito junto da Recorrente o presente contrato de seguro, não podia directamente demanda-la no ressarcimento dos danos que reclama sem que primeira e cumulativamente se tivesse apurado a culpa e ilicitude de qualquer facto e/ou omissão perpetrado pela D......, esta sim, entidade segurada pela apólice de seguro accionada.
31. … deveria a Recorrente ter sido absolvida totalmente do pedido….
32. … a sentença recorrida violou o … artigo 483.º, n.º 1 do C.C. e artigos 330º e seguintes e 544º e seguintes do C.P.C., vícios previstos na alínea a) do n.º2 do art.º 685.º-A do C.P.C.
O recorrida não respondeu ao recurso.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.
Questões a resolver:
As alegações de recurso colocam este Tribunal perante o dever de resolver as seguintes questões:
i) Se os meios de prova produzidos nos autos motivam uma decisão diferente em relação aos artigos 1.º, 2.º e 4.º da base instrutória, devendo alterar-se a decisão da matéria de facto correspondente.
ii) Se perante um contrato de seguro de responsabilidade civil facultativo celebrado pelo agente de um facto danoso, o terceiro lesado, estranho ao contrato de seguro, pode demandar directamente a seguradora exigindo que esta o indemnize dos danos que sofreu.
iii) Se estão verificados todos os pressupostos do instituto da responsabilidade civil relativamente ao autor do facto danoso.

III.
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1) O autor é beneficiário n.º 116174113 da Administração Regional de saúde do Porto. [al. A) dos factos assentes]
2) A D......, S.A. celebrou com a Ré C…., SA, o contrato de seguro titulado pela apólice n.º 9800/51482, tendo como objecto de seguro o ramo Obras e Montagens. [al. B) dos factos assentes]
3) No dia 24 de Setembro de 2007, pelas 23 horas, o autor, após sair de um estabelecimento de café sito na Rua …, em …, Marco de Canaveses, caminhava no passeio quando caiu num buraco aberto para colocação de sinais de código. [art. 1.º da base instrutória]
4) No local decorriam obras levadas a cabo pela Sociedade D......, SA, cujos trabalhadores haviam procedido à abertura do dito buraco. [art. 2.º da base instrutória]
5) No local inexistia qualquer sinalização, vertical ou horizontal, que assinalasse a existência do mesmo buraco. [art. 3.º da base instrutória]
6) O autor, que seguia a pé, acompanhado do E......, dirigindo-se ambos à viatura deste, estacionada nas proximidades, tendo sido surpreendido pela situação inesperada que se lhe deparou. [art. 4.º da base instrutória]
7) O autor, em consequência da queda, foi transportado de imediato ao Hospital de Santa Isabel, da Santa Casa da Misericórdia do Marco de Canaveses, onde recebeu os primeiros socorros nos serviços de urgência. [art. 5.º da base instrutória]
8) Após o que frequentou as consultas na urgência e as consultas externas de ortopedia. [art. 6.º da base instrutória]
9) O autor sofreu ferida corto contusa na perna direita; escoriação junto ao joelho direito; hematoma na região lombar; edema da IF 22 1F3 do anelar da mão esquerda no RX da mão observa-se lesões do enterfológico. [art. 7.º da base instrutória]
10) O autor é amputado da mão direita e a queda que sofreu envolveu um período de 46 dias com repercussão temporária na actividade profissional. [art. 8.º da base instrutória]
11) O autor auferia na sua actividade profissional uma remuneração mensal base de €732. [art. 12.º da base instrutória]
12) Em consequência da queda, o autor não auferiu a remuneração referente ao mês de Outubro de 2007. [art. 14.º da base instrutória]
13) O autor nasceu em 3 de Dezembro de 1954. [art. 15.º da base instrutória]
14) O autor passou momentos de angústia quando teve o acidente. [art. 18.º da base instrutória]
15) Seguidos de dor física. [art. 19.º da base instrutória]
16) O autor sofreu desgosto, incómodos e preocupações. [art. 20.º da base instrutória]
17) Em consequência do acidente o autor danificou umas calças, no montante de € 50,00. [art. 22.º da base instrutória]

IV.
a] da matéria de facto:
A recorrente impugna a decisão da matéria de facto reclamando uma alteração relativamente ao decidido no tocante aos artigos 1.º, 2.º e 4.º da base instrutória.
A recorrente cumpriu os requisitos legais de que, nos termos do artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, depende a admissibilidade da impugnação da matéria de facto (especificação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados; especificação dos concretos meios de prova constantes do processo ou da gravação nele realizada, que impunham decisão sobre esses pontos diversa da recorrida, com indicação com exactidão das passagens dos depoimentos em que se funda a impugnação), pelo que nada obsta ao conhecimento do recurso nesta parte.
De referir, aliás, que estas exigências parecem mais talhadas para as situações em que o recorrente defende que existem meios de prova nos autos que permitem a prova do contrário ou a contraprova do que foi decidido e não propriamente para a situação, que aqui ocorre, em que o recorrente se limita a questionar a suficiência/insuficiência dos meios de prova atendidos pelo tribunal recorrido para julgar provados/não provados os factos objecto da impugnação.
Daí que neste caso pareça suficiente para satisfazer os requisitos legais da impugnação da matéria de facto previstos na alínea b), do nº 1, do artigo 685º-B, do Código de Processo Civil, que o recorrente indique o depoimento que afirma por si só insuficiente para conduzir ao resultado probatório que impugna, tal como quando estiver em causa a credibilidade de um certo meio de prova pessoal, bastará a remissão para os segmentos do meio de prova em causa que contenham a sua razão de ciência e a sua análise crítica ou, nos casos em que não seja indicada razão de ciência, a mera referência à ausência dessa indicação – neste sentido, o Acórdão deste Tribunal de 04.02.2013, in www.dgsi.pt, com argumentos judiciosos que merecem a nossa inteira adesão, e no qual se afirma certeiramente que “o que será absolutamente necessário para que o recurso relativo à matéria de facto possa ser apreciado é que os pontos do julgamento da matéria de facto postos em crise, bem como as razões da discordância do recorrente quanto ao julgamento da matéria de facto se compreendam, de forma inequívoca” –.
De referir, também, que a nosso ver, no seguimento da jurisprudência absolutamente maioritária, o objecto da cognição do Tribunal da Relação não é a coerência ou a racionalidade da fundamentação da decisão de facto do tribunal a quo, mas sim a apreciação e valoração da prova produzida perante o tribunal a quo, cabendo ao Tribunal da Relação o dever de gerar a sua própria convicção através da sua específica análise do valor probatório dos meios de prova produzidos, independentemente da desvantagem da falta de imediação em relação a esses meios de prova que a mera gravação áudio dos depoimentos não permite garantir de todo.
Finalmente, deve acentuar-se que no nosso sistema processual, com excepção das situações da chamada prova legal, isto é, das situações em que para a prova de um determinado facto a lei exige um específico meio de prova ou impede que o mesmo possa ser provado mediante certos meios de prova – que o legislador presume serem mais falíveis e inseguros –, vigora o sistema da prova livre. Este caracteriza-se por duas ideias força complementares: o tribunal aprecia livremente os meios de prova (o que o meio prova); o tribunal é livre na atribuição do grau do valor probatório de cada meio de prova produzido (a quantidade de prova produzida por aquele meio).
O que significa que em cada caso o tribunal é livre para considerar suficiente a prova testemunhal produzida ou para considerar que a mesma é afinal insuficiente e exigir outro meio de prova de maior valor probatório (leia-se: de maior capacidade para convencer o juiz da probabilidade do facto em discussão).
Manda a lei que na dúvida o juiz decida contra a parte onerada com a prova – artigos 346.º do Código Civil e 516.º do Código de Processo Civil. Todavia, não diz a lei qual o critério ou a medida dessa dúvida que consente essa solução probatória final. Não havendo norma ordinária ou constitucional que se pronuncie sobre este aspecto, a nosso ver a prova de um facto num processo judicial e para fins jurídicos é a demonstração de um alto grau de probabilidade (e não de mera possibilidade) de o mesmo corresponder à realidade material dos acontecimentos (dita verdade ontológica). O poder soberano que o Tribunal exerce, impondo às partes, mais que os efeitos jurídicos dos factos, os efeitos práticos da decisão jurisdicional, supõe e exige, como matriz radical da sua própria legitimidade, não uma qualquer probabilidade (apenas mais provável que não) mas um alto grau de probabilidade.
Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz – meio da apreensão e não critério da apreensão – a ideia de que o facto em discussão, mais do que ser possível e verosímil, possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, a um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso. Donde resulta que se a prova produzida for residual, o tribunal não tem de a aceitar como suficiente ou bastante só porque, por exemplo, nenhuma outra foi produzida e o facto é possível.
Contudo, esta não é uma regra imutável e insusceptível de adequação prática. Pelo contrário, é uma regra que o julgador, com recurso ao bom senso e ao justo equilíbrio das coisas, há-de definir e aplicar caso a caso, em função das exigências de justiça que o mesmo coloca, determinadas a partir de aspectos como o da acessibilidade dos meios de prova, da sua facilidade ou onerosidade, do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados, do relevo do facto na economia da acção.
O julgador não pode nunca esquecer que num processo subordinado ao princípio do contraditório a colocação de um padrão de prova particularmente exigente pode conduzir à negação dos direitos, na medida em que dificulta a demonstração dos pressupostos de facto do direito, mas a aceitação de um padrão pouco exigente importa precisamente o mesmo risco, na exacta medida em que ao facilitar a prova de quase tudo acaba por contemporizar com estratégias processuais vagas, difusas e pouco sustentadas, seja do lado activo seja do lado passivo da lide e, portanto, potencia a possibilidade de se fazer a prova do que não é verdade, perturbando o reconhecimento dos direitos correspondentes ao que realmente sucedeu.
Por conseguinte, caso a caso o juiz deve adequar essa regra – esse grau de exigência – aos contornos da concreta situação que tem para julgar e ao contexto da prova dos factos que a corporizam. E para isso relevam, como se referiu, aspectos como a postura processual das partes, a posição que em relação aos factos ensaiaram nos seus articulados, a maior ou menor facilidade em produzir prova.
Assentes estas ideias, entremos agora na análise da impugnação.
No artigo 1º perguntava-se se “No dia 24 de Setembro de 2007, pelas 23,00 horas, o Autor após sair de um estabelecimento de café, pertencente a E......, sito na Rua …, em …, Marco de Canaveses, e atravessar a passadeira destinada a peões existente naquele local, caminhava no passeio do viaduto 2, restabelecimento 1.9, na Rua Alto da Ribeira, em Fornos, Marco de Canaveses, quando caiu num buraco aberto para colocação de sinais de código, situado a cerca de três metros da referida passadeira?
O Tribunal “a quo” respondeu a esse artigo do forma restritiva, julgando provado apenas que “No dia 24 de Setembro de 2007, pelas 23 horas, o autor, após sair de um estabelecimento de café sito na Rua …., em Fornos, Marco de Canaveses, caminhava no passeio quando caiu num buraco aberto para colocação de sinais de código.”
Portanto o Tribunal julgou provado que o autor caminhava no passeio quando caiu num buraco aberto, mas julgou não provado (para além de factos absolutamente irrelevantes como a titularidade do café) que ele atravessou a passadeira e que o buraco se situava a cerca de três metros da passadeira.
A recorrente pretende que o que ficou provado foi que “No dia 24 de Setembro de 2007, pelas 23 horas, o autor, após sair de um estabelecimento de café onde esteve a beber uns copos com os seus amigos sito na Rua …., em …., Marco de Canaveses, caminhava na rua quando caiu num dos buracos abertos, no decurso das obras que no local há mais de um ano se encontravam a realizar, para colocação de sinais de código”.
No fundo a recorrente quer que elimine a indicação de que o autor caminhava num passeio quando caiu no buraco, uma vez que caminhava sim na rua. E quer que se acrescente ao artigo a menção de que antes da queda o autor esteve num café a beber uns copos com os amigos e que as obras no decurso das quais o buraco foi aberto estavam a decorrer no local há mais de um ano.
Começando pelos reclamados aditamentos à matéria de facto, a verdade é que tal matéria de forma alguma podia ser objecto de julgamento pelo Tribunal “a quo”.
Com efeito, essa matéria compreende dois aspectos absolutamente novos no processo e nos quais a ré parece querer enraizar uma defesa que não deduziu em devido tempo, ou seja, na respectiva contestação, onde não se detecta a mais pequena referência ao estado de consciência do autor no momento do facto e ao conhecimento que o mesmo devesse ter há muito da localização do buraco.
Ora, conforme resulta do disposto no artigo 664.º do Código de Processo Civil, em princípio, o tribunal só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, com excepção apenas dos factos notórios, dos factos de que tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções e dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa. No tocante aos factos essenciais, o Tribunal pode ainda levar em consideração os que resultem da instrução e discussão da causa, mas para isso é necessário que a parte interessada esteja atenta à evolução da prova e deduza expressamente o requerimento no sentido de os novos factos passarem a fazer parte do objecto do processo, como se tivessem sido alegados por si no momento oportuno.
Por outro lado, nos termos dos artigos 467.º e 488.º do Código de Processo Civil são as partes que têm o ónus de alegar os factos que pretendem ver julgados e apreciados pelo Tribunal. Fora das situações de conhecimento oficioso ou mediante requerimento acima indicadas, o Tribunal não goza da faculdade de acrescentar ao objecto da lide factos essenciais, ainda que os mesmos se lhe afigurem como indispensáveis para a descoberta da verdade material e a justa composição do litígio tal como ele ocorreu de facto e não como ele se mostra configurado e desenhado pelas partes.
Os dados de facto que a recorrente pretende que sejam acrescentados à resposta são inevitavelmente factos essenciais para a defesa da ré já que através deles esta pretende argumentar no sentido da culpa do autor na produção dos danos que sofreu. Por conseguinte, não tendo sido alegados na contestação, como deviam, a sua introdução legítima no objecto do processo só poderia ocorreu mediante requerimento para o seu aproveitamento apresentado em sede de audiência de julgamento na sequência do seu afloramento pelos meios de prova aí produzidos – artigo 264.º, n.º 3, do Código de Processo Civil –. Não o tendo sido, fixou-se definitivamente a matéria de facto que ao tribunal era possível julgar e que é possível levar em consideração nos autos.
Assim, essa matéria não foi alegada pelas partes, motivo pelo qual também não podia ter sido levada à base instrutória e daí que não constasse mesmo desta peça. Ora, como não constava, a eventual resposta que a acrescentasse ao facto sob julgamento, seria sempre uma resposta excessiva ou exorbitante que, por conseguinte, teria sempre de ser considerada não escrita, uma vez que nem o seu objecto nem o seu objectivo seriam o mero esclarecimento do facto em discussão, mas verdadeiramente o aditamento de dois novos factos destinados a impedir, modificar ou reduzir o valor jurídico dos factos em discussão.
Na verdade, ainda que as respostas aos quesitos possam ser, não apenas positivas ou negativas, mas também restritivas ou explicativas, a possibilidade de se aditar uma explicação ou esclarecimento ao facto quesitado só é possível relativamente a factos meramente instrumentais. Tratando-se, pelo contrário, de factos essenciais, ou a parte manifesta interesse em se aproveitar deles, caso em que os mesmos são aditados à base instrutória e objecto de um julgamento específico após o pleno exercício do contraditório, ou pura e simplesmente não podem ser considerados e, como tal, também não introduzidos sub-repticiamente no processo através de respostas exorbitantes a outros factos.
No que concerne à reclamada eliminação da indicação de que quando caiu no buraco o autor caminhava num passeio e à sua substituição pela menção de que caminhava sim na rua, não há como deixar de reconhecer, como assinalou, aliás, o tribunal recorrido que a prova produzida é assaz escassa.
No entanto, existem dois meios de prova que apontam no sentido de que o autor caminhava no passeio: a testemunha E......, que foi a única pessoa que estava perto do autor quando se deu a queda, uma vez que estavam ambos a deslocar-se para entrar no veículo que a testemunha tinha estacionado no local, e o documento de folhas 44. As restantes testemunhas, como refere a recorrente, não confirmaram a existência do passeio.
Todavia, é óbvio que no local estavam a decorrer trabalhos, cuja execução foi aparentemente demorada, e que já passou muito tempo sobre o acontecimento. Estas circunstâncias são de molde a não atribuir grande relevo à eventual divergência entre os depoimentos e, por outro lado, a admitir com grande possibilidade que a memória das pessoas possa já não ser a mais fidedigna – era de noite; com as obras mudaria frequentemente a situação no local e haveria, por certo, locais ocupados num momento e libertos noutro momento –. Nessa medida, em rigor, o Tribunal deve acolher os meios de prova que evidenciem melhor ou mais intenso conhecimento do local e que sejam o mais contemporâneos possível do acontecimento.
Nessa perspectiva, é inevitável atribuir maior valor probatório precisamente aos dois meios de prova que referem o passeio. A testemunha E......, porque afinal é marido da dona do estabelecimento comercial situado ao lado e que era frequentado inclusivamente pelos trabalhadores das obras, o que significa que a testemunha estava naquele local diariamente, como continua a estar, e por isso é expectável que tenha do local um conhecimento mais profundo e esclarecido. O documento de folhas 44 porque foi elaborado no dia 26 quando a queda se deu no dia 24, por volta das 23 horas, ou seja, foi elaborado quando o acontecimento ainda era muito recente e, portanto, não podia haver grandes dúvidas quanto à existência ou não do passeio e, sobretudo, se o mesmo não existisse seria fácil a quem recebesse o documento desmentir essa informação.
O facto de as restantes testemunhas não afirmarem a existência do passeio não é de molde a afastar de todo o valor probatório daqueles dois meios, os quais são suficientes para conferir ao facto em si um grau de probabilidade bastante para poder ser julgado provado, sendo certo que a ré também não produziu qualquer meio de prova susceptível de tornar o facto duvidoso. Por isso, entendemos dever confirmar a decisão do Mmo. Juiz “a quo” quanto ao facto em apreço.
Passando ao artigo 2.º da base instrutória, temos que nele se perguntava se “no local decorriam obras empreitadas pela empresa G...... à Sociedade D......, S.A., com sede na Rua …., nº. .., ... ..., Lisboa cujos trabalhadores haviam procedido, à abertura do dito buraco?
Respondeu o tribunal julgando provado apenas que “No local decorriam obras levadas a cabo pela Sociedade D......, SA, cujos trabalhadores haviam procedido à abertura do dito buraco.
Em suma, o tribunal julgou provado que era a D...... que estava a executar as obras e que a abertura do buraco foi feita pelos seus trabalhadores. Mas julgou não provado que a G...... tivesse empreitado as obras à D......, ou seja, parece, que entre estas duas empresas tivesse sido celebrado um contrato de empreitada, no qual a G...... fosse a dona da obra e a D...... a empreiteira. Defende, no entanto, a recorrente que não foi produzida prova de que a D...... estava ali a executar trabalhos e que tenham sido os seus trabalhadores a abrir o buraco.
Devemos dizer que nos surpreende um pouco esta posição da recorrente. Isto porque na sua contestação começou por reconhecer que celebrou com a D...... um contrato de seguro tendo como objecto o Ramo Obras e Montagens, o que significa que a ré tinha todas as condições para saber se a D...... estava ou não no local a realizar obras e, portanto, condições para comprovar que não lhe foi comunicada pela tomadora do seguro nenhuma obra naquele local.
Ainda na contestação, a ré afirmou depois que o presente sinistro lhe foi participado pela sua segurada tendo a ré anuído em recolher junto do Autor todos os comprovativos de despesas e danos provenientes da queda. Perante isto, não podemos deixar de nos interrogar a que título haveria a D...... de participar à ré, por referência a um seguro de obras, um sinistro ocorrido num local se ali não estivesse de facto a realizar obras! E a que título haveria a ré de aceitar dar encaminhamento a uma participação de um sinistro relativo a um local de risco fora do objecto do seguro!
Mas na contestação a ré vai ainda mais longe e afirma que não pôde dar qualquer seguimento à reclamação que o seu cliente lhe fez chegar apenas porque o autor não comprovou nem justificou quaisquer danos e prejuízos. A ré, portanto, não afastou a reclamação porque o risco não estava abrangido pela cobertura do seguro – como parecia lógico que fizesse, até por ser mais fácil e peremptório, caso constatasse que a sua cliente não estava a trabalhar no local, o que seria a primeira coisa que devia ter averiguado para receber e encaminhar a reclamação –, afastou-a com o argumento de que os danos não estavam comprovados.
Perante essa posição da ré na contestação custa um bocado a qualificar a posição que agora assume no recurso. É necessário não esquecer a dificuldade que o autor, como qualquer pessoa na sua posição, tinha para saber das obras mais do que podia ver no terreno ou para ter acesso aos contratos escritos entre as entidades envolvidas em tais obras, no fundo, em saber mais do que lhe indicavam as placas e os sinais existentes no local, nos equipamentos com que as obras eram realizadas, nos capacetes e nos casacos dos trabalhadores que andavam a executá-las. Dizer que é comum que as obras sejam realizadas por subempreiteiros é dizer absolutamente nada de concreto, uma vez que também não será comum que trabalhadores de uma empresa andem no local da obra com capacetes, casacos e coletes com imagens, sinais e indicações de outras empresas! – afinal, não é precisamente para fazer publicidade à empresa que tais sinais indicativos são apostos nos equipamentos de trabalho? -.
Parente o que é dito na contestação é inevitável concluir como a esse propósito concluiu o Mmo. Juiz “a quo”, designadamente em função do que consta do documento de folhas 44 que a recorrente faz debalde por desvalorizar. Este documento não é realmente ilegível, excepto quanto a parte do seu cabeçalho, mas que ainda assim permite perfeitamente perceber que o documento constitui um formulário destinado precisamente a recolher uma “participação de sinistro”, tendo por referência o contrato de seguro invocado pelo autor e confessado pela ré – “apólice n.º 51.482 – obras e montagens” –, uma obra que inclusivamente é identificada por um número – que seguramente não foi inventado pelo autor e a ré não pode ignorar o que seja e a que se refira – e que respeita à “D......”.
O cabeçalho do formulário mostra ainda a menção a uma correctora se seguros – a “…F….” que a recorrente, até pela sua actividade, não pode deixar de saber quem é – e à própria ré, sendo certo que o logótipo da ré e as menções à “apólice”, ao “segurado” se encontram escritas letra de imprensa e, portanto, fazem de antemão parte do formulário e, seguramente, não foram inseridas no documento pelo autor. É certo que a ré impugnou o documento, mas essa impugnação não significa que o documento haja perdido, só por esse facto, todo o seu valor probatório. Aceitamos que em relação à matéria do sinistro participado – à “descrição pormenorizada” como diz o formulário – o documento seria sempre insuficiente e necessária prova complementar – que foi produzida através das testemunhas oferecidas pelo autor –, mas essa necessidade não retira valor indiciário à circunstância de existir um documento com as características que este apresenta e que acabam de ser assinaladas.
Conjugado o documento com a afirmação da testemunha E…. de que os trabalhadores que andavam no local a executar as obras frequentavam o café da sua mulher e traziam nos seus capacetes e equipamentos sinais identificadores da D......, entendemos que existe prova suficiente de que foram os trabalhadores desta empresa a abrir o buraco onde o autor caiu. Se esta empresa tivesse subempreitado a outra empresa a execução destes trabalhos e tivesse sido esta a responsável pela abertura do buraco, seguramente a ré – ao contrário do autor – teria tido todas as condições para comprovar documentalmente tal relação contratual para tentar defender a sua irresponsabilidade pelos danos do autor.
Refira-se aliás que só uma leitura arrevesada da motivação da decisão da matéria de facto pode descortinar nesta uma contradição quanto a esse aspecto. Uma coisa é apurar-se que a D...... ali andava a executar obras ou trabalhos – o que era constatável desde logo visualmente – e outra coisa é determinar-se por conta, por ordem ou no interesse de quem as estava a executar, designadamente com quem e qual o contrato que celebrou obrigando-se a executar essas obras – o que já podia pressupor o acesso ao documento que certamente existirá e que permitiria suprir a dúvida –. O que o Mmo. Juiz “a quo” assinala na motivação é apenas que não se fez prova de que a D...... estava a executar os trabalhos ao abrigo de um contrato celebrado com a G...... e de que esse contrato era de empreitada ou apenas de subempreitada. Daí não resulta obviamente qualquer contradição ou dúvida quanto aos trabalhos estarem a ser realizados por trabalhadores da D...... que foi apenas o que se julgou provado e, como acabamos de demonstrar, com inteiro acerto.
Indo finalmente ao artigo 4.º da base instrutória, temos que nele se perguntava e o tribunal julgou provado que “o Autor, que seguia a pé, acompanhado do referido E......, dirigindo-se ambos à viatura deste, estacionada nas proximidades, tendo sido surpreendido pela situação inesperada que se lhe deparou.”
É manifesto que a recorrente não tem razão no pedido de que este facto seja julgado não provado. Quanto ao movimento do autor, a quem o acompanhava e onde se dirigiam, a prova é absolutamente clara. Ainda que naturalmente com divergências entre si, mas divergências essas que são naturais atenta a posição diferente de cada uma das testemunhas em relação ao acontecimento e a parte diversa que cada uma presenciou do todo relatado, as testemunhas convergiram na afirmação de que o autor estava no café, saiu com o marido da dona do café e se deslocou para entrar no carro deste que estava estacionado perto do buraco.
O único aspecto que podia motivar alguma dúvida era a afirmação de que o autor foi surpreendido pela situação inesperada que se lhe deparou – isto é, a presença de um buraco aberto perto do carro para onde se dirigia – uma vez que em rigor apenas uma das testemunhas – E......, o dono do carro – estava perto dele e em condições de assistir à queda, mas nem essa pessoa viu mesmo a queda porque estava ocupada a entrar para o carro e deixou de ver o autor. Como quer que seja é irrecusável que era de noite e estava um carro de outrem estacionado perto do buraco, o que eram factores absolutamente condicionantes da visibilidade do local e da capacidade de uma pessoa se aperceber perfeitamente das condições do terreno. Da mesma forma que é irrecusável – já que nem a recorrente impugna essa resposta à matéria de facto – que “no local inexistia qualquer sinalização, vertical ou horizontal, que assinalasse a existência do mesmo buraco”.
O que é que a recorrente invoca para impedir o valor presuntivo destes factos no tocante à imprevisão e/ou imperceptibilidade do buraco? Apenas que as testemunhas referem que o autor estivera no café a beber uns copos, como se isso significasse, e obviamente não significa, que o autor bebera muito e/ou que consumira precisamente bebidas alcoólicas. Sobretudo, não significa que ele tivesse a sua visão e capacidade de percepção toldadas pelo álcool, coisa que não foi perguntada a nenhuma testemunha e que não foi afirmado, sugerido ou indiciado por qualquer meio de prova.
Refere ainda a recorrente que as testemunhas referiram que as obras já estavam a decorrer ali há muito tempo e que havia buracos abertos há algum tempo, o que corresponde de facto ao que as testemunhas afirmaram. Todavia, basta ouvir os depoimentos das testemunhas, como ouvimos e por mais de uma vez, para perceber claramente que elas se estavam a referir genericamente aos trabalhos e a buracos abertos na sua execução e não precisamente àquele buraco em concreto. Nem isso lhe foi, aliás, pedido para concretizar em momento algum, designadamente no contra-interrogatório realizado pela ré. E ainda que o tivesse sido dificilmente se aceitaria que a esta distância temporal – por diversas vezes invocada pelas testemunhas para justificar a dificuldade em responder – estas testemunhas – que não são trabalhadores, nem estiveram envolvidos na execução das obras – pudessem confirmar esse aspecto específico de modo seguro.
Por aqui se demonstra à saciedade como a recorrente interpreta mal os meios de prova produzidos, querendo que o tribunal atribua valor decisivo a aspectos que foram apenas aflorados e não possuem suficiente concretização ou conteúdo e, portanto, de forma alguma impunham uma modificação da decisão do Tribunal recorrido.
Refira-se a esse propósito e para concluir que procedemos à audição integral dos depoimentos produzidos em audiência e à auscultação total dos documentos levados em consideração e que em resultado dessa análise a decisão da matéria de facto proferida pelo Mmo. Juiz “a quo” se mostra resultante de uma ponderada e criteriosa ponderação dos meios de prova e assim inteiramente correcta, pelo que deve ser confirmada.

b] da matéria de direito:
Questiona a recorrente a decisão de a julgar parte legítima e de a condenar no pedido com o argumento essencial de que o autor não é parte no contrato de seguro que invoca para sustentar a sua pretensão, no qual são exclusivamente partes a ré (seguradora) e a D...... (tomadora de seguro), pelo que não tinha legitimidade para demandar directamente a seguradora, sendo quando muito titular de uma relação conexa com a do contrato de seguro, pelo que a ré não podia assumir a posição de parte principal mas apenas, quando muito, a posição de interveniente acessório na acção.
Acrescenta que o contrato de seguro não consubstancia uma transferência directa de responsabilidade para a seguradora, sendo necessário que se verifiquem os requisitos do artigo 483.º do Código Civil, o que no caso concreto, segundo entende, não sucede.
Com este enunciado, a recorrente suscita a questão de saber se um terceiro lesado, estranho a um determinado contrato de seguro, pode demandar directamente a seguradora, pedindo que esta o indemnize de um dano que sofreu no âmbito de um risco coberto pelo seguro.
Esta questão tem particular acuidade no âmbito dos contratos de seguro facultativo de responsabilidade civil, já que por norma nos que são obrigatórios a possibilidade de o lesado demandar directamente a seguradora resulta da própria lei, do que são exemplo os seguros obrigatórios de responsabilidade civil automóvel ou de acidentes de trabalho.
E tem, sobretudo, mais acuidade nos casos, como o presente, em que ao sinistro não é ainda aplicável o regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, o qual apenas entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009 e não se aplica aos sinistros ocorridos antes da data da sua entrada em vigor (artigos 2.º e 7.º do referido diploma).
Este regime jurídico veio tomar posição expressa sobre a acção directa do lesado sobre a seguradora, permitindo-a em duas situações: quando o contrato de seguro assim o preveja (artigo 140.º, n.º 2) e ainda quando o segurado tenha informado o lesado da existência do seguro “com o consequente início de negociações directas entre este e o segurador” (artigo 140.º, n.º 3). No caso, se este diploma fosse aplicável, a questão estaria absolutamente decidida, porquanto nos artigos 23.º a 25.º da contestação a ré confessa factos que integram o preenchimento dos requisitos dessa segunda previsão de acção directa do lesado.
Uma vez que o novo regime jurídico do seguro não se aplica[1], vejamos qual a solução que deve ser preconizada sem este dado legal.
Como sabemos, no domínio das relações negociais vigora entre nós o regime da relatividade (artigo 406.º, nº 2, do Código Civil), por oposição aos direitos absolutos ou subjectivos que já são dotados de eficácia erga omnes. A natureza relativa das obrigações prende-se com o seu aspecto estrutural e significa que os contratos apenas produzem efeitos entre as partes, que apenas o credor tem o direito de exigir do devedor o cumprimento da obrigação e que o devedor só está vinculado a esse cumprimento perante o credor – “res inter alios acta nec nocet nec prodest” –.
A consequência lógica da relatividade da obrigação é a de que o devedor só responde pelas consequências do não cumprimento ou do cumprimento defeituoso da prestação causadas ao credor e só este lhe pode exigir a reparação das consequências danosas.
A nossa ordem jurídica prevê, no entanto, várias excepções ao princípio da relatividade dos contratos. Desde logo, os contratos com eficácia real, nos quais, exactamente porque a obrigação tem efeitos reais e os direitos reais são oponíveis a terceiros, a obrigação é oponível mesmo a terceiros não intervenientes no contrato (v.g. a compra e venda, o contrato de mútuo com hipoteca, o contrato-promessa ou o pacto de preferência com eficácia real).
Também a impugnação pauliana, na qual uma obrigação é invocada contra um terceiro que através da aquisição de bens do devedor lesou o credor, permitindo o instituto que apesar dessa aquisição o bem adquirido por terceiro continue a responder pelo cumprimento da obrigação.
Podem ainda apontar-se como excepções ao princípio da relatividade dos contratos o instituto do abuso do direito e a proibição de concorrência desleal, os quais ainda que visando a lisura de comportamentos e o respeito pelas regras da boa fé, conferem a terceiros protecção em relação a contratos em que não intervieram mas cujos efeitos os prejudicariam intoleravelmente.
Igualmente o artigo 267.º do RJEOP que permite ao subempreiteiro reclamar do dono da obra pagamentos em atraso que sejam devidos pelo empreiteiro por referência ao contrato de empreitada em que o subempreiteiro não é parte. E pode ainda citar-se o artigo 78.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais que faculta aos credores da sociedade acção directa contra os membros dos órgãos sociais para obter pagamento dos seus créditos.
A principal excepção é, no entanto, constituída pela figura dos contratos a favor de terceiro. O contrato a favor de terceiro é aquele em que uma das partes assume perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio, o qual adquire direito à prestação, independentemente de aceitação (artigos 443.º e 444.º do Código Civil). Como escreveu Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 5ª edição, Almedina, pág. 279, neste tipo de contratos “o que se exige é que o promitente e o promissário actuem com intenção de o contrato produzir os efeitos de uma atribuição imediata, e não apenas reflexa, relativamente ao terceiro”. No contrato a favor de terceiro, portanto, as partes estipulam um efeito positivo para um terceiro e este pode invocar directamente essa estipulação, cujos efeitos se produzem de imediato na sua esfera jurídica[2].
Dito isto, centremos a atenção no contrato de seguro invocado pelo autor para sustentar o seu pedido dirigido à ré seguradora.
Cumpre assinalar a esse respeito que os autos não se mostram instruídos com o cuidado e a diligência que era expectável em relação a este aspecto. Muito embora o autor tenha terminado a sua petição inicial pedindo para a ré ser notificada para juntar duplicados do articulado do contrato de seguro, observa-se que com a contestação a ré apenas juntou cópia das respectivas condições particulares, não tendo junto cópia das condições gerais que eram extremamente importantes para a cabal interpretação do contrato, designadamente para descortinar o que estava previsto no contrato sobre a regularização dos sinistros e sobre o âmbito, modo e efeitos do relacionamento com os terceiros lesados.
Pese embora esta enorme limitação, certo é que o objecto do contrato de seguro em causa é não apenas o risco de danos inerentes à execução das obras pela D......, a tomadora do seguro, como também a “responsabilidade civil extracontratual”. Independentemente das condições gerais do contrato, esta expressão só pode querer dizer o risco de na execução da obra a tomadora do seguro violar direitos subjectivos de terceiros, causando-lhe danos susceptíveis de serem enquadrados na figura da responsabilidade civil aquiliana ou extracontratual. O que parece implicar que o dano sofrido pelo autor se integra afinal no âmbito desse risco, uma vez que o mesmo foi produzido num local onde a D...... estava a realizar uma determinada obra e tendo por causa um elemento dessa obra, concretamente um buraco aberto pelos trabalhadores da D...... na realização dessa obra.
Nos contratos de seguro de responsabilidade civil o objecto do seguro é a responsabilidade que pode vir a onerar o património do segurado, nos casos em que em virtude da verificação do risco coberto pelo contrato o segurado fica incurso na obrigação de reparar os danos causados a terceiro. Este retira do contrato uma vantagem que sem ele não teria, qual seja a vantagem de pelo ressarcimento dos seus danos responder também o património da seguradora.
A questão que se coloca é se a posição jurídica do terceiro lhe confere a faculdade de demandar directamente a seguradora[3] para obter daquela a indemnização ou se ele apenas pode exigir a indemnização do segurado, cabendo a este a faculdade de posteriormente, em acção de regresso, exigir da seguradora o pagamento da indemnização que haja satisfeito ao terceiro.
Para quem vê no contrato de seguro de responsabilidade civil um contrato a favor de terceiro a resposta àquela interrogação é simples. O terceiro é o beneficiário da promessa feita pela seguradora e, por isso, como adquiriu o direito à prestação, pode exigir directamente da seguradora promitente o cumprimento da sua promessa, leia-se o pagamento da indemnização dos seus danos.
A jurisprudência tem seguido maioritariamente[4] esta orientação, defendendo que o contrato de seguro de responsabilidade civil é um contrato a favor de terceiro, podendo o lesado demandar directamente a seguradora para exigir o ressarcimento do seu dano na medida do consentido pelo objecto do seguro. São disso exemplo os inúmeros Acórdãos consultáveis nas bases de dados do ITIJ em que seguradoras são demandadas e condenadas a pagar indemnizações a terceiros estranhos ao contrato, na maioria das vezes sem que esta questão seja sequer suscitada pelas seguradoras e tratada nas decisões.
Tratando-a expressamente encontramos os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16.01.1970, in Boletim do Ministério da Justiça, nº 193, pág. 359, de 30.03.1989, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 385, pág. 563, de 09.12.1999, in www.dgsi.pt, da Relação de Lisboa de 07.11.2006 e de 20.01.2000, in www.dgsi.pt; da Relação do Porto de 06.07.2009, de 31.01.2012 e de 15.11.2012, todos in www.dgsi.pt; e finalmente da Relação de Guimarães de 06.01.2011, também in www.dgsi.pt.
Na doutrina, pronunciaram-se nesse sentido Leite de Campos, in Contrato a Favor de Terceiro, 2ª edição, Coimbra, 1991, pág. 36, Mota Pinto, in Cessão da Posição Contratual, Coimbra, 1970, pág. 33. José Vasques, in Contrato de Seguro, Coimbra, 1999, pág. 121, pronuncia-se igualmente no sentido de o seguro de responsabilidade civil ter a natureza jurídica de contrato a favor de terceiro, acrescentando a pág. 259 que “esta posição é hoje praticamente uniforme na doutrina e na jurisprudência”. Porém, a verdade é que em sentido contrário se pronunciaram F. Albuquerque Matos, in O Contrato de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, in BFDUC, 77 (2001), pág. 394 e seguintes, e J. C. Moitinho de Almeida, in O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, Lisboa, 1971, pág. 291[5].
O problema pode, no entanto, ser enfrentado por outra via. Temos em mente a figura dogmática criada na Alemanha dos chamados contratos com eficácia de protecção para terceiros, através da qual se procura ultrapassar a relatividade das obrigações e conceder, em certas condições e circunstâncias, alguma protecção a quem, não sendo parte no contrato, é de alguma forma atingido pelas consequências do não cumprimento do contrato – cf. entre nós Carneiro da Frada, in Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, pág. 135, nota 108, A. Menezes Cordeiro, in Da Boa Fé no Direito Civil, pág. 619 e seguintes, ou L. Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, vol. I, 3ª edição, pág. 362/363 –.
O caminho traçado com vista à definição dogmática da figura, à delimitação da protecção, situa-se ainda no domínio da lei ou no domínio do contrato e das declarações negociais. Trata-se de procurar interpretar o regime jurídico do contrato ou o escopo das declarações negociais que o constituem, tentando descortinar nas mesmas uma intenção de protecção de determinadas pessoas alheias à relação negocial e, eventualmente, de proceder à integração das lacunas do programa negocial estabelecido em função da vontade presumível das partes se tivessem previsto a situação.
Ora, entre nós, podemos retirar do disposto nos artigos 741.º e 692.º, nº 2, ex vi artigo 753.º, todos do Código Civil, apoio para sustentar aquela figura e as ilações que a mesma permite. De facto, se o terceiro credor tem privilégio sobre a indemnização devida pelo segurador da responsabilidade do lesante e se o segurador não se liberta da obrigação de pagamento da indemnização directamente ao segurado se não tiver assegurado o pagamento privilegiado ao credor, podemos afirmar que parece decorrer do próprio regime legal a intenção de proteger o terceiro alheio ao contrato de seguro e de assegurar que o pagamento lhe seja feito directamente – defendendo o recurso à acção directa com apoio nas mesmas normas, veja-se J. Vasques, loc. cit., pág. 259 e J. C. Moitinho de Almeida, loc. cit., pág. 293 -.
Outro possível fundamento do direito do lesado a demandar a seguradora pode ir buscar-se à figura da assunção cumulativa de dívida. Com efeito, através do seguro, a seguradora vincula-se a efectuar uma prestação destinada a satisfazer um direito de crédito – indemnização do dano – de terceiro de que é devedor o tomador do seguro. Daqui que a sua posição possa ser reconduzida à figura da assunção de dívida prevista no artigo 595.º do Código Civil, tanto mais que nos termos do n.º 2, no caso de transmissão singular duma dívida, não havendo exoneração do antigo devedor pelo credor, o antigo e o novo devedor respondem solidariamente.
A única dificuldade advém do facto de para haver assunção de dívida ser necessário, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 595.º do Código Civil, um contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor. Ainda que aquele contrato possa ser composto pelo próprio contrato de seguro, não se vê onde localizar o negócio unilateral de ratificação pelo credor ou terceiro lesado. Todavia, com apoio na doutrina alemã, a mais recente doutrina vem contestando a necessidade dessa ratificação com o argumento de que, “como esta apenas atribui vantagens ao credor, uma vez que permanece a responsabilidade do devedor principal, se estará perante um contrato a favor de terceiro (art. 443.º), que naturalmente produz efeitos em relação ao devedor, independentemente de aceitação (art. 444.º, n.º 1)” – apud. Menezes Leitão, in Garantias das Obrigações, 2012, 4.ª edição, pág. 144; no mesmo sentido MOTA PINTO, in Cessão da posição contratual, pág. 150, e FERREIRA DE ALMEIDA, in Contratos II, Almedina, 2007, págs. 48 a 50 -.
Poderemos ainda chegar à mesma solução através da interpretação e integração da vontade negocial dos contraentes, real ou conjecturável. Com efeito, não é difícil de aceitar que se as partes tivessem previsto esta situação teriam optado pela via da indemnização directa aos lesados.
Da parte do segurado essa opção é óbvia, na medida em que com a celebração do seguro a sua intenção primeira é não ter de suportar qualquer indemnização ao terceiro lesado, pelo que se a seguradora resolver directamente a questão da indemnização com o lesado melhor para si, sendo certo que em circunstância alguma poderia obter para si um proveito com a situação oposta[6]. Da parte da seguradora também parece a opção mais razoável, uma vez que a discussão do valor da indemnização directamente com o lesado lhe permitirá controlar melhor o apuramento desse valor e a verificação dos respectivos pressupostos.
No caso, como referimos, não foram juntas – por omissão da própria ré – as condições gerais do contrato e nas condições particulares juntas não se detecta qualquer cláusula que ajude nesta interpretação. Por conseguinte, por presunção natural, julgamos dever retirar as ilações comuns e naturais quanto à vontade conjecturável das partes que acima se assinalam.
Podemos, portanto, concluir, através de um qualquer dos caminhos acima enunciados – o contrato a favor de terceiro, o contrato com eficácia de protecção para terceiro, a assunção cumulativa ou a interpretação ou a integração da vontade negocial –, que o contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado entre a ré e a autora da obra cujos trabalhos estão na origem dos danos do autor é fundamento jurídico bastante para permitir ao autor, em acção directa, demandar a própria ré seguradora e exigir-lhe a reparação dos danos.
Esta conclusão não apenas resolve positivamente a questão da legitimidade processual activa do autor – porque em rigor essa questão estava resolvida à partida, entendendo-se que para esse efeito releva apenas a configuração que o autor dá à acção e, portanto, a relação material controvertida tal como o autor a delineia, donde, afirmando-se o autor beneficiário do seguro contratado com a ré, tinha de se lhe reconhecer interesse em demandar a ré para obter dela o cumprimento da prestação do seguro, reportando a questão de saber se ele tinha mesmo esse direito já ao mérito da acção[7] - como sobretudo resolve positivamente a questão de saber se o autor tem mesmo o direito a reclamar da seguradora, caso se verifiquem os pressupostos da responsabilidade garantida pelo contrato de seguro, a indemnização do seu dano. O que significa, portanto, que o que resta apurar é a verificação desses pressupostos.
Alega a recorrente e com total acerto, reconheça-se, que tratando-se de uma cobertura de responsabilidade civil extracontratual do tomador do seguro perante terceiro é necessária a demonstração de todos os pressupostos da responsabilidade do tomador de seguro perante o lesado, pressupostos que são naturalmente os do artigo 483.º do Código Civil relativo à responsabilidade civil. Mas a recorrente já não tem razão quando defende que não estão verificados todos esses pressupostos.
Constitui um lugar comum a que não podemos fugir, recordar agora o ensinamento de Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 5ª ed., página 478, segundo o qual a obrigação de indemnizar por factos ilícitos é condicionada por vários pressupostos:
É necessário, desde logo, que haja um facto voluntário do agente (não um mero facto natural causador de danos), pois só o homem, como destinatário dos comandos emanados da lei, é capaz de violar direitos alheios ou de agir contra disposições legais. Em 2.° lugar, é preciso que o facto do agente seja ilícito (...violar ilicitamente...). Em 3. ° lugar, importa que haja um nexo de imputação do facto ao lesante (« Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar...). Em seguida, é indispensável que à violação do direito subjectivo ou da lei sobrevenha um dano, pois sem dano não chega a pôr-se qualquer problema de responsabilidade civil (ao contrário do que sucede muitas vezes, quanto aos chamados crimes formais, no direito criminal). Por último, exige a lei que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do direito, que o dano é resultante da violação. Só quanto a esses danos manda a lei indemnizar o lesado. Reduzindo todos os requisitos que acabam de ser discriminados à terminologia técnica corrente entre os tratadistas da matéria, dir-se-á que a responsabilidade pressupõe, nesta zona: a) o facto; b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) um nexo de causalidade entre o facto e o dano.” (no mesmo sentido, cf. M. Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, 1960, I, 337, Pereira Coelho, O Nexo de Causalidade na Responsabilidade Civil, pág. 64 e segs. e Vaz Serra, Requisitos da Responsabilidade Civil, nº 2).
São assim pressupostos da responsabilidade civil a prática de um facto voluntário ilícito, imputável ao agente a título de dolo ou culpa, um dano ou prejuízo reparável e um nexo de causalidade adequada entre este dano e aquele facto (artigo 483.º do Código Civil).
Quanto ao facto é necessário ter presente que segundo o artigo 486.º do Código Civil as simples omissões também dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido. E, portanto, se sobre alguém incidir um dever legal ou contratual de praticar um determinado acto, designadamente tendo em vista o interesse público da protecção de terceiros, a simples falta do comportamento devido é susceptível de gerar responsabilidade.
A ilicitude decorre da infracção a um preceito legal ou um direito ou interesse de outrem legalmente protegido. Tratando-se de direitos subjectivos pessoais relativos à vida e à integridade física, precisamente porque a sua restrição, limitação ou renúncia é sempre nula por violar os bons costumes – ainda que o suicídio não seja um acto ilícito, já o é o auxílio ao suicídio –, qualquer violação desses direitos, ainda que consentida pelo lesado, é por essência ilícita. A ilicitude pode ainda resultar da violação de qualquer disposição legal destinada à protecção de interesses alheios. No primeiro caso, a ilicitude advém da ofensa perpetrada a um determinado bem jurídico que a lei protege mediante a qualificação desse interesse como um verdadeiro direito da pessoa. No outro, a ilicitude provém de uma actuação desconforme com a regra de conduta que a lei impõe como forma de tutela de interesses de outrem.
Já a culpa, enquanto juízo de censura ético-jurídico dirigido à actuação do agente, decorre da violação dos deveres de cuidado pressupostos pela ordem jurídica, ou seja, da circunstância de o agente não adoptar a prudência do bom pai de família, não actuar conforme actuaria o bom pai de família nas concretas circunstâncias com que se depara, de modos que lhe fosse exigível que actuasse de outro modo. Como escreveu A. Varela, loc. cit., pág. 514, “agir com culpa é actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou a censura do direito, o que se verifica quando ele podia e devia ter agido de outro modo. Por outras palavras, a culpa exprime um juízo de reprovação ou de censura normativa da conduta do agente baseado quer em inconsideração, imperícia ou negligência, que na inobservância de preceitos legais ou regulamentares”.
De referir, contudo, que em certas situações, atenta a natureza e características da actividade em que o acontecimento teve lugar, a lei inverte o ónus de demonstração da culpa, presumindo-a no agente até que este demonstre que no caso não teve mesmo culpa. Por exemplo, no artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil, quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.
Qual é a actuação imputada ao tomador do seguro? A de no decurso da execução de obras de construção civil numa via pública ter aberto um buraco para colocação de sinais de trânsito e os ter deixado, durante a noite, abertos, sem qualquer sinalização, vertical ou horizontal, que assinalasse a existência do mesmo buraco.
É evidente que a abertura do buraco não constitui qualquer acto ilícito uma vez que, supõe-se, o mesmo estava compreendido nos trabalhos a executar no local. Todavia, a abertura de buracos num espaço em que não se encontrava impedido o acesso e a circulação de pessoas estranhas à obra obrigava à perfeita vedação e sinalização dos mesmos, sobretudo no período nocturno em que não há trabalhos a decorrer e o local não fica vedado ao acesso público. Recorde-se, com efeito, que o local do sinistro é uma Rua de uma povoação e, portanto, um espaço de circulação de pessoas e veículos, circunstância que não podia ser ignorada na execução da obra.
Ora nos termos do artigo 135.º do REGEU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38.382/51, de 7 de Agosto, durante a execução de obras de qualquer natureza serão obrigatoriamente adoptadas as precauções e as disposições necessárias para garantir a segurança do público e dos operários, para salvaguardar, quanto possível, as condições normais do transito na via publica e, bem assim, para evitar danos materiais. Por sua vez de acordo com o artigo 136.º os estaleiros das obras de construção, demolição ou outras que interessem à segurança dos transeuntes, quando no interior de povoações, deverão em regra ser fechados ao longo dos arruamentos ou logradouros públicos, tendo em vista a natureza da obra e as características do espaço público confinante. E nos termos do artigo 138.º na execução de terraplanagens, abertura de poços, galerias, valas e caboucos, ou outros trabalhos de natureza semelhante, os revestimentos e escoramentos deverão ser cuidadosamente construídos e conservados, adoptando-se as demais disposições necessárias para impedir qualquer acidente.
Também nos termos do Decreto-Lei n.º 155/95, de 1 de Julho, da Directiva 92/57/CEE do Conselho, de 24 de Junho de 1992, do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro, e da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, as zonas circundantes e o perímetro do estaleiro devem estar assinalados e delimitados de forma a serem claramente visíveis e identificáveis.
Por sua vez o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil aprovado pelo Decreto n.º 41821/58, de 11 de Agosto, impõe que o trânsito de peões e veículos seja orientado por meio de sistemas adequados de sinalização que ofereçam completa segurança (artigo 83.º), que sempre que as escavações impeçam ou dificultem a normal passagem do público, sejam instalados passadiços provisórios até que se restabeleça a normalidade (artigo 84.º) e que os trabalhos de escavação fiquem isolados do público por meio de barreiras protectoras, razoavelmente afastadas dos bordos (artigo 85.º).
Tendo presente estas normas, é forçoso concluir, como concluiu o Mmo. Juiz “a quo”, que a tomadora do seguro violou regras legais de segurança na execução da obra, que estas regras legais são disposições de protecção de interesses dos utentes do espaço onde as obras estavam a ser realizadas, que essa omissão é manifestamente culposa já que o buraco foi deixado aberto e sem sinalização adequada no período nocturno, durante o qual os responsáveis não podiam deixar de interiorizar a possibilidade de haver pessoas a deslocar-se pelo local e de estas terem maior dificuldade em ver e acautelar-se dos obstáculos aí existentes, pelo que, em concreto, era possível e exigível desses responsáveis um comportamento bem diverso, tendo a omissão desse comportamento contribuído de forma adequada para a ocorrência dos danos.
O que significa que mesmo que não se veja nesta actividade uma actividade perigosa para efeitos da presunção de culpa prevista no artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil, ainda assim ficaram demonstrados todos os pressupostos da responsabilidade civil do tomador do seguro. Por conseguinte, incidindo sobre este o dever de indemnizar o autor, por via do contrato de seguro e da inerente responsabilização contratual pelo pagamento dessa indemnização, a mesma deve ser suportada pela ré.
Assim, esgotando-se aqui o objecto do recurso, pois não vem impugnado o montante em que se fixou a indemnização, conclui-se que o recurso improcede e deve ser mantida a decisão recorrida.

V.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, consequentemente, negando provimento à apelação, confirmam a douta decisão recorrida.
Custas pela recorrente (tabela I-B).
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Porto, 14 de Março de 2013
Aristides Manuel Rodrigues de Almeida (Relator; Rto 48)
José Fernando Cardoso Amaral (1.º Adjunto) (Voto vencido)
Fernando Manuel Pinto de Almeida (2º Adjunto)
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Vencido.
Discordei, com todo o respeito, da solução dada ao problema de saber se, perante o contrato de seguro de responsabilidade civil facultativo celebrado pelo lesante, o terceiro lesado, estranho ao mesmo, pode demandar directamente a seguradora e exigir a esta o pagamento da indemnização pelos danos sofridos e, por isso, da decisão.
O artº 406º, nº 2, do C. Civil, dispõe, de modo claro, que, em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.
O legislador, ao definir o actual regime jurídico do contrato de seguro (Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril), maxime o de responsabilidade civil facultativo, preservou expressamente o princípio da relatividade dos contratos e esclareceu que o terceiro não pode, por via de regra, exigir a indemnização do segurador, só em determinadas situações tendo legitimidade para o demandar directamente (cfr. os artºs 140º e 144º, daquele diploma e seu preâmbulo).
Ainda que a regulação para o caso sub judice, atenta a data do evento lesivo, deva ser a do regime anterior, em cujo âmbito tal questão suscitou vasta polémica na Doutrina e na Jurisprudência, afigura-se-me que, nem do específico contrato (parcamente referido no ponto dois dos factos provados) nem da lei (comercial ou civil), resultava, com nitidez e certeza, a especial transferência da responsabilidade civil do lesante para a empresa de seguros ré nem a atribuição ao autor lesado do direito de, excepcional e directamente, a demandar e de lhe exigir prestação a que esta só se obrigou para com o seu segurado.
Sinal dessa falta de solidez está no esforço argumentativo – contudo, notável – que a posição vencedora sentiu necessidade de fazer para alicerçar e construir a solução a que chegou e, assim, afastar aquela que me parece ser mais conforme à intenção normativa subjacente ao direito então constituído e que, sintomaticamente, apesar do contexto polémico, o legislador acabou por afirmar, assim tirando autoridade e legitimidade àquela tese.
Invocando o esquema típico do contrato a favor de terceiro previsto no artº 443º, a figura (estrangeira) do contrato com eficácia protectora de terceiros, o argumento retirado do privilégio creditório definido no artº 741º, o regime da assunção cumulativa de dívida do artº 595º (todos do C. Civil) e, ainda, lançando mão da interpretação ou integração do contrato, foi possível encontrar pontos de apoio consideráveis – embora não isentos de dificuldades e de possíveis objecções – e com base neles construir a solução excepcional defendida.
Contudo, é incontornável que esta não constitui caso especialmente previsto na lei, como exigia e exige o artº 406º, nº 1, do C. Civil, para que o contrato produza efeitos em relação a terceiros.
Não fiquei, pois, convencido de que se trate da melhor e mais justa solução, nem animado a, contra os sinais da referida e significante pronúncia legislativa, alterar o sentido do que se escreveu e ora revi em fundamento do decidido no recente Acórdão desta Relação, por mim relatado, de 31-01-2013 (acessível na Base de Dados www.dgsi.pt/jrtp), na linha, aliás, do do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-03-2010, referido na nota quatro deste.
Julgaria, pois, em consonância com esta última orientação, procedente o recurso e absolveria a ré do pedido.

José Fernando Cardoso Amaral (1.º Adjunto)
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[1] Tal como não se aplica o disposto no Regulamento n.º 864/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Julho, sobre a lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II). Segundo o respectivo artigo 18.º “o lesado pode demandar directamente o segurador do responsável pela reparação, se a lei aplicável à obrigação extracontratual ou a lei aplicável ao contrato de seguro assim o previr”. Contudo, nos termos dos artigos 31.º e 32.º este regulamento apenas é aplicável a partir de 11 de Janeiro de 2009 e somente a factos danosos que ocorram após a sua entrada em vigor. Nesse sentido o Acórdão o Tribunal de Justiça da União Europeia (Quarta Secção) de 17 de Novembro de 2011, proferido no processo C-412/10 relativo a um pedido decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE onde se declara: “Os artigos 31.º e 32.º do Regulamento (CE) n.º 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II»), lidos em conjugação com o artigo 297.º TFUE, devem ser interpretados no sentido de que um órgão jurisdicional nacional deve aplicar este regulamento unicamente aos factos, geradores de danos, ocorridos a partir de 11 de Janeiro de 2009 e que a data de propositura da acção de indemnização ou a data da determinação da lei aplicável pelo órgão jurisdicional competente não são relevantes para efeitos da definição do âmbito de aplicação no tempo deste regulamento.”
[2] No mesmo sentido, Antunes Varela, in Das obrigações em Geral, Almedina, vol. I, 3ª edição, pág.301 e segs.
[3] Negando essa possibilidade os Acórdãos da Relação de Lisboa de 27.11.2008, da Relação de Guimarães de 25.09.2012 e, bem recentemente, da Relação do Porto de 31.03.2013, in www.dgsi.pt. [4] Em sentido contrário, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.03.2010, proferido na Revista n.º 721/08.0TVPRT-A.P1.S1, relatado por Moreira Camilo e disponível do caderno de sumários internos do Supremo Tribunal de Justiça disponibilizados na respectiva página na internet.
[5] No estudo jurídico “A protecção do tomador do seguro e dos segurados no novo regime legal do contrato de seguro”, disponível na sitio do Supremo Tribunal de Justiça na internet, este autor assinala, no entanto, que “no direito comparado, a acção directa do lesado contra a seguradora de responsabilidade civil do civilmente responsável é, em geral, admitida, mesmo nos seguros facultativos”, chegando em França a ser nula qualquer estipulação contratual que o contrarie e que mesmo na Alemanha onde essa solução é recusada se permite que o lesado possa demandar a seguradora para que se constate que o seguro é válido e cobre o risco na base dos danos sofridos, pelo que “na prática tudo funcionará como se acção directa existisse”.
[6] Recorde-se que no caso a própria ré confessou na sua contestação que a D...... lhe fez a participação do sinistro para efeitos de a ré dar encaminhamento à regularização do sinistro.
[7] Faz essa leitura, numa situação similar, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.10.2012, in www.dgsi.pt.