Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2144/10.1TBPVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
ALTERAÇÃO
TÍTULO CONSTITUTIVO
USUCAPIÃO
Nº do Documento: RP201609132144/10.1TBPVZ.P1
Data do Acordão: 09/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 728, FLS.149-160).
Área Temática: .
Sumário: I - Face ao disposto no art. 1419º, nº 1 do Cód. Civil – e não se verificando nenhuma das exceções previstas no art. 1422º-A do mesmo diploma (junção de frações contíguas; divisão de frações autónomas autorizada pelo título constitutivo ou pela assembleia de condóminos sem oposição) -, a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal apenas é possível quando ocorra acordo expresso de todos os condóminos, devidamente formalizado em escritura pública ou documento particular autenticado e nunca através de decisão judicial, que se funde, designadamente, na aquisição por usucapião.
II - Se um condómino pretende alterar o título constitutivo da propriedade horizontal anexando à sua fração autónoma parte de uma outra fração, essa situação não cabe em nenhuma das exceções previstas no art. 1422º-A do Cód. Civil.
III - Se para a solução do caso a impugnação da decisão da matéria de facto se mostra irrelevante, o Tribunal da Relação pode abster-se de proceder ao seu conhecimento, por tal se tratar de ato inútil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2144/10.1 TBPVZ.P1
Comarca do Porto – Póvoa de Varzim – Instância Local – Secção Cível – J2
Apelação
Recorrentes: B… e C…
Recorridos: D… e outros
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Os autores B… e marido C… intentaram a presente ação contra os réus D… e marido E…, F… e mulher G…, H… e mulher I…, J… e mulher K…, L…, M… e herdeiros habilitados da mulher N…, O… e mulher P…, Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de Q… representada por S…, cônjuge supérstite e F…, Fazenda Nacional representada pelo Ministério Público, T… e U…, tendo formulado os seguintes pedidos:
1 – Devem os réus ser condenados a reconhecer que os autores são donos e legítimos proprietários da fração “M” com a área, configuração e afetação referidos nos artigos 1º e 21º da petição inicial;
2 – Devem os réus ser condenados a reconhecer a alteração da propriedade horizontal em relação ao sótão do prédio atrás identificado, fixando-se as suas áreas e configuração;
3 – Deve ser reconhecido aos autores o direito de alterar o título de propriedade horizontal, na sequência dos pedidos anteriores.
Como causa de pedir da ação invocam a aquisição por usucapião de parte de fração autónoma vizinha incorporada na sua fração.
Apresentaram contestação os réus U…, F…, T… (que deduziu pedido reconvencional), I…, J… e mulher K…, O… e a Fazenda Nacional representada pelo Ministério Público.
Os autores replicaram.
Foi proferido despacho saneador, com fixação da matéria de facto assente e organização da base instrutória.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
Seguidamente foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo os réus de todos os pedidos.
Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) - Conforme se procurou demonstrar, a sentença recorrida traduz um manifesto erro na apreciação da prova, justificativo que os Exmos Senhores Desembargadores conheçam de facto e de direito no presente caso, admitindo a renovação da prova – cfr. artigo 662º do C.P. Civil.
B) - Face ao teor dos depoimentos que se vêm de referir, aos dados dos documentos que foram juntos ao processo até à audiência de julgamento, como decorre do depoimento da testemunha V… que efectuou as medidas e elaborou a planta de fls. 701, assim como resulta da aceitação por todos os réus dessas mesmas medidas, às quais presenciaram, e na sequência das considerações que antecedem, é de concluir pela absoluta pertinência das considerações dos recorrentes quanto aos referidos pontos da matéria de facto e, nessa decorrência, deve ser dada procedência às alterações por si sugeridas quanto aos mesmos.
C).- Devendo ser aditado um quesito à matéria de facto provada, com o seguinte teor:
Nº 8º-A – “a fracção “J” passou a ter a área de 84 m2 e a fracção “M” passou a ter a área de 97 m2”
E/ou ser inserida na matéria de facto dada como provada na sentença, seja como aditamento de um novo número, seja como integrada na resposta dada aos nºs 7º, 8º ou 14º.
7º) Nessa data, o proprietário da fracção “L”, Q…, eliminou fisicamente a fracção “L”, anexando parte à fracção “J” e parte à fracção “M”.
a fracção “J” passou a ter a área de 84 m2 e a fracção “M” passou a ter a área de 97 m2”
ou
8º) Formando-se duas fracções, uma do lado … e outra do lado …, ficando o … lado …, com entrada pelo nº … da Rua … e o … lado …, com entrada pelo nº … da Rua ….
a fracção “J” passou a ter a área de 84 m2 e a fracção “M” passou a ter a área de 97 m2”
ou
14º) A fracção “M” passou a ser utilizada para habitação dos AA, enquanto a fracção “L” era destinada a escritórios, assim como a fracção “J”.
a fracção “J” passou a ter a área de 84 m2 e a fracção “M” passou a ter a área de 97 m2”
D) O meritíssimo Juiz “a quo” ao decidir a contrário da matéria de facto constante dos autos, extraída dos depoimentos e documentos também juntos, violou as normas supra citadas, resultando necessariamente uma nulidade da sentença nos termos da alínea c) e d) do n.º 1 do artigo 615º do Cód. Proc. Civil.
E) - Da matéria de facto dada como provada, resulta que o prédio urbano, sito na Rua …, com os n.ºs de polícia … e …, foi construído na década de 70 e constituída a propriedade horizontal com 12 fracções em 22.08.1979 por W…, o qual foi alterada relativamente ao sótão pelo mesmo W… em 26.10.1979.
1) - O W… contratou com o marido da X…, o tal Y…, a construção do citado edifício.
2) - Além de outras fracções, o Q… ficou com a propriedade das fracções “J” e “L” e o Y…, ficou proprietário da fracção “M”.
3) - O Sr. Q…, que mandou construir o prédio e o constituiu em propriedade horizontal, titular então das fracções “J”, “L”, eliminou fisicamente a fracção “L”, anexando parte à fracção “J” e parte à fracção “M”.
4) - Formando assim, duas fracções no total, uma do lado …, com entrada pelo n.º … de polícia da Rua … e outra do lado …, com entrada pelo n.º … de polícia da Rua …, ficando o sótão tal e qual como consta da planta de fls. 701.
Ou seja, uma divisória da fracção “L” foi anexada à fracção “J” e duas divisórias da fracção “L” foram anexadas à fracção “M”, ficando a fracção “J” com a área de 84 m2 e a fracção “M" com a área de 97 m2.
5) - Da divisão/cisão da fracção “L” e anexação às fracções “J” e “L”, resultaram duas fracções independentes, isoladas entre si, com saída própria para a caixa de escadas comum ao edifício e para a rua, sendo o edifício dotado de duas caixas de escada, também independentes entre si e sem qualquer ligação uma para com a outra, uma que se inicia no rés-do-chão do n.º ... de policia até ao 2.º andar e entrada para o sótão e outra iniciou-se no rés-do-chão do n.º ... de policia e até ao 2.º andar e entrada para o sótão desse lado.
6) - O W…, dono inicial da totalidade das 12 fracções, posteriormente dono, entre outras, das fracções “J” e “L”, depois dono da fracção “J” e 2 divisões da fracção “L” que foram anexadas à fracção “M”, não promoveu a alteração da propriedade horizontal de modo a eliminar formalmente a fracção “L”.
7) - Até aos dias de hoje o prédio nunca possuiu Assembleia de Condóminos constituída, bem assim como administrador designado.
F) - Na presente acção estão demandados todos os condóminos em conformidade com a propriedade das demais fracções registadas na Conservatória do Registo Predial, pelo que estão presentes ou representados nesta acção a totalidade dos condóminos do referido prédio.
G) - Resulta da matéria de facto provada que os autores possuem a fracção “M” tal e qual como consta da planta de fls. 701 (assim como os 4.ºs réus a fracção “J”) há mais de 1 e 25 anos, sem quaisquer interrupções, no seu interesse e proveito, sem qualquer estorvo ou turbação, tendo feito prova de todos os elementos tendentes à aquisição do direito de propriedade por usucapião.
1) - O sótão é formado por 2 fracções independentes, isoladas entre si, com saída própria para a caixa de escadas e cada uma com acesso independente para a rua.
2) - O prédio foi objecto de projecto e licenciamento camarário, assim como de aprovação por parte da Camara Municipal, da ocupação e da propriedade horizontal constituída.
3) - O título de constituição da propriedade horizontal não especifica o fim a que cada uma das fracções se destina.
4) - A presente acção não visa a divisão de uma fracção de modo a resultarem duas fracções, antes visa a eliminação de uma fracção (formalmente) através da anexação de parte a uma fracção e outra parte a outra fracção, ambas contíguas entre si.
5) - A usucapião invocada (e provada) não incide sobre partes comuns do edifício;
6) - O originário proprietário da fracção “L”, não a reivindica como sendo sua, antes reconhece que a mesma não é sua propriedade e está integrada nas fracções “J” e “M”.
H) - Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1422.º-A do Cód. Civil: “Não carece de autorização dos restantes condóminos a junção, numa só, de duas ou mais fracções do mesmo edifício, desde que estas sejam contíguas.
Nos termos do disposto do n.º 4 do artigo 1422.º-A do Cód. Civil “…cabe aos condóminos que juntaram ou cindiram as fracções o poder de, por acto unilateral constante de escritura pública ou de documento particular autenticado, introduzir a correspondente alteração ao título constitutivo.
I) - É actualmente jurisprudência unanimemente aceite que o título de constituição de propriedade horizontal pode ser alterado por sentença judicial. Esta alteração judicial do título mais se justifica quando não existe Assembleia de Condóminos constituída e/ou administrador nomeado e/ou designado e é para casos destes que existem os tribunais.
O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23.10.2012 considerou que:
1. A sentença declarativa do regime de propriedade horizontal constituída por usucapião constata a presença dos requisitos de uma posse usucapível relativamente ao edifício e suas unidades, em moldes semelhantes aos do exercício de uma propriedade horizontal, bastando que a posse revista as características gerais quanto ao elemento objectivo e subjectivo (ou volitivo) dos respectivos titulares, de harmonia com os artigos 1251.º e 1287.º e seguintes do Código Civil.
2. Se a posse exercida sobre as unidades independentes e isoladas entre si, e com saída própria, se verificar com as características legais durante o prazo respectivo de usucapião, então qualquer dos interessados pode requerer ao tribunal que profira sentença que a reconheça, uma vez que a situação possessória já se completou, gerando a usucapião da propriedade horizontal.
O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.01.1997, lavrado no processo n.º 9630590, sumariou:
I - Provando-se que A exerceu um poder de facto (corpus) como proprietário sobre a "metade … do edifício de … e sobre o lugar de … " e que esse poder foi exercido na convicção de se exercer um direito próprio e exclusivo (animus), sendo a respectiva posse pública e pacífica durante mais de vinte anos, verifica-se a aquisição por usucapião dos respectivos bens.
II - Para se poder falar de propriedade horizontal, por seccionamento vertical, é necessário que as unidades obtidas por virtude desse seccionamento, tendo embora autonomia, não sejam tão autónomas que deixem de ser interdependentes.
J) - Do supra exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso com as correcções decorrentes da inspecção judicial ao local e as áreas e configurações dadas pelo documento de fls. 701:
Consequentemente, reconhecer que os autores são donos e legítimos proprietários da fracção “M”, com a área, configuração, afectação referidos no nº 1º e 8º-A da matéria de facto provada;
Deve ser reconhecida a alteração da propriedade horizontal em relação ao Sótão do prédio atrás identificado, fixando-se as suas áreas e configuração conforme documento de fls. 701;
Deve ser reconhecido aos autores o direito de alterarem o título da propriedade horizontal, em conformidade com esse mesmo documento e os nºs 1º e 8º-A dos factos provados.
L) O meritíssimo Juiz “a quo” ao decidir a contrário da matéria de facto constante dos autos, extraída dos depoimentos e documentos também juntos, violou as normas supra citadas, resultando necessariamente uma nulidade da sentença nos termos da alínea c) e d) do n.º 1 do artigo 615º do Cód. Proc. Civil.
M) O meritíssimo Juiz “a quo” fez ainda errada aplicação do direito ao caso concreto, fazendo errada interpretação dos artigos 1415º; 1419º e 1422.º-A do Cód. Civil.
Pretende assim que seja dado provimento ao presente recurso.
O Min. Público, em representação da Fazenda Nacional, apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Novo Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
I – Nulidades de sentença;
II – Aquisição por usucapião de parte de fração autónoma vizinha incorporada na fração dos autores/Alteração do título constitutivo da propriedade horizontal;
III – Impugnação da decisão da matéria de facto: Desnecessidade do seu conhecimento.
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É a seguinte a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância:
(Dos factos assentes)
A) Conforme decorre dos documentos juntos aos autos de fls. 67 a 71, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, por escritura de compra e venda, celebrada em 28 de Dezembro de 1998, X… e outros, declararam vender a B…, casada com C…, a qual declarou comprar, a fracção “M”, sótão do lado …, com entrada pelo nº …, da Rua …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, composto de …, dois andares e sótão, situado na Rua …, n.º(s) … e …, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o nº 4547, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo 6032º-“M”, com o valor patrimonial de €11.779,35.
B) Conforme decorre do documento junto aos autos de fls. 72 a 75 e cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, a aquisição, acima referida, encontra-se registada a favor dos autores na Conservatória do Registo Predial de Póvoa de Varzim pela inscrição resultante da AP. 9 de 1998/12/31.
C) Conforme decorre do documento junto a fls. 79, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, por carta datada de 12.08.2010 registada com A/R enviada pelos Serviços de Finanças de Póvoa de Varzim e dirigida ao A. marido, com o seguinte teor: “Em cumprimento do determinado na sentença proferida no processo n.º 1683/09.1 BEPRT que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, fica pelo presente notificado, na qualidade de proprietária da fracção M, confinante do prédio inscrito na matriz predial de Póvoa de Varzim sob o art.º 6032, fracção L, sito em Rua …, n.º …, Sótão …, que foi designado o dia 22 de Setembro de 2010 pelas 9.30h para proceder a todas as diligências necessárias à entrega do referido prédio a T…, a quem o mesmo foi adjudicado por venda no processo de execução fiscal supra referido, nomeadamente demolição de paredes e substituição de fechaduras.
Mais fica notificado que deverá proceder à remoção de todos os seus bens que eventualmente se encontrem no referido prédio, sendo da sua inteira responsabilidade o destino que lhes possa ser dado caso não proceda à referida remoção.”
D) Como decorre do documento junto aos autos de fls. 80 a 109, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, o prédio urbano construído em propriedade horizontal, sito na Rua …, nº … e …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo 6032, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o nº 4547, foi construído na década de 70 e constituída a propriedade horizontal com 12 fracções, por escritura outorgada por Q… em 22.08.1979, no Primeiro Cartório Notarial da Póvoa de Varzim, a saber:
Fracção “A”– …, amplo, com a área de oitenta e oito metros quadrados constituído por dois quartos de banho; Correspondente a três por cento do valor total do prédio (propriedade dos 1ºs réus – D… e marido E…);
Fracção “B” – …, …, amplo, com a área de setenta e dois metros quadrados, constituído por dois quartos de banho e uma dispensa; Correspondente a quatro por cento do valor total do prédio, (propriedade do 2º réu – F…);
Fracção “C” – …, amplo, com a área de cinquenta e um vírgula sessenta e cinco metros quadrados metros quadrados, com um quarto de banho. Correspondente a cinco por cento do valor total do prédio, (propriedade do 2º réu – F…);
Fracção “D” – … andar, …, com a área de noventa e dois vírgula vinte e cinco metros quadrados, constituído por três quartos, uma cozinha, uma sala comum, dois quartos de banho e uma dispensa, com duas varandas. Correspondente a dezasseis por cento do valor total do prédio, (propriedade da 4ª ré – K…);
Fracção “E” – … andar, …, com a área de sessenta e um vírgula cinquenta e seis metros quadrados, constituído por dois quartos, uma cozinha, uma dispensa, um quarto de banho, uma sala comum e duas varandas; Correspondente a treze por cento do valor total do prédio, (propriedade dos 4ºs réus – J… e mulher K…);
Fracção “F” – … andar, …, com a área de cinquenta e sete vírgula dezasseis metros quadrados, constituído por dois quartos, uma sala comum, um quarto de banho, cozinha e duas varandas. Correspondente a nove por cento do valor total do prédio, (propriedade da 5º ré – L…);
Fracção “G” – … andar, …, com a área de noventa e dois vírgula vinte e cinco metros quadrados, constituído por três quartos, uma cozinha, sala comum, dois quartos de banho, uma dispensa e duas varandas, correspondente a dezasseis por cento do valor total do prédio, (propriedade dos 6ºs réus – M… e mulher N…);
Fracção “H” – … andar, …, com a área de sessenta e um vírgula cinquenta e seis metros quadrados, constituído por dois quartos, uma cozinha, uma dispensa, um quarto de banho, sala comum e duas varandas. Correspondente a treze por cento do valor total do prédio, (propriedade dos 4ºs réus – J… e mulher K…);
Fracção “I” – … andar, …, com a área de cinquenta e sete vírgula dezasseis metros quadrados, constituído por dois quartos, uma sala comum, quarto de banho, cozinha e duas varandas. Correspondente a nove por cento do valor total do prédio, (propriedade dos 7ºs réus – O… e mulher P…);
Fracção “J” – … lado …, amplo, com a área de sessenta metros quadrados, com um quatro de banho. Correspondente a cinco por cento do valor total do prédio, (propriedade dos 4ºs réus – J… e mulher K…);
Fracção “L” - …, amplo, com a área de cinquenta e um vírgula sessenta e cinco metros quadrados, com um quarto de banho. Correspondente a quatro por cento do valor total do prédio;
Fracção “M” – … lado …, com a área de cinquenta e um vírgula sessenta e cinco metros quadrados, constituídos por três quartos e uma casa de banho. Correspondente a três por cento do valor total do prédio (propriedade dos AA).
E) Mais decorre dos documentos acima referidos, que o sótão foi constituído em propriedade horizontal, com 3 fracções: a J, L e M, tendo a propriedade horizontal sido objecto de Alteração Parcial, registada através da Ap. 20 de 1994/12/12, quanto a estas três fracções, por escritura outorgada por Q… em 26.10.1979, no Primeiro Cartório Notarial da Póvoa de Varzim, ficando com a seguinte composição e afectação:
Fracção “J” – … lado …, com dois quartos de arrumos, um escritório, uma sala de espera e um quarto de banho, com área de sessenta metros quadrados. Correspondente a cinco por cento do valor total do prédio;
Fracção “L” – …, com dois escritórios, uma sala de espera e um quarto de banho, com a área de cinquenta e um vírgula sessenta e cinco metros quadrados. Correspondente a quatro por cento do valor total do prédio;
Fracção “M” - … lado …, com dois quartos de arrumos, um escritório, uma sala de espera e um quarto de banho com uma a área de cinquenta e um vírgula sessenta e cinco metros quadrados. Correspondente a três por cento do valor total do prédio.
F) Como decorre do documento junto aos autos, a fls. 110, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, Q… faleceu no dia 06.04.2004.
G) A Ré Direcção Geral de Impostos, através dos Serviços de Finanças de Póvoa de Varzim, prosseguiram com a penhora desta fracção, anunciaram a sua venda via Internet.
H) Como decorre do documento juntos aos autos de fls. 251 e 252, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, o Réu T…, adquiriu a referida fracção, por adjudicação no processo de execução fiscal n.º 1872199701013890, entregando o respectivo valor à Ré DGCI – Direcção Geral de Impostos.
I) Após o réu T… comprar à Direcção Geral de Impostos a fracção “L”, em 19.02.2009 constituiu uma hipoteca voluntária a favor da ré U… no valor de €33.000,00.
J) A U… não foi ao local verificar se a fracção “L” existia, qual era o seu estado e o seu real valor.
L) A Ré U… mandou proceder à avaliação da referida fracção, a um técnico avaliador que não se deslocou ao interior da fracção por o entender desnecessário, bastando-se com:
- A existência de um processo executivo fiscal onde a fracção estava penhorada
- A análise das plantas relativas à fracção em causa e ao exterior do imóvel em causa onde se deslocou
- A análise do teor da certidão matricial e registral relativa ao imóvel.
M) Foi com base nos elementos, acima referidos, que a U…, por intermédio do mesmo técnico, procedeu à avaliação da fracção.
N) Como resulta do documento junto aos autos a fls. 254, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, o réu T… procedeu ao seu registo do imóvel referido em A).
O) Como decorre do documento junto aos autos a fls. 438 a 442, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, foi determinada a entrega do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia … e concelho da Póvoa de Varzim, com o artigo matricial 6032, fracção autónoma designada pela letra “L”, a T….
P) No seguimento do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, junto aos autos a fls. 443 e cujo teor se dá integralmente por reproduzido, foram juntas as informações constantes de fls. 444 a 452, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
Q) Como decorre do documento junto aos autos a fls. 453, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, determinou que se procedesse a todos os procedimentos necessários para a entrega efectiva da fracção em causa, nomeadamente, se necessário, a destruição da parede que foi construída no local onde antes existia a porta de acesso à mesma.
(Da base instrutória)
1º) A fracção M está a ocupar uma área de 97 m2, destinada a habitação, composta de cozinha, sala comum, três quartos, hall e duas casas de banho.
2º) Os autores, por si e seus antecessores legítimos, detêm e fruem a fracção “M”, com a configuração acima referida, habitando-a, ocupando-a ou fazendo-a ocupar, limpando-a e conservando-a, retirando dela todas as demais utilidades e suportando os respectivos encargos, desde há mais de 1, 20 e 25 anos, sem quaisquer interrupções.
3º) No seu interesse e proveito.
4º) À vista e com o conhecimento de alguns réus, sem qualquer estorvo ou turbação.
6º) Em data anterior a 1990, o construtor do prédio e quem o instituiu em propriedade horizontal, o falecido Q…, executou obras no sótão de forma que foi alterada a sua estrutura, ficando a mesma em desconformidade com o título de constituição da propriedade horizontal existente.
7º) Nessa data, o proprietário da fracção “L”, Q…, eliminou fisicamente a fracção “L”, anexando parte à fracção “J” e parte à fracção “M”.
8º) Formando-se duas fracções, uma do lado … e outra do lado …, ficando o … lado …, com entrada pelo nº … da Rua … e o … lado …, com entrada pelo nº … da Rua ….
9º) Após essas obras o Q… vendeu a fracção “J” aos 4ºs réus – J… e mulher.
10º) A fracção referida em A) à data da aquisição dos autores, vinha sendo usufruída, ocupada e habitada há mais de 14 anos pelos vendedores.
11º) Q… não promoveu a alteração da propriedade horizontal de modo a eliminar a fracção “L”, assim como não foi a mesma alterada até à data de hoje pelos condóminos do prédio de modo a figurar a fracção “M” com a área, configuração e destino de afectação que resultou das referidas obras e posterior ocupação.
12º) O prédio não possui Assembleia de Condóminos constituída, e não possui administrador.
13º) O falecido Q…, para além do referido em 11º), não outorgou escritura pública de compra e venda a transmitir a fracção “L” aos antecessores proprietários das fracções “J” e “M”.
14º) A fracção “M” passou a ser utilizada para habitação dos AA, enquanto a fracção “L” era destinada a escritórios, assim como a fracção “J”.
15º) Os Serviços de Finanças da Póvoa de Varzim procederam à penhora da fracção “L”, em virtude de dívidas do falecido Q… resultantes de Contribuição Autárquica.
16º) Os autores tiveram conhecimento aquando da notificação referida em C) que os Serviços de Finanças da Póvoa de Varzim foram alertados para a inexistência física da fracção “L” ou para a existência de alterações antigas ao nível do sótão.
17º) Tendo-se deslocado ao local funcionários do Serviço de Finanças que se certificaram da inexistência física da Fracção “L”.
18º) O Réu T… é pessoa do concelho de residência do falecido Q…, Vila Nova de Famalicão.
19º) O Réu T… não se certificou se a mesma existia ou não fisicamente, desconhecendo completamente como era o seu interior.
25º) O Réu F… não conhece o Réu T….
26º) O Réu T… é técnico de próteses dentárias, e há algum tempo que andava a procurar um espaço onde pudesse abrir o seu escritório entre a Póvoa de Varzim e Vila do Conde.
27º) O R. T… adquiriu a fracção em questão, para nela instalar a sua oficina de protésico dentário.
28º) O R. T… contraiu financiamento junto do U… que se encontra a liquidar mensalmente.
30º) A fracção “L”, …, de acordo com a escritura de alteração do regime de propriedade horizontal, é composta por dois escritórios, uma sala de espera e um quarto de banho, com a área de cinquenta e um vírgula sessenta e cinco metros quadrados, do prédio urbano referido em A).
31º) Os antecessores dos autores apoderaram-se de parte da área da indicada fracção “L”, derrubando as paredes limítrofes e anexando parte da dita fracção à fracção “M”.
36º) A fracção referida em A) de acordo com a escritura de alteração do regime de propriedade horizontal, é composta por dois quartos de arrumos, um escritório, uma casa de banho e uma sala de espera.
37º) Os AA têm conhecimento desde a data da celebração da escritura pública, mencionada em A) que adquiriram um imóvel com áreas distintas das constantes da escritura pública de propriedade horizontal.
38º) Foram colocados, no âmbito de processos de execução fiscal instaurados contra Q…, editais de venda da fracção “L” à porta do prédio.
39º) Em 1 de Outubro de 2009, o A. marido teve conhecimento dessa venda, através da notificação pessoal junta aos autos a fls. 458 e 459, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
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Não se provaram os seguintes factos:
- Após essas obras o Q… vendeu a fracção “M” a X… e marido.
- Os A.A. desconheciam a sentença e seus trâmites constantes no documento referido em C).
- Os autores tiveram conhecimento de que os serviços de Finanças foram alertados para que procedessem à penhora de outro imóvel do devedor.
- O Réu T… era amigo do réu filho do Q…, F….
- A soma das áreas reais das iniciais fracções J, L, M são superiores àquelas que constam do título constitutivo da propriedade horizontal e do projecto que consta aprovado na Câmara Municipal.
- A fracção “L” referida pelos AA. sempre existiu e existe nos precisos termos da escritura de propriedade horizontal e alteração junta aos autos com a petição inicial.
- O pai do Réu F… efectuou a venda das fracções “ J” e “M” tal e qual como elas existiam na escritura de alteração de propriedade horizontal de 26 de Outubro de 1979.
- Recentemente foi construído um muro a dividir parte das divisões das fracções “J” e “M”.
- A não entrega do imóvel impede-o de iniciar de imediato a sua actividade enquanto protésico, impossibilitando-o de cumprir os seus compromissos com clientes e com a Banca.
- O falecido Q… era pessoa muito conhecida na freguesia de … e freguesias vizinhas, assim como era conhecido no concelho de V. N. Famalicão e fora dele.
- Tendo sido do conhecimento público em geral que o falecido Q… com a sua mulher havia doado todo o seu património ao seu único filho, o réu F….
- Todos os imóveis de sua propriedade que não foram doados ao filho, foram vendidos.
- Tendo passado a efectuar todos os seus negócios em nome do referido filho.
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Passemos à apreciação do mérito do recurso.
I – Os autores/recorrentes, nas suas alegações, atribuem à sentença recorrida o cometimento das nulidades que se acham previstas no art. 615º, nº 1, alíneas c) e d) do Cód. do Proc. Civil.
Dispõe este artigo na sua alínea c) que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Verifica-se esta nulidade quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam, logicamente, conduzir não ao resultado expresso na decisão, mas sim ao resultado oposto.[1] Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se.
Como exemplos temos o caso em que o juiz justifica, na fundamentação, a condenação do réu no pagamento da dívida por ele contraída, mas, sem qualquer outra explicação, absolve-o ou o caso em que o juiz acolhe um fundamento da nulidade do contrato e acaba condenando o réu no seu cumprimento.[2]
Por outro lado, esta nulidade também ocorre quando não seja percetível qualquer sentido da parte decisória (obscuridade) ou quando ela encerre um duplo sentido (ambiguidade), sendo ininteligível para um declaratário normal.[3]
Ora, analisando a sentença recorrida, os seus fundamentos de facto e de direito e o sentido da decisão logo se constata que na mesma não é reconhecível qualquer contradição, tal como não contém qualquer obscuridade ou ambiguidade que torne a decisão ininteligível.
Não se verifica pois a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c).
Por outro lado, a alínea d) deste mesmo preceito diz-nos que a sentença é nula quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
“Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (…) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido não têm de ser separadamente analisadas.
Há, assim, que distinguir entre “questões”, por um lado, e “razões” ou “argumentos”, por outro, de tal modo que só a falta de apreciação das primeiras (“questões”) integra a nulidade aqui em apreciação e não a simples falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.”[4]
Em suma, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção, cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui a nulidade de omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado.
Por seu turno, não podendo conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não invocadas, que estejam na exclusiva disponibilidade das partes – art. 608º, nº 2 do Cód. do Proc. Civil -, o juiz comete a nulidade de excesso de pronúncia quando o faça.[5]
Sucede que da leitura da sentença recorrida logo se verifica que o Mmº Juiz “a quo” conheceu todas as questões que foram colocadas à sua apreciação e não apreciou nenhuma de que não devesse tomar conhecimento, razão pela qual não cometeu a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d), tanto na vertente de omissão de pronúncia como na vertente de excesso de pronúncia.
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II – Conforme decorre da matéria de facto dada como assente e do respetivo título constitutivo da propriedade horizontal, datado de 22.8.1979, o sótão do prédio sito na Rua …, nºs … e …, Póvoa de Varzim, é constituído por três frações autónomas: J, L e M – cfr. al. D).
Porém, em data anterior a 1990, o construtor do prédio e quem o instituiu em propriedade horizontal, o falecido Q…, executou obras no sótão de forma que foi alterada a sua estrutura, ficando a mesma em desconformidade com o título de constituição da propriedade horizontal – cfr. 6º.
Mais concretamente, eliminou fisicamente a fração “L”, anexando parte à fração “J” e parte à fração “M”, formando assim duas frações, uma do lado … e outra do lado …. O … lado … ficou com entrada pelo nº … da Rua … e o … lado … ficou com entrada pelo nº … da Rua … – cfr. 7º e 8º.
A fração M passou pois a ocupar uma área de 97 m2, sendo destinada a habitação e composta por cozinha, sala comum, três quartos, hall e duas casas de banho – cfr. 1º.
Ora, a fração M há mais de 25 anos que, com esta configuração, onde se inclui a parte anexada da fração L, é detida e fruída pelos autores nos termos que constam de 2º, 3º e 4º, supra.
A questão que então se coloca é a de saber se o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser alterado através de decisão judicial que se funde na aquisição por usucapião.
Estatui o art. 1419º, nº 1 do Cód. Civil que «(…) o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos.»
Conforme escreve Henrique Mesquita (in “A propriedade horizontal”, pág. 94) “o título constitutivo é um acto modelador do estatuto da propriedade horizontal e as suas determinações têm natureza real e, portanto, eficácia erga omnes. Trata-se de um dos poucos casos em que a autonomia da vontade pode intervir na fixação do conteúdo dos direitos reais, o qual, nesta medida, deixa de ser um conteúdo típico. Estas regras embora resultantes de uma declaração negocial, adquirem força normativa ou reguladora vinculando, desde que registadas, os futuros adquirentes das fracções, independentemente do seu assentimento”.[6]
Porém, a liberdade de modelação do regime da propriedade horizontal está fortemente condicionada não apenas pelo facto de se tratar de um direito real, subordinado ao princípio da tipicidade, mas também por razões de interesse público, designadamente decorrentes dos direitos de edificação e do ambiente, sem esquecer a necessária salvaguarda da solidariedade exigida a todos os que integram a micro comunidade interdependente, resultante da habitação plúrima num mesmo edifício ou conjunto de edifícios.[7]
Como no âmbito do condomínio, pela sua natureza e função, o valor privilegiado é o da estabilidade, compreende-se que a lei, no já citado art. 1419º, nº 1, confira ao título constitutivo da propriedade horizontal um carácter de imutabilidade, permitindo a sua alteração apenas quando ocorra acordo expresso de todos os condóminos, devidamente corporizado em escritura pública ou documento particular autenticado.
Pretende-se assim evitar que a posição relativa de cada condómino seja alterada por via negocial sem o seu consentimento.[8]
Daqui se conclui que a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal apenas pode ser efetuada em conformidade com o preceituado no art. 1419º, nº 1 do Cód. Civil e nunca através de decisão judicial, que se funde, designadamente, na aquisição por usucapião.[9]
No entanto, o art. 1422º-A do Cód. Civil prevê exceções à regra contida no art. 1419º, nº 1 do mesmo diploma. Com efeito, não carece de autorização dos restantes condóminos a junção, numa só, de duas ou mais frações do mesmo edifício, desde que sejam contíguas (nº 1), sendo que a contiguidade é dispensada quando se trate de frações correspondentes a arrecadações e garagens (nº 2). Por outro lado, a divisão de frações em novas frações autónomas é permitida desde que haja autorização do título constitutivo ou da assembleia de condóminos nesse sentido, aprovada sem qualquer oposição (nº 3).
Nestas situações, cabe aos condóminos que juntaram ou cindiram frações o poder de, por ato unilateral constante de escritura pública ou de documento particular autenticado, introduzir a correspondente alteração no título constitutivo (nº 4).
Acontece que com a presente ação os autores pretendem alterar o título constitutivo da propriedade horizontal anexando à sua fração M uma parte da fração L, o que, desde logo, não cabe em nenhuma das hipóteses previstas no art.1422º-A, uma vez que não se trata nem de caso de junção nem de divisão de frações autónomas.
Consequentemente, o preceito que se adequa a tal situação é o art. 1419º, nº 1 do Cód. Civil que para a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal exige o acordo de todos os condóminos expresso em escritura pública ou documento particular autenticado.
Os autores, propondo esta ação, tentaram ultrapassar as dificuldades colocadas pelo dito art. 1419º, nº 1 apelando ao instituto da usucapião, o que, conforme já se expôs acima, não é possível.
A usucapião só opera a aquisição do direito real por forma correspondente ao direito sobre o qual se exerce a posse e no caso “sub judice” os autores invocam a usucapião relativamente a parte de uma fração autónoma contígua à sua – a fração L.
Sucede que na propriedade horizontal, o direito de propriedade exclusiva só se pode exercer sobre frações autónomas, perfeitamente individualizadas no título constitutivo e não sobre partes delas (arts. 1414º, 1415º, 1418º e 1420º do Cód. Civil).
Assim, a usucapião apenas é possível quanto a frações autónomas inteiras e não no tocante a partes destas[10]. Aliás, se tal fosse permitido estar-se-ia a infringir a norma legal contida no art. 1419º, nº 1 do Cód. Civil que exige para a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal o acordo de todos os condóminos consubstanciado em escritura pública ou documento particular autenticado.[11]
Como tal, a argumentação explanada na sentença recorrida mostra-se correta, estando o recurso interposto pelos autores votado ao insucesso.
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III – Os autores, no seu recurso, procederam também à impugnação da matéria de facto pretendendo que lhe seja aditado um número ou que, em alternativa, se altere a redação dos nºs 7, 8 ou 14, de modo a que conste como provado que, em resultado da eliminação da fração L, a fração J passou a ter a área de 84m2 e a fração M passou a ter a área de 97m2.
Ou seja, a única alteração factual pretendida pelos autores/recorrentes circunscreve-se à concretização das áreas das frações J e M, após a eliminação da fração L.
Contudo, face ao que se explanou em II, é de concluir que o aditamento pretendido pelos autores/recorrentes em nada interfere com a solução do pleito e, ainda que o mesmo se efetuasse, sempre a ação seria de julgar improcedente.
A questão não passa por uma simples alteração das áreas das frações J e M, mas sim por uma modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, o que, como já acima se sublinhou, neste caso só é viável com o acordo de todos os condóminos expresso em escritura pública ou documento particular autenticado.
Abrantes Geraldes (in “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 3ª ed., pág. 337) ao esquematizar os resultados que pela Relação podem ser declarados, de acordo com o objeto do recurso e com a concreta decisão recorrida, quando o recurso incide especificamente sobre a matéria de facto, escreve o seguinte:
“ (…)
n) Abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados”.
É esta a situação que se verifica no caso dos autos.
Com efeito, a reapreciação da matéria de facto, com o irrelevante aditamento pretendido pelos autores/recorrentes, desenha-se como ato inútil, sendo, por isso, de evitar.
Deste modo, por evidente desnecessidade, entendemos não ser de tomar conhecimento da impugnação da matéria de facto constante do recurso interposto pelos autores.[12]
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
- Face ao disposto no art. 1419º, nº 1 do Cód. Civil – e não se verificando nenhuma das exceções previstas no art. 1422º-A do mesmo diploma (junção de frações contíguas; divisão de frações autónomas autorizada pelo título constitutivo ou pela assembleia de condóminos sem oposição) -, a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal apenas é possível quando ocorra acordo expresso de todos os condóminos, devidamente formalizado em escritura pública ou documento particular autenticado e nunca através de decisão judicial, que se funde, designadamente, na aquisição por usucapião.
- Se um condómino pretende alterar o título constitutivo da propriedade horizontal anexando à sua fração autónoma parte de uma outra fração, essa situação não cabe em nenhuma das exceções previstas no art. 1422º-A do Cód. Civil.
- Se para a solução do caso a impugnação da decisão da matéria de facto se mostra irrelevante, o Tribunal da Relação pode abster-se de proceder ao seu conhecimento, por tal se tratar de ato inútil.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos autores B… e C…, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo dos autores/recorrentes.

Porto, 13.9.2016
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
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[1] Cfr. José Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, 1984, pág. 141.
[2] Cfr. Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum à luz do Código do Processo Civil de 2013”, 3ª ed., pág. 333 e nota (48).
[3] Cfr. Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 333.
[4] Cfr. Lebre de Freitas e outros, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., pág. 680; Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, reimpressão, 1984, págs. 54 e 143.
[5] Cfr. Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum À Luz do Código do Processo Civil de 2013”, 3ª ed., págs. 334/5.
[6] Cfr. Sandra Passinhas, “A Assembleia de Condóminos e o Administrador da Propriedade Horizontal”, 2ª ed., pág. 62.
[7] Cfr. Abílio Neto, “Manual da Propriedade Horizontal”, 3ª ed., pág. 76.
[8] Cfr. Ac. STJ de 7.6.2001, proc.01B1350, sumariado in www.dgsi.pt.
[9] Cfr., por ex., Acs. STJ de 15.11.2011, proc. 718/03.6 TBPNL.L1.S1, de 20.10.2011, proc. 369/2002.E1.S1, de 13.12.2007, proc. 07A3023, e também o Ac. Rel. Porto de 30.9.2014, proc. 1388/09.3 TBPVZ.P1 (do mesmo relator) todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Ac. STJ de 13.12.2007, proc. 07A3023, disponível in www.dgsi.pt.
[11] Apenas uma nota adicional para referir que os acórdãos mencionados pelos autores nas suas alegações (Rel. Coimbra de 23.10.2012, proc. 16/11.1 TBVZL.C2; Rel. Porto de 9.1.1997, proc. 9630590 – apenas sumariado, disponíveis in www.dgsi.pt) se referem a situações diferentes da presente e que se conexionam com a constituição da própria propriedade horizontal por usucapião, que é possível face ao disposto no art. 1417, nº 1 do Cód. Civil.
[12] Em sentido idêntico, cfr. Ac. Rel. Porto de 15.10.2015, proc. 2230/12.3 TBPNF.P1 e Ac. Rel. Guimarães de 10.9.2015, proc. 639/13.4 TTBRG-G1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.