Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
430/13.8TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
CONCESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE BINGO
VINCULO ENTRE CEDENTE E CESSIONÁRIO
TRANSMISSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RP20180305430/13.8TTPRT.P1
Data do Acordão: 03/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 271, FLS 235-258)
Área Temática: .
Sumário: I - Tanto a doutrina, como a jurisprudência nacional e comunitária, têm adotado um conceito amplo de transmissão de estabelecimento, dispensando a necessidade de um vínculo contratual entre o cedente e o cessionário e admitindo-se um largo leque de situações no que se reporta ao fenómeno transmissivo.
II - Tendo o Réu, a quem foi concessionada a exploração do Bingo “A” [ainda que com a possibilidade dessa exploração ter lugar noutro local], continuado a exploração do jogo do Bingo, porém não nesse local, mas em outro onde, até então, havia sido explorado, por outro concessionário, o Bingo “B” [mas cuja concessão cessou], exploração essa [jogo do bingo] que continuou, com base no mesmo contrato de arrendamento do local, sem qualquer hiato temporal, utilizando também, para além de outro, equipamento que tinha pertencido ao Bingo “B”, e, bem assim, parte dos trabalhadores deste, usufruindo do respetivo know-how, sendo a gerência de facto de ambos os estabelecimentos [Bingos “A” e “B”] exercida pela mesma pessoa e tendo-se mantido pelo menos parte da clientela, verifica-se, nos termos do art. 285º do CT, a transmissão do estabelecimento e, por consequência, a transmissão do contrato de trabalho do A. que, no Bingo “B” e para o anterior concessionário, vinha prestando a sua atividade.
III - Tal situação, em que, apesar da concessão de exploração do jogo do Bingo “A”, ocorreu, todavia e também, a transmissão do estabelecimento do Bingo “B”, está sob a alçada do art. 285º, nºs 1, 3 e 5 do CT/2009, ainda que, por via da referida concessão, o novo adjudicatário haja assumido a obrigação, nos termos do art. 7º, nº 8, do DL 31/2011 e/ou imposta no contrato de concessão, de manter os contratos de trabalho dos trabalhadores oriundos do Bingo “A”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 430/13.8TTPRT.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1035)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

B..., aos 02.04.2013, instaurou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra C..., Lda. e D..., peticionando:
- A condenação da Ré C..., Ldª a: i) reconhecer a ilicitude do seu despedimento; ii) a reintegrar o A. no posto e local de trabalho do estabelecimento onde é explorada a sala de jogo do Bingo na R. ..., .., Porto, nos seus quadros de pessoal, sem prejuízo de qualquer direito ou regalia, nomeadamente antiguidade e remuneração; iii) pagar-lhe, a título de indemnização pelo despedimento ilícito de acordo com a sua antiguidade a quantia, que fixa provisoriamente, em €23.350,50; iv) pagar-lhe todas as retribuições que se vencerem até trânsito em julgado da sentença, ascendendo as já vencidas a €708,50;
- Subsidiariamente, para a hipótese de se reconhecer não ter havido transmissão do estabelecimento onde o A. se encontrava a laborar, pede que seja o R. D... condenado: i) a reconhecer a ilicitude do seu despedimento; ii) a reintegrar o A. ao serviço, com a categoria profissional de porteiro e sem prejuízo dos restantes direitos e regalias, nomeadamente antiguidade e retribuição; iii) a pagar-lhe, a título de indemnização pelo despedimento ilícito de acordo com a sua antiguidade, a quantia, que fixa provisoriamente, em €23.350,50; iv) a pagar-lhe as retribuições que se vencerem até trânsito em julgado da sentença, ascendendo as já vencidas em €708,50.
Para tanto, alega em síntese que:
- O R. D... explorou, até 20.10.2012, a sala de Bingo, sita no ..., na R. ..., no Porto, onde o A. trabalhava, sendo que a Ré C..., Ldª explora, desde 21.10.2012, a sala de Bingo existente nesse mesmo lugar;
- o A. foi admitido ao serviço do R. D... aos 09.04.1991, para o exercício das funções inerentes à categoria profissional de porteiro, as quais sempre desempenhou na referida sala de Bingo, auferindo a retribuição mensal de €566,00, acrescida de €142,50 de diuturnidades e €6,75 por cada dia de trabalho a título de subsídio de alimentação;
- O sócio gerente da R. C..., Sr. E..., era há mais de 7 anos quem conduzia e geria o negócio do bingo da referida sala de jogo do ..., embora do ponto de vista formal o fizesse em representação do R. D... e o contrato de arrendamento do edifício onde ficava essa sala de jogo tem como arrendatário o referido E...;
- A Ré C... integra um Consórcio denominado “F...”, sendo o Presidente do R. D... e do G... a mesma pessoa e sendo a sede dessas três entidades a mesma, sita na morada da referida sala de jogo;
- Por carta de 24.10.2012, o R. C... despediu o A. alegando a caducidade do contrato de trabalho em virtude da “impossibilidade superveniente, absoluta de definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho e da entidade empregadora o receber” resultante do “encerramento da sala de jogo do Bingo, no final da sessão de 20 de Outubro de 2012 (…) decorrente de imposição legal/administrativa, alheia à vontade do D...”;
- Se se tratava de um encerramento total e definitivo da empresa, como alegado pelo mencionado Réu, atento o disposto no art. 346º, nº 3, do CT, deveria o Réu ter seguido o procedimento previsto nos arts. 360º e segs. do mesmo, o que não ocorreu.
- Todavia, não se verifica a alegada caducidade do contrato de trabalho, pois que, pelas razões que invoca [utilização do mesmo espaço, dos mesmos utensílios, balcões, mesas, cadeiras, máquinas, computadores de escritório, mesmos 2 tanques de cerveja e outras bebidas, produtos alimentares, loiças, fardas dos trabalhadores e mesma clientela] e após algumas obras de manutenção a fim de ser retomada a sua laboração, verificou-se, nos termos do art. 285º do CT/2009, a transmissão do estabelecimento [sala de bingo sita no já referido local] para a Ré C..., Ldª;
- Mal este reabriu, quando o A. se apresentou ao serviço a 15.12.2012 [e tal como fez no período de 21.10. a 14.12.2012], a Ré C... transmitiu-lhe que não constava “da lista”, não fazendo parte dos quadros da empresa e tendo sido despedido, apesar da Ré C... ter contratado cerca de 40 trabalhadores do D..., mais 15 novos trabalhadores e todos os trabalhadores do antigo bingo H... que tinham a “I...” como entidade patronal, despedimento esse ilícito porque sem precedência de procedimento disciplinar e sem justa causa.
- Se se concluir no sentido da inexistência de transmissão de estabelecimento, foi então ilicitamente despedido pelo D... através da carta de 24.10.2012, não se verificando a invocada caducidade, para além de que não foi dado cumprimento aos arts. 360º e segs. do CT, ex vi do art. 346º, nº 3, do mesmo.

A Ré C..., Ldª contestou, invocando a sua ilegitimidade, porquanto não foi ela, mas sim o “F...” quem, na sequência de concurso público para concessão da exploração de uma sala de jogo do Bingo a instalar pelo concessionário no local onde funcionava o denominado Bingo H..., na ..., nº ..., .º Piso, no Porto ou em qualquer outro local do Porto, adquiriu tal concessão, no âmbito da qual passou a explorar a sala de jogo que existia no local onde então funcionava o Bingo sito no .... Mais alega, em sede de impugnação, o já referido em sede de exceção e bem assim que, no âmbito dessa concessão, se obrigou a manter os trabalhadores afetos à concessão cessante (Bingo H...) e a criar 40 novos postos de trabalho; não se verifica a alegada transmissão de estabelecimento, pois que o Bingo J... existiu porque o Réu D... era detentor de uma concessão de exploração do jogo de bingo, a qual terminou por decisão governamental, que ordenou o encerramento da Sala de Jogo do Bingo J..., não tendo a concessão adquirida pelo “Consórcio” nada a ver com a anterior concessão D...; foram abertos vários concursos, entre os quais o concurso para concessão da Exploração de uma Sala do Jogo do Bingo, a instalar pelo concessionário no local onde funcionava o denominado Bingo J... (sito no ...), no âmbito do qual os contrato de trabalho dos trabalhadores que aí prestassem trabalho transitariam para o novo concessionário, razão pela qual o A. não constava da relação de trabalhadores afetos à concessão do Bingo H..., mas sim da relação de trabalhadores afetos à concessão do cessante D...; assim, não houve transmissão de estabelecimento, mas sim uma concessão que terminou e outra, totalmente distinta, que teve o seu início; como se tivesse obrigado, pelo contrato de concessão, não apenas a manter os trabalhadores afetos à concessão do Bingo H..., mas também a criar 40 novos postos de trabalho, “aproveitando a experiência profissional adquirida e competência reconhecida, contactou alguns dos antigos funcionários do Bingo J..., no sentido de aferir da sua disponibilidade, os quais manifestaram a sua intenção e disponibilidade para celebrar o respetivo contrato de trabalho, o que veio a acontecer”, mas não havendo qualquer obrigação de contactar ou contratar todos os ex-trabalhadores do Bingo J...; se tivesse havido adjudicação do Bingo J..., o novo concessionário era obrigado a manter os trabalhadores ao seu serviço; existiam 83 postos de trabalho disponíveis (43 trabalhadores do Bingo H..., que estava obrigado a contratar + 40 correspondentes aos novos postos de trabalho a criar), pelo que, a proceder a tese do A. estaria obrigado a contratar mais cerca de 100 trabalhadores, ficando com cerca de 200 trabalhadores; efetuou obras, adquiriu diverso material informático necessário ao normal funcionamento, bem como o material e equipamento do jogo do bingo, celebrou contrato de comodato para possibilitar o uso e gozo de diversos bens necessários, propriedade da K..., SA [os quais foram adquiridos por esta no âmbito de processos judiciais de venda de bens penhorados ao D...], adquiriu vestuário e todos os bens necessários ao funcionamento do bar, pelo que não se verifica a transmissão do estabelecimento; a concessão apenas pode ser atribuída, como o foi, por concurso público e não pela transmissão de estabelecimento. Sem prescindir, para o caso de se considerar existir transmissão de estabelecimento, opõe-se à reintegração do A. atento o acima referido, pois que tem todos os postos de trabalho preenchidos, não existindo posto de trabalho para o A., havendo uma impossibilidade absoluta de receber o A.

O A. respondeu, concluindo no sentido da improcedência da exceção da ilegitimidade e, bem assim, como na p.i.

Por decisão de 31.03.2014 (fls. 364 a 369), atenta a insolvência do Réu D..., foi, por inutilidade superveniente da lide, julgada extinta a instância relativamente ao mencionado Réu.

Por despacho de 02.06.2014 (fls. 373/374) foi oficiosamente, ao abrigo do art. 27 al. a) do CPT, determinada a intervenção, a título principal e na posição de Réu, do consórcio externo de responsabilidade solidária “F...”, de ora em diante apenas designado de “Consórcio”, o qual contestou [fls. 382 a 407] em termos essencialmente similares à contestação da Ré C..., Ldª [salvo quanto à exceção da ilegitimidade, que não foi invocada].

Teve lugar audiência preliminar (fls. 428 a 430), no âmbito da qual foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção da ilegitimidade suscitada pela Ré C..., Ldª.

Realizada a audiência de julgamento, as partes acordaram parcialmente na matéria de facto assente e na controvertida, a submeter a julgamento, nos termos que constam da ata de fls. 491 a 498 e de que a seguir se transcreve o seguinte [por ser o que releva ao recurso]:
“FACTOS ASSENTES:
(…)
H
O D... remunerava o Autor com o salário mensal de 566,00 € acrescido de 142,50 € de diuturnidades e 6,75 € por cada dia de trabalho efectivamente prestado a título de subsídio de alimentação.
J
O presidente do D... e o presidente do G... são a mesma pessoa.
K
A morada das sedes sociais do D..., do G... e da C..., Lda é a mesma, sita na Rua ..., n.º .., no edifício onde se encontra instalada a sala de jogo de bingo, no antigo ....
W
Tendo em conta a transmissão do estabelecimento, mal o Autor tomou conhecimento da sua reabertura, em 15 de Dezembro de 2012, apresentou-se ao serviço no local que durante quase 22 anos ocupou, na já mencionada sala do jogo do Bingo L... no Porto.
(…)
*
FACTOS CONTROVERTIDOS:
(…)
As mesmas mesas, cadeiras, máquinas, computadores de escritório e demais equipamento, se dedica igualmente ao serviço e negócio de jogo de Bingo, mantendo pois a identidade da actividade desenvolvida?
7.º
Garantindo também a mesma clientela?
E até o mesmo recheio de 2 tanques de cerveja e outras bebidas, produtos alimentares, loiças e as fardas dos trabalhadores?
(…)
10º
Tendo em conta a transmissão do estabelecimento, mal o Autor tomou conhecimento da sua reabertura, em 15 de Dezembro de 2012, apresentou-se ao serviço no posto de trabalho que durante quase 22 anos ocupou, na já mencionada sala do jogo do Bingo L... no Porto?
(…)”

Na sequência de despacho do Mmº Juiz (fls. 487), o A. veio optar pela reintegração conforme fls. 489.

Foi, aos 23.06.2017, proferida sentença que julgou a ação improcedente, dela absolvendo as RR. Mais se fixou à ação o valor de €24.089,00.

Inconformado, o A. veio recorrer, arguindo no requerimento de interposição do recurso nulidade de sentença e, a final das suas alegações, formulou as seguintes conclusões:
“1 – A matéria de facto dada como não provada nos pontos A, B, C, E e F elencados nos “Factos Não Provados” face ao acordo das partes quanto aos três primeiros e à prova testemunhal produzida e depoimento prestado e supra mencionado da testemunha supra identificada e acima transcrito conforme as passagens acima referidas registados no CD supra nos períodos acima indicados quanto aos dois últimos tudo o que aqui se dá como reproduzido e aos documentos juntos, deve ser alterada e dada como provada sem prejuízo de tudo o que atrás se refere inquinar de nulidade a douta sentença;
2 - Com efeito, os factos que foram considerados não provados na douta sentença recorrida e elencados nos pontos A, B e C dos “Factos não Provados”, deveriam ter sido considerados provados pois estão em integral oposição com a solução dada quanto aos mesmo pelas próprias partes por um lado, existindo por outro lado quanto aos pontos E e F no processo os elementos que impõem decisão contrária em relação a eles o mesmo sucedendo com o ponto 21 dos factos provados ao qual deve ser dada a redacção da alínea w) supra ou aditado um novo facto provado com essa redacção;
3 - Como resulta da acta de audiência e julgamento realizada a 17/11/2016, o ora Recorrente e então Autor e as Recorridas, por acordo, delimitaram a matéria que dão como assente e aquela que consideraram manter-se controvertida nos termos que acima se deixaram transcritos e que aqui se dão integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos;
4 – Dos documentos juntos e face à prova testemunhal produzida e depoimento prestado
e supra mencionado da testemunha supra identificada e acima transcrito conforme as passagens acima referidas registados no CD supra nos períodos acima indicados tudo o que aqui se dá como reproduzido jamais poderia o Tribunal a quo dar os referidos factos identificados nos pontos E e F dos “Factos não Provados” como não provados
5 - Nos termos do disposto nos arts. 607.º e 615.º do CPC deverá este venerando tribunal proceder à alteração mencionada dando como provados os factos A, B, C, E e F elencados na sentença ora em crise nos “Factos Não Provados” o mesmo sucedendo com o ponto 21 dos factos provados ao qual deve ser dada a redacção da alínea w) supra ou aditado um novo facto provado com essa redacção;
6 - Alterada que seja a matéria dada como provada e não provada nos termos supra expostos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos deverá a presente acção ser julgada totalmente procedente por provada;
7 - Daqui decorre, que a mesma, mesmíssima sala de Bingo do antigo ... sita na Rua ..., .., no Porto em que o Recorrente trabalhou durante quase 22 anos, ao serviço do D... que a explorou, até 20 de Outubro de 2012, por sua conta e risco, passou a ser explorada sucessivamente pelas Recorridas, prosseguindo a actividade que já vinha desenvolvendo antes no mesmíssimo local e instalações (vd. pontos 3, 4 e 20 a 27 dos Factos Provados).
8 – Foram mantidos os elementos corpóreos que integravam o estabelecimento as mesmas mesas, cadeiras, máquinas, computadores de escritório e demais equipamento e até o mesmo recheio de 2 tanques de cerveja e outras bebidas, produtos alimentares, loiças e as fardas dos trabalhadores bem como a respectiva clientela (vd. pontos 50 e 51 dos “factos provados”) e existiu transmissão do know-how preexistente uma vez que o sócio da Recorrida C... que integra a Recorrida «F...», o Sr. E... era quem conduzia e geria o negócio do jogo do bingo na sala do antigo ..., embora do ponto de vista formal o fizesse em representação do D... (vd. 22 dos Factos Provados).
9 - Sendo que o presidente do D... e o presidente do G... são a mesma pessoa (vd. ponto 48 dos “Factos Provados”).
10 – As Recorridas ao sucessivamente prosseguirem a mesma actividade, no mesmíssimo local e instalações e ao integrar os elementos corpóreos que já vinham do anterior concessionário, com tendencial manutenção da mesma clientela, e know-how, manteve a identidade organizacional e de afectação de meios que já vinha do anterior receberam a mesma unidade económica que já vinha do anterior concessionário.
11 -Cai assim pela base a argumentação do Tribunal a quo, pois a circunstância de não se ter estabelecido qualquer negócio jurídico entre as Recorridas e o anterior concessionário não é impeditiva de se aplicar a disciplina do artigo 285.º do CT, conforme vem decidindo o TJCE, doutrina que a Directiva n.º 2001/23/CE de 12 de Março visou consagrar e que não podemos deixar de considerar na interpretação daquele preceito.
12 - E assim, terminada a sua concessão, os seus trabalhadores - nomeadamente o Recorrente e respectivo contrato de trabalho - poderiam e deveriam passar para a esfera das Recorridas.
13 - Argumenta ainda o Tribunal a quo que a questão que se depara, contudo, é a circunstância de se tratarem de concessões distintas, não cabendo o Recorrente no universo contratual de trabalhadores que beneficiaram do previsto no n.º 8 do artigo do Regime da concessão da exploração das salas de jogo do bingo,
14 - Tal não pode ser impeditivo da aplicação dum regime laboral imposto pelo direito à segurança no emprego e de manutenção dos direitos dos trabalhadores quando exista uma transferência de estabelecimento, ou uma mera transferência da sua exploração como é o caso, conforme impõe a Directiva n.º 2001/23/CE de 12 de Março e cuja transposição foi efectuada pelo artigo 2.º, alínea q), do diploma preambular do CT.
15 - Daí a importância da jurisprudência que o TJCE foi firmando nesta matéria na interpretação da lei portuguesa, pois os artigos 318.º e 319.º actual 285.º do Código do Trabalho visaram transpor aquela Directiva para o ordenamento interno. Por isso se entendeu que era de importância vital para a existência duma transferência do estabelecimento, para efeitos daqueles preceitos, que a entidade económica que este representa mantenha a sua identidade.
16 - Conforme resulta do n.º 5 do artigo 285.º o que é importante para se aplicar a doutrina deste preceito é que a empresa, estabelecimento, ou parte de empresa ou estabelecimento que se transmite constitua uma unidade económica, entendida como o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, seja a título principal ou acessório.
17 - O que leva Júlio Gomes, obra citada, 832, a afirmar que não há razões para não se aplicar o disposto em matéria de transmissão de empresas ou estabelecimentos mesmo em situações em que não há qualquer relação contratual entre transmitente e transmissário.
18 - E assim, o que é decisivo é apurar-se se aquela entidade continuou a ser a mesma, apesar das múltiplas vicissitudes por que passa quanto ao seu titular, sendo de relevar para tanto se a transmissão engloba os seus bens móveis ou equipamentos, mas também bens incorpórios, tais como a transmissão do know-how, a sucessão da actividade sem interrupção, a manutenção da clientela e a identidade e local da actividade desenvolvida após a transferência.
19 - Quanto ao âmbito de aplicação daqueles preceitos do CT, será oportuno referir que a Directiva que aqueles preceitos visaram transpor para o ordenamento interno, se aplica a qualquer entidade económica que prossiga uma actividade económica, quer se trate de empresas públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos, conforme resulta da alínea c) do seu artigo 1.º.
20 - Assim, apenas ficam excluídas as situações relativas à reorganização administrativa ou à transmissão de funções administrativas entre instituições oficiais (artigo 1.º, n.º 1, alínea c)), bem como as transmissões respeitantes aos navios (artigo 1.º, n.º 3).
21 - O artigo 285.º do CT, nada refere sobre estas exclusões, e sobre este ponto e continuando a seguir Júlio Gomes, pág. 810, convém não exagerar o alcance desta exclusão, pois a Directiva só exclui a redistribuição e funções e a sua reorganização no seio da própria da própria administração, o que se explica por se tratar de actividades que se prendem directa ou primordialmente com o exercício do poder político ou da soberania, o que abrangerá nomeadamente o desempenho de funções ligadas à defesa nacional, segurança interna, finanças e justiça.
22 - Fora destes casos a questão consistirá em apurar se uma operação de privatização de serviços ou da sua reassunção pela administração constituirá uma transferência de empresa ou de parte dela, englobando portanto a transmissão de bens corpóreos ou incorpóreos, manutenção de pessoal e ou outros indícios de que se trata duma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela principal ou acessória.
23 - No caso concreto não se trata de actividade administrativa e por isso excluída do âmbito da disciplina dos artigos 318.º e 319.º actual 285.º por força da exclusão inserta na Directiva 2001/23.
24 - Diga-se no entanto, que nunca funcionaria tal exclusão, pois não estamos perante uma daquelas actividades que se prendem directa ou primordialmente com o exercício do poder político ou da soberania nacional;
25 - Por outro lado, os factos apurados permitiram concluir com segurança que estamos perante transmissão dum estabelecimento o que de resto foi aceite pelas partes.
26 - Na verdade, a unidade económica transmitida conservou a sua identidade e prosseguiu a actividade que já vinha desenvolvendo antes, o que determinaria sem mais a aplicação da disciplina daqueles preceitos do CT e consequentemente operou a transmissão do contrato de trabalho do Recorrente para as Recorridas.
27 - Ao procederem do modo como ficou demonstrado as Recorridas despediram ilicitamente o A. sem precedência de processo disciplinar e sem justa causa com as devidas e legais consequências peticionadas nos presentes autos pelo Recorrente.
Sem conceder, o que só se coloca para efeito discursivo,
28 - Mantendo-se inalterada a matéria de facto não provada nos pontos E e F, dá-se com as devidas adaptações como integralmente reproduzido tudo quanto já supra se disse uma vez não parecer determinante face a tudo quanto se apurou influir na invocada existência de efectiva transmissão de estabelecimento e consequente transmissão do contrato de trabalho do Recorrente para as Recorridas.
29 - E assim sendo ao procederem do modo como ficou demonstrado as Recorridas despediram ilicitamente o A. sem precedência de processo disciplinar e sem justa causa com as devidas e legais consequências peticionadas nos presentes autos pelo Recorrente
Nomeadamente mas sem limitação a sua reintegração no seu local e posto de trabalho no estabelecimento onde é explorada a sala de jogo do Bingo na Rua ..., .., no Porto nos seus quadros de pessoal, sem prejuízo de qualquer direito ou regalia
30 - Na transmissão de estabelecimento de acordo com a Directiva 2001/23/GE, do Conselho, de 10/05/4, quando a unidade económica é viável há manutenção da actividade, isto porque de acordo com decisão do TJUE no Acórdão nº C – 340/01 que considera que este requisito se verifica, mesmo quando a transmissão é feita por concurso público.
31 - A Directiva dispõe que esta se aplica ao sector público e privado, em consequência aquela é aplicável às situações em que a transmissão de estabelecimento se dá por concurso público.
32 - A sentença proferida pelo Tribunal “a quo” está em confronto com o disposto na Directiva 2001/23/CE, que substitui a Directiva 77/187/CEE, de 11/02/77, quando considera que a continuação da actividade de exploração do jogo de bingo pela Recorrida por via de concurso público, não se verificou a transmissão de estabelecimento e do contrato de trabalho.
33 - Havendo confronto entre a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” e a interpretação feita pelo TJUE no que respeita a saber se nos casos de transmissão do estabelecimento, pelo menos está levantada a dúvida sobre saber se a Directiva se aplica ao litigio que opõe o Recorrente á Recorrido.
34 - Estando em dúvida o âmbito da aplicação da directiva da transmissão de estabelecimento, através de concurso público, deve o Tribunal submeter, por via do reenvio prejudicial, ao Tribunal de Justiça da União Europeia as seguintes questões:
a) Aplica-se a Directiva 2001/23/GE à transmissão de estabelecimento quando esta é feita por via de concurso público;
b) Havendo uma dilação nos termos dos concurso público para entrega, o estabelecimento ainda assim cai no âmbito da protecção da Directiva.
35 - Viola a douta sentença ora em crise os arts. 2º e 53º da Constituição da República Portuguesa (CRP) a interpretação do art. 285º do C.T. quando considera que a continuação da actividade de exploração do jogo de bingo pela Recorrida por via de concurso público, não se verificou a transmissão de estabelecimento e do contrato de trabalho do Recorrente.
36 – Foram violados entre outros preceitos legais, mas sem limitação o disposto nos arts.º 607.º e 615 do CPC no art.º 381.º e ss. do CT. bem como os art.ºs 2º e 53º da CRP.
Deve, assim, ser dado provimento ao recurso, revogando - se a decisão da 1.ª instância, alterando-se a decisão da matéria de facto no sentido supra descrito substituindo-a por douto Acórdão que julgue procedente por provada a acção e condene as Apeladas a reintegrar o Apelante, no seu local e posto de trabalho no estabelecimento onde é explorada a sala de jogo do Bingo na Rua ..., .., no Porto nos seus quadros de pessoal, sem prejuízo de qualquer direito ou regalia bem assim como a pagar-lhe todas as retribuições por ele deixadas de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da sentença.”

A Ré contra-alegou, concluindo no sentido do não provimento do recurso.

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto e da improcedência do recurso, parecer sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
***
II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância

Na sentença recorrida, foi proferida a seguinte decisão da matéria de facto:
Factos provados
1. O Autor encontra-se filiado no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Norte, sendo membro da sua direção.
2. E é dirigente desta associação sindical desde 29/04/2004.
3. O consórcio C..., Lda. e G... explora, desde 21 de Outubro de 2012, por sua conta e risco uma sala de Bingo, sita no antigo ..., na Rua ..., no Porto, onde o Autor trabalhava.
4. O D... explorou, até 20 de Outubro de 2012, por sua conta e risco a mesma sala de Bingo, sita no antigo ..., na Rua ..., no Porto, onde o Autor trabalhava.
5. Em 9 de Abril de 1991, o Autor foi admitido ao serviço do D... para trabalhar sob as suas ordens, direção e fiscalização na mencionada sala de Bingo, sita no antigo ..., na Rua ..., no Porto.
6. Para exercer as funções inerentes à categoria profissional de "porteiro".
7. A ora Ré C... integra um Consórcio denominado «F...».
8. O Autor recebeu a carta datada de 24-10-2012 cujo teor se dá por integralmente reproduzido, comunicando a cessação do contrato de trabalho com o autor invocando a sua caducidade.
9. O D... não comunicou essa intenção por escrito à comissão sindical na empresa representativa dos trabalhadores abrangidos.
10. Não fez constar da referida comunicação o quadro de pessoal, discriminado por sectores organizacionais da empresa.
11. Não explicitou o número de trabalhadores a atingir e as categorias profissionais abrangidas.
12. Nem concretizou o método de cálculo da compensação a conceder.
13. O D... não enviou cópia da sua comunicação ao Autor ao serviço do ministério responsável pela área laboral com competência para o acompanhamento e fomento da contratação colectiva.
14. Como o D... não comunicou a sua intenção por escrito à comissão sindical representativa dos trabalhadores, também não promoveu nos 5 dias posteriores uma fase de informação e negociação com vista a um acordo sobre a dimensão e efeitos das medidas a aplicar.
15. Nem houve a participação do serviço competente do ministério responsável pela área laboral com vista a promover a regularidade da sua instrução substantiva e procedimental e a conciliação dos interesses das partes.
16. Após o decurso dos 15 dias referidos no art.º 363º do C.T., a Ré não comunicou ao Autor a sua decisão, com menção expressa do motivo e a data da cessação do contrato e indicação do montante, forma, momento e lugar de pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho com a antecedência mínima de 75 dias relativamente à data da cessação (cf. art.º 363º n.º 1 do C.T.).
17. O D... não concedeu ao Autor um crédito de horas correspondente a dois dias de trabalho por semana, sem prejuízo de retribuição.
18. O D... não pagou nem colocou à disposição do Autor a compensação pecuniária a que se refere o n.º 5 do art.º 363º do C.T..
19. O D..., por si, ou por intermédio de outrem, não enviou qualquer outra missiva ao Autor alegando o seu despedimento.
20. Em 21 de Outubro de 2012, a sala de Bingo do antigo ... em que o Autor trabalhou durante quase 22 anos, sito na Rua ... no Porto, foi sujeita a algumas obras de manutenção.
21. Em 15 de Dezembro de 2012, o autor apresentou-se ao serviço no local que durante quase 22 anos ocupou, na já mencionada sala do jogo do Bingo L... no Porto.
22. O sócio da Ré C..., Sr. E... era quem conduzia e geria o negócio do jogo do bingo na sala do antigo ..., embora do ponto de vista formal o fizesse em representação do D....
23. Contratou cerca de 40 trabalhadores do D..., mais 15 novos trabalhadores, para além de todos os trabalhadores do antigo Bingo H....
24. A fim de ser retomada a sua laboração.
25. Agora sob a orientação e gerência da Ré C....
26. Utilizando o mesmo espaço, e alguns dos mesmos utensílios.
27. Continuou e prosseguiu com a mesma atividade e no mesmo local.
28. Mal o Autor tomou conhecimento da sua reabertura, entre 21 de Outubro e 14 de Dezembro de 2012 o autor repetidamente compareceu no seu local de trabalho, e em 15 de Dezembro de 2012, apresentou-se ao serviço no posto de trabalho que durante quase 22 anos ocupou, na já mencionada sala do jogo do Bingo L... no Porto
29. Aí os responsáveis pela C... transmitiram ao Autor não constar este «da lista» e por isso não entrava ao serviço pois não fazia parte dos quadros da empresa.
30. Perante a insistência do Autor de querer saber se a Ré C... o considerava despedido, aqueles responsáveis responderam-lhe: «se quer ver as coisas por esse prisma, sim, considere-se despedido».
31. Foi publicado Anúncio de procedimento n.º 1778/2011, na II Série do Diário da Republica de 15 de Abril de 2011, para Concessão da Exploração de uma Sala do Jogo do Bingo, a instalar, pelo concessionário no local onde funcionava o denominado Bingo H..., na ..., n.º ..., ..º Piso, Porto ou em qualquer outro local do Porto.
32. No seguimento foi disponibilizado através do site www.bizgov.pt o acesso às peças do procedimento de concurso.
33. Nos termos do art. 4º, n.º 1, do Programa do Concurso, o procedimento é composto pelas seguintes peças:
1. Programa do Concurso e seus anexos;
2. Caderno de encargos;
3. Relação dos trabalhadores afetos à concessão cessante, disponível para consulta apenas nos termos previstos no artigo 13.º, n.º 2.
34. Com o propósito de se apresentar a concurso foi constituído o “F...”, ao abrigo do disposto no art. 10º e 11º do Programa do Concurso.
35. Nos termos do disposto no art. 17º do Programa do Concurso, a proposta deveria ser constituída pelos seguintes documentos:
1. Declaração de aceitação do conteúdo do Caderno de Encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo I ao presente Programa do Concurso;
2. Documento com a indicação do local para instalação da sala de jogo do bingo e sua descrição pormenorizada, incluindo necessariamente a menção ao número de lugares previsto na lotação da sala, através de plantas e memórias descritivas;
3. Documento comprovativo da disponibilidade para o efeito do local onde será instalada a sala de jogo do bingo;
4. Declaração com a menção positiva ou negativa ao facto de o concorrente ser actualmente concessionário ou cessionário de alguma sala de jogo do bingo no mesmo município da licença para concessão de exploração aqui colocada a concurso;
5. Documento com os elementos referentes à contrapartida inicial e elementos da proposta referentes ao número dos recursos humanos, elaborado em conformidade com o modelo constante do Anexo V.
36. Foi celebrado contrato de arrendamento entre a C..., Lda. e a M..., Lda. proprietária do imóvel onde funciona atualmente o Bingo L....
37. Ficando assim preenchidos os requisitos referidos nas alíneas b) e c), do art. 17º do Programa do Concurso.
38. Para preenchimento do requisito previsto na alínea e) do art. 17º, do Programa do Concurso, deveria o Concorrente juntar documento com os elementos referentes à contrapartida inicial e elementos da proposta referentes ao número dos recursos humanos, elaborado em conformidade com o modelo constante do Anexo V.
39. Sendo que, nos termos do art. 11º, do Caderno de Encargos:
1. Constitui obrigação do concessionário assumir as obrigações contratuais respeitantes aos trabalhadores afetos á exploração da concessão cessante.
2. A identificação dos trabalhadores a integrar, bem como dos encargos inerentes, constam da relação dos trabalhadores afetos à concessão cessante e se encontra anexa ao contrato e dele faz parte integrante;
3. A contratação de trabalhadores, regulada na referida cláusula, não pode acarretar a perda de quaisquer direitos e regalias dos trabalhadores em causa;
4. Após a outorga do contrato de concessão, o concessionário envia aos trabalhadores acima mencionados, cartas registadas contendo informação relativa à contratação a levar a cabo nos termos supra referidos, fazendo menção obrigatória ao prazo de 15 dias de que dispõe o trabalhador para aceitação da proposta, aceitação essa a levar a cabo por comunicação escrita.
40. Assim, o Agrupamento apresentou em conformidade com o Anexo V ao Programa do Concurso, o valor da contrapartida inicial, bem assim como, se comprometeu em caso de adjudicação a criar 40 postos de trabalho adicionais, além do número de trabalhadores a integrar descriminados na Relação dos trabalhadores afectos à concessão cessante.
41. A proposta foi admitida e foi o Agrupamento notificado do despacho da Sra. Secretária de Estado de Turismo, n.º 78-XIX/SET/2011, de 4 de Novembro, que adjudicou à proposta apresentada pelo “F...” a Concessão da Exploração de uma Sala do Jogo do Bingo, a instalar, pelo concessionário no local onde funcionava o denominado Bingo H..., na ..., n.º ..., ..º Piso, Porto ou em qualquer outro local do Porto. (cfr. Doc. 3, junto)
42. Em cumprimento, do disposto no art. 11º do Programa do Concurso, o “F...”, celebrou contrato em consórcio externo de responsabilidade solidária.
43. Tendo o concurso público terminado com a assinatura, a 12/06/2012, do contrato de concessão de exploração da sala de jogo do Bingo no Porto entre o Estado Português e o Consórcio Externo denominado “F...”.
44. Foi publicado Anúncio de procedimento n.º 1780/2011, na II Série do Diário da Republica de 15 de Abril de 2011, para Concessão da Exploração de uma Sala do Jogo do Bingo, a instalar, pelo concessionário no local onde funcionava o denominado Bingo J..., no ..., Gaveto da Rua ... e Rua ..., no Porto ou em qualquer outro local do Porto. – com programa de concurso, caderno de encargos e relação de trabalhadores afetos à concessão cessante (Bingo J...).
45. Em todos os anúncios de procedimento para concessão de exploração de jogo do bingo o Turismo de Portugal, I.P., impôs a contratação de todos os trabalhadores das concessões cessantes ao adjudicatário/concessionário, para além do reconhecimento de antiguidade de cada um dos trabalhadores.
46. Não se encontra adjudicada a concessão referente ao concurso público 1780/2011.
*
Factos não provados
A. Que o D... remunerava o Autor com o salário mensal de 566,00 € acrescido de 142,50 € de diuturnidades e 6,75 € por cada dia de trabalho efetivamente prestado a título de subsídio de alimentação.
B. Que o presidente do D... e o presidente do G... são a mesma pessoa.
C. Que a morada das sedes sociais do D..., do G... e da C..., Lda é a mesma, sita na Rua ..., n.º .., no edifício onde se encontra instalada a sala de jogo de bingo, no antigo ....
D. Que o contrato de arrendamento do edifício onde fica esta sala de jogo tem como arrendatário o mesmo Sr. E....
E. Que são usados pelo réu as mesmas mesas, cadeiras, máquinas, computadores de escritório e demais equipamento e até o mesmo recheio de 2 tanques de cerveja e outras bebidas, produtos alimentares, loiças e as fardas dos trabalhadores
F. Para a mesma clientela.”.
***
III. Fundamentação

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 5º, nº 1, da Lei 41/2013, de 26.06 e do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas:
- Nulidade de sentença;
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Transmissão de estabelecimento e, em caso afirmativo, do despedimento do A.

2. Nulidade de sentença

O Recorrente arguiu, no requerimento de interposição do recurso, alegada nulidade de sentença por a matéria constante das als. A), B) e C) dos factos não provados estar em contradição com a matéria de facto que as partes, por acordo aquando da audiência de julgamento, haviam considerado como provada. E ainda porque o nº 21 dos factos dados como provados não estaria em total consonância com a al. W) dos factos que as partes, nesse mesmo acordo, tinham tido como assente.
As nulidades de sentença são as previstas no art. 615º do CPC/2013, sendo que o alegado pelo Recorrente não tem a ver com nulidade de sentença, mas sim com a discordância sobre a decisão da matéria de facto, que aliás foi impugnada, constituindo o objeto da segunda questão em apreço nos autos.
Assim, improcede a arguida nulidade de sentença.

3. Impugnação da decisão da matéria de facto

A Recorrente impugna a decisão da matéria de facto:
- contida nas als. A), B) e C) dos factos não provados, considerando que os mesmos devem ser tidos como provados em consonância com as als. H), J) e k) dos factos dados por assentes por acordo das partes na audiência de julgamento.
- contida no nº 21 dos factos provados, que deve ter a redação integral do facto dado como assente na al. W) do acordo acima mencionado.
- As als. E) e F) dos factos não provados devem ser dados como provados, o que sustenta no depoimento da testemunha N....
O Recorrente cumpriu o disposto no art. 640º, nºs 1, als. a), b) e c), 2, al. a), do CPC/2013.

3.1. Quanto à al. A) dos factos não provados:
Da alínea A) dos factos não provados consta ter sido dado como não provado o seguinte: “A. Que o D... remunerava o Autor com o salário mensal de 566,00 € acrescido de 142,50 € de diuturnidades e 6,75 € por cada dia de trabalho efetivamente prestado a título de subsídio de alimentação.”.
Como deixamos dito no relatório do presente acórdão, as partes, na audiência de julgamento, acordaram nos factos que tinham como assentes e naqueles que tinham como controvertidos e que seriam submetidos a produção de prova.
E, na al. H) da matéria de facto que, nos termos desse acordo, tiveram como assente consta o seguinte: “H. D... remunerava o Autor com o salário mensal de 566,00 € acrescido de 142,50 € de diuturnidades e 6,75 € por cada dia de trabalho efectivamente prestado a título de subsídio de alimentação.”.
As partes acordaram, pois, no mencionado ponto da matéria de facto, pelo que, nos termos do art. 607º, nºs 4 e 5, 2ª parte, do CPC/2013, deverá o mesmo ser eliminado dos factos não provados e dado como provado, para o que se adita, à matéria de facto provada, o nº 47, com o seguinte teor:
47. O D... remunerava o Autor com o salário mensal de 566,00 € acrescido de 142,50 € de diuturnidades e 6,75 € por cada dia de trabalho efetivamente prestado a título de subsídio de alimentação.

3.2. Quanto à al. B) dos factos não provados:
Da alínea B) dos factos não provados consta ter sido dado como não provado o seguinte: “B. Que o presidente do D... e o presidente do G... são a mesma pessoa.”.
Na al. J) da matéria de facto que, conforme acima referido, as partes, por acordo, tiveram como assente consta o seguinte: “J. O presidente do D... e o presidente do G... são a mesma pessoa.”.
Tal facto foi alegado pelo A. no art. 13º da petição inicial, o qual não foi impugnado nas contestações. E, por outro lado, o “acordo” por parte da Ré aquando da audiência de julgamento consubstancia uma confissão do mesmo.
Importa ainda referir o seguinte, que decorre da gravação da audiência de julgamento a cuja audição se procedeu:
No início da audiência de julgamento, o Mmº Juiz, em conjunto com as partes, alcançaram o referido acordo: aquele ia referindo, por reporte a cada um dos factos constantes da p.i., os que estariam assentes e os que, porque controvertidos, deveriam ser “quesitados”, ao que os ilustres mandatários se pronunciavam afirmativamente, negativamente ou o mais que tivessem por pertinente, acabando, por consenso de todos, por ficar vertido o que consta do acordo sobre a matéria de facto.
E assim sucedeu relativamente ao mencionado facto, em relação ao qual o Mmº Juiz referiu estar o mesmo assente e ao que os ilustres mandatários, incluindo dos RR, assentiram sem qualquer reserva. Ao assim ter ocorrido, por aceitação/confissão expressa da Ré e com a anuência do Mmº Juiz, tal matéria, ao ficar assente, foi subtraída à possibilidade/desnecessidade de produção de prova sobre ela ou, pelo menos, foi o A. a isso induzido por causa imputável ao Tribunal e aos RR. Ora, assim sendo, em nome da boa-fé processual e do princípio da cooperação processual (art. 7º, nº 1, do CPC/2013), tal facto não podia, ser dado como não provado pelo Mmº Juiz; se este assim o entendia, ao invés de ter referido que o mesmo se encontrava assente, deveria então ter feito menção à necessidade de produção de prova, mormente documental. E o mesmo se diga em relação aos RR que, se entendessem no sentido da natureza vinculada da prova, não o deveriam então ter aceite como assente. Entendimento contrário seria aliás suscetível de consubstanciar abuso de direito (art. 334º do Cód. Civil) na modalidade de venire contra factum proprium.
Assim, entendemos que procede, nesta parte, a impugnação da matéria de facto, eliminando-se a al. B) dos factos não provados, que deverá transitar para os provados, para o que se adita aos mesmos o nº 48 com o seguinte teor:
48. O presidente do D... e o presidente do G... são a mesma pessoa.

3.3. Quanto à al. C) dos factos não provados:
Da alínea C) dos factos não provados consta ter sido dado como não provado o seguinte: “C. Que a morada das sedes sociais do D..., do G... e da C..., Lda é a mesma, sita na Rua ..., n.º .., no edifício onde se encontra instalada a sala de jogo de bingo, no antigo ....”.
As partes, na al. K) da matéria de facto que, conforme acima referido, tiveram como assente por acordo consta o seguinte: “K. A morada das sedes sociais do D..., do G... e da C..., Lda é a mesma, sita na Rua ..., n.º .., no edifício onde se encontra instalada a sala de jogo de bingo, no antigo ....”
São aqui aplicáveis as considerações tecidas quanto à al. B).
Com efeito:
O facto ora em causa foi alegado pelo A. no art. 14º da petição inicial, não tendo sido impugnado pelas RR na contestação e sendo que o “acordo”, por parte da Ré na audiência de julgamento, consubstancia uma confissão do mesmo.
Decorre também da gravação da audiência de julgamento que o Mmº Juiz referiu estar o mesmo assente e ao que os ilustres mandatários, incluindo dos RR, deram o seu assentimento, sem qualquer reserva. Ao assim ter ocorrido, por aceitação/confissão expressa da Ré e com a anuência do Mmº Juiz, tal matéria, ao ficar assente, foi subtraída à possibilidade/desnecessidade de produção de prova sobre ela. Ora, assim sendo e como acima se disse, em nome da boa-fé processual e do princípio da cooperação processual (art. 7º, nº 1, do CPC/2013), não podia nem pode tal facto ser dado como não provado, nem pode a Recorrida invocar a natureza vinculada da prova desse facto, sob pena, aliás, da existência de abuso de direito (art. 334º do Cód. Civil) na modalidade de venire contra factum proprium.
Ainda que desnecessário, dir-se-á também que: do documento de fls. 27/28 [comunicação, emitida pelo D..., ao A. referente à cessação do contrato de trabalho deste] consta como local da sede a referida no facto em causa [e para onde foi endereçada a citação, que nela foi recebida, conforme fls. 37]; da procuração forense de fls. 51, outorgada pela Ré C..., Ldª e da procuração forense de fls. 403 outorgada pela mesma mas «enquanto chefe do consórcio F...” consta a mencionada morada; do documento de fls. 132 [proposta ao concurso apresentada por “F...”] consta como sede do G... a referida morada; da informação prestada pela Ré C..., Ldª, de fls. 378, consta que o domicílio do Consórcio é na Rua ..., nº .., ....-... Porto.
Assim, entendemos que procede, nesta parte, a impugnação, eliminando-se a al. C) dos factos não provados, que deverá transitar para os provados, para o que se adita aos mesmos o nº 49 com o seguinte teor:
49. A morada das sedes sociais do D..., do G... e da C..., Lda é a mesma, sita na Rua ..., n.º .., no edifício onde se encontra instalada a sala de jogo de bingo, no antigo ....

3.4. Quanto ao nº 21 dos factos provados:
Pretende o Recorrente que a redação do nº 21 dos factos constantes da sentença seja alterada de acordo com a redação integral do que consta da al. W) do elenco dos factos assentes no já mencionado acordo sobre a matéria de facto.
Do nº 21 dos factos provados consignados na sentença consta: “21. Em 15 de Dezembro de 2012, o autor apresentou-se ao serviço no local que durante quase 22 anos ocupou, na já mencionada sala do jogo do Bingo L... no Porto.”
Tal como decorre da ata de julgamento, aquando do acordo relativamente à matéria de facto, fez-se contar da al. W) da matéria assente que: “W. Tendo em conta a transmissão do estabelecimento, mal o Autor tomou conhecimento da sua reabertura, em 15 de Dezembro de 2012, apresentou-se ao serviço no local que durante quase 22 anos ocupou, na já mencionada sala do jogo do Bingo L... no Porto.” E à matéria controvertida foi levado o nº 10: “10º. Tendo em conta a transmissão do estabelecimento, mal o Autor tomou conhecimento da sua reabertura, em 15 de Dezembro de 2012, apresentou-se ao serviço no posto de trabalho que durante quase 22 anos ocupou, na já mencionada sala do jogo do Bingo L... no Porto?”-
Tais factos correspondem ao art. 43 da da p.i. com o seguinte teor: “43. Tendo em conta a transmissão do estabelecimento, mal o Autor tomou conhecimento da sua reabertura, em 15 de Dezembro de 2012, apresentou-se ao serviço no local e posto de trabalho que durante quase 22 anos ocupou, na já mencionada sala do jogo do Bingo L... no Porto.”.
Ouvida a gravação, o Mmº Juiz começou por fazer referência ao facto 43, a partir de “mal o A. tomou conhecimento (…)”, que se encontraria assente, referindo o ilustre mandatário das RR que a referência ao “posto de trabalho” deveria ser “quesitada”. Da referida audição não decorre, muito menos com suficiente clareza, que o segmento em que se diz “Tendo em conta a transmissão do estabelecimento” haja sido objeto de acordo das partes e, tanto mais assim é, que as RR não aceitam, na contestação, a existência da transmissão do estabelecimento.
De todo modo, esse segmento [“Tendo em conta a transmissão do estabelecimento”] contém matéria conclusiva e de direito, consubstanciando ela própria da solução por que passa a discussão da questão em litígio, não devendo, nem podendo, constar da decisão da matéria de facto e que, se constasse, sempre teria que ser dada como não escrita. Da decisão da matéria de facto devem constar apenas factos (art. 607º do CPC) e não matéria de direito e/ou conclusiva.
Assim, e nesta parte, improcede a alteração pretendida.

3.5. Quanto às als. E) e F) dos factos não provados:
Nas referidas alíneas foi dado como não provado que: “E. Que são usados pelo réu as mesmas mesas, cadeiras, máquinas, computadores de escritório e demais equipamento e até o mesmo recheio de 2 tanques de cerveja e outras bebidas, produtos alimentares, loiças e as fardas dos trabalhadores. F. Para a mesma clientela.”,
Pretendendo o Recorrente que os mesmos sejam dados como provados, o que sustenta no depoimento da testemunha N....
Tal matéria constava dos quesitos 6, 7 e 8, a eles correspondendo a resposta restritiva constante do nº 26 dos factos provados, com o seguinte teor: “26. Utilizando o mesmo espaço, e alguns dos mesmos utensílios.”.
A testemunha N..., a única inquirida na audiência de julgamento e arrolada pelo A., é dirigente sindical, tendo acompanhado e participado, aquando dos factos, nas negociações então havidas entre os trabalhadores do Bingo J... [também denominado L...] a Ré “Consórcio” e o Governo, este na pessoa, designadamente, da Exmª Srª Secretária de Estado de então, no âmbito do que esteve por várias vezes nas instalações do Bingo, sito no ..., nas R. ..., ...
Referiu a testemunha, em síntese, que: o Sr. E... era quem geria de facto o Bingo do D...; como tivesse sido declarada a insolvência deste, foi constituído o G... para poder prosseguir a atividade, designadamente para apresentação da candidatura à concessão de exploração do jogo do Bingo, para o que, com a C..., Ldª, “pertencente” ao referido E..., constituíram o “consórcio”; este, “consórcio”, concorreu à concessão da exploração do Bingo H..., que lhe foi adjudicada e o referido E..., através de outra empresa que geria, concorreu à concessão da exploração do Bingo J..., tendo ficado em segundo lugar; o 1º classificado na concessão do Bingo J... desinteressou-se, pelo que a mesma não lhe foi adjudicada, sendo que o seria à empresa classificada em segundo [do mencionado E...], o que não ocorreu por esta o não ter pretendido; e não o pretendeu porque o Bingo J..., com uma sala com maior capacidade e mais trabalhadores, quem o adquirisse teria que ficar com todos os trabalhadores, o que o referido E... não pretendia; assim, e como a concessão para o Bingo H... [com menos trabalhadores] permitia a sua instalação em qualquer outro local, aquele resolveu ficar com a concessão deste mas instalá-lo no então Bingo J... [cuja concessão havia cessado e o novo concurso, pelas razões referidas, ficado sem concessionários], assim pretendendo evitar ter que ficar com os trabalhadores do Bingo J... ou, pelo menos, com todos eles; o contrato de arrendamento do espaço do Bingo J..., ainda antes do encerramento deste, havia sido celebrado pela C..., Ldª [como arrendatária], o que impedia que qualquer outro concessionário ali se instalasse uma vez que um dos requisitos para a concessão da exploração era o concessionário ter a disponibilidade do local. Após o encerramento do Bingo J..., em 20.10.2012, logo no dia a seguir, 21.10.2012, o “Consórcio” começou a fazer obras reabrindo de seguida, a 14 ou 15 de Dezembro, continuando a utilizar o mesmo equipamento, toalhas, mesas, sofás, cadeiras, máquinas, 2 tanques de cerveja, fardas; o material foi comprado pela C..., sendo o gerente desta e da K..., que procedeu à venda, o mesmo, o Sr. E....
As declarações da referida testemunha encontram, no essencial, corroboração na prova documental junta pela própria Ré e, até, no que é alegado por esta.
Assim, e designadamente quanto ao contrato de arrendamento entre a empresa M..., Ldª, como senhoria, e C..., Ldª, como arrendatária, esta representada pelo já mencionado E..., consta ele de fls. 116 a 119, encontra-se datado de 20.05.2011 e tem por objeto o arrendamento do local onde, como nele se diz, “está instalado atualmente o Bingo J...”. Ou seja, foi o mesmo celebrado ainda antes do encerramento do Bingo J..., continuando tal contrato em vigor após a continuação da atividade pelo R. “Consórcio”.
Por outro lado, alegaram as RR, na contestação (arts. 67 e 68), que adquiriram diverso material, sendo que parte dele foi adquirido pela K..., SA no âmbito de vários processos judiciais de venda de bens penhorados ao D..., empresa aquela que depois celebrou com a C..., Ldª, contrato de comodato “tendente a possibilitar o uso e gozo de diversos bens necessários ao normal funcionamento do Bingo L...” (este o antigo Bingo J..., esclarecemos nós) e que ”todos os bens comodatados foram adquiridos pela K..., SA”, a estes se reportando os documentos 21 e 22 (documentos de fls. 262 a 269), que juntou.
Do documento de fls. 262 a 266 consta o contrato de comodato, datado de 15.12.2012, em que figuram como Comodante, a K..., SA, nele se dizendo “neste ato representada pelo seu Administrador, Sr. E...”, e como comodatário “C..., Ldª” e, o seu Anexo 1, contém os bens objeto do contrato; de fls. 267 a 269 consta fatura emitida pelo D... a K..., SA, referente, segundo nela se diz, à venda dos bens constantes da listagem de fls. 268/269.
Ou seja, resulta da prova documental junta pela própria Ré, bem como do depoimento da mencionada testemunha, que, pelo menos os bens identificados nas listagens de fls. 264 a 266 e 268/269 continuaram a ser utilizados pela Ré “Consórcio” na exploração do Bingo J.../ “Bingo L...”.
Assim, o nº 26 dos factos provados que passará a ter a seguinte redação [e, em consonância, a resposta ao nº 6º do elenco da matéria de facto controvertida]:
26. Utilizando o mesmo espaço e alguns dos mesmos utensílios, designadamente os referidos nas listagens que constam dos documentos que constituem fls. 264 a 266 e 268/269.

Quanto à clientela, a testemunha referiu que o sala do Bingo J... era a maior e mais concorrida. Acresce que, sendo certo não ter sido feita prova da concreta identificação das pessoas que lá iam, decorre das regras da experiência e conhecimento comuns, que o alvo destinatário de tal atividade são os utentes do Bingo, os quais costumam ter preferência por um determinado local, designadamente em função da sua localização e, certamente, não terá toda a clientela do Bingo J... deixado de frequentar o mesmo local de Bingo. Aliás, a testemunha N... referiu que esta era a sala da Bingo maior e com mais clientela e, daí, a maior apetência do Réu “Consórcio” em continuar a atividade neste local e não no local onde funcionava o Bingo H....
Ora, assim sendo, e em resposta ao “quesito” 7 da matéria de facto controvertida, entende-se ser de aditar à matéria de facto provada o nº 26-A, com o seguinte teor:
26.-A. Garantindo também pelo menos parte da clientela.

3.6. Finalmente, agora oficiosamente (art. 662º, nº 1, do CPC/2013) e tendo em conta o contrato de arrendamento que consta de fls. 116 a 119, entendemos ser de aditar à matéria de facto provada o nº 50, com o seguinte teor:
50. O espaço continuou a ser utilizado, conforme referido no nº 26 dos factos provados, pelo Réu “F...” com base no contrato de arrendamento que consta do documento que constitui fls. 116 a 119, celebrado aos 20.05.2011 entre a empresa M..., Ldª, como senhoria, e C..., Ldª, como arrendatária, esta representada por E..., consta ele de fls. 116 a 119,

4. Deste modo, e sintetizando, são as seguintes as alterações à decisão da matéria de facto:
- Alterar nº 26 dos factos provados que passará a ter a seguinte redação:
26. Utilizando o mesmo espaço e alguns dos mesmos utensílios, designadamente os referidos nas listagens que constam dos documentos que constituem fls. 264 a 266 e 268/269.
- Aditar à matéria de facto provada o nº 26-A, com o seguinte teor:
26.-A. Garantindo também pelo menos parte da clientela.
- Aditar à matéria de facto provada os nºs 47, 48, 49 e 50 com o seguinte teor:
47. O D... remunerava o Autor com o salário mensal de 566,00 € acrescido de 142,50 € de diuturnidades e 6,75 € por cada dia de trabalho efetivamente prestado a título de subsídio de alimentação.
48. O presidente do D... e o presidente do G... são a mesma pessoa.
49. A morada das sedes sociais do D..., do G... e da C..., Lda é a mesma, sita na Rua ..., n.º .. no edifício onde se encontra instalada a sala de jogo de bingo, no antigo ....
50. O espaço continuou a ser utilizado, conforme referido no nº 26 dos factos provados, pelo Réu “F..., Ldª e G...” com base no contrato de arrendamento que consta do documento que constitui fls. 116 a 119, celebrado aos 20.05.2011 entre a empresa M..., Ldª, como senhoria, e C..., Ldª, como arrendatária, esta representada por E..., consta ele de fls. 116 a 119,

5. Da transmissão de estabelecimento

Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“Da aplicação do regime previsto no art.º 285.º do Código do Trabalho à situação do autor – da transmissão da posição de empregador para a ré consórcio F...
*
A pretensão formulada pelo autor nestes autos contra a ré consórcio visa a aplicação do regime previsto no art.º 285.º do CT, em particular o seu n.º 1, para obter o reconhecimento judicial de que existiu uma transmissão de estabelecimento entre o antigo empregador do autor e o consórcio réu, e que daí decorre a transmissão também da posição do seu empregador, que deixara de ser o D... para ser o consórcio denominado “F...”.
Estabelece o art.º 285.º do CT que:
1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
2 - O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta.
3 - O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194º, mantendo-o ao seu serviço, excepto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória.
6 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no nº 1 e na primeira parte do nº 3.
Perante as circunstâncias do caso, o facto de o estabelecimento manter sob a direção do consórcio a atividade de jogo do bingo, no mesmo local, usando pelo menos parcialmente os mesmos equipamentos, com a mesma pessoa a dirigi-lo, levado é o autor a clamar pela tese da transmissão do estabelecimento.
A ré argumentou, em suma, em defesa da inaplicabilidade deste regime a circunstância de jazer no substrato da assunção pela ré da exploração do jogo do bingo naquele local uma decisão pública, executiva, de atribuição da concessão desse jogo após concurso público, concessão a que anteriormente se reportava o denominado Bingo H..., e que podia funcionar em qualquer outro local da cidade do Porto, nomeadamente nas instalações do Bingo J..., que se encontravam disponíveis.
A concessão demandava que o consórcio mantivesse os trabalhadores que laboravam no Bingo H..., o que fez, não lhe sendo possível admitir alguns trabalhadores associados ao “Bingo J...”, cuja concessão, também sujeita a concurso, teria ficado por fim sem concessionário, derivando daí o seu fim, com a extinção de alguns postos de trabalho, entre eles o do autor.
Importa assim neste ponto estabelecer os contornos gerais do regime legal em causa.
Almeja o citado n.º 1 proteger os interesses das empresas e da atividade económica, com a defesa da continuidade produtiva e dos fins empresariais e comerciais em causa, em paralelo com a salvaguarda dos interesses dos trabalhadores.
A caracterização da atividade desenvolvida no local pelo autor faz apelo ao conceito de unidade económica e da sua perenidade in casu.
Sobre este tema despendeu Júlio Gomes, (in Cometário de Urgência ao Acórdão do TJCE, de 20 de novembro ed 2003, p. 214, apud Paula Quintas e Helder Quintas, Código do Trabalho Anotado e Comentado, 2016, 4.ª Ed., p. 705), nestes termos: “O TJC para determinar se a entidade económica mantém, ou não, a sua identidade tem recorrido a um método indiciário, que assenta na ponderação de um conjunto de fatores, designadamente “a manutenção de elementos do ativo corpóreo (equipamento, edifícios), incorpóreo (Know-how, segredos de fabrico), a manutenção da clientela, se chegou a haver um encerramento do estabelecimento e qual o hiato temporal entre esse encerramento e a reabertura, a proximidade da atividade desenvolvida, a manutenção da maioria ou o essencial dos efetivos e, mesmo, a existência de uma relação contratual entre os sucessivos responsáveis pela exploração”.
Despontam deste elenco vários elementos indiciadores da existência de uma transmissão plena, global, de uma unidade económica.
Não obstante, há um que aqui assume especial relevância: a existência de uma relação contratual entre os sucessivos responsáveis pela exploração.
Argui o autor que até é a mesma pessoa que assume as rédeas do funcionamento da casa.
Importa, contudo, atentar ao que afirma a ré: a exploração do jogo do bingo no local em causa faz-se à luz de uma nova concessão, sob diferentes condicionalismos impostos pelo respetivo caderno de encargos, entre eles a manutenção dos postos de trabalho existentes no Bingo H..., (procedimento concursal n.º 1778/2011), a que se alude supra, e esse condicionalismo afastaria a aplicação da norma em causa.
A concessão do jogo de bingo na qual se inseria a atividade do autor (que se refere ao procedimento concursal n.º 1780/2011 - Bingo J...) terminou sem concessionário ou atividade.
Ora, nos casos em que existe uma vinculação contratual de ordem pública através de concessões de atividades sob licenciamento, como é o caso do jogo do bingo, a sua regulamentação decorre de legislação específica, firmada neste caso no DL 31/2011, de 4 de março.
E prevê o artigo 7.º do diploma, definidor do Regime da concessão da exploração das salas de jogo do bingo, que:
1 - A exploração de salas de jogo do bingo é atribuída mediante concessão a pessoas coletivas públicas ou privadas.
2 - A atribuição da concessão para exploração de salas de jogo do bingo é efetuada mediante concurso público, nos termos estabelecidos na parte II do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, com as especificidades previstas no presente decreto-lei.
3 - As decisões de contratar, de aprovação das peças procedimentais, de qualificação dos candidatos, quando aplicável, de adjudicação e de aprovação da minuta dos contratos de concessão e a outorga dos mesmos cabe ao membro do Governo responsável pela área do turismo.
4 - A decisão de aprovação das peças procedimentais é precedida de parecer por parte do membro do Governo responsável pela área das finanças.
5 - As demais decisões no âmbito do procedimento de formação do contrato podem ser delegadas na comissão de jogos.
6 - As peças procedimentais devem definir, nomeadamente, a possibilidade de prorrogação do prazo da concessão e estabelecer as respetivas condições, bem como as contrapartidas financeiras devidas pela concessão da exploração de salas de jogo do bingo e o modo de pagamento das mesmas.
7 - A transmissão da concessão da exploração de salas de jogo do bingo depende de decisão favorável do membro do Governo responsável pela área do turismo, sendo condição essencial para essa decisão o cumprimento pelo novo concessionário de todas as regras que lhe seriam aplicáveis caso se tivesse apresentado a concurso, bem como das demais disposições constantes do presente decreto-lei.
8 - Em caso de transmissão da concessão operada nos termos do número anterior, o novo concessionário assume perante os poderes públicos todos os direitos e deveres do transmitente, bem como se obriga ao cumprimento do disposto no presente decreto-lei e demais legislação complementar.
9 - Quando sejam praticados atos administrativos relativos à execução do contrato, estes constituem título executivo, podendo o cumprimento das obrigações determinadas pelos mesmos ser imposto coercivamente.
A questão que se nos depara, contudo, é efetivamente a circunstância de se tratarem de concessões distintas, não cabendo o autor no universo contratual de trabalhadores que beneficiaram do previsto no n.º 8 do artigo citado, respeitante à concessão que neste momento funciona nas instalações do antigo “Bingo J...”, o “Bingo H...”.
E, perante esta especificidade legal, cedendo dessa forma o regime geral consolidado no art.º 285.º do CT, perante a factualidade demonstrada, terá a posição do autor de soçobrar.”.
Ou seja, em síntese, a sentença recorrida, pelo menos ao que parece, não põe propriamente em causa que se possam verificar, no caso, os pressupostos da transmissão de estabelecimento tal como previsto no art. 285º do CT ou, pelo menos, não diz que não se verifiquem tais pressupostos. Entende, todavia e se bem entendemos, que deverá prevalecer o previsto no art. 7º, nº 8, do DL 31/2011 e no contrato de concessão de exploração do Bingo H..., por via do que ficou o Réu “Consórcio” obrigado a manter ao seu serviço os trabalhadores oriundos do Bingo H..., sendo que o A. não fazia parte destes.
Do assim decidido, discorda o Recorrente, pelas razões aduzidas no recurso, sustentando, em síntese, ter havido transmissão do estabelecimento, a qual se verifica ainda que não haja uma relação contratual direta entre os sucessivos concessionários.

5.1. Tendo em conta que a alegada transmissão do estabelecimento, ora em causa nos autos, se terá verificado em 2011, é ao caso aplicável o CT/2009, que, no seu art. 285º, dispõe que:
“1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, (…).
2 – O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta.
3 – O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
4 – (…)
5- – Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória”
Esta disposição legal transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva nº 2001/23/CE do Conselho de 12/03/2001 relativa à aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos (cfr. art. 2º, al. l), da Lei 7/2009), Diretiva essa que revogou a Diretiva nº 77/187/CEE, do Conselho, de 14 de Fevereiro, com a redação que lhe foi dada pela Diretiva nº 98/50/CE, do Conselho, de 29 de Junho, importando referir que a mencionada Diretiva 2001/23/CE foi, pela primeira vez, transposta para o direito nacional pela Lei 99/2003, de 27.08, que aprovou o Código do Trabalho de 2003 (CT/2003), encontrando-se a matéria regulada no seu art. 318º (que corresponde ao atual art. 285º). E, no que se reporta ao conceito de transmissão de empresa, estabelecimento ou unidade económica, o CT/2009 não introduziu alterações de relevo relativamente ao que constava do CT/2003 (as alterações verificadas em tais conceitos ocorreram, essencialmente, em relação ao então art. 37º da LCT, revogado pelo CT/2003).
A preocupação comunitária e nacional, esta com respaldo no art. 53º da CRP, privilegiam o princípio da segurança no emprego, impondo que os vínculos laborais não sejam afetados pelas vicissitudes decorrentes da mudança da titularidade da empresa ou estabelecimento ou da sua entidade exploradora e, assim, determinando o primado da manutenção do vínculo laboral.
Como se diz no Acórdão desta Relação, de 19.05.2014, proferido no Processo 418/09.3TTBGC.P1[1], reportando-se embora ao art. 318º do CT/2003, mas que mantêm atualidade no domínio do CT/2009, “Tal regime legal encontra fundamento na necessidade de proteger o direito dos trabalhadores à segurança no emprego, com consagração constitucional no art. 53º da Constituição, que ficaria seriamente comprometido se a sorte das relações laborais ficasse dependente da vontade do transmitente ou do transmissário em caso de transmissão da titularidade do estabelecimento. Protege-se também, ainda que não seja esse o escopo essencial, a continuidade da empresa ou do estabelecimento que é objecto da transmissão.”.
Assim também, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/03/2009, in www.dgsi.pt, em que se refere que o que bem se compreende, já que o regime jurídico enunciado apresenta uma dúplice justificação: por um lado, pretendem-se acautelar os interesses do cessionário em receber uma empresa funcionalmente operativa; mas, por outro lado, como foi enfatizado no âmbito do direito comunitário pela Directiva nº 77/187/CEE, do Conselho, de 14 de Fevereiro, alterada pela Directiva nº 98/50/CE, do Conselho, de 29 de Junho e revogada pela Directiva nº 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março, transposta para o nosso ordenamento pelo artigo 2º da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, a manutenção dos contratos de trabalho existentes à data da transmissão para a nova entidade patronal pretende proteger os trabalhadores, garantindo a subsistência dos seus contratos e a manutenção dos seus direitos quando exista uma transferência de estabelecimento.
O regime de transmissão do estabelecimento assenta, pois, na concepção de empresa como comunidade de trabalho, com vida independente da dos seus titulares, e corresponde, no plano do direito laboral, à efectiva concretização do princípio da conservação do negócio jurídico - vide JOSÉ MARIA RODRIGUES DA SILVA, in «Modificação, Suspensão e Extinção do Contrato de Trabalho», Direito do Trabalho, B.M.J., Suplemento, Lisboa, 1979, p. 195.
No dizer de PEDRO ROMANO MARTINEZ (ob. cit., p. 682), «transmitido o estabelecimento, o cessionário adquire a posição jurídica do empregador cedente, obrigando-se a cumprir os contratos de trabalho nos moldes até então vigentes. Isto implica não só o respeito do clausulado de tais negócios jurídicos, incluindo as alterações que se verificaram durante a sua execução, como de regras provenientes de usos, de regulamento de empresa ou de instrumentos de regulamentação colectiva […]; no fundo, dir-se-á que a transmissão não opera alterações no conteúdo do contrato.»
Tal é, na essência, o que decorre da transmissão da relação laboral, ligada ao estabelecimento, a qual opera ope legis, ficando o adquirente da unidade empresarial sub-rogado ex lege, obrigatoriamente, na posição contratual do anterior titular”. – neste sentido, vide ainda, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05/11/2008, de 27/05/2009, e de 24.3.2011, in www.dgsi.pt.
Tanto a doutrina, como a jurisprudência, designadamente a do TJCE, hoje TJUE, têm adotado um conceito amplo de transmissão, dispensando designadamente a necessidade de um vínculo contratual entre o cedente e o cessionário, e admitindo-se um largo leque de situações no que se reporta ao fenómeno transmissivo.
Assim, diz-nos Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 4ª Edição, Almedina, pág. 690, que “Quanto ao âmbito do fenómeno transmissivo, é qualificada como transmissão, para efeitos da sujeição a este regime legal, não apenas a mudança de titularidade da empresa ou do estabelecimento, por qualquer título (…). Deste modo, o conceito de transmissão para este efeito é especialmente amplo, abrangendo todas as alterações estáveis (mas não necessariamente definitivas) na gestão do estabelecimento ou da empresa. (…)”.
Assim também, Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, pág. 821, onde se refere que: “(…), o Tribunal de Justiça [da União Europeia] começou relativamente cedo a formar que a aplicação da directiva não pressupunha necessariamente a existência de um vínculo contratual entre o cedente e o cessionário. A transferência podia ocorrer em várias etapas (…).Decisiva, para o Tribunal de Justiça [da União Europeia], é sempre a manutenção da entidade económica e para verificar se esta entidade continuou a ser a mesma, apesar das várias vicissitudes, o tribunal destacou que há que recorrer a múltiplos elementos cuja importância pode, de resto, variar no caso concreto, segundo o tipo de empresa ou estabelecimento, a sua actividade ou métodos de gestão, sendo que estes elementos devem ser objecto de uma apreciação global, não sendo, em princípio, decisivo qualquer um deles. Numa indicação meramente exemplificativa — aliás, o próprio Tribunal não parece pretender apresentar uma lista exaustiva — podem ser relevantes elementos como a transmissão de bens do activo da entidade, designadamente, bens imóveis ou equipamentos, mas também bens incorpóreos como a transmissão de know-how, a própria manutenção da maioria ou do essencial dos efectivos, a duração de uma eventual interrupção da actividade, a eventual manutenção da clientela e o grau de semelhança entre a actividade desenvolvida antes e a actividade desenvolvida depois da transferência”. E, a pág. 822, em nota de rodapé (nota 2039), em comentário a um acórdão, destaca, no sentido da existência de transmissão, a transmissão de um espaço (elemento corpóreo) e o facto da desnecessidade de acordo entre os sucessivos responsáveis da exploração do estabelecimento.
Ainda quanto à aceção ampla do conceito de transmissão, veja-se Diogo Vaz de Marecos, in Código do Trabalho Anotado, Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, Wolters Kluwer e Coimbra Editora, a pág. 708: “A jurisprudência do anterior Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, ora Tribunal de Justiça da União Europeia, adotou um conceito amplo de transmissão, abrangendo a locação, (…)” e João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 2009, pág. 194: “a previsão legal abrange, portanto, a transmissão total ou parcial, de empresa ou estabelecimento. E abrange a transmissão da titularidade ou da exploração da unidade económica (trespasse, fusão, cisão, venda judicial, doação, concessão de exploração, etc). Como se intui, no tocante ao objecto do negócio transmissivo o âmbito de aplicação deste regime é muito vasto, sendo também o conceito de transmissão definido em moldes muito amplos. (…)”.
Do mesmo modo, David Falcão/Sérgio Tenreiro Tomás, Transmissão da Unidade Económica e suas Implicações no Contrato de trabalho: Jurisprudência do TJUE e Jurisprudência Nacional, in Questões Laborais, nº 50, Almedina, págs. 22/23: “Na determinação da verificação da transmissão de unidade económica e, em concreto, no que concerne à questão da manutenção da identidade da entidade transmitida, o TJUE enuncia que devem relevar todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de estabelecimento, a transferência de bens corpóreos, a continuidade da clientela, o graus de semelhança da atividade exercida antes e depois da transmissão, a assunção de efetivos, a estabilidade da estrutura organizativa, variando a ponderação dos critérios de acordo com casa caso. (…). Portanto, para aferir se se verifica transmissão da empresa ou estabelecimento, ou de partes, o critério é o da preservação da identidade económica transmitida enquanto conjunto de meios organizado com o objetivo de prosseguir uma atividade económica.
De acordo com a noção acolhida, para verificar se há transmissão, o primeiro passo é indagar se o objeto transmitido constitui uma unidade económica estável, autónoma e adequadamente estruturada; o segundo é aferir se tal unidade económica mantém a sua identidade própria, o que deve ser visível no exercício da atividade prosseguida ou retomada, Deve, no entanto, a ponderação dos critérios variar em função de cada caso concreto.”
Assim também, e entre outros, o Ac. do STJ de 24.3.2011, bem como o Acórdão do STJ de 25.11.2010, a este pertencendo o seguinte excerto: “Na apreciação concreta, de molde a afirmar a existência de uma transmissão de estabelecimento, ou empresa, impõe-se que o tribunal indague se há uma entidade que desenvolve uma actividade económica de modo estável e se essa entidade, depois de mudar de titular, manteve a sua identidade. Isto é, a afirmação da transferência depende da constatação da existência de uma empresa ou estabelecimento (conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade. (…)”.
Relevante se mostra igualmente o Acórdão do STJ de 25.02.2009 que, tendo embora por base o art. 37º da LCT, mantêm atualidade, referindo-se nos pontos XV e XVI do respetivo sumário o seguinte:
“XV – O conceito de “transmissão” para este efeito é especialmente amplo, abrangendo todas as alterações estáveis (mas não necessariamente definitivas) na gestão do estabelecimento ou da empresa, mesmo que inexista um vínculo obrigacional directo entre transmitente e transmissário e nele se abarcando os casos de transmissão ou cessão da exploração inválidos.
XVI – O critério fundamental para a aplicação das directivas comunitárias nº 77/187/CEE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1977 e n.º 2001/23/CE de 12 de Março, é o de saber: (i) se há uma entidade que desenvolve uma actividade económica organizada de modo estável; (ii) se essa entidade, depois de mudar de titular, manteve a sua identidade.”
É, pois, hoje, um dado adquirido que, para que ocorra a transmissão do estabelecimento, não é necessário que existam relações contratuais diretas entre os sucessivos adquirentes do estabelecimento (cfr. Acórdão do TJUE no Processo C-340/01, interpretando a precedente Diretiva 77/187/CEE) o que aliás decorre do art. 285º, nº 3, que determina a aplicação do regime referido no nº 1 às situações de transmissão, cessão ou reversão de exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica.
É também de salientar que, como decorre do nº 1, do art. 285º, a transmissão do estabelecimento não tem que ser titulada, podendo ocorrer por qualquer título. Ponto é que se verifique, de facto, a transmissão, sendo irrrelevante o título sob o qual a mesma ocorre.
Como se diz no Acórdão desta Relação de 26.06.2017, proferido no Processo 2351/15.0T8AVR.P1[2] “(…) Daí que, tal como aliás resulta da utilização no artigo 285.º (e antes, artigo 318.º do CT/2003) da expressão “por qualquer título” (n.º 1), a transmissão aí consagrada engloba todas as situações em que se verifique a passagem para outrem do complexo jurídico-económico em que o trabalhador está empregado, seja a que título for, podendo assim corresponder quer a um negócio relativo à transmissão do direito de propriedade sobre o bem, quer também à transmissão (formal ou de facto) dos direitos de exploração, abrangendo todas as alterações estáveis, ainda que não necessariamente definitivas, na gestão do estabelecimento ou da empresa, mesmo que inexista um vínculo obrigacional directo entre transmitente e transmissário.”.
Entre outra jurisprudência comunitária, citemos, porque relevantes, alguns dos considerandos tecidos no Acórdão de 20/01/2011, Processo C-463/09, Clece SA contra Marria Socorro Martin Valor e Ayuntmineto de Cobisa[3]:
“(…)
29 A este respeito, decorre de jurisprudência bem assente que o alcance da referida disposição não pode ser apenas apreciado com base na interpretação literal. Dadas as diferenças entre as versões linguísticas desta directiva e as divergências entre as legislações nacionais sobre o conceito de cessão convencional, o Tribunal de Justiça interpretou este conceito de modo suficientemente flexível para satisfazer o objectivo da dita directiva que, como decorre do seu terceiro considerando, é o de proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresário (v., neste sentido, acórdão de 13 de Setembro de 2007, Jouini e o., C-458/05, Colect., p. I-7301, n.º 24 e jurisprudência referida).
30 O Tribunal decidiu, assim, que a Directiva 77/187, codificada pela Directiva 2001/23, era aplicável a todas as situações de mudança, no âmbito de relações contratuais, da pessoa singular ou colectiva responsável pela exploração da empresa, que contrai as obrigações de entidade patronal relativamente aos empregados da empresa (v. acórdãos de 7 de Março de 1996, Merckx e Neuhuys, C-171/94 e C-172/94, Colect., p. I-1253, n.o 28, e de 10 de Dezembro de 1998, Hernández Vidal e o., C-127/96, C-229/96 e C-74/97, Colect., p. I-8179, n.º 23).
(…)
33 Contudo, para que a Directiva 2001/23 seja aplicável, a transferência deve ter por objecto, de acordo com o artigo 1.º, n.º 1, alínea b), desta directiva, uma entidade económica que mantém a sua identidade após a mudança de empresário.
34 Para determinar se essa entidade mantém a sua identidade, há que tomar em consideração todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transferência ou não de elementos corpóreos, como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transferência, a reintegração ou não do essencial dos efectivos pelo novo empresário, a transferência ou não da clientela, bem como o grau de similitude das actividades exercidas antes e depois da transferência e a duração da eventual suspensão destas actividades. Estes elementos constituem apenas aspectos parciais da avaliação de conjunto que se impõe e não podem, por isso, ser apreciados isoladamente (v., designadamente, acórdãos de 18 de Março de 1986, Spijkers, 24/85, Colect., p. 1119, n.º 13; de 19 de Maio de 1992, Redmond Stichting, C-29/91, Colect., p. I-3189, n.º 24; de 11 de Março de 1997, Süzen, C-13/95, Colect., p. I-1259, n.º 14; e de 20 de Novembro de 2003, Abler e o., C-340/01, Colect., p. I-14023, n.º 33).
(…)
37 Neste aspecto e como resulta do n.º 31 do presente acórdão, pouco importa que a retoma de uma parte essencial dos efectivos seja efectuada no âmbito de uma cessão convencional negociada entre o cedente e o cessionário ou resulte da decisão unilateral do anterior empresário de resolver os contratos de trabalho dos efectivos transferidos, seguida da decisão unilateral do novo empresário de contratar o essencial dos mesmos efectivos para executarem as mesmas tarefas.
38 Com efeito, se, no caso da retoma de uma parte essencial dos efectivos, a existência de uma transferência, na acepção da Directiva 2001/23, estivesse exclusivamente sujeita ao requisito da origem contratual dessa retoma, a protecção dos trabalhadores pretendida por esta directiva ficaria à discrição dos empresários, os quais, mediante a não celebração de um contrato, poderiam contornar a aplicação da referida directiva, em detrimento da manutenção dos direitos dos trabalhadores transferidos, que no entanto é garantida pelo artigo 3.º, n.º 1, da Directiva 2001/23.”.”.

5.2. Revertendo ao caso em apreço, na sequência de concurso público, o R. “Consórcio” adquiriu a concessão para exploração do Bingo H..., nesse local ou em qualquer outro, sendo que, aproveitando a possibilidade de exploração em outro local, passou a explorar o jogo do Bingo nas instalações onde, até então, ele era explorado pelo D... que, entretanto, viu cessada a concessão dessa exploração (exploração esta que, tendo embora também sido objeto de novo concurso, não foi todavia objeto de nova concessão).
Tendo em conta a matéria de facto provada, afigura-se-nos que, manifestamente, se verificou a transmissão do estabelecimento Bingo “J...” ou “Bingo L...” para o mencionado Réu.
Com efeito, este continuou a exploração da mesma atividade – jogo do Bingo -, no mesmo local, aliás com base no mesmo contrato de arrendamento.
Tal exploração foi imediata, sem qualquer hiato temporal, pois que, cessada a exploração pelo D... no 20.10.2012, logo no dia seguinte foi o local objeto de obras de remodelação, reabrindo a 14.12.2012, no mesmo espaço.
Ainda que possa ter sido utilizado outro equipamento, foi também utilizado equipamento que era do referido D..., referido no nº 26 dos factos provados e que, diga-se, não é despiciendo, atenta a longa lista de bens referidos em tal ponto dos factos provados (cfr. documento de fls. 264 a 266). E, diga-se, a isso não obsta a circunstância da utilização destes bens o ser, como alegado pelas Recorridas ao abrigo de um contrato de comodato. Com efeito, assim como é irrelevante o título sob o qual se opera a transmissão, irrelevante é também o título sob o qual os bens são utilizados, sendo que o que releva é que esses bens, enquanto o estabelecimento foi explorado pelo D..., eram deste e por este foram utilizados na exploração desse Bingo e continuaram a ser utilizados agora sob a exploração do “Consórcio”. De todo o modo, sempre se salienta que, como as próprias RR alegaram, os bens foram adquiridos ao referido D... pela Sociedade K..., mais decorrendo do contrato de comodato que consta do documento de fls. 262 a 266, junto pela própria Ré C..., Ldª que quem figura como representante do comodante K..., SA é o “seu Administrador, Sr. E...”, simultaneamente representante da Ré C..., Ldª e quem geria de facto o Bingo J....
Mais decorre da matéria de facto provada que continuaram a prestar trabalho na nova concessionaria 40 trabalhadores oriundos do anterior Bingo J..., usufruindo o Recorrido “Consórcio” do know-how trazido pelos mesmos, como aliás é referido pela Ré na contestação ao dizer-se, no art. 48º, que “Aproveitando a experiência profissional adquirida e competência reconhecida. Contactou alguns dos antigos funcionários do Bingo J... no sentido de aferir da sua disponibilidade para abraçar este novo projeto”. E também a gerência, pelo menos de facto, do Bingo J... e do seu sucessor se mantiveram, Sr. E....
E manteve-se, também e pelo menos, parte da clientela do Bingo J....
Ou seja, o estabelecimento manteve, pois, a sua identidade.
E a isso não obsta o facto do Réu, “Consórcio” nele se ter “instalado” e prosseguido a atividade o jogo do Bingo ao abrigo de uma outra concessão de exploração (sala de jogo do Bingo H...), nem obsta o art. 7º, nº 8, do DL 31/2011.
Podendo embora decorrer de tal preceito, e/ou do caderno de encargos, a obrigação do novo adjudicatário manter ao seu serviço todos os trabalhadores oriundos da concessão transmitida (do Bingo H...) tal não significa que isso seja incompatível com o regime do art. 285º do CT, antes sendo complementar, salvaguardando aqueles a posição dos trabalhadores que prestavam serviço para o anterior adjudicatário, tendo em conta, mormente, que poderá ocorrer sucessão ou transmissão da concessão da exploração de sala de bingo, mas sem que haja, necessariamente, transmissão do estabelecimento. Mas não visa o preceito, nem o poderia fazer sob pena, aliás, de desconformidade do mesmo com o direito e jurisprudência comunitárias, postergar ou afastar a aplicabilidade do citado art. 285º. Assim é que, ocorrendo, para além de uma mera concessão de exploração do jogo do Bingo, também uma transmissão do estabelecimento, esteja a situação sob a alçada do art. 285º.
É certo que, no caso, o Réu “Consórcio” se obrigou, por via da concessão da exploração do Bingo H..., a manter os trabalhadores que neste prestavam trabalho, o que decorre quer do referido art. 7º, nº 8, do DL 31/2011 e da imposição pelo Estado, no caderno de encargos, dessa obrigação.
Tal obrigação esgotar-se-ia na manutenção dos contratos de trabalho dos trabalhadores do Bingo H..., sem qualquer obrigação de ficar com os trabalhadores do Bingo J..., se o R. “Consórcio” tivesse continuado, no mesmo local do Bingo H... ou em outro local mas em que não se verificassem os elementos próprios de uma transmissão do estabelecimento.
E se da transmissão do estabelecimento resulta a obrigação do Réu “Consórcio” ficar com maior número de trabalhadores do que os assumidos no concurso (os oriundos do Bingo H... e criação de 40 novos postos de trabalho), tal deve-se a causa a si imputável, pois que deveria ter ponderado essa consequência.
Assim e em conclusão, transmitido que foi, para o Réu “Consórcio”, o estabelecimento do então bingo J..., transmitiu-se-lhe, nos termos do art. 285º, nºs 1 e 3 do CT/2009, o contrato de trabalho que o D... mantinha com o A.
Consequentemente, o mencionado Réu, ao não reconhecer a manutenção do mencionado contrato e ao não permitir que o A. prestasse a sua atividade, despediu-o ilicitamente, porque sem justa causa e sem precedência de procedimento disciplinar.

8. Em consequência da ilicitude do despedimento, o A., conforme opção que fez, tem direito a ser reintegrado ao serviço do Réu consórcio “F...”, no mesmo estabelecimento onde prestava a sua atividade e sem prejuízo da sua categoria e antiguidade conforme art. 389º, nº 1, al. b), do CT/2009.
O Réu opôs-se à reintegração do A. alegando que tem todos os postos de trabalho preenchidos, não existindo posto de trabalho para o A. e, assim, havendo uma impossibilidade absoluta de receber o A.
Caso o trabalhador pretenda a reintegração, a lei faculta ao empregador a possibilidade de a ela se opor, porém desde que verificadas alguma das situações previstas no art. 392º, nº 1, do mesmo, no qual se dispõe que: “1. Em caso de microempresa ou de trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção, o empregador pode requerer ao tribunal que exclua a reintegração, com fundamento em factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa.”.
Do disposto no nº 2 do citado art. 392º resulta, pois, que apenas será possível a oposição à reintegração caso o empregador seja uma microempresa ou em que o trabalhador ocupe cargo de administração ou de direção [e desde que, em qualquer dos casos, ocorram factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa].
Nos termos do art. 100º, nºs 1 e 2, do CT/2009, considera-se microempresa aquela que empregue menos de 10 trabalhadores, número este que, para tal efeito, deverá ser determinado pelo número médio de trabalhadores no ano civil antecedente.
No caso, da matéria de facto provada não decorre que o Réu “Consórcio” seja uma microempresa. Aliás, o que decorre é que emprega, pelo menos, 80 trabalhadores. E, por outro lado, as funções do A., de porteiro, não consubstanciam qualquer cargo de administração ou chefia.
Carece, assim, de fundamento legal a oposição à reintegração.

Tem ainda o A. direito às retribuições que deixou de auferir desde o 30º dia anterior à propositura da ação, ou seja, desde 02.03.2013, dado que a ação não foi proposta nos 30 dias posteriores ao despedimento [o despedimento ocorreu aos 15.12.2012 e a ação foi posta aos 02.04.2013] até à data do trânsito em julgado do presente acórdão, às quais haverá que descontar as quantias que o A. haja, no referido período, recebido a título de subsídio de desemprego, que deverão ser entregues pela Ré à Segurança Social tudo conforme art. 390º, nºs 1 e 2, als. b) e c), do CT/2009. De referir que o desconto a que se reporta a al. c) do nº 2 do art. 390º tem natureza imperativa e tutela interesse de ordem pública, sendo, por consequência, de conhecimento oficioso. Tais retribuições deverão ser liquidadas em incidente de liquidação a que se reportam os arts. 609º, nº 2, e 358º, nº 2, do CPC/2013, dado se desconhecer o montante do subsídio de desemprego que a A. haja porventura recebido.
No que se reporta às retribuições intercalares há ainda que, como tempos entendido, as mesmas não abrangem o subsídio de refeição atento o disposto no art. 260º, nº 2, do CT.
***
IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em revogar a sentença recorrida na parte em que absolveu o Réu consórcio “F...” dos pedidos, a qual é substituída pelo presente acórdão em que se decide julgar ilícito o despedimento do A., B..., levado a cabo pelo mencionado Réu e, em consequência, condenar o Réu, “F...” a:
- Reintegrar o A. ao seu serviço, no mesmo estabelecimento onde este prestava a sua atividade, e sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
- Pagar ao A. as retribuições que este deixou de auferir desde 02.03.2013 até à data do trânsito em julgado do presente acórdão, às quais haverá que descontar as quantias que a A. haja, no referido período, recebido a título de subsídio de desemprego, que deverão ser entregues pelo Réu à Segurança Social, a liquidar em incidente de liquidação a que se reportam os arts. 609º, nº 2, e 358º, nº 2, do CPC/2013.
Custas, em ambas as instâncias, pelo Réu/Recorrido.

Porto, 05.03.2018
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
__________
[1] Relatado pelo Exmº Desembargador Eduardo Petersen e em que a ora relatora interveio como 2º Adjunta, acórdão esse inédito ao que se supõe.
[2] Relatado pelo ora 2ª Adjunto.
[3] In http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62009CJ0463&from=PT