Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
440/13.5TYVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
NULIDADE DE SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ADMINISTRADOR JUDICIAL
REMUNERAÇÃO
ANALOGIA
Nº do Documento: RP20160407440/13.5TYVNG.P1
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, LIVRO DE REGISTOS N.º 622, FLS.140-148)
Área Temática: .
Sumário: I - A nulidade em razão da falta de fundamentação está relacionada com o comando que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade.
II - Conquanto esteja prevenido o direito subjectivo a uma remuneração variável ao Administrador Judicial, nomeado por iniciativa do juiz, em processo de insolvência que envolva a apresentação de um plano de recuperação aprovado, certo é que o seu cálculo não está concretizado, o que torna a situação em apreço sem qualquer suporte legal, pois, sem a publicação da Portaria que regulamente os respectivos termos, constatamos um vazio legal.
III - Face ao declarado vazio legal, impor-se-á colocar a questão da pertinência da integração da lacuna da lei, uma vez que, aquando da vigência do anterior Estatuto do Administrador da Insolvência, prevenido na Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho, o legislador, com o objectivo de concretizar a aludida Lei, fez publicar a Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, que aprovou o montante fixo de remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz, bem como as tabelas relativas ao montante variável de tal remuneração, em função do resultado da liquidação da massa insolvente.
IV - A analogia recebe acolhimento no artº. 10º, do Código Civil exigindo-se encontrar o critério da analogia numa premissa lógico - jurídica, dirigida directamente à determinação de um princípio geral do Direito obtido por abstracção a partir do conjunto de normas em causa, através de um processo de indução universal ou generalizante, porque sem deixar de pressupor a mediação de uma pluralidade de normas e institutos jurídicos invoca imediatamente um princípio geral. Neste sentido dever-se-á proceder à confrontação do caso concreto trazido a Juízo, com a previsão legal contida na Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, que concretiza a Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho, enquanto precedente Estatuto do Administrador Judicial.
V - Do cotejo das normas enunciadas divisamos que o caso “sub iudice” encerra uma realidade distinta daqueloutras consideradas e abstractamente contidas na Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho. Na verdade, no caso “sub iudice” está em causa o pedido de remuneração variável da Administradora Judicial, nomeada por iniciativa do juiz, em processo de insolvência que envolveu a apresentação de um plano de recuperação aprovado, diversamente é o caso prevenido na Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho, onde se consignou que o administrador da insolvência, nomeado pelo juiz, aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da liquidação da massa insolvente, e onde, distinguimos, não está prevenida a situação do pedido de remuneração variável do Administrador Judicial, em processo de insolvência que envolve a apresentação de um plano de recuperação aprovado.
VI - Elaborado o juízo analógico, especificando o caso “sub iudice” e extrapolando a norma vertida na Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho, concretizada pela Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, chegamos à conclusão, subsumindo o caso omisso na premissa lógico - jurídica que assim se obteve, o reconhecimento de que o direito subjectivo a uma remuneração variável atribuído ao Administrador Judicial que exerça funções no âmbito da insolvência que termine na homologação de um plano de recuperação aprovado, está inexoravelmente subordinado, no seu concreto exercício, à aprovação de uma tabela específica que pressuponha a compensação do resultado da recuperação, o que até ao presente não sucedeu, importando omissão regulamentar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 440/13.5TYVNG.P1‏
3ª Secção Cível
Relator - Juiz Desembargador Oliveira Abreu (153)
Adjunto - Juiz Desembargador António Eleutério
Adjunta - Juíza Desembargadora Isabel São Pedro Soeiro
Tribunal de Origem do Recurso – Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Instância Central de Vila Nova de Gaia –
2.ª Secção de Comércio – J3
Apelante/B…
Apelado/Digno Agente do Ministério Público

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO

Por sentença datada de 17 de Janeiro de 2014 foi declarada insolvente a Sociedade, C…, Unipessoal Ld.ª, e nomeada Administradora Judicial, B…
A Sociedade, devedora, C…, Unipessoal Ld.ª com a colaboração da Administradora Judicial, B… apresentou plano de recuperação o qual, sujeito a votação, foi aprovado pelos credores e homologado.
Na sequência da aludida homologação aa Administradora Judicial, B… veio aos autos, em 21 de Outubro de 2014, requerer o pagamento de remuneração fixa no valor de €2.000,00 (acrescida de IVA à taxa legal) e remuneração variável, que, por aplicação da tabela anexa (anexo I) à portaria n.º 51/2005 de 20 de Janeiro calculou em €4.674,18 (acrescida de IVA à taxa legal), a pagar em duas prestações, uma no imediato e outra condicionada à verificação do cumprimento do plano de insolvência no prazo de dois anos após trânsito da homologação.
Aberta vista nos autos em 29 de Junho de 2015, o Digno Agente do Ministério Público promoveu o indeferimento parcial do requerido, designadamente, no tocante à fixação em pagamento da remuneração variável, sustentando que ainda não existe portaria regulamentadora do novo Estatuto do Administrador judicial, na parte relativa à remuneração nos planos de recuperação.
Na sequência da mencionada promoção, o Tribunal “a quo” proferiu despacho onde consignou “Como M.D.P “in totum” assim indeferindo o requerido pela recorrente.”

É contra esta decisão que a Requerente/Administradora Judicial/B…, se insurge, formulando as seguintes conclusões:

1 - Por sentença de 17-01-2014 foi declarada insolvente a sociedade C…, Unipessoal Ld.ª, pessoa colectiva n.º ……….,e nomeada administradora judicial a ora recorrente.
2 - A devedora, com a colaboração da ora recorrente apresentou plano de recuperação o qual, sujeito a votação, foi aprovado pelos credores e homologado.
3 - Na sequência da referida homologação a recorrente veio aos autos, em 21-10-2014, requerer (requerimento com a referência 17787119) o pagamento de remuneração fixa no valor de €2.000,00 (acrescida de IVA à taxa legal) e remuneração variável, que, por aplicação da tabela anexa (anexo I) à portaria n.º 51/2005 de 20 de janeiro calculou em €4.674,18 (acrescida de IVA à taxa legal), a pagar em duas prestações, uma no imediato e outra condicionada à verificação do cumprimento do plano de insolvência no prazo de dois anos após trânsito da homologação.
4 - Em vista de 29-06-2015 (referência 354120349) o Ministério Público pugnou pelo indeferimento parcial do requerido, designadamente no tocante à fixação em pagamento da remuneração», variável «pois que não existe ainda a portaria regulamentadora do novo EAJ na parte relativa à remuneração nos planos de recuperação».
5 - Na sequência de tal promoção foi proferido o despacho de que ora se recorre onde pode ler-se «Como M.D.P “in totum” assim indeferindo o requerido pela recorrente.
6 - A recorrente não pode conformar-se com tal decisão, a qual, e desde logo, enferma de nulidade por falta/ insuficiência de fundamentação.
7 - Com efeito, o artigo 154.º do CPC dispõe no seu nº 1 que «As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas»
8 - Acrescenta o n.º 2 que «A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, …»
9 - Ora, o despacho recorrido é totalmente omisso no que à fundamentação respeita sendo por isso nulo e de nenhum efeito, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea b) do CPC que deverá aplicar-se no caso, nulidade que se requer seja declarada.
10 - Dispõe o artigo 23.º do EAJ aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro no seu n.º 2 que «…o administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado nas tabelas constantes da portaria referida no número anterior.» acrescentando o n.º 3 que «Para efeito do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização ou em processo de insolvência que envolva a apresentação de um plano de recuperação que venha a ser aprovado, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme tabela especifica constante da portaria referida no n.º 1.»
11 - Resulta da legislação em vigor que além da remuneração fixa a recorrente, por força da apresentação, aprovação e homologação do plano de recuperação a recorrente tem também direito a uma remuneração variável a determinar em função do resultado da recuperação, que se calculará de acordo com os critérios previstos n n.º 3 do artigo 23.º da Lei 22/2013.
12 - Não vislumbra a recorrente razões para que não possa aplicar-se, para efeitos de determinação da remuneração variável, a portaria n.º 51/2005 de 20 de Janeiro.
13 - Tendo por base que o resultado da recuperação ascende a €49.024,63, por aplicação das tabelas anexas à portaria 51/2005 tem a recorrente direito a uma remuneração no valor de €4.674,182 a que acrescerá IVA à taxa legal. €15.000,00 x 7%=€1.050,00; €34.024,23 x 5,5% = €1.871,36; €1.050,00 + €1.871,36 = €2.921,36; €2.921,36 x 1,6 = €4.674,18 – considerando uma majoração de 100%
14 - A portaria 51/2005 deverá ser aplicada para efeitos de cálculo da remuneração variável devida à recorrente.
15 – Tal entendimento foi já sufragado em decisão do Tribunal da Relação de Guimarães onde pode ler-se que «não se descortina fundamento pertinente que impeça a sua aplicação [nos termos do artº 10º,nºs 1 e 2, do CC, e por existir similitude dos interesses em jogo, e caso se considere estar-se ainda a aguardar que o legislador procede à publicação de tabela específica] no âmbito do cálculo da remuneração variável que ao administrador judicial provisório é devida em PER no qual tenha desempenhado funções.
Ou seja, caso se considere não existir regulação legal própria/específica em sede de Portaria aprovada, tal não determina - S.M.J - , inevitavelmente, a não fixação/atribuição da remuneração variável que ao administrador judicial provisório nomeado em PER é devida, antes se justificará, face a uma eventual lacuna de previsão, o recurso às tabelas da Portaria nº 51/2005 , e por valerem na situação em causa as razões justificativas da concreta regulação normativa da apontada Portaria (cfr. artº 10º, do CC )»
16 - Por aplicação do disposto nos n.ºs 1, 2, 3 e 5 da lei 22/2013 de 26 de fevereiro tem a recorrente direito ao pagamento de remuneração variável, que ascende ao valor de €4.674,18 (acrescida de IVA à taxa legal) pelo que, e salvo o devido respeito, o despacho à quo violou, por erro de interpretação e aplicação, o dispostos nos artigos 23.º e 29.º do EAJ aprovado pela lei 22/2013 e os artigos 32.º, 52.º e 60.º do CIRE, bem como a portaria 51/2005 de 20 de Janeiro.
17 - Sempre teria o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, que fixar remuneração à recorrente por força do disposto nos artigos 22.º e 23.º do EAJ.
18 - O artigo 22.º prevê que «O administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas»
19 - O artigo 23.º n.º 1 do EAJ prevê que o administrador de insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos actos praticados.
20 - Ainda que viesse a entender não ter aplicação a portaria 51/2005, de 20 de Janeiro, sempre teria que atender à actividade desenvolvida pela recorrente enquanto administradora de insolvência, quer quanto ao volume de trabalho desenvolvido quer quanto à qualidade e resultados desse trabalho, por forma a remunerá-la adequadamente.
21 - Salvo o devido respeito não poderia a o tribunal deixar de ter em conta todos os actos praticados pela recorrente e que culminaram com a adesão dos credores ao plano de recuperação e sua aprovação, fixando remuneração variável à recorrente em valor nunca inferior a €4.000,00.
22 - Ao não ter fixado, ainda que segundo critérios de equidade, legalidade e proporcionalidade uma remuneração variável, o tribunal a quo violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 22.º, 23.º e 29.º do EAJ e 32.º, 52.º e 60.º do CIRE.
Assim, deverá:
a) o despacho recorrido ser declarado nulo por falta de fundamentação;
Caso assim se não entenda
b) deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene o pagamento à recorrente de remuneração variável no valor de €4.674,18 acrescida de iva à taxa Legal, num total de €5.749,24 nos termos do disposto nos n.ºs 1, 2, 3 e 5 do artigo 23.º do EAJ por aplicação das tabelas das tabelas anexas à portaria 51/2005.
Caso assim se não entende
c) deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene o pagamento à recorrente de remuneração variável no valor de €4.000,00 (acrescida de iva à taxa legal) nos termos do disposto no artigo 22.º e 23.º do EAJ.
Assim se fazendo a acostumada justiça.
Houve contra - alegações, tendo o Recorrido/Digno Agente do Ministério Público, pugnado pela manutenção da decisão, aduzindo as seguintes conclusões.
1.º O douto despacho recorrido não merece censura por ter procedido a uma aplicação adequada da lei, tendo optado por se fundamentar através da remissão para promoção antecedente que dava nota da inexistência de concreto fundamento legal para conceder provimento à pretensão da administradora judicial em funções nos autos.
2.º O administrador judicial, embora seja um sujeito de direito privado, assume funções estritamente delimitadas na lei quando no exercício do seu papel de colaborador com a administração da justiça, vinculação expressa no EAJ, “Estatuto do Administrador Judicial” aprovado pela Lei 22/2013, de 26 de fevereiro, presentemente em vigor. Dessa vinculação a critérios de legalidade resulta a predefinição de remunerações devidamente tabeladas, alheias às regras de livre contratação próprias do comércio jurídico privado.
3.º A evolução legislativa induzida pelo referido EAJ e, quase um ano antes pela alteração do CIRE resultante da Lei 16/2012, de 20 de abril, levou à previsão de um conjunto de novas realidades que exigiam subsequente implementação normativa e procedimental.
4.º Algumas dessas realidades estão já regulamentadas, o que não sucede com certas previsões remuneratórias do EAJ, em particular quanto à atinente a uma perspectivada remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor cujo valor será o fixado em tabela específica constante em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia (formulação das normas conjugadas do artigo 23.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3, do EAJ).
5.º De tal omissão regulamentar, mantida até ao presente, não poderá extrair-se a aplicabilidade das tabelas que a Portaria 51/2005, de 20 de janeiro, tinha previsto para a remuneração variável em contexto de liquidação, que constituíam o regulamento do anterior estatuto constante da Lei 32/2004, de 22 de julho.
6.º Essa inaplicabilidade resulta de a mesma Portaria não reunir os requisitos formais e de legitimação que a norma do EAJ exige para o efeito, pois que não é uma “portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia” (apenas foi decretada pelos então ministros das Finanças, da Administração Pública e da Justiça), como não possui tabelas alternativas para fixação de “uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente”, pois que o respetivo anexo I se reporta ao artigo 20.º, n.º 2, da Lei 32/2004, de 22-07, o anterior estatuto do administrador da insolvência, norma expressa no reporte dessa tabela ao “resultado da liquidação da massa insolvente”, muito menos dispõe de qualquer “tabela específica” que contemple o resultado da recuperação, pelo que a dita Portaria não cumpre os requisitos constantes da parte final do artigo 23.º, n.º 1, do EAJ.
7.º Constatando-se a ausência de norma regulamentar crucial em ordem à aplicação da novel previsão remuneratória, a mesma permanece ineficaz até que se conclua tal processo legislativo específico, pois que não é patente lacuna, nem se dispõe de solução equivalente que lhe pudesse ser aplicada tendo em conta a substancial distinção entre os conceitos de “resultado da liquidação” e de “resultado da recuperação”, no próprio EAJ e nos planos factuais do empenho, do impulso e da responsabilidade que são exigíveis, de forma acrescida, ao administrador da insolvência que dirige a liquidação, por contraste com o que apenas gere o processo negocial que culmina na aprovação do plano de recuperação.
8.º Por outro lado, a cega aplicação da atual tabela criada pela Portaria 51/2005 para a liquidação, fazendo-lhe equivaler o resultado da recuperação, implica a obtenção de montantes remuneratórios elevados e incompatíveis com a situação de insolvência atual ou iminente, inviabilizando na prática o objetivo perseguido pelas alterações legislativas, o da recuperação do tecido empresarial, por via da imediata exigência desses montantes à devedora, assim remetida a novo estado de insolvência.
9.º Do que antecede resulta que, ainda que se concluísse – o que não é curial – pela existência de lacuna legal, a forma última do respetivo suprimento: criação pelo intérprete da norma que se impusesse dentro do espírito do sistema (artigo 10.º, n.º 3, do CC), sempre levaria o aplicador da lei a desconsiderar a tabela de liquidação constante da Portaria 51/2005, pois que atentatória da recuperação que visava recompensar.
10.º Ora, enquanto a dita Portaria se encontra detalhada em escalões, percentagens e majorações, chegando ao ponto de explicitar como operam os critérios de remuneração por taxa base e marginal, não é possível ao juiz enquanto intérprete e aplicador da lei descer a tal plano tecnicista para efeitos de criar uma norma ou critério universalmente válido e igualitário que permitisse acolher, ao mesmo tempo, a recompensa do resultado específico que é uma recuperação e a proporcionada satisfação dos credores por reporte aos créditos reclamados e admitidos para cada caso, pois que tal implicaria a criação de uma fórmula matemática, que apenas defere ao juiz opcionais atribuições decisórias quando daquela resultem excedidos os € 50.000,00 de remuneração, tudo em obediência às imposições do artigo 23.º do EAJ.
11.º Conclui-se, por conseguinte, que o direito subjetivo a uma remuneração variável atribuído ao administrador da insolvência que exerça funções no âmbito de ação de insolvência que culmine na homologação de um plano de recuperação está condicionado, no seu efetivo exercício, à futura aprovação de uma tabela específica que preveja a compensação do “resultado da recuperação” e que conste de uma “portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia”.
12.º Tal omissão não pode ser substituída ou ultrapassada por mero despacho judicial que, por aplicação retroativa da Portaria 51/2005, ou por apoio num qualquer outro critério voluntarista, fixe uma remuneração variável ao administrador da insolvência que exerça funções no âmbito de ação de insolvência que culmine na homologação de um plano de recuperação, sendo tal decisão iníqua ou aleatória, além de desprovida de fundamento legal.
13.º De resto eventual decisão judicial proferida nesse sentido atentaria a princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico tais como os da separação de poderes, da legalidade ou da vinculação das partes, potenciando, por acréscimo, a constituição de responsabilidades patrimoniais sobre terceiros alheios ao processo, como seria o caso do organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, por via da fixação não sancionada – e sem contraditório – de remunerações sem critério cognoscível fundado em lei geral e abstrata.
Termos em que se conclui que o recurso não merece provimento, considerando-se adequada a douta decisão proferida em primeira instância, como é de Justiça.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. As questões a resolver, recortadas das conclusões apresentadas pela Recorrente, consistem em saber se:
(1) A decisão proferida é nula porquanto, como se sustenta, não se encontra devidamente fundamentada?
(2) O Tribunal “a quo” errou na aplicação do direito ao apreciar o pedido formulado no requerimento apresentado pela Administradora Judicial, concretamente, indeferindo a fixação e pagamento de uma remuneração variável, no âmbito da recuperação da devedora, cujo plano foi aprovado pelos credores e homologado, impondo-se decisão diversa da sentenciada?
II. 2. Da Matéria de Facto

A matéria de facto apurada é a que consta do relatório antecedente.
II. 3. Do Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - artºs. 635º, 639º e 663º, todos do Código Processo Civil.

II. 3.1. A decisão recorrida é nula porquanto, como se sustenta, não se encontra devidamente fundamentada? (1)
Vejamos.
O Código Processo Civil enumera, imperativamente, no nº. 1, do artº. 615º, as causas de nulidade da sentença.
Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem aos casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).
Considerando o objecto do recurso, devemos adiantar que nos termos da lei adjectiva civil é nula a sentença quando o juiz não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifica a decisão (nº. 1 b) do artº. 615º, do Código Processo Civil).
A nulidade em razão da falta de fundamentação de facto e de direito (alínea b) do nº. 1, do artº. 615º, do Código Processo Civil) está relacionada com o comando que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Na verdade, a fundamentação das sentenças é uma exigência constitucional - artº. 205º, nº.1 da Constituição da República Portuguesa - e legal – artºs. 154º, e 607º, ambos do Novo Código Processo Civil.
É na fundamentação que o Tribunal colhe legitimidade e autoridade para dirimir o conflito entre as partes e lhes impor a sua decisão.
A fundamentação é imprescindível ao processo equitativo e contraditório.
Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do nº. 1, do citado artº. 615º, do Código Processo Civil.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
O vício determinante da nulidade da sentença, nos termos enunciados corresponde a casos de ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação).
É um vício que encerra um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutiliza o julgado na parte afectada.
Atentemos se o aresto apelado padece da sustentada nulidade.
Escrutinada a decisão em escrutínio, divisamos que esta está estruturada por forma abreviada, é certo, com remissão expressa para o conteúdo da promoção exarada pelo Digno Agente do Ministério Público que na “vista” aberta a fim de se pronunciar sobre o requerimento apresentado pela Administradora Judicial, promoveu o indeferimento parcial daquele requerimento, concretamente, no tocante à requerida fixação e pagamento da remuneração variável impetrada, sustentando que ainda não existe portaria regulamentadora do novo Estatuto do Administrador Judicial, na parte relativa à remuneração nos planos de recuperação.

Embora reconheçamos que a decisão do Mmº. Juiz “a quo” se limita, objectivamente, a concordar inteiramente com a douta promoção do Digno Agente do Ministério Público, e nesse sentido, indefere a requerida fixação e pagamento da remuneração variável à Administradora Judicial nomeada, temos de convir que ao concordar com a falta de suporte legal para satisfação da pretensão solicitada em Juízo pela Administradora Judicial, pouco mais haveria a dizer.
O aresto agora sob escrutínio, identificou o objecto do requerimento, sem deixar de concluir, no caso pelo indeferimento da pretensão solicitada, remetendo, por forma muito elementar, é certo, para a sustentação jurídica adiantada pelo Digno Agente do Ministério Público.
Cotejada a decisão apelada poder-se-á, repetimos, conceber que a mesma poderia ter sido mais desenvolvida, porém, não concedemos que o discurso decisório seja ininteligível, quer por ausência total de explicação da razão por que se decidiu daquela maneira, quer por incumprimento, por parte do Julgador “a quo”, do dever de resolver a questão que o interveniente processual submeteu à sua apreciação.
Como já adiantamos, a fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade, sendo que uma vez que descortinamos a explicação da razão por que se decidiu daquela maneira (anotamos também, a propósito, a simplicidade da questão a apreciar), entendemos que a decisão escrutinada não encerra vício que implique um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutiliza o julgado na parte afectada, pelo que, ao termos percebido, o processo cognitivo percorrido pelo Mmº. Juiz apelado, ao fundamentar, por remissão, o aresto recorrido, tendo conhecido a questão trazida a Juízo, concluímos pela não verificação da arrogada nulidade da decisão, soçobrando, assim, nesta conformidade, e nesta parte, a apelação interposta.

II. 3.2. O Tribunal “a quo” errou na aplicação do direito ao apreciar o pedido formulado no requerimento apresentado pela Administradora Judicial, concretamente, indeferindo a fixação e pagamento de uma remuneração variável, no âmbito da recuperação da devedora, cujo plano foi aprovado pelos credores e homologado, impondo-se decisão diversa da sentenciada? (2)
Estabelece a Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, no seu Capitulo VI, sobre a Remuneração e pagamento do Administrador Judicial, nos seus artºs. 22º e 23º, que ao caso “sub iudice” interessa:
“O administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas”
“Remuneração do administrador judicial provisório ou do administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz.
1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia.
2 - O administrador judicial provisório ou o administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado nas tabelas constantes da portaria referida no número anterior.
3 - Para efeito do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização ou em processo de insolvência que envolva a apresentação de um plano de recuperação que venha a ser aprovado, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme tabela específica constante da portaria referida no n.º 1.
4 - Para efeitos do n.º 2, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
5 - O valor alcançado por aplicação das tabelas referidas nos n.os 2 e 3 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1.
6 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores, a remuneração exceder o montante de (euro) 50 000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue no exercício das funções.”
Revertendo ao caso dos autos temos que de acordo com os preceitos consignados a Requerente/Recorrente/Administradora Judicial, nomeada por iniciativa do juiz, em processo de insolvência que envolveu a apresentação de um plano de recuperação aprovado, tem direito a ser remunerada pelos actos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia, estabelecendo também a citada Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, nos enunciados preceitos que o Administrador Judicial provisório nomeado por iniciativa do juiz aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor, cujo valor é o fixado conforme tabela específica constante da portaria referida no número anterior, ou seja, em conformidade com o estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia, considerando-se, para o efeito, resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, a constar da aludida tabela específica, o que, de resto, desde já se adianta, inexiste no nosso ordenamento jurídico.
Temos, assim, como questão essencial a conhecer no presente recurso, saber se é devido remuneração variável à Requerente/Recorrente/Administradora Judicial, nomeada por iniciativa do juiz, em processo de insolvência que envolveu a apresentação de um plano de recuperação aprovado, e qual o seu valor.
Conquanto esteja prevenida a remuneração variável ao Administrador Judicial, nomeado por iniciativa do juiz, em processo de insolvência que envolva a apresentação de um plano de recuperação aprovado, certo é que o seu cálculo não está regulamentado, não está concretizado, o que torna a situação em apreço, traduzida na reclamada remuneração variável, sem qualquer suporte legal, pois, sem a publicação da Portaria que regulamente os respectivos termos, constatamos um vazio legal, nestas concretas situações atinentes aos processos de insolvência.
Face ao declarado vazio legal, impor-se-á colocar a questão da pertinência da integração da lacuna da lei, uma vez que, aquando da vigência do anterior Estatuto do Administrador da Insolvência, prevenido na Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho, o legislador, usando do mesmo procedimento legislativo, com o objectivo de concretizar a aludida Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho, fez publicar na I Série-B do Diário da República a Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, que aprovou o montante fixo de remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz, bem como as tabelas relativas ao montante variável de tal remuneração, em função dos resultados obtidos.
Assim, a aludida Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, aprovou o montante fixo de remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz, bem como as tabelas relativas ao montante variável de tal remuneração, em função dos resultados obtidos, sendo que esta Portaria foi rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 25/2005, de 22 de Março.
Observa-se que de acordo com a aludida Portaria nº. 51/2005, de 20 de Janeiro, o montante da remuneração do Administrador da insolvência nomeado pelo juiz foi fixado em €2000, tendo sido aprovadas as tabelas de remuneração variável do Administrador em função do resultado da liquidação da massa insolvente, e em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.
Como sabemos, a analogia recebe acolhimento no artº. 10º, do Código Civil que estatui sobre a integração das lacunas da lei ao consignar “1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.” “2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.” “3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.”
Vejamos, pois, se ao caso presente, subsumível à Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho, onde o legislador ainda não cuidou da respectiva concretização, nomeadamente, para os prevenidos casos de fixação da remuneração variável do Administrador Judicial, procedem as razões justificativas da regulamentação consignada na enunciada Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro.
Para o efeito urge levar a cabo, ainda que em termos breves, a apreciação da chamada analogia, na medida em que dispomos do caso concreto a decidir, não previsto na lei, e dispomos de um sistema de normas que poderão, ou não, ajudar a colmatar a reconhecida lacuna legal.
Assim, exige-se encontrar o critério da analogia numa premissa lógico-jurídica, dirigida directamente à determinação de um princípio geral do Direito obtido por abstracção a partir do conjunto de normas em causa, através de um processo de indução universal ou generalizante, porque sem deixar de pressupor a mediação de uma pluralidade de normas e institutos jurídicos, invoca imediatamente um princípio geral.
Neste sentido procederemos à confrontação do caso concreto trazido a Juízo, e que ora nos ocupa, com a previsão legal contida na Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, que concretiza a Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho, enquanto precedente Estatuto do Administrador Judicial, importando, sublinhamos, descobrir aquele enunciado critério numa premissa lógico-jurídica, naturalmente obtido por abstracção a partir da norma em causa, através de um processo de inferência e o caso a decidir.

Estabelecia a Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho (entretanto concretizada pela Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro), no seu artº 20.º sobre a remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz, o seguinte: “1 - O administrador da insolvência, nomeado pelo juiz, tem direito a ser remunerado pelos actos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.” “2 - O administrador da insolvência nomeado pelo juiz aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado na tabela constante da portaria prevista no número anterior.” ” 3 - Para efeitos do número anterior, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com excepção da remuneração referida no número anterior e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.” “4 - O valor alcançado por aplicação da tabela referida no n.º 2 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos factores constantes da portaria referida no n.º 1.” “5 - Se, por aplicação do disposto nos n.os 1 a 4, a remuneração exceder o montante de (euro) 50000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue no exercício das funções.”
Do cotejo das normas enunciadas cremos ser meridiano concluir que o caso “sub iudice” encerra uma realidade distinta daqueloutras consideradas e abstractamente contidas na Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho, realidades completamente diversas, conquanto, quer na situação concreta, quer na abstractamente considerada, se aprecia a remuneração do Administrador Judicial nomeado pelo Juiz, sendo certo que ficam por aqui as respectivas similitudes.
Na verdade, no caso “sub iudice” o que está em causa é o pedido de remuneração variável da Administradora Judicial, nomeada por iniciativa do juiz, em processo de insolvência que envolveu a apresentação de um plano de recuperação aprovado, diversamente é o caso prevenido na Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho, onde se consignou que o administrador da insolvência, nomeado pelo juiz, aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado na tabela, entretanto publicada na Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, onde distinguimos não estar prevenida a situação do pedido de remuneração variável do Administrador Judicial, em processo de insolvência que envolve a apresentação de um plano de recuperação aprovado.
Auferir a remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor é distinto da circunstância de auferir a remuneração variável em função do resultado da liquidação da massa insolvente, e disso teve consciência o legislador, tendo estabelecido no actual Estatuto do Administrador Judicial (Lei n.º 22/2013) que em processo de insolvência que envolva a apresentação de um plano de recuperação que venha a ser aprovado, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme tabela específica constante da portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia, sendo que no antecedente Estatuto do Administrador Judicial (Lei n.º 32/2004), além de não prevenir a remuneração variável do Administrador Judicial, em processo de insolvência que envolve a apresentação de um plano de recuperação aprovado, remete a fixação da remuneração para as tabelas constantes da Portaria que concretizou esta Lei, não sendo despiciendo o qualificativo de especifico atinente à tabela prevenida no actual estatuto do Administrador Judicial, ainda a concretizar.
Elaborado o juízo analógico, especificando o caso “sub iudice” e extrapolando a norma vertida na Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho, concretizada pela Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, chegamos à conclusão, subsumindo o caso omisso na premissa lógico-jurídica que assim se obteve, o reconhecimento de que o caso concreto que se impõe conhecer não é análogo a qualquer caso, abstractamente considerado e abrangido pelo campo de aplicação da norma contida na Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, enquanto concretização da Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho.
Concluímos, assim, que o reconhecido direito subjectivo a uma remuneração variável atribuído ao Administrador Judicial que exerça funções no âmbito da insolvência que termine na homologação de um plano de recuperação aprovado, está inevitavelmente subordinado, no seu concreto exercício, à aprovação de uma tabela específica que pressuponha a compensação do resultado da recuperação.
No enquadramento jurídico perfilhado em conjugação com os factos apurados, reconhecemos que a decisão de indeferir o pedido formulado no requerimento apresentado pela Administradora Judicial, concretamente a fixação e pagamento de uma remuneração variável, no âmbito da recuperação da devedora, cujo plano foi aprovado pelos credores e homologado, não merece censura, uma vez que não existe ainda a Portaria regulamentadora do novo Estatuto do Administrador Judicial na parte relativa à remuneração nos planos de recuperação, sendo impertinentes as conclusões aduzidas no recurso interposto, e, neste sentido, não assentimos que as mesmas tenham virtualidades por forma a alterar o destino da presente demanda, traçado em 1ª Instância.
III. SUMÁRIO (artº. 663º nº. 7 do Código de Processo Civil)

1. A nulidade em razão da falta de fundamentação está relacionada com o comando que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade.
2. Conquanto esteja prevenido o direito subjectivo a uma remuneração variável ao Administrador Judicial, nomeado por iniciativa do juiz, em processo de insolvência que envolva a apresentação de um plano de recuperação aprovado, certo é que o seu cálculo não está concretizado, o que torna a situação em apreço sem qualquer suporte legal, pois, sem a publicação da Portaria que regulamente os respectivos termos, constatamos um vazio legal.
3. Face ao declarado vazio legal, impor-se-á colocar a questão da pertinência da integração da lacuna da lei, uma vez que, aquando da vigência do anterior Estatuto do Administrador da Insolvência, prevenido na Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho, o legislador, com o objectivo de concretizar a aludida Lei, fez publicar a Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, que aprovou o montante fixo de remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz, bem como as tabelas relativas ao montante variável de tal remuneração, em função do resultado da liquidação da massa insolvente.
4. A analogia recebe acolhimento no artº. 10º, do Código Civil exigindo-se encontrar o critério da analogia numa premissa lógico-jurídica, dirigida directamente à determinação de um princípio geral do Direito obtido por abstracção a partir do conjunto de normas em causa, através de um processo de indução universal ou generalizante, porque sem deixar de pressupor a mediação de uma pluralidade de normas e institutos jurídicos invoca imediatamente um princípio geral. Neste sentido dever-se-á proceder à confrontação do caso concreto trazido a Juízo, com a previsão legal contida na Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, que concretiza a Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho, enquanto precedente Estatuto do Administrador Judicial.
5. Do cotejo das normas enunciadas divisamos que o caso “sub iudice” encerra uma realidade distinta daqueloutras consideradas e abstractamente contidas na Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho. Na verdade, no caso “sub iudice” está em causa o pedido de remuneração variável da Administradora Judicial, nomeada por iniciativa do juiz, em processo de insolvência que envolveu a apresentação de um plano de recuperação aprovado, diversamente é o caso prevenido na Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho, onde se consignou que o administrador da insolvência, nomeado pelo juiz, aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da liquidação da massa insolvente, e onde, distinguimos, não está prevenida a situação do pedido de remuneração variável do Administrador Judicial, em processo de insolvência que envolve a apresentação de um plano de recuperação aprovado.
6. Elaborado o juízo analógico, especificando o caso “sub iudice” e extrapolando a norma vertida na Lei n.º 32/2004 de 22 de Julho, concretizada pela Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, chegamos à conclusão, subsumindo o caso omisso na premissa lógico-jurídica que assim se obteve, o reconhecimento de que o direito subjectivo a uma remuneração variável atribuído ao Administrador Judicial que exerça funções no âmbito da insolvência que termine na homologação de um plano de recuperação aprovado, está inexoravelmente subordinado, no seu concreto exercício, à aprovação de uma tabela específica que pressuponha a compensação do resultado da recuperação, o que até ao presente não sucedeu, importando omissão regulamentar.
IV. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Requerente/Apelante/B…, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente/B….
Notifique.

Porto, 7 de Abril de 2016
Oliveira Abreu
António Eleutério
Isabel São Pedro Soeiro

A redacção deste Acórdão não obedeceu ao novo acordo ortográfico.