Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1898/09.2JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO RIBEIRO COELHO
Descritores: HOMICÍDIO TENTADO
AUTORIA MEDIATA
INSTIGAÇÃO
ALICIAMENTO PARA MATAR
ACTOS DE EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP201602101898/09.2JAPRT.P1
Data do Acordão: 02/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 985, FLS.161-211)
Área Temática: .
Sumário: I - Nem todos os aliciamentos ou pactos para matar convivem com a relação de domínio da vontade e da acção do mandante sobre o executor. As situações de aliciamento ou de “pacto para matar” não são todas iguais (não só relativamente à quantidade dos actos preparatórios ou de execução a realizar mas também da qualidade da vontade dos agentes envolvidos).
II - A responsabilidade por tentativa de homicídio do autor mediato, nas decisões condenatórias, revela uma antecipação e um alargamento contra legem, do início da tentativa do autor mediato, já que os actos descritos são ainda preparatórios, não integráveis na alínea c) do n.º 2, do Art.º 22.º do Código Penal, pois não se verifica a “conexão de perigo” nem a “conexão temporal” para a vida da vítima, exigida na expressão legal “que se sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores” (Art.º 22.º, alíneas a) e b), e 26.º, todos do Código Penal).
III - Irreleva a existência ou não de acordo entre mandante e executor para a prática do homicídio, a que não se sigam acto ou actos idóneos a produzir o resultado típico, a morte.
IV- Inexistindo execução ou início da execução por parte dos executores ( ao considerar inexistir determinação, estaria afastada a instigação) e não sendo punida a instigação na forma tentada, as mandantes do crime não podem ser punidas como instigadoras.
V - Não é punível o comportamento do agente que contrata outra pessoa, para que esta mate terceiro, se ninguém chegou a praticar qualquer acto de execução do crime (matar) em virtude de a proposta formulada não ter obtido acolhimento e ainda se obtivesse, não terem sido praticados actos de execução;
VI - A conduta do agente, na situação aqui consubstanciada, não integra o conceito de aliciamento não podendo ser punido como autor de um crime de homicídio voluntário sob a forma tentada, ao contrario do entendido no Acórdão uniformizador do STJ de 18/6/2009, assim divergindo justificadamente dessa jurisprudência nos termos e para os efeitos do vertido no Art.º 445.º, n.º 3, do CPPenal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 1898/09.2JAPRT.P1

Acordam, após conferência, na 1.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO
Nestes autos foram as arguidas, (1) B… e (2) C…, condenadas,
- a primeira, pela prática, em autoria e na forma tentada, de um crime de homicídio simples, p. e p. pelos Art.ºs 22.º, 23.º e 131.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, subordinada porém a regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, o qual, uma vez homologado, fará parte integrante deste acórdão; e ainda subordinada ao dever de pagar ao assistente/demandante D… a quantia fixada a título compensatória no montante de €3.750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros) no prazo de 2 (dois anos) a contar do trânsito em julgado deste acórdão; e
- a segunda, pela prática, em autoria e na forma tentada, por omissão, de um crime de homicídio simples, p. e p. pelos Art.ºs 10.º, 22.º, 23.º e 131.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, subordinada porém a regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, o qual, uma vez homologado, fará parte integrante deste acórdão; e ainda subordinada ao dever de pagar ao demandante D… a quantia a título da quantia compensatória arbitrada de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros) no prazo de 2 (dois) anos a contar do trânsito em julgado deste acórdão.
Também assim, foi julgado procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo mencionado assistente D…, parcialmente procedente, por parcialmente provado e, em consequência, condenar, solidariamente, as arguidas/demandadas B… e C…, no pagamento da quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora contados à taxa legal, desde a notificação e até integral pagamento.
Não se conformando com este acórdão, recorreram do mesmo as arguidas, o Ministério Público e o assistente/demandante.
Assim, a 1.ª arguida, B…, recorreu concluindo da seguinte forma a sua motivação:
1ª - A lei portuguesa não pune a tentativa de instigação. Ora, no nosso caso a Arguida planeou matar o genro D…, e, para o efeito contactou quem, a seu ver, poderia executar materialmente o homicídio, por si. Da parte dos contactados apenas obteve a promessa da concretização do crime, mas estes nunca tiveram a intenção de a efectivar (vejam-se pontos 23° e 34° dos factos dados como provados). Estamos assim, perante um caso de instigação (art. 26° do Código Penal) que não é punível por não ter havido começo de execução.
2ª Perfilhamos a opinião do Sr. Conselheiro Souto Moura que concluiu que o comportamento dos arguidos em situações idênticas à presente revelam perigosidade ¬delinear um plano criminoso no sentido de matar um terceiro contratando para o efeito uma ou duas pessoas, mediante o pagamento de um montante, não obstante o bem protegido nunca ter estado ameaçado de modo penalmente relevante, e por tal motivo, o legislador devia ter previsto e até mesmo punido tais situações. O certo é que o legislador até ao presente não responsabiliza os arguidos por situações como a dos autos, logo, a Arguida B… terá de ser absolvida, sob pena de se violar o princípio da legalidade: "nullum crimen sine lege stricta".
3ª Se assim não se entender, o que se equaciona por mero dever de patrocínio, no nosso caso concreto, podemos concluir que se verificou efectivamente uma situação de compreensível emoção violenta e desespero que importou uma considerável diminuição da culpa da arguida B…, atento o contexto dos factos e as circunstâncias do crime. Na verdade, se atendermos à matéria dada como provada - pontos 2° a 4°; 6° a 8°; 18° e 37°, verificamos que estamos perante uma situação de compreensível emoção violenta e desespero, conducente à integração da conduta da arguida B… no Crime de Homicídio Privilegiado Cfr. 133° do Código Penal), na forma tentada.
4ª A Arguida B… durante cerca de 9 anos assistiu de quinta-feira a domingo o D… a insultar, a agredir fisicamente, a ameaçar com arma de fogo, a violar a sua única filha, C…; em face dos maus-tratos levados a cabo pelo D… a arguida B… sentia-se completamente impotente para fazer cessar esses comportamentos ilícitos e sentia-se desprotegida, vulnerável e sem qualquer tipo de protecção. A Arguida B… face ao seu estado de saúde havia dias de queria que matassem o D…, mas havia outros dias que não queria e atento o quadro de agressões perpetradas pelo B… na pessoa da C…, a arguida B… encontrava-se perturbada emocionalmente e com alteração do estado de consciência (embora, sem perder a consciência da ilicitude). O motivo que determinou a Arguida a perpetrar o Crime foi precisamente assistir reiteradamente e durante um longo período de tempo a maus-tratos por parte do D… em relação à sua filha C… e a mesma actuou num contexto de total desespero - a mesma estava de tal forma desesperada, desprotegida, vulnerável e perturbada emocionalmente, apresentando alterações do estado de consciência que não tinha discernimento para tomar a iniciativa de participar criminalmente do D… às autoridades ou tomar outra conduta. Foi portanto neste estado de compreensível emoção violenta e desespero que a Arguida B… decidiu dizer a terceiros - os contratados - para matarem o D…, pondo fim a 9 anos de sofrimento. Digamos que face ao estado mental em que se encontrava a arguida B… e ao desespero que sentia, não restava para a mesma outra alternativa, senão suprimir a vida do Assistente, como se fosse a única solução naquele momento. Todas estas circunstâncias formam uma imagem global de culpa diminuída da arguida B….
5.ª Assim, fácil é de concluir que face ao contexto familiar (violência doméstica) e ao próprio estado de saúde, emocional e psíquico da arguida B…, resulta evidente que a mesma actuou dominada por compreensível emoção violenta e desespero, caracterizada por uma folie e transitória perturbação da afectividade, desencadeada por factos alheios (provocados por D…), sendo a sua reacção uma mera defesa em relação às constantes e sucessivas ameaças de morte, agressões, injúrias, violações à sua filha C…, na presença das suas netas E… e F….
6.ª A emoção violenta susceptível de integrar a previsão do Crime de Homicídio Privilegiado, corresponde a uma alteração psicológica, uma perturbação em relação ao seu estado normal, sendo violenta quando faz desencadear uma reacção agressiva do arguido. Assim, existirá "compreensível emoção violenta" quando o agente actua dominado por um estado emocional provocado por factos a que um homem comum e "fiel ao direito" seria sensível, sendo, portanto, atenuada a exigibilidade de conformação com as normas e o "desespero" reconduz-se a situações arrastadas no tempo, fruto de pequenos ou grandes conflitos que acabam por levar o arguido a considerar-se numa situação sem saída, geradoras de um estado de afecto ligados à angústia, à depressão ou à revolta sendo em qualquer caso necessário que a acção revele uma exigibilidade diminuída.
7.ª À arguida deverá, ser imputado um Crime de Homicídio Privilegiado, na forma tentada, dado que se verificam no nosso caso factos que fazem subsumir a conduta da arguida B… em tal tipo legal (art. 133° do Código Penal), nomeadamente porque a arguida agiu debaixo de uma compreensível emoção violenta e em desespero.
8.ª Sem prescindir, sempre se diga que a pena aplicada à Arguida B… (cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período) é excessiva, desproporcional, ultrapassando a medida da culpa e não foram devidamente ponderados os parâmetros ínsitos nos artigos 40°, nºs. 1 e 2, 70° e 71°, nºs. 1 e 2, todos do Código Penal, preceitos que por isso, foram violados pelo Tribunal "a quo", o que não se aceita.
9.ª Deveria ter sido atendido o desespero sentido pela arguida B… para determinar a medida concreta da pena, isto porque a Arguida actuou motivada pelo facto de durante pelo menos 9 anos ter, no período de quinta-feira a domingo, assistido o Assistente a agredir fisicamente a sua única filha C…; a insultá-la, a ameaçá-la de morte, incluindo com arma de fogo; a obrigá-la a manter relações sexuais consigo ... , sentindo-se impotente para fazer cessar os comportamentos de maus tratos do D… à C… e este quadro conduziu a que a Arguida B… se encontrasse perturbada emocionalmente e com alteração do estado de consciência.
10.ª. Deveria ter sido atendido o facto da Arguida B… não ter antecedentes criminais (ponto 71° dos factos provados) e gozar de um bom comportamento anterior e posterior aos factos, apresentando um percurso de vida conforme á lei e aos ditames da vida em sociedade.
11.ª Não ponderou devidamente, o Tribunal "a quo" o facto de a Arguida B… ter confessado os factos, na sua materialidade, de que vinha pronunciada, com relevância para a descoberta da verdade (não obstante, o Tribunal "a quo" ter considerado tratar-se de uma confissão apenas parcial dos factos, dado que a arguida não admitiu "de forma clara que mandou matar o genro admitiu que o poderia ter dito porque estava muito doente com tudo o que este fazia à sua filha").
12.ª O Tribunal "a quo" não atendeu ao facto do decurso do tempo que mediou entre os factos e a presente data, isto é, mais de 5 anos sem que sejam conhecidos à arguida B… quaisquer factos que desabonem a seu favor e o facto de cada um (arguida e Assistente) terem seguido as suas vidas, apresentando a arguida B… uma vida actualmente feliz, pois sente paz e não vive perturbada emocionalmente como aconteceu no passado por força das condutas levadas a cabo pelo D… em relação à C….
13.ª A arguida B… de acordo com os factos provados dispõe de autonomia a nível habitacional, dispondo de boas condições habitacionais e conforto; beneficia de uma imagem social e familiar que não foi afectada negativamente com os factos em causa nos presentes autos, sendo pessoa vem aceite e integrada no meio social que vive; a imagem da arguida não está associada a uma personalidade hostil ou agressiva, não sendo alvo de sentimentos de rejeição ou antipatia pelos factos em causa nos autos; não obstante a arguida padecer de perturbação depressiva persistente, o certo é que vem tendo acompanhamento médico regular e está medicada, não apresentando psicopatologia aguda ou doença psiquiátrica de relevo e por último, é uma pessoa cordata e pacífica. Em face de toda a matéria dada como provada depreende-se que a arguida está bem inserida na sociedade, não apresentando qualquer perigosidade e por isso, as exigências de prevenção especial mostram-se muito atenuadas.
14.ª E as consequências do crime foram diminutas ou de pouca gravidade no nosso caso, o que o Tribunal "a quo" também não considerou. Assim, tudo ponderado e tendo em conta os princípios político criminais da necessidade e da proporcionalidade entendemos que a pena a aplicar à arguida deverá ser reduzida, por forma a que a mesma não ultrapasse a medida da sua culpa.
15.ª A indemnização arbitrada ao demandante a título de danos não patrimoniais mostra-se excessiva e não obedeceu a juízos de equidade. Se atendermos à matéria dada como provada temos que a Arguida tem apenas apoio, a nível financeiro, de uma pessoa amiga, não tendo conseguido ainda (devido aos seus problemas de saúde) reorganizar a sua vida e criar condições de vida autónomas a nível financeiro - pontos 62° e 63 dos factos dados como provados. Decorre assim da matéria dada como provada que a arguida tem actualmente uma situação económico-financeira precária que não permite à mesma ter rendimentos para proceder ao pagamento do valor fixado a título de danos não patrimoniais e o Tribunal "a quo" não atendeu a esta circunstância como podia e devia.
16.ª Relativamente aos danos causados ao Assistente deu o Tribunal "a quo" como provada a matéria dos pontos 720 a 800, mas será a mesma suficiente para sustentar uma indemnização civil de €5.000,00? Entendemos que não. Na verdade, de tal matéria e das testemunhas inquiridas quanto ao pedido de indemnização civil – G… e H…, entendemos que dali decorre que o Assistente com toda a situação em causa viu-se sem família e foi isso que o perturbou, logo os danos causados ao mesmo não se ficaram a dever ao facto de a arguida ter contratado duas pessoas para o matar, mas antes ao facto desta situação ter conduzido a que o mesmo ficasse sem família, a qual se afastou dele para viver sem medos e sem maus tratos.
17.ª Deverá por isso, ser reduzido o valor arbitrado a título de danos não patrimoniais pelas razões anteriormente invocadas.
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Por seu turno, a 2.ª arguida, C…, no seu recurso, concluiu nos seguintes moldes:
1ª. O Tribunal "a quo" andou mal ao dar como assente a versão dos factos dados como provados nos pontos 31°., 32°., 35°., 36°. e 38°. (os quais deviam ter sido dados como não provados), e ao dar como não provada a versão constante dos factos dados como não provados nos pontos s) e t) (os quais deviam ter sido dados como provados), existindo um flagrante erro na apreciação da prova, dado que o Acórdão apresenta uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passa despercebida imediatamente à observação, segundo as regras da experiência, ao comum do homem médio.
2ª. De acordo com a motivação o Tribunal "a quo" deu como provados os pontos 31°, 32°, 35°, 36° e 38°, com base nas próprias declarações da Arguida C…, nas escutas telefónicas e no depoimento das testemunhas I…; J… e K…, contudo não podemos concordar.
3ª. A arguida B… no que concerne à alegada participação da filha C…, a mesma negou que a mesma soubesse das suas intenções de matar o D… (conforme declarações que se encontram gravadas em CD - gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, conforme acta de audiência de julgamento de 03/02/2015, com início 10:32:08 até às 11:24:06).
4ª. A arguida C… no seu interrogatório negou que soubesse das intenções da mãe (B…) em matar o D…. Refere apenas que sabia que a mãe havia falado com umas pessoas para darem uma sova/surra ao D…, em virtude dos maus tratos de que era vítima por parte da mesmo versão esta que aliás foi pelo Tribunal "a quo" acolhida na matéria dada como provada, veja-se pontos 29° e 30°. Refere esta arguida que os contactos que teve com os "contratados" resumiram-se a dois, um contacto telefónico - a arguida C… apanhou uma sova no quintal da casa e nesse dia através do telemóvel da mãe – B…, falou ao telefone com um dos senhores dizendo-lhe que precisava de ajuda. A intenção da arguida C… era que ele desse uma sova ao D…, nunca que o matasse (veja-se conversa telefónica entre a testemunha I… e a Arguida C… - alvo 1 Y249M, sessão3513, datada de 11.11.2009) e contacto presencial a arguida C… a pedido da sua mãe entregou um envelope na rotunda … a um senhor, mas não conversaram (conforme declarações, as quais se encontram gravadas em CD - gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, conforme acta de audiência de julgamento de 03/02/2015, com início às 11:24:07 até 12:10:37).
5ª. A testemunha I… referiu no seu depoimento que "não lidava com a C…" e que a mesma apenas entregou dinheiro à testemunha, a mando da mãe, numa rotunda …. Não se recorda se falou com a C… ao telefone, embora admita como possível. Segundo a testemunha, a C… sabia de tudo (convicção que tem), porque a B… devia falar com a filha (conforme inquirição a qual se encontra gravada em CD - gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, conforme acta de audiência de julgamento de 03/02/2015, com início às 15:32:47 até às 16:19:18). Para esta testemunha a C… sabia da intenção da arguida B… porque deviam falar. Ora, salvo o devido respeito, esta testemunha não avançou factos concretos que pudessem conduzir o Tribunal "a quo" a concluir que a arguida C… soubesse da intenção da mãe em matar o D…. Antes avançou com uma convicção pessoal, a qual salvo sempre o devido respeito, não assenta em qualquer fundamento lógico. Senão vejamos, as arguidas falavam sobre o quê, tanto mais que a testemunha não presenciava? A arguida B… falava com a C… sobre todos as decisões que foi tomando ao longo do tempo - num primeiro momento seria para os contratados guardarem a porta; um segundo momento era para eles darem uma sova ao D… e um terceiro momento para os contratados matarem o D…? Além do mais, e até como decorre da matéria dada como provada, a arguida B… não tinha sempre a mesma vontade, isto é umas vezes persistia na sua decisão de matar e outros dias já não queria que o matassem - ponto 18°., assim como é possível concluir com a firmeza que é exigível que a arguida B… transmitiu à filha a sua intenção de matar o D… - note-se que o Tribunal "a quo" até deu como não provado que a arguida B… informou a arguida C… dos seus propósitos de pôr termo à vida do D… (pontos f) e g)). Eis as nossas dúvidas portanto, as quais são a nosso ver, relevantes e que o Tribunal "a quo" não atendeu como podia e devia.
6ª. A testemunha J… refere que a arguida C… sabia da intenção da B… porque assistiu a uma ou duas conversas, mas quando questionado onde e quais as conversas tidas, o mesmo apenas conseguiu avançar ao Tribunal "a quo" que uma das conversas foi na confeitaria, mas não falaram em matar e outra conversa foi na rotunda de … para entregar dinheiro, mas não conversaram (conforme inquirição a qual se encontra gravada em CD - gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, conforme acta de audiência de julgamento de 03/02/2015, com início às 16:19:59 até às 17:00:14).
7ª. A testemunha K…, (inspector da polícia judiciária), referiu que a arguida C… teve uma conversa com um dos contratados via telemóvel (o que aliás foi confirmado pela arguida C…, como analisado anteriormente) e não sabe se a C… se encontrou com os contratados porque não houve vigilâncias à mesma. No mais, apenas avançou com a sua convicção de que a arguida C… sabia do propósito da arguida B… (veja-se inquirição a qual se encontra gravada em CD - gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, conforme acta de audiência de julgamento de 05/03/2015, com início às 12:29:47 até às 13:01:41).
8ª. Em suma as arguidas negaram que a C… tomou conhecimento dos propósitos da mãe de pôr termo à vida do D…; as testemunhas I… e K… apenas avançaram convicções pessoais, que não têm suporte em factos e como tal não podem considerar-se suficientes para sustentar uma condenação; a testemunha J… inicialmente refere que a arguida C… saberia do propósito da mãe em tirar a tosse ao D… (expressão utilizada pela testemunha ao longo da sua inquirição), dado que a mesma havia assistido a uma ou duas conversas, mas quando questionado sobre quando e onde o mesmo acaba por confirmar que quer na confeitaria, quer na rotunda não se falou em matar. Logo, tal depoimento não é bastante para que o Tribunal "a quo" desse como provados os pontos 31°, 32°, 35°, 36° e 38° e por último, a escuta telefónica - única conversa havida entre a arguida C… e um dos contratados, não permite concluir que a C… soubesse que o propósito da mãe seria matar o D…, mas antes permite sustentar que a C… sabia que a mãe tinha contratado dois indivíduos para dar uma sova/surra ao D…, numa tentativa de este não lhe infligir maus tratos e o assustar - ponto 29° dos factos provados.
9ª. Devia o Tribunal "a quo" com base na prova carreada para os autos ter concluído não haver prova bastante que permita concluir que a arguida C… sabia do propósito da arguida B… de matar o D… e, como tal, devia ter absolvido a arguida C… do Crime de Homicídio Simples, na forma tentada.
10ª. E sem prescindir, se assim não fosse devia o Tribunal "a quo" ter ficado com uma dúvida razoável. Verifica-se no nosso caso, a violação do princípio in dúbio pro reo, o qual é detectado pela mera análise do Acórdão, pois segundo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, chega-se à conclusão de que o Tribunal "a quo" retirou a conclusão em matéria de prova se materialize numa decisão contra a Arguida C…, a qual não é suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis ou inultrapassáveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.
11ª. Ao não dar como não provados os pontos 31°, 32°, 35°, 36°. e 38°. e como provados os pontos s) e t) o Tribunal "a quo" violou o disposto nos art°s. 124° e 127° ambos do Código de Processo Penal. Assim, outra não pode ser a conclusão que não seja a absolvição da Arguida do Crime de Homicídio Simples, na forma tentada de que vem condenada.
12ª. A tentativa (art. 22° nº, 1 do Código Penal) pressupõe que o agente pratique atos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se. Ora, no nosso caso (e partindo da matéria dada como provada), os contratados I… e J… nunca quiseram praticar o crime de homicídio, nem tão pouco chegaram a praticar quaisquer actos de execução, apenas queriam angariar dinheiro e mais dinheiro - note-se que isso mesmo foi confirmado por I…; J… e K… - pontos 19°., 23°. e 34°. da matéria dada como provada. Assim, o caso em apreço não configura um caso de autoria mediata, mas antes um caso de instigação (art. 26° última parte do Código Penal), que não é punível por não ter havido começo da execução (dado que a nossa lei não prevê a tentativa de instigação). Desta forma, o Tribunal "a quo" ao fazer recuar a tutela penal a um estado anterior à execução, acabou por punir meros atos preparatórios, violando assim, o art. 21° do Código Penal, conforme entendimento do Sr. Dr. Juiz Conselheiro Eduardo Maia Costa que sufragamos e, por conseguinte devia a arguida C… ter sido absolvida, o que se espera.
13ª. Sem prescindir, a possibilidade de atenuação especial da pena é convocada no caso vertente por duas ordens de razões, a primeira prende-se com o facto de ter decorrido mais de cinco anos ("muito tempo") sobre a prática do crime imputado à arguida C…, mantendo a mesma boa conduta, conforme se afere dos pontos 42° a 55° da matéria dada como provada (art. 72° nº. 2 aI. d) do Código Penal) e a segunda e não menos importante, prende-se com o facto de a arguida C… ser vítima de maus tratos prolongados no tempo, por parte do Assistente, (ponto 2 da matéria dada como provada) sentindo-se desprotegida, vulnerável e sem qualquer tipo de protecção (ponto 6 da matéria dada como provada), o que aliás justifica a falta de discernimento por parte da mesma de arranjar soluções para pôr cobro à violência de que estava a ser vítima reiteradamente por parte do D…. Assim, ao contrário do que entendeu o Tribunal "a quo" somos da opinião que no caso em apreço verifica-se uma imagem global do facto em que a culpa ou as exigências de prevenção se encontrem acentuadamente diminuídas e como tal deve ser chamada à colação a atenuação especial da pena (art. 72° e 73° ambos do Código Penal).
14ª. Sem prescindir, os princípios constitucionais da necessidade e da proporcionalidade ou proibição do excesso, previstos no art. 18° da Constituição da República Portuguesa, foram claramente violados pelo Acórdão ora posto em crise, com a condenação da arguida C… na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, a qual deve ser reduzida para o mínimo legal ou seu próximo, pois dessa forma ficam asseguradas as expectativas da comunidade e consequentemente realizadas as finalidades de punição de forma adequada e suficiente e permite-se desta forma, uma mais fácil reintegração social da Arguida.
15ª. Ficou provado nos autos, com relevância para esta questão: os pontos 20 a 40; 60; 39 a 55 da matéria dada como provada, que a nosso ver, o Tribunal "a quo" deveria ter tido em conta aquando da determinação da medida da pena e não teve, o que não se aceita. Pois tal matéria dada como provada, consubstancia circunstâncias atenuantes que militam a favor da Arguida C… cujo percurso de vida foi de trabalho e dedicação à família, denotando maturidade e uma forte ligação à família e amigos e sendo pessoa, actualmente, com 39 anos, capaz de continuar a sua vida dentro do cumprimento das normas legais. A Arguida é vista no meio social de residência como pessoa cordial e elemento idóneo, beneficiando da imagem favorável; pessoa cordata, pacífica, trabalhadora, respeitadora, respeitada; é uma mãe dedicada aos seus três filhos, proporcionando-lhes que vivam num clima saudável, de união, amor e sem agressões físicas e psicológicas, refez a sua vida com um companheiro, o qual é militar da GNR no activo.
16ª. Não existe no caso presente, exigências de prevenção geral positiva, isto é, a crença da comunidade na validade da norma violada não é posta em causa, tal como não é posta em causa a confiança nas instituições jurídico penais, se tivesse sido aplicada uma pena de prisão à Arguida perto do seu limite mínimo. De facto, a Arguida C… continua a ser bem vista pela comunidade após os factos ocorridos há mais de cinco anos, sendo exemplo claro disso, as variadíssimas testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento e tantas outras que podiam ter sido inquiridas... Isto é, a Arguida após os factos continua a ser incessantemente apoiada por todas as pessoas, quer no seio da família, quer no seio de amigos, quer no seio laboral, quer no seio social em geral e por todos respeitada.
17.ª Além disto, no presente caso, deveria o Tribunal "a quo" ter atendido aos seguintes factos: ao grau médio da ilicitude dos factos, tendo em conta a forma de actuação da Arguida e o motivo que esteve na base da prática do ilícito, concretamente os maus tratos de que era vítima, durante pelo menos 9 anos levadas a cabo por D…, que conduziram a que a mesma se sentisse desprotegida, vulnerável e sem qualquer tipo de protecção, aliado ao facto da arguida C… saber que o D… tinha armas de fogo o que fazia com que a mesma vivesse diariamente aterrorizada e amedrontada; note-se também que esta vida de maus-tratos não só afectou gravemente a arguida C…, mas acima de tudo as suas filhas F… e E…, as quais tiveram e continuam a ter acompanhamento psicológico; à elevada intensidade do dolo, na modalidade de directo, com que a Arguida actuou, querendo proceder desse modo (atenta a matéria dada como provada que se aguarda a sua modificação), embora determinada por aquele circunstancialismo (vítima de violência doméstica por parte do D…); a pouca gravidade das consequências do crime; a existência de duas condenações criminais muito anteriores aos factos em discussão nos presentes autos e por crime de emissão de cheque sem provisão e de desobediência e inexistência de condenações criminais depois dos factos; a boa integração familiar, social e laboral e o facto de a Arguida ter uma personalidade conforme ao direito e o facto de desde a prática dos factos -Outubro/Novembro de 2009 até à presente data terem decorrido mais de cinco anos.
18ª. Sem prescindir, sempre se dirá que a indemnização fixada ao D… é manifestamente exagerada e desajustada, atendendo unicamente à matéria de facto provada, impondo-se, naturalmente, a sua substancial redução, isto porque o montante da indemnização atribuída ao demandante D… não se mostra proporcional à gravidade do dano; o Tribunal "a quo" não o fixou com base em todas as regras de boa prudência, de bom senso, de justa medida das coisas e numa criteriosa ponderação das realidades da vida.
19ª. Com base nos factos dados como provados - pontos 72° a 80° e alegando socorrer-se de juízos de equidade, o Tribunal “a quo" entendeu fixar o montante de €5.000,00 a título de danos morais, com o qual NÃO se concorda, porque embora a conduta da arguida C… (no caso de não se alterar a matéria dada como provada) seja reprovável e censurável à luz do direito, já que devia ter agido de outro modo, o certo é que o montante da indemnização fixado não o foi de forma equitativa. Em segundo lugar, a matéria dada como provada quanto ao pedido de indemnização civil tem de ser entendida em conformidade com a realidade. Isto é, o Tribunal quanto a tal matéria ouviu o Assistente D…, o qual o próprio Tribunal l " quo" conseguiu alcançar, o mesmo apresenta um depoimento exagerado e pouco credível; a testemunha G1… acaba por confessar no seu depoimento que o D… ficou desolado mas tal deve-se à separação (entenda-se sua com a arguida C…) e que o negócio estagnou porque se não tinha família (mulher e filhas) para quê andar de dia e de noite e a testemunha H… confirma que o D… deixou de ser a pessoa que era porque viu-se sem a família. Ora da prova produzida quanto ao pedido de indemnização civil depreende-se, salvo melhor opinião, que a lesão causada ao D… não se prende propriamente com a lesão do seu direito à vida, mercê da conduta da arguida C…, mas antes a uma lesão provocada pela separação e, consequente divórcio e afastamento das filhas. Em terceiro e último lugar, a arguida C… apresenta uma modesta situação económico-financeira circunstância que não foi, a nosso ver, contemplada aquando da fixação da indemnização.
20ª. Ao decidir nos termos constantes do douto Acórdão em recurso, o Tribunal “a quo" violou o disposto nos art°s. 494°; 496° n", 3; 562°; 564° nos. 1 e 2, 565° e 566º todos do Código Civil.
***
E, também assim, o Ministério Público, no seu recurso, concluiu nos seguintes moldes:
1 - O Ministério Público considera que, face à prova produzida e analisada em audiência de julgamento, bem como à que consta dos autos, deverá alterar-se a matéria de facto constante dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 11.º, 12.º, 29.º, 30.º, 31.º, 37.°, 58.°, 83.° dos factos provados, e das alíneas a), b) e f) dos factos não provados, cumprindo acrescentar um facto à matéria de facto provada. São os seguintes os meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida:
2 - O Coletivo baseou-se, essencialmente, nas declarações das arguidas, que afirmaram que o casamento da arguida C… com o assistente B… foi pautado por maus tratos físicos e psicológicos às filhas do casal e à arguida C…, sua esposa, e que, no dia 1 de Novembro de 2009, terá ocorrido uma suposta violação da arguida C… pelo assistente D…. Porém, as declarações das arguidas padecem de várias contradições, em si mesmas e entre si.
A arguida B… afirmou que nunca foi sua intenção mandar matar o genro, apenas queria que lhe dessem uma "sova", o que foi amplamente desmentido pelo teor das conversações telefónicas constantes dos autos, cujas passagens transcrevemos intra. Afirmou que a coarguida C… não tinha conhecimento do seu plano, o que igualmente foi desmentido, quer pelas transcrições telefónicas intra, quer pelo teor do depoimento das testemunhas I… e J… que afirmaram que arguida C… tinha conhecimento do plano, assistiu a conversas sobre o plano de matar o assistente D… e inclusive efetuou entregas de dinheiro _ depoimento da testemunha I…, no dia 3 de fevereiro de 2015, minutos 00:00 a 40:05 e depoimento da testemunha J…, no dia 3 de fevereiro de 2015, minutos 00:00 a 40:14. Igualmente, o depoimento da testemunha K…, Inspetor da PJ, vai no sentido de que a arguida C… estava inteirada do plano gizado pela mãe, de mandar matar o assistente (conforme aliás consta do acórdão recorrido).
2 - A arguida C… nega ter tido conhecimento de tal plano, o que, como já vimos, e resulta até do acórdão recorrido, se verifica não corresponder à verdade.
3 - Assim, não se compreende por que motivo se confere credibilidade às declarações das arguidas, em determinados aspetos/pontos, designadamente quanto às alegadas agressões perpetradas pelo assistente, quando se verifica que as suas declarações não foram prestadas de forma sincera e coincidente com o que resulta dos restantes meios de prova. Para que se atribua credibilidade às declarações das arguidas, a nosso ver, - e porque as mesmas não se encontram adstritas a qualquer dever de falar com verdade - necessário é que as suas declarações resultem credíveis, verosímeis e consistentes em si mesmas, bem como consentâneas com os restantes meios de prova, o que não sucedeu. As arguidas não falaram com verdade sobre o teor do plano gizado e o conhecimento que a C… tinha do mesmo, logo, resultam desde logo muito fragilizadas as declarações prestadas sobre os supostos maus tratos e agressões alegadamente sofridas, perpetradas pelo assistente D….
4 - Do depoimento das restantes testemunhas também não se pode extrair este clima de "terror" e "desespero" narrado pelas arguidas. Nenhuma das testemunhas - para além da filha da arguida C… e do assistente C… - refere ter assistido a qualquer episódio de violência, pese embora tenham reproduzido a versão das arguidas, pelo que elas lhes contavam - o que configura depoimento indireto. Tais testemunhas revelaram uma postura de grande parcialidade, por serem amigas ou clientes da arguida B… - a qual, conforme resultou também à saciedade da prova produzida, não se dedicava profissionalmente à atividade de massagista ou esteticista, mas sim de "prestadora de serviços espirituais", atividade comummente apelidada, no léxico popular, de "bruxaria".
5 - A testemunha L… (depoimento prestado no dia 05.03.201 5, minutos 01:30 a 01:55) nada referiu a respeito da suposta ocorrência de episódios de agressão ou discussões entre o casal, pese embora fosse frequentadora da casa da arguida B…, nem nada nunca lhe foi contado a esse respeito pelas arguidas, nunca se tendo apercebido de nada de anormal, apelidando a família como uma "família normal". Disse nunca se ter apercebido de problemas conjugais entre a arguida C… e o marido, e as meninas eram normais, simpáticas e bem tratadas (minutos 04:08 a 04:40).
Sobre a atividade profissional da arguida B…, referiu que a mesma realizava trabalhos de cartomancia, que inclusive frequentou a sua casa, no âmbito dessas "consultas", e que por isso a arguida precisava de um segurança para a acompanhar nas suas saídas à noite, nos trabalhos de cartomancia que aquela realizava, razão pela qual lhe indicou o contacto da testemunha J… (sessão de 05.03.2015, 00:30 a 04:55).
6 - A testemunha M… (e não M1…, como certamente por lapso consta do douto acórdão) referiu também, a propósito da atividade profissional da arguida B…, que esta "orava", prestava serviços espirituais, tendo-lhe entregue a quantia de, pelo menos, € 11.000,00 (primeira tranche de dinheiro que lhe entregou), talvez € 30.000,00 no total, e que a consultou a pedir ajuda por causa dos negócios.
Disse que "ouviu dizer" à arguida B… que o marido tratava mal a filha, não tendo conseguido precisar se tratava mal ou batia C'tratava ou batía ou qualquer coisa assim'), nunca tendo assistido a nenhum episódio dessa natureza ("nunca vi nada de mais''), apesar de se ter deslocado à sua residência em várias ocasiões (sessão de 05.03.2015, 00:15 a 05:00), tendo numa delas, inclusive, estado presente o então marido da arguida C… (05:00 a 07:00). Referiu que ouviu tal queixa no ano de 2009, relativamente pouco tempo antes de a arguida B… ser detida. Igualmente, confrontada com o teor da conversão telefónica mantida com a arguida B…, sessão n.º 321 do alvo/código 1Y798M (em 25 de Novembro de 2009), a fls. 1772, em que disse "Estou capaz de matar o meu marido hoje" e a arguida B… lhe respondeu "Há mais pessoas à frente com intenção de matar maridos", confirmou que manteve esta conversão com a arguida B… (08:40 a 10:00).
7 - A testemunha N… (sessão de 05.03.2015, 00:00 a 27:00), iniciou o seu depoimento dizendo que era amiga das arguidas, não querendo reconhecer que recorreu aos serviços espirituais prestados pela arguida B…, dizendo que ela era massagista e que as visitas que realizava à residência daquela ocorriam apenas no âmbito da relação de amizade mantida com a mesma. Disse que apenas viu o assistente duas vezes, uma vez num velório e outra numa festa de aniversário das filhas. Referiu nunca ter assistido a discussões, e disse que assistiu a uma situação "que a incomodou bastante", em que viu a C… "em pânico", nunca viu uma pessoa assim, a tremer, e refugiou-se no fundo da frutaria a chorar. Ouvia a outra pessoa (do "lado de lá" do telefone) aos berros.
Esta testemunha prestou um depoimento parcial, não objetivo, tendo faltado à verdade deliberadamente, quer quanto à atividade profissional da arguida B…, quer quanto à finalidade das suas "visitas" àquela arguida. Tais visitas ocorreram não por amizade, como referiu a testemunha, mas, como resultou à saciedade das interceções telefónicas intra transcritas, porque a arguida B… lhe prestava "serviços espirituais", dirigidos à morte do marido/companheiro da testemunha, que esta pretendia. Negou ter tido tal intenção, quando resulta claro das interceções telefónicas que efetivamente esse foi um assunto corrente com a arguida B…, e que esta realizou efetivamente (ou pelo menos assim lho transmitiu) serviços espirituais dirigidos à morte do seu companheiro.
Tais interceções telefónicas são as seguintes:
- Alvo 1Y798M, sessões n.º 286 (25.11.2009), a fls. 1704, n.º 361 (26.11.2009), a fls. 1704¬1706 e n.º 490 (26.11.2009), a fls. 1706, nas quais se fala da pretendida morte do marido da testemunha N… e dos "serviços espirituais" que foram e estavam a ser encetados pela arguida B… para obter aquela morte.
Nem mesmo depois de confrontada com o teor destas conversações, e com a evidência da existência de uma relação de prestação de "serviços espirituais" esta testemunha assumiu que a arguida B… lhe prestou esses serviços, chegando inclusivamente a negar que tenha tido a intenção de conseguir a morte do seu marido/companheiro, quando tal resulta óbvio das referidas interseções telefónicas.
Disse esta testemunha que chegou a assistir às crianças (filhos do assistente e da arguida C…) não quererem entrar no autocarro, quererem ficar com a mãe, "porque era dia do pai chegar", estavam sempre assustadas nos dias em que o pai chegava. Disse que a mais nova praticamente não dormia nesses dias, mas ambas estavam assustadas. As crianças vomitavam à quinta-feira.
Ora, atendendo às contradições apontadas no depoimento desta testemunha, afigura-se que o seu depoimento deverá ser afastado e descredibilizado, pois a mesma manifestou, com tal depoimento, uma vontade patente e deliberada em atestar a versão apresentada pelas arguidas, de que as filhas do assistente sentiam muito medo deste.
Mas, se esta testemunha presenciava, como afirmava, tal "mal-estar", porque frequentava quase diariamente a fruta ria onde trabalhava a arguida C…, não se compreende que já não frequentasse tal espaço à sexta-feira, dia em que o assistente já estava em casa e na companhia das filhas, e que nunca tenha presenciado a interação dele com as filhas. Não é crível tal versão.
Ora, pelas apontadas contradições, deliberada falta com a verdade e patente parcialidade do depoimento, deverá afastar-se a credibilidade que lhe foi conferida, não se atendendo ao teor do seu depoimento, no que se refere à prova deste facto, sob o ponto 2.0 da matéria de facto dada como provada.
8 - A testemunha O… (depoimento prestado em 10.02.2015, minutos) disse antes de mais que era amiga de ambas as arguidas.
Referiu apenas que "sentiu que não havia harmonia familiar", pese embora nunca tenha assistido a nenhuma discussão, tendo referido discussões entre a mãe e a filha (as arguidas). Nunca assistiu a discussões entre a arguida C… e o assistente D… (pese embora o conhecesse pessoalmente), tendo "ouvido dizer" às arguidas que "a C… tinha maus tratos, que sofria de violência doméstica", concretizando que ele lhe batia e a insultava, apelidando tal situação de "um autêntico tormento" (00:00 a 05:00).
Confrontada com a interceção telefónica (alvo lY798M, sessão n.º 311, de 25.11.2009, fls. 1769), referiu que ouviu desabafos da arguida B…, no sentido de que tinha vontade que o genro morresse, tentando desculpabilizar e relevar tal comportamento, revelando também uma postura defensiva das atitudes da arguida B…, numa atitude de parcialidade e desculpabilização das intenções homicidas da arguida B…, das quais referiu, aliás, não se ter apercebido, pese embora ter sido confrontada com o teor das conversações telefónicas mantidas pela própria testemunha com a arguida B…, em que esta lhe contava os seus planos referentes à morte encomendada do genro, dinheiro que foi entregue, pessoas que contratou, os dia em que o genro ia chegar à fronteira de Portugal, dizendo apenas que não se recordava destas conversas.
Conversa essa (alvo lY798M, sessão n.O 311, de 25.11.2009, f1s. 1769 a 1771), em que a testemunha pergunta se "são pessoas com cadastro" e diz "que fiquem as coisas impecáveis, que não deixe nada por fazer" e que "têm que ir com material próprio" e "era ótimo acabar com esse sufoco"
Negou qualquer situação de maus tratos das crianças (filhas da arguida C… e do assistente), referindo existir um mal-estar das mesmas face à presença do pai, esclarecendo, porém, que esse mal-estar apenas ocorreu após a separacão do casal e não antes, altura em que "era tudo normal".
Assim, verifica-se que esta testemunha, tal como a anteriormente referida, faltou deliberadamente à verdade (ao dizer que não se lembrava das conversas telefónicas que manteve com a arguida B…, em que esta lhe fala sobre o contrato destinado a concretizar a morte do genro), manifestando uma postura de parcialidade e comprometimento com a estratégia de defesa das arguidas.
Na referida conversação telefónica, a arguida B… referiu que, para apagar as coisas que sente (remorso?), "vai buscar" (i.e., lembra-se de) "vê-lo a pôr a mão no pescoço, vê-lo a puxar os cabelos, vê-lo a bater na minha neta". Tal terá ocorrido no dito episódio de discussão/agressão ocorrido no dia 1 de Novembro de 2009, que é coisa diversa de se extrapolar para toda a vivência de 9 anos de casamento, sendo insuficiente a prova produzida para extrair tal conclusão.
9 - Não se compreende como afastou o Tribunal o depoimento da testemunha P…, que era empregada doméstica das arguidas, se encontrava na casa destas praticamente todos os dias, durante todo o dia, desde 2003 até ao dia da detenção da arguida B…, em 2009, e que afirmou perentoriamente que nunca assistiu a agressões perpetradas pelo assistente na pessoa de C…, nem ouviu queixas da arguida C… nesse sentido, mas apenas a discussões entre o casal relacionadas com o dinheiro
Disse inclusivamente que visitou a arguida B… na prisão, donde se extrai que não está incompatibilizada com as arguidas.
Disse que a relação do assistente com as filhas era boa, nunca o viu a bater nas filhas, as quais não manifestavam medo do pai. Andavam sempre na companhia do pai ao fim de semana.
Referiu que houve uma discussão no dia 1 de Novembro de 2009, em que o assistente fez a mala, anunciando que ia sair de casa, o que não chegou a acontecer (sessão de 10.02.2015, 00:00 a 12:00).
Também confirmou que a arguida B… dava "consultas" de aconselhamento espiritual. Negou alguma vez ter ouvido das arguidas queixas de violação ou agressões físicas. caracterizou-os como um casal normal (14:50).
Cumpre atender, no que se refere à credibilidade desta testemunha, que o Tribunal a afastou porquanto "Afirmou que o D… queria sair de casa e dava tudo o que a arguida C… quisesse, então porque queria a arguida B… matar o genro e a arguida C… nada fez para impedir, se deixasse o marido ir embora ficava com os bens materiais, porque não o fez então e queria vê-lo morto?". Ora, estamos em crer que o episódio de 1 de Novembro de 2009, em que terá ocorrido uma discussão com eventuais agressões por parte do assistente à arguida C…, foi determinante na formulação do plano, por parte da arguida B…, em mandar matar o assistente, juntamente com as questões financeiras que introduziam desentendimentos no seio familiar.
Não se olvide que esta testemunha prestou um depoimento longo, tendo sido instada, designadamente por parte do Ilustre Defensor da arguida B…, em alguns momentos, de um modo mais "apaixonado", o que determinou inclusive que o Tribunal tenha intervindo. Tal terá conduzido a que o seu depoimento, a dada altura, tenha também sido prestado de forma mais emocionada/nervosa, ao que não será alheio o temperamento mais impulsivo da testemunha. Ora, a apreciação da prova terá que ter em consideração também todas estas variáveis que na produção da prova testemunhal em julgamento, perante o crivo da imediação, se refletem.
10 - Em suma, perguntamos se é mais "normal" que as amigas/pessoas que se relacionavam com esta família e com as arguidas desculpabilizem o plano homicida daquelas ou, pelo contrário, que revelem alguma solidariedade para com a vítima de tal plano e se indignem para com o comportamento das arguidas?
O Tribunal, ao credibilizar o depoimento das amigas das arguidas em detrimento do depoimento da testemunha P…, considera que é mais consentâneo com a normalidade social a primeira atitude, em detrimento da segunda. Não podemos, pois, concordar nem conceder, quanto a esta opção na valoração da prova.
11 - A filha da arguida C… e do assistente D…, E… (05.03.2015, 00:00 a 40:00) iniciou o seu depoimento a dizer que a relação dos pais "não era de todo saudável", tendo de imediato começado a chorar, o que pode significar muitas coisas, desde logo que se sentiu nervosa. Adotou um léxico manifestamente desajustado face à sua idade, decalcados dos termos usados pelas arguidas nas suas declarações e do teor literal das contestações por aquelas apresentadas. Entre o mais, referiu as expressões "Nós vivíamos num grande terror", "havia sempre discussões, ele tanto estava bem num segundo como depois estava mal", "nós nunca sabíamos bem". Referiu que o pai "tinha alguma doença, bipolaridade, esquizofrenia, não sei", porque "ele não era uma pessoa muito saudável e fazia o ambiente à volta dele também são estar saudável, tendo em conta o comportamento dele", "A minha mãe viu o meu pai dar um estalo à minha irmã, viu a filha em perigo e virou-se a ela", "ele violou a minha mãe, tiveram relações sexuais mas sem o consentimento dela".
O seu discurso foi realizado de uma forma muito apressada, aparentando ser um discurso memorizado, acompanhado de uma tosse nervosa, indiciando, a nosso ver, que faltou à verdade de forma voluntária, ou, pelo menos, que foi "ensaiada".
Narrou uma situação em que o pai supostamente apontou a arma ao pescoço da mãe, também de uma forma muito apressada.
Disse que, numa ocasião, viu a arma debaixo da almofada. Ora, se estava debaixo da almofada, como poderia tê-la visto?
Narrou um rol de situações relacionadas com as armas, de forma atabalhoada, nada credível a nosso ver, porque, como já referimos, revelou ter ensaiado o seu depoimento.
Igualmente, quanto ao episódio da alegada violação da mãe pelo pai, ocorrido no dia 1 de novembro de 2015, não se afigurou que fosse credível a narração, pelos mesmos motivos: teve um discurso atabalhoado, ensaiado, nitidamente memorizado.
12 - Acresce que a Psicóloga que acompanhou E…, Dr.a Q…, após esta data, disse que este episódio nunca lhe foi revelado por aquela. Ora, se a testemunha tivesse efetivamente assistido a uma situação tão traumática, teria com certeza contado à psicóloga, com quem mantinha uma relação de confiança, até porque lhe contou outras situações bem menos traumáticas e relevantes, como sejam a a bofetada que o pai terá desferido à mãe.
13 - A testemunha E… sabia de cor a data precisa da detenção da sua avó, ocorrida em 2009, quando tinha apenas 10 anos de idade, o que, mais uma vez, espelha que prestou um depoimento instruído. Referiu que a mãe lhe mostrava mensagens/SMS enviadas pelo pai, o que ilustra muito bem que estamos perante uma situação de alienação parental, tendo a progenitora da menor, a arguida C…, deliberadamente exibido à filha as alegas SMS remetidas pelo assistente. Disse que não vê o pai há cinco anos, porque não quer, dizendo que tem muito medo do pai. À contra instância, acabou por dizer que não viu o pai a violar a mãe, apenas ouviu, à porta, o que se passou (30:00 a 35:00, mais precisamente 30:35), tendo seguidamente novamente dito que viu.
14 - Todo o depoimento da testemunha E…, que foi bastante extenso, demonstra uma "aversão", "repulsa", situação confirmada pela psicóloga inquirida em sede de audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no artigo 340.º do Código de Processo Penal, a qual, pese embora a sua formação académica, referiu que nunca colocou a possibilidade de verificação de síndrome de alienação parental, embora não tenha apresentado uma justificação plausível para a verificação de tão grande hostilidade da menor E… para com o seu pai.
15 - O sentimento de rejeição que manifesta perante o pai e a deliberada falta com a verdade com que, na nossa plena convicção, prestou o seu depoimento, numa tentativa de proteger a mãe e a avó, apenas poderão ser globalmente compreendidos se fizermos apelo à síndrome de alienação parental, tal como vem de modo muito claro caraterizado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07.09.2014, processo n.º 1020/12.8TBVRL.Pl, disponível no site www.dgsi.pt.afigurando-se estarmos perante um caso paradigmático da sua verificação.
16 - No caso em apreço, não podemos afirmar que o afastamento da menor (e da sua irmã) em relação ao pai radique na alegada situação de violência doméstica, pois, quando os pais viviam juntos, tudo decorria com normalidade, as crianças passeavam com o pai (iam "aos cavalos", tendo a testemunha E… logo sentido a necessidade de justificar, dizendo que "o que queriam (ela e a irmã) era ir para os cavalos, não lhes interessava com quem''), e, nas palavras da testemunha P… e O…, eram uma família normal, a relação das filhas com o pai era normal, o que foi confirmado pelas testemunhas indicadas pelo assistente.
17 - Neste caso, verificam-se todos os oito critérios do Síndrome de Alienação Parental mencionados e analisados no supra citado acórdão (campanha para denegrir o progenitor alienado, racionalizações fracas, absurdas ou frívolas para descrédito do pai alienado, falta de ambivalência, fenómeno do pensador independente, apoio automático ao progenitor alienador, ausência de sentimento de culpa relativamente à crueldade e/ou exploração do progenitor alienado, presença de encenações encomendadas e propagação de animosidade aos amigos e/ou família alargada do progenitor alienado).
18 - Se a menor tivesse efetivamente a maturidade que o Tribunal a quo lhe atribuiu, considerando que o discurso que teve e as expressões utilizadas são compatíveis com a sua idade, não deveria também a menor apresentar adequado espirito crítico relativamente aos atos da mãe e da avó materna (tendo esta encomendado a morte do pai a terceiros e aquela omitido deliberadamente qualquer ato que pusesse termo a tal plano)? Não apresenta. E não apresenta porque tem vindo a ser, desde há cinco anos, vítima de alienação parental, exercida pela sua progenitora. Não visita o pai desde que ocorreu a descoberta do plano homicida julgado nestes autos, a mãe não promove os contactos com o pai, denegrindo deliberadamente a sua imagem perante as filhas, e isto apesar dos factos pelos quais foi acusada, pronunciada e condenada.
19 - Da motivação do acórdão recorrido consta que, do relatório junto a fls. 3267 subscrito pela psicóloga Dr.a Q… e do seu próprio depoimento realizado em audiência de julgamento, consta que a E… iniciou acompanhamento psicológico na clínica em dezembro de 2008, no seguimento de sinalização do psicólogo escolar, ou seja, quase um ano antes do sucedido. Já em 2008 a E… ''revelava índices de ansiedade ligeiramente superiores aos que seria de esperar para a sua idade, associado a um estado de depressão teve: Porém, do relatório resulta que, em outubro de 2010 "quanto explorados os seus medos, verificou-se que estes estavam associados, maioritariamente, ao contexto familiar, sendo que a E… relatava sentir medo do pai (de que este agredisse a mãe, a agredisse a ela ou à irmã, as levasse ou sujeitasse a estar com ele contra a vontade de ambas); afirmava experimentar sentimentos intensos de medo e desconforto, sempre que contactava o pai, ou quando este a contactava (. .. y Ou seja, só existem evidências do medo sentido em relação ao pai após a separação dos progenitores, o que indicia fortemente a verificação de síndrome de alienação parental. Ademais, após a separação já não existiriam motivos para que sentisse tais medos, pois estava há mais de um ano afastada do pai.
20 - Por outro lado, afigura-se não se poder atribuir demasiada credibilidade ao depoimento da Psicóloga da menor, já que, apesar da sua formação superior em Psicologia, afirmou que nunca equacionou a verificação de síndrome de alienação parental. Convém relembrar que a testemunha é remunerada pela arguida C…, portanto não se pode atribuir ao seu relatório pericial nem ao seu depoimento valor de prova pericial. Se o Tribunal quisesse efetivamente escalpelizar e analisar convenientemente o depoimento da testemunha E…. averiguar qual o seu estado psicológico e se os factos e sentimentos verbalizados se enquadram efetivamente na Síndrome de Alienação Parental, poderia e deveria tê-Io feito. através da convocação de perito imparcial, nomeado pelo Tribunal. que pudesse aferir da veracidade do seu relato e das motivações Inerentes ao mesmo _ designadamente. uma acrítica predileção pela figura materna e um sentimento de proteç;ão relativamente à mesma. conjugado com a efabulação do perigo que o pai representava.
uem esteve em eri o de vida em razão da atua NO neste caso inércía do outro foi o progenitor e não a progenitora. e a circunstância da menor não ter ainda interiorizado esta realidade é reveladora do estado de total alheamento da realidade em que se encontra.
21 - Quanto ao depoimento da testemunha Q…, deveria também ter sido levado em consideração que a mesma referiu que a menor E… nunca lhe contou o episódio da alegada violação da mãe pelo pai, mas apenas um episódio em que o pai terá desferido bofetadas na mãe. Não se compreende, à luz da relação de confiança entre a menor E… e a sua psicóloga, que aquela não lhe tenha relatado uma situação tão traumatizante.
A testemunha afirmou que a E… lhe contara (antes da separação) que gostava que o pai fosse mais presente. A razão da intervenção foi o humor depressivo apresentado pela E… e a circunstância de presenciar discussões entre os pais. Disse que a E… lhe contava situações de discussões, tendo-lhe relatado um único episódio de violência - o ter desferido bofetadas na mãe (depoimento prestado no dia 23.04.2015, minutos 03:00 a 06:30). O medo do pai apenas surge no período posterior à separação, e isso mesmo foi dito pela Psicóloga, tendo dito que ela lhe referiu ter medo que o pai a levasse. que contratasse "capangas" para esse efeito (minutos 05:10 a 07:30).
Disse que, mais recentemente, a E… não mostra vontade nenhuma em estar com o pai e não fala do pai (8:00 a 08:20). Não conseguiu responder à questão se o humor depressivo apresentado pela E… estava relacionado com o ambiente familiar ou se era uma caraterística da sua personalidade, tendo inclusivamente referido que só recentemente, por causa da ansiedade apresentada pela E…, na sequência das vindas a Tribunal, é que aconselhou a sua mãe a encaminhá-la para consultas de Psiquiatria (minutos 12:00 a 13:15).
Questionada sobre a eventual verificação da síndrome de alienação parental, a testemunha Q… referiu que, pese embora esteja familiarizada com tal conceito, nunca colocou tal hipótese, pese embora a diferença abrupta de discurso apresentada no pré e no pós separação (minutos 13:10 a 15:00). Instada a responder se poderemos estar perante uma situação de síndrome de alienação parental, ficou em silêncio, apresentou justificações não científicas como "o pai deixou de procurar a E…", considerações claramente parciais, denotando que não prestou depoimento de forma totalmente isenta. Claramente, esquivou-se à resposta. Disse que não ponderou a verificação de tal situação de síndrome de alienação parental e não respondeu, quando questionada se pondera, neste momento, que podemos estar perante uma tal situação (13:10 a 16:30; 19:30 a 25:00)
Questionada sobre se as situações de violência física protagonizadas pelo pai a que assistiu (ter desferido uma bofetada na mãe e ter agarrado a irmã) são suficientes para originar uma tão forte aversão/oposição relativamente ao pai, disse que o que a E… lhe relatava eram as discussões, as ameaças, mais do que situações concretas de violência física. Em 2011 a E… relatou um episódio em que o pai foi ao colégio e quis estar com ela, e ela não quis estar com ele de forma alguma. Ela "imaginou" que o pai a pudesse raptar. Instada sobre o porquê da menor imaginar tais coisas/efabular tais hipóteses, e se a mãe tinha conversas securizantes, no sentido de a informar que o pai não a iria raptar, apenas disse que a informação que tem da parte da D. C… é que se quisessem iam, se não quisessem não iam, no sentido de proteger. Questionada "Proteger de quê?", apenas referiu, "desta angústia", tendo permanecido em silêncio e dito "não ponderei esta situação" (21:00 a 25:00). Mais referiu que a menor apenas começou a falar em "capangas" após a separação dos pais - portanto, apenas poderia ter ouvido esses termos da mãe, e não do pai, com o qual não mais contactou (14:50).
Quando trazida à colação a circunstância de não se encontrar numa situação confortável, porque a mãe é que lhe paga as consultas, riu, não tendo assumido a sua independência e autonomia profissional (19:00 a 19:30).
Disse que a E… nunca lhe relatou ter presenciado o pai a violar a mãe, e que, atenta a relação de confiança, se tal tivesse sucedido, pensa que ela lho teria relatado (21:15 a 22:00). Finalmente, disse que a E… retomou as consultas por ocasião das deslocações a Tribunal para prestar depoimento nos processos pendentes em que são sujeitos processuais os pais (25: 10 a 26:25). Disse desconhecer se a E… tem noção de que veio a Tribunal por ter sido indicada como testemunha pela mãe, pois aquela não lhe referiu isso, pensando que tal informação não lhe foi facultada (26:20 a 26:40).
22 - Quanto à motivação das arguidas para o cometimento do crime, extraímos as seguintes passagens das interceções telefónicas, que ilustram que não foi o ambiente de violência doméstica - e seguramente não o foi durante os nove anos de casamento - que motivou o crime, pelo menos não em exclusivo e com a intensidade traduzida no acórdão recorrido, mas foram também e sobretudo motivações de índole financeira e patrimonial: "enquanto isso acontece e não acontece ele já não dá tempo para ir à internet nem ao banco ver porque ele tem o dinheiro com ele" e "a nossa ideia é que as coisas aconteçam e o carro não seja vendido, certo? (...) primeiro o problema do carro, depois é o problema do dinheiro (...) não vai acontecer como a semana passada, senhor S…, ele não vai mesmo entrar, pois não?"; "isto fica mesmo feito?(...) cada vez estou mais pobre"; "assim como o carro da minha filha para mim é uma coisa muito sentimental", "É uma coisa que me sacrifiquei muito para pagar, trabalhei muito, sabe Deus, o que eu passei para pagar e isto está-me a doer a alma e então a ela está-lhe a doer a alma, e diz ela, é mãe, eu nem quero pensar que ele quinta-feira, antes de vir ou qualquer coisa, vá à internet ou vá ao banco e veja que não está lá o dinheiro, ele mata-me, mãe, ó mãe, ele mata-me. Eu disse-lhe, ó C1…, isto não vai acontecer ..." (alvo lY798M, sessão n.º 28, fls. 1753-1757).
23 - No que concerne à motivação da matéria de facto constante do douto acórdão recorrido, justifica-se deste modo a circunstância de se ter dado como provada a verificação de agressões físicas e maus tratos psicológicos, regulares e constantes, durante nove anos de casamento:
''E não se diga, como foi dito em sede de alegações que o facto da arguida C… nunca ter apresentado queixa de violência doméstica, nem nunca ter pedido apoio, é porque não era vítima de maus tratos. Bem melhor seria, e provavelmente poucas ou nenhuma vítima de violência doméstica existiriam e a cifra negra não constaria dos nossos barómetros de mortes por violência doméstica, se todas as mulheres/homens apresentassem queixa quando são vítimas de violência doméstica. A verdade é que ''o coração tem razões que a própria razão desconhece" (Blaise Pascal). Por medo, por compaixão, por amor, sabe lá por que razões, muitas. Muitas das vítimas são agredidas e não o denunciam e quantas vezes se culpabilizam e aceitam ser agredidas vitimizando o agressor, vamos lá saber o porquê, mas o certo é que estas pensam, ou sabem, que é extremamente perigoso deixar um agressor, temem que a fase final na espiral da violência doméstica seja a sua própria morte. "
Enfim, se as arguidas tiveram ousadia, coragem, para encetarem este plano de contratação de terceiros para conseguirem a morte do marido/genro, então, pergunta-se: Onde estava o medo? Onde estava a compaixão? Onde estava o amor? Seguramente que a arguida C… não vitimizava o seu marido, não sentiu qualquer compaixão por ele e seguramente não o amava - pois, caso contrário, não teria compactuado com o plano para o assassinar.
24 - Por fim, quanto à atividade profissional da arguida B…, resultou que, pelo menos desde o ano de 2003 e até à data da sua detenção, em novembro de 2009, não era a de massagista nem de esteticista, como foi dado como provado, mas sim de prestadora de serviços de cartomancia/conselheira espiritual, o que resultou não só do depoimento das testemunhas P…, L… e M…, mas também das declarações do assistente e do teor das interceções telefónicas, designadamente as mantidas com a testemunha N….
25 - Por todo o exposto, considera-se verificar-se erro notório na apreciação da prova, a qual não foi devidamente analisada e ponderada com recurso às regras da experiência, conforme dispõe o artigo 127.º do Código de Processo Penal, bem como contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão da matéria de facto.
26 - Assim, afigura-se que deverá ser alterada a matéria de facto, nos pontos acima enunciados, considerados incorretamente julgados, nos seguintes termos:
2.° O B… durante esses 9 anos, no período de quinta-feira a domingo, data em que se encontrava em casa e não na sua atividade profissional de motorista, agredia fisicamente a arguida C…, insultava-a e ameaçava-a de morte com arma de fogo de que era titular. - Este facto deverá ser levado à matéria de facto não provada.
3.° Esses factos eram presenciados pela arguida B…, ou deles tomava conhecimento posteriormente, bem como pelas duas filhas da arguida C… e pelo pai desta. Este facto deverá ser levado à matéria de facto não provada.
4.° Tendo a arguida B… e a menor E… presenciado, em 1 de novembro de 2009, o C… a agredir fisicamente a C… e a obrigá-la a manter relações sexuais consigo.
Deverá este ponto da matéria de facto ser alterado, com a seguinte redação:
No dia 1 de novembro de 2009, ocorreu uma discussão entre D… e C…, de contornos não concretamente apurados, sendo que aquele terá apertado o pescoço desta e puxado os seus cabelos e desferido uma bofetada na filha mais nova, o que foi presenciado pela arguida B… e pela menor E….
5.° O pai da C…, então marido da arguida B…, nada fazia em relação ao comportamento do genro. Este facto deverá ser levado à matéria de facto não provada.
6.º As arguidas C… e B…, em face do comportamento do D…, sentiam-se desprotegidas, vulneráveis e sem qualquer tipo de proteção. Este facto deverá ser levado à matéria de facto não provada.
7.º A arguida B… sentia-se completamente impotente para fazer cessar esses comportamentos do D…. Este facto deverá ser levado à matéria de facto não provada.
8.º Em face do comportamento do D… perante a arguida C…, a arguida B… decidiu em data não concretamente apurada de Outubro de 2009, contratar pessoas para o ameaçarem e agredirem, com o objetivo de o fazer parar com essas agressões.
Deverá este ponto da matéria de facto ser alterado, com a seguinte redação:
Em face do comportamento do D… perante a arguida C…, bem como das discussões entre esta e o marido, motivadas por questões financeiras, designadamente a venda do veículo automóvel utilizado por aquela, pretendida pelo assistente, a arguida B… decidiu em data não concretamente apurada, posterior a 1 de novembro de 2009 ou coincidente com esse dia, contratar pessoas para o matarem.
11.º Posteriormente, em data não concretamente apurada de finais do mês de outubro, princípios de novembro, e com a repetição das agressões perpetradas pelo D… na pessoa da arguida C…, a arguida B… formulou o plano de matá-lo, a fim de acabar com as agressões à filha. Este facto deverá ser levado à matéria de facto não provada.
12.º Nessa sequência confidenciou a J… que queria pôr termo à vida do D…, alegando que o mesmo maltratava a sua filha e prontificando-se a pagar-lhe dinheiro para executar tal tarefa, ou arranjar alguém para levar a cabo os seus intentos, mediante o pagamento de um montante a combinar (concatenado com a redação ora proposta do artigo 8.°).
29.º Em data e por forma não apurada, mas situada entre os primeiros contactos que a arguida B… efetuou com o J… e a sua detenção, a arguida C… tomou conhecimento que a sua mãe havia contratado dois indivíduos para dar uma sova/surra ao D…, numa tentativa de este não lhe infligir maus tratos e o assustar.
Deverá este ponto da matéria de facto ser alterado, com a seguinte redação:
Em data e por forma não apurada, mas situada entre os primeiros contactos que a arguida B… efetuou com o J… e a sua detenção, a arguida C… tomou conhecimento que a sua mãe havia contratado dois indivíduos para matar D…, tendo-se conformado com tal decisão, com vista a pôr termo as discussões que frequentemente tinha com o seu então marido, sobre questões financeiras, e, designadamente, sobre a venda do veículo automóvel por si utilizado e que aquele pretendia vender.
30.º E sabia a arguida C… que essa sova ou surra teria de ser paga a tais indivíduos, embora desconhecesse os montantes pelos mesmos pretendidos, dado que foi sempre a sua mãe que com eles contratou.
Deverá este ponto da matéria de facto ser alterado, com a seguinte redação:
E sabia a arguida C… que a contratação da morte teria de ser paga a tais indivíduos, embora desconhecesse em concreto os montantes pelos mesmos pretendidos, dado que era quase sempre a sua mãe que com eles contactava.
31.º Posteriormente, e em data não apurada, mas antes da detenção da arguida B…, a arguida C… tomou conhecimento dos propósitos da mãe de pôr termo à vida do D…, bem como dos contactos que efetuara com o J… nesse sentido.
Deverá este ponto da matéria de facto ser alterado, com a seguinte redação:
Em data não apurada, mas dias antes da detenção da arguida B…, a arguida C… tomou conhecimento da identidade dos indivíduos que a mãe contratara tendo em vista pôr termo à vida do D…, bem como dos contactos que efetuara com o J… nesse sentido.
37.º Atento o quadro de agressões perpetradas pelo D… na pessoa da arguida C… a arguida B… encontrava-se perturbada emocionalmente e com alteração do estado de consciência, mas que não a impediam de ter consciência da ilicitude dos seus atos e de se determinar de acordo com essa avaliação. Este facto deverá ser levado à matéria de facto não provada.
58.º (A arguida B…) Concluiu o 4° ano de escolaridade, tendo integrado o mercado de trabalho muito jovem, vindo a realizar formação em estética e massagem e a trabalhar em ambas as área durante vários anos, nomeadamente até à sua detenção, no dia 27/11/2009.
Deverá este ponto da matéria de facto ser alterado, com a seguinte redação:
(A arguida B…) Concluiu o 4° ano de escolaridade, tendo integrado o mercado de trabalho muito jovem, vindo a realizar formação em estética e massagem e a trabalhar em ambas as área durante vários anos, sendo que, pelo menos desde o ano de 2003 e até à data da sua detenção, em novembro de 2009, desempenhava a atividade profissional remunerada de conselheira espiritual/prestadora de serviços relacionados com o oculto.
83.º Em consequência das agressões perpetrada pelo D… na pessoa de C… terem sido presenciadas pela menor E… esta ficou em estado de ansiedade, levemente depressiva, com medos, inclusive do próprio pai.
Deverá este ponto da matéria de facto ser alterado, com a seguinte redação:
A menor E… sofria de estado de ansiedade e leve depressão em data anterior à da separação do casal e detenção da sua avó, a arguida B…, tendo, após esse momento, e em consequência do convívio, do discurso e da postura da sua progenitora, que incentivou e alcançou a rutura do convívio entre as suas filhas e o pai, aqui, manifestado sentir medo do mesmo.
No que se refere aos factos não provados, afigura-se dever operar-se as seguintes alterações:
Foi para matar o D… que a arguida B… resolveu inicialmente contratar uma ou duas pessoas que fossem capazes de levar por diante os seus intentos. Este facto deverá ser julgado provado.
Foi na execução de tal plano, que a arguida B… confidenciou a L… que precisava dos serviços de um "vigilante/cobrador". Este facto deverá ser julgado provado.
Foi a arguida B… que informou a arguida C… dos seus propósitos de pôr termo à vida do seu genro, bem como dos contactos que efetuara com o J… nesse sentido. Este facto deverá ser julgado provado.
Deverá igualmente julgar-se provado o seguinte facto, acrescentando-o à matéria de facto provada, porquanto releva para a determinação da medida da pena:
As filhas do assistente e da arguida C… não contactam com aquele por qualquer meio há mais de cinco anos.
27 - No que respeita à matéria de Direito, mais concretamente à integração dos factos julgados provados no tipo legal de crime, consideramos estar perante o crime de homicídio qualificado na forma tentada, relativamente a ambas as arguidas (ainda que o Venerando Tribunal da Relação decida manter-se a decisão da primeira instância relativa à matéria de facto, tais factos sempre integrariam, a nosso ver, a prática do crime de homicídio, na sua forma qualificada)
28 - O legislador português de 1982 seguiu, em matéria de qualificação do homicídio, um método muito particular e até certo ponto original: a combinação de um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica chamada dos exemplos-padrão.
A qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados: a "especial censurabilidade ou perversidade" do agente referida no n.º 1; verificação indiciada por circunstâncias ou elementos, uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente elencados no n.o 2. A verificação de tais elementos não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; por outro lado, a sua não verificação não impede que se verifiquem outros elementos substancialmente análogos aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador (vide Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 25-26).
29 - Ora, considerando as correções que, a nosso ver, cumpre realizar no que tange à matéria de facto, considerando ainda que à data da prática dos factos a arguida C… era casada com a vítima/assistente, que residiam juntos, na mesma casa, e que tinham duas filhas em comum, afigura-se não restarem dúvidas de que deverá operar a qualificação, por estarmos perante uma situação vivencial de estreita ligação por via dos laços do casamento, da comunhão de vida e da coparentalidade. O casamento consubstancia, nas sociedades hodiernas, a matriz da família, que, por seu turno, é a célula base da organização social; é em torno da família que se organiza a vida humana.
Considerando a imagem global do facto, dúvidas não restam que o mesmo revestiu especial censurabilidade, porquanto a arguida tomou conhecimento, vários dias antes da detenção da sua mãe, a coarguida, de que esta planeava a morte do seu marido, tendo inclusive participado na execução daquele plano, ao proceder à entrega de valores monetários aos contratados para levarem a cabo a morte do assistente, seu marido, e ao ter disponibilizado aos mesmos contratados, ainda que por intermédio da mãe, informações referentes ao percurso e locais em que o mesmo se encontrava, em trânsito no exercício da sua profissão de motorista de longo curso, durante vários dias. Ou seja, durante vários dias [período em muito superior a 24 horas - cfr. artigo 132.º, n.º 2 alínea j), do Código Penal], manteve a intenção de não avisar o marido ou as autoridades das intenções da coarguida B…, no sentido de pôr termo à vida daquele. Verifica-se, igualmente, a circunstância do exemplo-padrão da premeditação, consubstanciada na persistência na intenção de matar por período superior a 24 horas, e que infra melhor se analisará.
30 - Acresce que a arguida agiu com total desrespeito pelos sentimentos das filhas, manifestando uma vontade inequívoca de as votar a uma situação de orfandade, desrespeito esse, aliás, que se refletiu no seu comportamento posterior aos factos, instrumentalizando as crianças através de medos infundados nelas incutidos de forma sibilina, e logrando assim impedir qualquer contacto das mesmas com o seu pai, colocando-as, assim, numa situação de "orfandade de pai vivo", já que a relação entre pai e filhas é atualmente inexistente, por total falta de promoção da mãe na manutenção ou no restabelecimento do contacto.
31 - Os factos objetivamente considerados, e o contexto em que os mesmos ocorreram, revelam uma especial censurabilidade, verificando-se que o especial juízo de culpa se fundamenta na refração, ao nível da atitude do agente, de uma forma de realização do facto especialmente desvaliosa, considerando a relação familiar, de comunhão de vida e do coparentalidade, entre a arguida C… e a vítima.
32 - Portanto, a conduta da arguida C… não poderá, a nosso ver, deixar de integrar o tipo de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 132.0, n.os 1 e 2, alíneas b) e j) (na forma tentada).
33 - No que diz respeito à arguida B…, temos que considerar que a mesma persistiu na intenção de matar o genro durante vários dias, pelo menos cerca de dezassete dias, o que revela especial perversidade atento o elevado grau de premeditação do crime. Persistiu no seu intento homicida, por várias vezes interpelou os contratados para que executassem de uma vez por todas a morte do genro, disponibilizando-se, inclusivamente, para os acompanhar e premir o gatilho. A sua vontade era inabalável, irredutível.
“A premeditação revela a atitude de elaboração mental e reflexão no propósito criminoso do agente, que merece uma censurabilidade acrescida da conduta. São indícios dessa atitude a frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregados e a persistência na intenção de matar por mais de 24 horas" (vide Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.a edição atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, pág. 405).
Nesse sentido, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.11.2007, in O, Acs. Do ST J, XV, 3, 244, referenciado por Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.a edição atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, pág. 405, o qual, numa situação análoga à dos presentes autos, considerou estarmos em face de um homicídio qualificado.
34 - Além do mais, a circunstância de a vítima ser marido da filha e pai das netas, e de residir em habitação contígua, com grande grau de proximidade existencial, contribui para que se possa afirmar o juízo de especial censurabilidade e perversidade e, consequentemente, integrar a conduta da arguida B... no tipo de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 132.°, n.os 1 e 2, alínea j) (na forma tentada).
35 - A relação conturbada do casal foi considerada pelo Tribunal a quo como uma circunstância que afastou a especial censurabilidade da conduta das arguidas.
Porém, as arguidas tinham à sua disposição outros meios, conformes ao ordenamento jurídico, para cessar a coabitação e a convivência com o assistente (veja-se que a testemunha T… referiu que se ofereceu para acolher na sua residência as arguidas, perspetivando a possibilidade de uma separação do casal), designadamente a apresentação de uma denúncia/queixa criminal ou a instauração de uma ação de divórcio, inexistindo, a nosso ver, qualquer diminuição da culpa ou de censurabilidade, considerando as alternativas de que dispunham (diferentemente seria se o ordenamento jurídico não lhes conferisse tais direitos e faculdades).
36 - Por tais fundamentos, não poderá a conduta de ambas as arguidas deixar de integrar o crime de homicídio qualificado, na forma tentada.
37 - O Tribunal a quo, ao decidir de modo diferente, incorreu em erro na determinação da norma aplicável, violando o disposto nos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas b) e j), do Código Penal.
38 - Vejamos a operação de determinação da medida da pena.
Nos termos do disposto no artigo 40.° do Código Penal, reconhece-se a dignidade da culpa enquanto pressuposto irrenunciável da punição, fixando o limite máximo e inultrapassável da medida da pena.
A "proteção de bens jurídicos" refere-se às necessidades de prevenção geral, ou seja, à reintegração das expectativas da comunidade na validade da norma jurídica violada.
Por outro lado, as necessidades de prevenção especial são referidas pelo legislador como "a reintegração do agente na sociedade", referindo-se à reinserção social, tendo em conta o concreto agente do crime.
A determinação da medida da pena é, nos termos do artigo 71.° do C. Penal, feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção do crime, mas considerando também nomeadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os fins e motivos que o determinaram e as condições pessoais e económicas do agente.
39 - No caso em apreço, o Ministério Público pugna pela aplicação de uma pena de seis anos de prisão para cada uma das arguidas, considerando que a moldura penal do crime de homicídio qualificado na forma tentada é, nos termos do disposto nos artigos 132.º, n.º 1, 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, e 73.°, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal, de dois anos, quatro meses e vinte e quatro dias a dezasseis anos e oito meses.
40 - Afigura-se que não foi feita uma ponderação adequada das circunstâncias que relevam para a determinação da medida das penas, elencadas nos artigos 71.º e 77.° do Código Penal.
41 - Contra a arguida C…, depõem as circunstâncias de ser intenso o dolo, considerando o período temporal durante o qual manteve a sua decisão de não avisar as autoridades e o marido de que a sua mãe planeava e encomendara a morte daquele, tendo inclusivamente fornecido elementos de identificação e localização da vítima que contribuiriam para a concretização do crime, e apesar da coabitação e da comunhão de vida que com aquele mantinha e manteve até à detenção da sua progenitora.
Igualmente, contra si depõe a circunstância de, à data dos factos, apresentar já antecedentes criminais, pela prática dos crimes de emissão de cheque sem provisão, p. e p, pelo artigo 11.º, n.o 1, alínea a), do Decreto-Lei n.o 454/91, de 28 de dezembro, e de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.° do Código Penal, os quais, pese embora tutelem bens jurídicos diversos, sempre denotam um alheamento do dever-ser jurídico-penal, desrespeito generalizado pelos bens jurídicos criminalmente tutelados e um maior risco de reincidência e de escalada da carreira criminógena (que acabou por se concretizar).
Os fins do crime - pretender "livrar-se" das discussões que tinha frequentemente com a vítima sobre questões financeiras, e evitar que o marido vendesse o veículo automóvel que habitualmente a própria utilizava são, a nosso ver, fúteis.
Por outro lado, a conduta posterior ao facto, tendo logrado evitar quaisquer contactos entre as suas filhas e o assistente, inviabilizando a manutenção da relação entre as filhas e o pai destas, e destruindo todos os vínculos afetivos inerentes ao vínculo da paternidade, não promovendo os contactos entre as suas filhas e o assistente e logrando incutir-lhes receios e ódios injustificados, deverá ser valorada contra si.
Igualmente, será de valorar a circunstância de não ter revelado qualquer arrependimento, até porque não assumiu a sua responsabilidade, tendo, ao invés, adotado uma postura de auto-desculpabilização.
42 - No que diz respeito à arguida B…, contra a mesma deverá ser considerado o intenso dolo manifestado - persistiu na sua intenção homicida durante cerca de dezassete dias, tendo inclusive se predisposto a acompanhar os contratados e a premir, ela própria, o gatilho, tal era a irredutibilidade em lograr a morte do seu genro.
Igualmente, os motivos e fins, fúteis, que a determinaram deverão depor contra si - pretendia pôr termo às discussões entre a filha e o marido, discussões essas por questões financeiras, bem como evitar que o genro vendesse o veículo automóvel da filha.
A sua idade - 63 anos, à data da prática dos factos - deverá também ser valorada contra si, pois deveria ter revelado uma atitude mais prudente e uma adesão aos valores jurídicos penalmente tutelados, até porque está em causa o bem jurídico da vida humana, bem supremo do nosso ordenamento jurídico.
Igualmente, será de valorar a circunstância de não ter revelado qualquer arrependimento, até porque não assumiu a sua responsabilidade, tendo, ao invés, adotado uma postura de auto-desculpabilização.
43 - É, pois, patente, que as arguidas não interiorizaram a anti-socialidade nem a censurabilidade das suas condutas. Revelam, pois, baixa autocrítica em relação aos seus comportamentos e às consequências, gravosas, que poderiam ter advindo dos seus atos e omissões, o que apenas não sucedeu por fatores alheios à sua vontade.
44 - As necessidades de prevenção geral, entendidas como a reafirmação contrafáctica da norma e a restauração da comunidade na vigência dos bens jurídicos violados, são muitíssimo elevadas, cumprindo aplicar uma pena que não se traduza numa mera condenação formal, sem quaisquer consequências efetivas, o que se traduziria na impunidade revestida de aparência de condenação, como sucedeu com as penas aplicadas às arguidas.
45 - Assim, tendo em mente o tipo legal e crime e a respetiva moldura penal, considerando que são muito elevadas as exigências de prevenção geral, bem como as exigências de prevenção especial, reputa-se adequada a pena de seis anos de prisão para cada uma das arguidas.
46 - A mesma não é passível de substituição ou suspensão da sua execução.
47 - Tal pena não ultrapassa a medida da culpa do agente, limite inultrapassável da medida da pena.
48 - O Tribunal a quo violou os artigos 71.º e 77.º do Código Penal. 49 - Ainda que se entenda fixar-se as penas em medida inferior ao ora sustentado, não deverá suspender-se a respetiva execução, por motivos de prevenção geral e especial, sob pena de se esvaziar de conteúdo a condenação e a norma jurídica violada, transformando a pena num andrajoso simulacro da punição.
Pelo exposto, entendemos que deve ser revogado parcialmente o douto acórdão recorrido, condenando-se:
A arguida C…, pela prática do crime de homicídio qualificado na forma tentada, p, e p. pelos artigos 10.º, n.os 1 e 2, 22.º, 23.º, n.os 1 e 2, 131.°, e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas b) e j), do Código Penal, na pena de seis anos de prisão;
A arguida B…, pela prática do crime de homicídio qualificado na forma tentada, p, e p. pelos artigos 22.°,23.°, n.ºs 1 e 2, 131.°, e 132.°, n.ºs 1 e 2, alínea j), do Código Penal, na pena de seis anos de prisão, como é de toda a JUSTIÇA.
***
Depois, o assistente/demandante, D…, na sua motivação de recurso, concluiu nos seguintes moldes:
1a - O Assistente não se conforma com o douto Acórdão recorrido, razão pela qual interpôs o presente Recurso com as razões que infra explanará.
2a - Salvo o devido respeito, a prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, conjugada com toda a prova documental e pericial constante dos autos, de acordo com as regras da experiência comum, leva à categoria de não provados.
3a - Deve relevar-se o facto das únicas testemunhas a relatar os maus tratos e violência doméstica, são as arguidas, com interesse direto no desfecho destes autos e a filha do casal E…, que desde 2009, está de relações cortadas com o Assistente, escusa-se a falar com o mesmo e tomou claramente o "partido" da mãe e avó (arguidas nos autos), as quais detêm ascendência psicológica sobre a mesma.
4a - De salientar que inexistem quaisquer episódios de assistência médica, referentes às ofensas corporais alegadas.
5a - Inexistem quaisquer testemunhas com conhecimento direto, presencial, que confirmem essa violência e maus tratos, à exceção das três supra-referidas.
6a - Não existe qualquer queixa aos Órgãos Policiais.
7a - A tese da violência doméstica, apareceu em público, após a detenção no âmbito destes autos das arguidas.
8a - Mais, não se encontram documentadas pericialmente nos autos quaisquer perturbações psíquicas do Assistente ou deformação da personalidade.
9a - Assim, devem os factos provados nºs 2; 3; 4; 5; 6; 7, ser elevados à categoria de não provados, o que se requer, impõem essa alteração todos os depoimentos das testemunhas, inclusive as Professoras da E…, que relataram que anteriormente à data dos factos, a E… não tinha contado qualquer episódio de maus tratos ou violência sobre si ou sobre a sua mãe (arguida C…).
10a - Assim, como o Relatório da Psicóloga da E…, junto aos autos, onde se pode ver, que apenas foi realizada uma consulta ou duas antes da prática dos factos (ano de 200S).
11 a - Quanto ao crime de homicídio, na nossa modesta opinião e salvo o devido respeito, está preenchida a cláusula geral de especial perversidade e/ou censurabilidade.
12a - Porquanto, desde logo, o Assistente à data dos factos, era casado com a arguida C… e pai das suas filhas menores, sendo também genro da arguida B…. E esse vínculo da conjugabilidade não a inibiu de praticar os factos.
13a - Está, ainda, presente, quanto às duas arguidas, a cláusula da especial censurabilidade ou perversidade, por terem agido com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados (terem contratado terceiros para a execução do facto) e terem persistido na intenção de matar por mais de 24 horas (veja-se a título de exemplo, as interceções telefónicas algumas muito elucidativas e transcritas no Acórdão recorrido).
14a - Pois, da factualidade, resulta uma censurabilidade acrescida, pois que formularam com muita antecedência o propósito de matar e persistiram nele por muito tempo, sem que do mesmo tivessem desistido, estando assim preenchidas as alíneas b) e j), do art° 132, do C.P.
15a - Devendo as arguidas ser condenadas em penas nunca inferiores a 6 anos e 6 meses de prisão, quanto à arguida B… e 5 anos e 3 meses de prisão, quanto à arguida C…, estas são, salvo o devido respeito, mais adequadas e proporcionais à culpa evidenciada na prática dos factos e às necessidades de prevenção.
16a - Sem prescindir, discorda-se vivamente da medida da pena aplicada e, consequentemente, da suspensão da sua execução.
17a - Salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo", não relevou, como deveria, o comportamento muito grave (com dolo direto) das arguidas, o qual não pode ser tolerado em sociedade.
18a - Quanto à falta de registo de antecedentes criminais, no caso da arguida B…, mais não é do que o dever de qualquer cidadão.
19a - Sem conceder, ainda que se aceite, que à data a relação conjugal era disfuncional, e que a arguida C… foi vítima de maus tratos, a mesma tinha ao seu alcance formas de pôr cobro à violência, sendo totalmente desproporcional o seu comportamento, saber que a sua própria mãe estava a planear a morte do marido e pai das suas filhas menores e nada fazer para o avisar dessas intenções.
20a - As arguidas tinham plena intenção de causar a morte ao Recorrente, bem sabendo que a sua conduta era adequada a conseguir tal desígnio criminoso.
21a - E, sendo o crime de homicídio, atento o bem protegido, o mais grave do nosso Ordenamento Jurídico, também não se deu toda a relevância às exigências de prevenção.
22a - Assim, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que, só a aplicação de uma pena mínima de 6 anos de prisão, quanto à arguida B…, e 5 anos de prisão, quanto à arguida C…, seria justa, adequada e proporcional à culpa das arguidas, evidenciada na prática dos factos e satisfazia as necessidades de prevenção (especiais e gerais).
23a - Assim, a decisão recorrida, violou o disposto no art° 71, n.º 1 e n.º 2, do C.P.
24a - Sem prescindir, em caso de improcedência dos argumentos supra-referidos, então impõe-se que as penas aplicadas na Sentença recorrida, sejam efetivamente executadas, a fim de garantir as exigências de prevenção geral.
25a - Entende-se que não pode aplicar-se o Instituto da Suspensão da Execução da Pena, pois não estão presentes todos os seus pressupostos.
26a - Atendendo à gravidade do crime praticado, e suas consequências, ao bem jurídico atingido (vida humana), à grande necessidade de prevenção neste tipo de crime, ao dolo direto presente no caso, excluída está a possibilidade de censura mediante suspensão da pena, bastar como medida de prevenção de futuros crimes (vide Ac. do S.T.J., de 17/10/1990, in www.dgsi.pt).
27a - E, como superiormente tem sido entendido, mesmo que o juízo de prognose se mostre favorável ao arguido, importa ter na devida conta que a suspensão da execução da pena de prisão não deveria ser decretada por a ela se oporem no caso concreto, as necessidades de reprovação e prevenção do crime como exigência mínima e irrenunciável do Ordenamento Jurídico.
28a - Salvo o devido respeito, por melhor opinião, foi assim ilegal a aplicação no caso "sub judice" do disposto no arte 50, do C.P., tendo-se verificado a sua violação.
29a - Acresce que, também não justifica o douto Acórdão recorrido, tal decisão (da suspensão da execução); depois de enumerar os factos provados, a motivação subjacente, a aplicação dos factos às normas legais e à escolha e medida da pena, pelo que, nesta parte, enferma a Decisão recorrida do vício da nulidade previsto no art. 379, nº 1, aI. a), com referência ao art. 374, ambos do C.P.P.
30a - Acresce que, o Recorrente não se conforma com os valores atribuídos a título de Indemnização Civil, por entender que os mesmos não compensam minimamente os danos sofridos.
31a - "No caso dos autos resultou que, em consequência da atuação das demandadas/arguidas, o demandante/assistente sentiu-se menosprezado, enxovalhado, inquietou-se, receou que aquelas pudessem atentar contra a sua integridade física e temendo pela sua vida. Após ter tido conhecimento dos factos praticados pelas demandadas/arguidas ficou muito perturbado, sentindo um enorme desgosto, angústia, ansiedade e tristeza. Provado também que ficou chocado e viu o seu nome ser transmitido nos meios de comunicação social, que noticiaram os factos. Resultou ainda provado que no dia da detenção da B… a arguida C… saiu de casa e levou consigo as filhas menores do casal, desconhecendo, inicialmente, para onde se tinham deslocado. Por fim, resultou apurado que era alegre e bem-disposto e após saber do sucedido tentou suicidar-se, isolou-se, esteve sem trabalhar cerca de um mês, alterando os seus hábitos diários, deixando de frequentar os cafés habituais, evitando andar sozinho e frequentar qualquer local onde pudesse encontrar-se com as arguidas/demandadas."
32a - Assim, socorrendo-se de juízos de equidade e tendo presente a factualidade provada, inclusive o facto do Assistente ter tentado o suicídio, que indicia o sofrimento moral do mesmo, será mais adequada a fixação de uma compensação solidária de montante não inferior a 10.000,00 €, ficando a arguida B… obrigada a pagar a quantia de 7.000,00 e a arguida C… obrigada a pagar a quantia de 3.000,00 €.
33a - Esta quantia compensatória no valor global de 10.000,00 €, solidária, às duas arguidas, será mais adequada e proporcional aos danos sofridos, e ainda compatível com a condição socioeconómica das arguidas (que pagaram 15 mil euros aos contratados, facto n.º 20 e n.º 26) - Cfr. artºs 494 e 496, n.º 3, ambos do C.Civil.
***
As arguidas, nas suas alegações de respostas aos recursos do Ministério Público e do assistente, pronunciaram-se pela improcedência dos recursos daqueles.
No seu parecer o Exmo. Procurador-geral adjunto pugna pela procedência do recurso interposto pelo Ministério Público, pela procedência parcial do recurso do assistente e pela improcedência dos recursos apresentados pelas arguidas.
A esse parecer responderam as arguidas, defendendo a posição que assumiram nos seus recursos e nas respostas aos recursos apresentados pelos demais.
***
II. QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. Art.º 119.º, n.º 1; 123.º, n.º 2; 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPPenal, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/6/1998, in BMJ 478, pp. 242, e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões efectuadas pelo recorrente, as questões que importa decidir sustentam-se: (i) na aventada falta de fundamentação do acórdão condenatório no que respeita à suspensão da execução das penas de prisão; (ii) na impugnação estrita da matéria provada, na qual se invoca erro notório na apreciação da prova e contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão da matéria de facto (factos incorrectamente julgados como provados ou não provados); (iii) na impugnação alargada da matéria de facto com reapreciação da prova produzida e alusão da diversos meios de prova produzidos; (iv) na violação do princípio do in dubio pro reo; (v) na impugnação de direito no que respeita às figuras da instigação, da autoria mediata e da tentativa não punível, no que concerne à qualificação da tentativa de homicídio ou à existência de uma tentativa de homicídio privilegiado; (vi) na escolha e determinação das medidas das penas de prisão (suas medidas) e da susceptibilidade da sua suspensão (bem como das condições a que ficou sujeita essa suspensão); e (vii) na impugnação dos valores dos montantes indemnizatórios atribuídos ao assistente/demandante.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
Tendo em conta as questões objecto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação da matéria de facto e de direito, incluindo a determinação e a medida da pena, desse acórdão que é a seguinte:
“II. Fundamentação
2.1. Os factos provados
2.1.1. Da pronúncia e das contestações das arguidas B… e C…
1.º No período de pelo menos 9 anos anteriores a novembro de 2009, a arguida B… viveu numa casa contígua à da sua única filha, a arguida C…, onde esta vivia com o marido D… e as filhas menores E… e F….
2.° O D… durante esses 9 anos, no período e de quinta-feira a domingo, data em que se encontrava em casa e não na sua atividade profissional de motorista, agredia fisicamente a arguida C…, insultava-a e ameaçava-a de morte com arma de fogo de que era titular.
3.º Esses factos eram presenciados pela arguida B…, ou deles tomava conhecimento posteriormente, bem como pelas duas filhas da arguida C… e pelo pai desta.
4.° Tendo a arguida B… e a menor E… presenciado, em 1 de novembro de 2009, o D… a agredir fisicamente a C… e a obrigá-la a manter relações sexuais consigo.
5. ° O pai da C…, então marido da arguida B…, nada fazia em relação ao comportamento do genro.
6.° As arguidas C… e B…, em face do comportamento do D…, sentiam-se desprotegidas, vulneráveis e sem qualquer tipo de proteção.
7.° A arguida B… sentia-se completamente impotente para fazer cessar esses comportamentos do D….
8.° Em face do comportamento do D… perante a arguida C…, a arguida B… decidiu em data não concretamente apurada de outubro de 2009, contratar pessoas para o ameaçarem e agredirem, com o objetivo de o fazer parar com essas agressões.
9.º Para concretização desse plano, no mês de outubro de 2009, a arguida B… confidenciou a L… que precisava dos serviços de um "vigilante/cobrador", tendo-lhe esta referenciado J…, seu vizinho, como pessoa que poderia desempenhar tais funções, pois sabia que o mesmo era porteiro numa discoteca no Porto.
10.º Nesse mesmo mês de outubro, a arguida B… recebeu em sua casa J….
11.º Posteriormente, em data não concretamente apurada de finais do mês de outubro, princípios de novembro, e com a repetição das agressões perpetradas pelo D… na pessoa da arguida C…, a arguida B… formulou o plano de matá-lo, a fim de acabar com as agressões à filha.
12.º Nessa sequência confidenciou a J… que queria pôr termo à vida do D…, alegando que o mesmo maltratava a sua filha e prontificando-se a pagar-lhe dinheiro para executar tal tarefa, ou arranjar alguém para levar a cabo os seus intentos, mediante o pagamento de um montante a combinar.
13.º O J… manifestou à arguida B… o propósito de ponderar aceitar tal proposta.
14.º No dia 9.11.2009, o J… contactou telefonicamente com I…, dando-lhe conta que a arguida B… lhe pedira para arranjar alguém que lhe matasse o genro, estando disposta a pagar por isso.
15.º Na noite desse mesmo dia, J… e E… dirigiram-se a casa da arguida B…, manifestando-lhe ambos o propósito de levar a cabo a morte do D….
16.º Para tal, nessa data, a arguida acordou com o I… e o J… que estes matariam o D….
17.º Nos dias seguintes, a arguida B… e o J… estabeleceram contactos telefónicos entre si, tendo-lhe este dito que teria 3 ou 4 pessoas que poderiam matar o D… e aquela aceitou pagar por isso.
18.º Apesar da arguida B… ter decidido e acordado com o J… e I… em matar o genro, existiam dias que persistia na sua decisão e outros dias transmitia-lhes que não queria que o matassem, acabando, no entanto, antes da sua detenção, por manter a decisão da morte do genro, o que aconteceu pelo menos desde 19 de novembro.
19.º O I… e J… sempre foram dizendo à arguida B… que matariam o genro com o intuito desta lhes dar mais dinheiro.
20.º Num dos dias seguintes a tal conversa, a arguida B… entregou aos referidos J… e I… a importância de € 2.000,00.
21.º Do mesmo modo, informou-os do número de telefone do D…, dos seu hábitos, nomeadamente, os percursos que fazia aquando das suas viagens como condutor de longo curso da Firma "U…, Lda.", bem como as caraterísticas do camião que conduzia, tendo-lhes ainda entregue uma fotografia do mesmo, para que o pudessem identificar.
22.º A partir desse contacto, a arguida B… convenceu-se que o J… e o I…, quando assim o decidissem, levariam a cabo, por si próprios, ou por pessoas a seu mando, a tarefa de pôr termo à vida do D… que lhes encomendara.
23.º Todavia, os mesmos não tinham qualquer intenção de executar tal tarefa, tendo vislumbrado, na proposta da arguida B…, a oportunidade de se apropriarem de outras quantias monetárias ou de valores pertencentes àquela.
24.º Nos dias seguintes, a arguida B… passou a ter com os referidos J… e I… vários contactos telefónicos e pessoais, tendo estes ocorrido, entre outros locais, em sua casa, na rotunda … e numa confeitaria em ….
25.º Em tais contactos, a arguida B… manifestou ao J… e ao I… a vontade que executassem a tarefa o mais rápido possível, ao passo que aqueles a convenceram da necessidade de lhes entregar mais dinheiro.
26.º Acedendo a tais pedidos, a arguida B… entregou àqueles, J… e I…, várias quantias monetárias, num total de cerca de €13.000,00, bem como algumas peças de ourivesaria, cujo valor não foi possível de apurar.
27.º No dia 20.11.2009, a arguida B…, impacientada por estar a pagar àqueles um serviço que os mesmos iam sempre adiando, propôs-se, nessa noite, acompanhar o I…, para levar a cabo a morte do D…, manifestando até disposição para ser ela a disparar a pistola.
28.º Em virtude das interceções telefónicas que efetuava ao J… e ao I…, no âmbito do processo 86/08.0GBÜVR, da P Secção do DIAP de Aveiro, em que aqueles eram suspeitos, a Polícia Judiciária procedeu, em 26.11.2009, à detenção da arguida B…, pondo, desse modo, termo às suas intenções de causar a morte a D…, seu genro.
29.º Em data e por forma não apurada, mas situada entre os primeiros contactos que a arguida B… efetuou com o J… e a sua detenção, a arguida C… tomou conhecimento que a sua mãe havia contratado dois indivíduos para dar uma sova/surra ao D…, numa tentativa de este não lhe infligir maus tratos e o assustar.
30.º E sabia a arguida C… que essa sova ou surra teria de ser paga a tais indivíduos, embora desconhecesse os montantes pelos mesmos pretendidos, dado que foi sempre a sua mãe que com eles contratou.
31.º Posteriormente, e em data não apurada, mas antes da detenção da arguida B…, a arguida C… tomou conhecimento dos propósitos da mãe de pôr termo à vida do D…, bem como dos contactos que efetuara com o J… nesse sentido.
32.º Apesar da arguida C… ser casada com o D… absteve-se de o avisar, ou às autoridades policiais, do propósito da arguida B… pôr termo à vida dele, bem como das diligências pela mesma efetuadas para levar a cabo tal plano criminoso.
33.º A arguida B…, ao delinear o plano criminoso acima descrito, contratando os referidos J… e I… para o realizar, ao entregar aos mesmos quantias em dinheiro e outros valores e ao fornecer-lhes os pormenores identificativos da pessoa a quem teriam de eliminar, tinha plena intenção de causar a morte ao D…, bem sabendo que a sua conduta era adequada a conseguir tal desígnio criminoso.
34.º Só não o tendo conseguido por circunstâncias completamente alheias à sua própria vontade, nomeadamente pelo facto dos contratados terem decidido não executar tal tarefa, abortando, desta forma, o plano criminoso da arguida.
35.º Por sua vez, a arguida C… bem sabia que os factos, praticados pela sua mãe, eram adequados a que os referidos J… e I…, ou outros a seu mando, concretizassem a morte do D… que aquela lhes encomendara.
36.º Mais sabia a arguida C… que, enquanto cônjuge do D…, tinha o dever de impedir que a arguida B… levasse a cabo a morte daquele e que, nada fazendo, contribuía para que tal morte se concretizasse.
37.º Atento o quadro de agressões perpetradas pelo D… na pessoa da arguida C… a arguida B… encontrava-se perturbada emocionalmente e com alteração do estado de consciência, mas que não a impediam de ter consciência da ilicitude dos seus atos e de se determinar de acordo com essa avaliação.
38.º Ambas as arguidas agiram de forma voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
2.1.2. Do percurso de vida das arguidas, suas condições socioeconómicas e antecedentes criminais
Da arguida C…:
39.º C… descende de núcleo familiar de condição sócio económica modesta. Vivenciou um processo de desenvolvimento inserido em contexto familiar de afetividade e proteção, onde lhe incutiram valores de trabalho. Filha de pai distribuidor de jornais e revistas e a mãe esteticista/massagista, sendo a única filha do casal, a qual foi criada mediante a transmissão de valorização pelo trabalho.
40.º Integrou o sistema de ensino o qual decorreu com sucesso até à frequência do 12.º ano, altura em que abandonou os estudos, sem concluir este grau de ensino. Aos 20 anos de idade teve o seu primeiro emprego como Gestora de Serviços de Posto de Abastecimento de Combustível (V…), onde trabalhou durante 6 anos até o Posto fechar. Passou então a Auxiliar de Ação Educativa em estabelecimento de ensino público, durante 5 anos. Em 2007 estabeleceu-se por conta própria em negócio de frutaria, localizado na área de residência, …. Em 2009, na sequência de separação conjugal, o negócio ficou com o ex-marido.
41.º Contraiu matrimónio em 1996 e tem duas filhas desse casamento. No relacionamento conjugal existiram separações pontuais que despoletaram intervenção policial e judicial, e que se alastraram à família de origem da arguida, com necessárias intervenções dos progenitores desta no sentido de apoiarem a descendente. Após 14 anos de matrimónio, em junho de 2011, o casal divorciou-se.
42.º A seguir ao divórcio deslocou-se com as filhas para …, onde vivem seus familiares, sendo apoiada por estes durante cerca de 3 ou 4 meses. Aqui trabalhou como empregada doméstica, e posteriormente como empregada de escritório, passando, entretanto, a viver em …, juntamente com as filhas, em casa arrendada. Passados cerca de 2 anos, regressou a …, para a sua residência, aproveitando todas as oportunidades de emprego, tendo trabalhado em vários serviços. Entretanto, tirou o curso de "Técnica de Unhas de Gel", findo o qual passou a trabalhar nesta área em Salão de Cabeleireira, atividade que mantém até à atualidade.
43.º No seu percurso de vida evidencia hábitos de trabalho e responsabilidades parentais cabais.
44.º Há sensivelmente 1 ano vive com o seu atual companheiro, W…, de 36 anos, militar da GNR no ativo, bem como, com o filho de ambos, de 2 anos de idade e com as duas filhas, fruto do seu casamento, agora com 16 e 12 anos, estudantes, na morada dos autos. Trata-se de parte de casa contígua à residência da progenitora, de tipologia 3, e com condições adequadas de habitabilidade. A habitação foi recentemente adquirida pelo companheiro da arguida, incluindo também a casa anexa (onde reside a mãe da arguida, tendo ambas as casas uma entrada exterior/pátio comum). O imóvel localiza-se em área semirrural, não conotada com problemáticas desviantes.
45.º Em termos profissionais e económicos o agregado vive do salário de C…, enquanto técnica de unhas de gel/auxiliar de cabeleireira, em Salão de cabeleireira, localizado …, Vila Nova de Gaia, auferindo uma média de €500,00 e do vencimento do companheiro, numa média €1.100,00 mensais.
46.º A arguida aparenta possuir uma gestão responsável e criteriosa dos recursos financeiros que apresenta, sendo a mesma referenciada como a gestora da economia doméstica. Paralelamente, a arguida encontra-se a frequentar uma formação para auxiliar de cabeleireiro.
47.º Em contexto familiar, a arguida é apresentada como pessoa dedicada à família, com quem valoriza o convívio e procura manter o equilíbrio, nomeadamente, parental, prelecionando-se como o alicerce de uma família solidária.
48.º A rotina diária da arguida é balizada entre a casa, trabalho e responsabilidades parentais, sendo que no intermédio dedica-se a prestar cuidados de saúde à progenitora, a qual se encontra em estado depressivo, encontrando-se a ser devidamente medicada e acompanhada na especialidade. A condição de saúde da mãe da arguida, implicando assistência de terceira pessoa, embora recentemente, mais controlada, tem condicionada a vivência de C…, a qual tem investido na recuperação da mãe de forma preocupada e empenhada.
49.º No meio social de residência a arguida é considerada cordial e elemento idóneo, beneficiando da imagem favorável conotada com valores de trabalho e sem sinais de ostentação, atribuindo-lhe modo de vida discreto.
50.º O presente processo é vivenciado pela própria com ansiedade e constrangimento perante a natureza dos factos em apreço, implicando gastos psico-emocionais e económicos para si e família em geral, a qual se tem mostrado solidária com a arguida, beneficiando de suporte e solidariedade dos familiares mais próximos relativamente a este processo.
51.º Presentemente a arguida desenvolve uma vivência aparentemente enquadrada nas normas sociais vigentes e numa adequada interação social, estruturada numa rotina diária que procura conjugar nas tarefas enquanto mãe, companheira e filha dedicada, não descurando o papel de trabalhadora.
52.º A arguida vivencia o presente processo com constrangimento por se colocar em situação de confronto com a justiça, mas revela-se otimista, verbalizando consciência crítica face a atitudes de atuação fora do juridicamente instituído, assumindo consciência crítica face à ilicitude de factos semelhantes.
53.º Em consequência do comportamento do D… a arguida C… não nutre por aquele qualquer afetividade.
54.º A arguida é pessoa cordata e pacífica, trabalhadora, respeitadora, respeitada, bem aceite e integrada no meio social em que vive e trabalha.
55.° É uma mãe dedicada aos seus três filhos, atuando de forma a que os mesmos vivam num clima saudável, de união, amor e sem agressões físicas e psicológicas, sentindo-se feliz.
56.° A arguida C… foi condenada:
- pelo 4.° Juízo do Tribunal Judicial de Matosinhos, por sentença transitada em julgado em 25.09.2000, no processo n.º 148/97, pela prática, em 19.03.1996, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. art.º 11.°, n.º 1, al. a) do DL n.º 454/91 de 28.12, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 600$00, o qual foi declarado extinto por amnistia;
- pelo 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de St.ª Maria da Feira, no processo n.º 543/02.1 TAVFR, transitado em julgado em 28.09.2004, pela prática, em 18.11.2000, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €4,50.
Da arguida B…
57.° A arguida B… cresceu em …, sendo a mais nova de uma fratria de 4 elementos, originários de uma família de humilde condição socioeconómica e cultural, tendo ficado órfã de pai com cerca de meio ano de idade, o que trouxe à progenitora maiores dificuldade para prover aos cuidados de assistência e sustento dos filhos, vindo estes a iniciar a vida ativa muito jovens com o objetivo de apoiar financeiramente a família.
58.° Concluiu o 4° ano de escolaridade, tendo integrado o mercado de trabalho muito jovem, vindo a realizar formação em estética e massagem e a trabalhar em ambas as áreas durante vários anos, nomeadamente até à sua detenção, no dia 27/11/2009.
59.° Contraiu matrimónio com X… quando tinha 18 anos de idade, tendo mantido a residência em …, localidade onde consolidou a vivência marital e criou a única filha, a aqui arguida C…, com uma trajetória de vida regular.
60.° Por altura dos factos em causa, B… vivia em … com o cônjuge e após a alteração da medida de coação inicialmente aplicada nos presentes autos, que viveu em situação de prisão preventiva, a arguida fixou residência em …, localidade de origem do cônjuge, procurando reorganizar a sua vida pessoal e familiar nessa localidade. Todavia, não conseguiu alcançar esse objetivo, fruto da instabilidade psicológica e emocional que sentiu desde então e que terá motivado a separação conjugal, regressando, nessa sequência, em maio de 2013, à sua localidade de origem, onde se encontra desde então.
61.º Embora vivendo em espaço contíguo à habitação da filha e respetivo agregado familiar, dispõe de autonomia ao nível habitacional, estando a ocupar uma moradia cedida por aqueles familiares, com boas condições de habitabilidade e conforto.
62.º Viveu até muito recentemente sozinha, contando com o apoio e a colaboração da filha nas suas rotinas e prestação de cuidados de assistência nos momentos em que se encontra doente, tendo na sua companhia desde dezembro último uma pessoa amiga, de 78 anos de idade, reformada, com a qual partilha a habitação e apoio mútuo, designadamente ao nível financeiro.
63.º A arguida tem consciência dos prejuízos e constrangimentos advindos do seu envolvimento nos factos aqui denunciados, com dificuldades em reorganizar a sua vida e criar condições de vida autónomas ao nível financeiro.
64.º A sua imagem social e familiar não foi afetada negativamente, beneficiando de sentimentos de compaixão e simpatia em ambos os contextos, designadamente, junto da filha e seu agregado familiar e também do ex-cônjuge, com quem continua a manter um relacionamento próximo de amizade, sendo pessoa bem aceite e integrada no meio social em que vive.
65.º Tem uma vivência recatada, não sendo a sua presença percecionada frequentemente em contexto de convívio social ou espaços exteriores à sua residência, desconhecendo-se, em concreto, qual a sua situação de saúde e condições de vida atuais. A sua imagem não está associada a uma personalidade hostil ou agressiva, não sendo alvo de sentimentos de rejeição ou antipatia pelos factos aqui denunciados.
66.º Expõe preocupação e inquietação face ao presente processo, reconhecendo, em abstrato, a ilicitude dos factos denunciados, a existência de vítimas e danos a eles associados, reprovando o comportamento aqui descrito, numa adequada atitude crítica e expressa sentido de responsabilidade relativamente à decisão que vier a ser proferida.
67.º Apresenta problemas de saúde (Perturbação Depressiva Persistente) que permanecem na atualidade, facto que, aparentemente, vem condicionando a sua capacidade de organização pessoal e reestruturação da sua vida, nomeadamente, no sentido de uma maior autonomia pessoal e competências de auto gestão, mas denota capacidade de autocrítica e consciencialização das suas fragilidades pessoais.
68.º Tem acompanhamento médico regular - neurologista, psiquiatra e médico de família - e está medicada e razoavelmente compensada por quadro depressivo.
69.º Não apresenta atualmente psicopatologia aguda ou doença psiquiátrica de relevo.
70.º É uma pessoa cordata e pacífica.
71.º Não são conhecidos antecedentes criminais à arguida B….
2.1.3. Do pedido de indemnização cível formulado pelo assistente D… contra B… e C…
72.º Em consequência do comportamento das demandadas/arguidas o demandante/assistente sentiu-se menosprezado, enxovalhado, inquietado e receoso que aquelas pudessem atentar contra a sua integridade física e temendo pela sua vida.
73.º Após ter tido conhecimento dos factos praticados pelas demandadas/arguidas ficou muito perturbado, sentindo desgosto, angústia, ansiedade e tristeza.
74.º Ficou chocado e viu o seu nome ser transmitido nos meios de comunicação social, que noticiaram os factos, aquando da busca domiciliária, que culminou com a detenção da demandada/arguida B….
75.º Viu a sua vida privada exposta publicamente e devassada a sua privacidade.
76.º No dia da detenção da B… a arguida C… saiu de casa e levou consigo as filhas menores do casal, desconhecendo, inicialmente, para onde se tinham deslocado.
77.º O demandante era alegre, bem-disposto e estimado pelos amigos, vizinhos e conhecidos.
78.º Após esses factos o demandante isolou-se e esteve sem trabalhar cerca de um mês e tentou suicidar-se.
79.º Inicialmente teve medo, o que o obrigou a alterar os seus hábitos diários, deixando de frequentar os cafés habituais, evitando andar sozinho e frequentar qualquer local onde pudesse encontrar-se com as arguidas/demandadas.
80.º Na data que tornou conhecimento do sucedido terminou o seu casamento e a sua família.
*
2.1.4. Mais se provou com relevo
81.º Por sentença datada de 17.03.2011 do 2.º juízo Cível do Tribunal Judicial de St.ª Maria da Feira as menores E… e F… ficaram confiadas à guarda da mãe a quem competirá o exercício das responsabilidades parentais e o pai com direito a visitas.
82.º O D… no processo supra intentou ação de incumprimento das responsabilidade parentais relativa às menores e por decisão de 08.02.2013 foi o mesmo julgado improcedente.
83.º Em consequência das agressões perpetrada pelo D… na pessoa de C… terem sido presenciadas pela menor E… esta ficou em estado de ansiedade, levemente depressiva, com medos, inclusive do próprio pai.
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2.2. Factos não provados:
2.2.1. Da pronúncia não se provou que:
a) Foi para matar o D… que a arguida B… resolveu inicialmente contratar uma ou duas pessoas que fossem capazes de levar por diante os seus intentos.
b) Foi na execução de tal plano, que a arguida B… confidenciou a L… que precisava dos serviços de um "vigilante/ cobrador".
c) Foi logo que a arguida B… recebeu em sua casa J… que lhe confidenciou que queria por termo à vida do seu genro.
d) O J… disse à arguida B… que as pessoas que poderiam matar o D… queriam receber €500,00.
e) No dia 9.11.2009, o J… quando contactou telefonicamente com I…, disse-lhe que a arguida B… estava disposta a pagar pelo menos €2.500,00, tendo-lhe este dito que deveria pedir mais, na ordem dos €4.000,00 ou €5.000,00.
f) Foi a arguida B… que informou a arguida C… dos seus propósitos de pôr termo à vida do seu genro, bem como dos contactos que efetuara com o J… nesse sentido.
g) A arguida B… informou a arguida C… de todas as diligências que efetuou para que o J… e I…, ou outros a mando destes, levassem a cabo a morte que lhes encomendara.
2.2.2. Da Contestação da arguida B… não se provou que:
h) Foi durante 13 anos que a arguida B… presenciou o D… a maltratar a sua filha C….
i) A arguida B… durante 13 anos presenciou o D… a agredir as suas netas, E… e F….
j) O D… no último trimestre de 2009 tornou-se cada vez mais violento para com a mulher, com as filhas e com a própria arguida B…, sendo por esta razão que esta o mandou matar.
l) O comportamento de violência física, verbal e psicológica que D… assumia era para com toda a família.
m) Foi o crescente desespero e debilidade física e intelectual da arguida B… que foram habilmente aproveitados por I… e J… para a induzirem e incentivarem à tomada de decisões de matar o genro.
n) A arguida B… encontra-se acamada devido a agravamento de sintomas depressivos, vivendo da ajuda de familiares e pessoas amigas.
o) Foi o comportamento do D… que levou a que a arguida B… ficasse física e psicologicamente muito debilitada, sem forças para se levantar da própria cama quase anosognósica.
p) A arguida D… não reconhece como sendo seus os atos de mandar matar o D… e pelas quais se arrepende e se sente extremamente envergonhada.
r) As filhas da arguida C… e de D…, em face do comportamento deste, ocorrido durante cerca de 9 anos, sentiam-se desprotegidas, vulneráveis e sem qualquer tipo de proteção.
2.2.3. Da contestação da arguida C… não se provou que:
s) Nunca passou pela cabeça e era impensável para a arguida C… a "encomenda" da morte do seu ex-marido por parte dos indivíduos contratados pela sua mãe.
t) Nunca a mesma participou em qualquer plano para matar o D….
u) Era o facto do D… sempre ter sido um homem com grandes desequilíbrios mentais que o levava a agredir a arguida C….
v) A arguida C… evidenciava um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da sua dignidade pessoal, principalmente no último ano de convivência com D….
x) Apenas, por se sentir desprotegida e vulnerável é que aceitou que a sua mãe contratasse alguém para dar urna sova ao D….
z) A arguida C… vivia uma vida de medo, tensão, pânico e de subjugação face a D… e, por isso, considerou que se o mesmo levasse urna sova tal como ele lhe dava, podia mudar a sua maneira de estar e de atuar em relação a si.
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2.2.4. Do pedido cível não se provou que:
aa) Em consequência do comportamento das demandadas/arguidas o demandante/assistente ainda se sente menosprezado, enxovalhado e vive em permanente inquietação, assustado, e receando, constantemente, que aquelas possam atentar contra a sua integridade física e vida.
bb) O demandante amava muito as suas filhas, mulher, sogra e restante família.
cc) Ainda hoje não se recompôs e após esses factos entrou em depressão.
dd) E desde essa data a arguida/demandada C… nunca mais deixou o demandante/assistente aproximar-se ou conviver com as filhas menores.
ee) Nunca mais foi a pessoa que era antes, continuando a isolar-se.
fi) As arguidas/demandadas agiram sem qualquer motivo aparente, determinadas apenas pela sua intenção de causar sofrimento.
gg) O demandante respeitava muito a sua sogra e por quem nutria um carinho especial e respeitava muito a mulher e amava-a, por isso os factos ocorridos alteraram o seu estado natural de ser humano.
hh) Os factos ocorridos produziram-lhe uma forte perturbação do equilíbrio psíquico­emocional.
ii) Quando o demandante se tentou suicidar só não o conseguiu devido à prontidão de terceiros e a ajuda médica.
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(Consigna-se que da restante matéria da pronúncia, contestações e pedido cível não se valorou por se tratar de factos conclusivos ou de direito).
2.3. Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente aos factos considerados provados e não provados fundou-se na apreciação crítica da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente nas declarações das arguidas e do assistente D…, bem como nos depoimentos das testemunhas e na prova documental constante dos autos, de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.° do Código de Processo Penal, o qual impõe uma valoração de acordo com critérios lógicos e objetivos que determinem uma convicção racional, objetivável e motivável. Foi de igual forma valorada a prova documental.
Cumpre agora fazer um exame crítico das provas constantes da pronúncia, nos termos do art.º 374.°, nº 2, do Código de Processo Penal.
Tal exame reconduz-se, num primeiro momento, ao compulsar das provas produzidas, o seu acervo global, e, num segundo momento, numa tomada de consciência sobre o seu valor, equacionando-o como thema decidendum, finalizando com a emissão de um juízo de valor conducente à opção.
Analisemos, agora, criticamente a prova produzida sobre cada uma das situações fácticas em apreço, considerando os seus aspetos essenciais, realçando-se sempre que o julgamento de facto se fundou na consideração da totalidade da prova validamente produzida.
Vejamos, então, em que se baseou o tribunal para dar como provados os factos essenciais constantes da pronúncia da forma como foi feito, ou seja, no que concerne à contratação de uns homens pela arguida B… para matar o seu genro D…, bem como o facto da filha daquela arguida, C…, mulher de D…, saber da intenção da mãe e nada ter feito para avisar o seu marido.
Primeiramente, diga-se que o tribunal se baseou nas declarações das próprias arguidas, que advertidas do seu direito ao silêncio, optaram por prestar declarações.
As arguidas prestaram declarações em julgamento e no essencial, sem prejuízo de se detalhar este meio de prova nos casos em que tal se justificar, negaram, a primeira arguida B… - que tenha mandado matar o seu genro e a segunda – C… - que tivesse conhecimento do "contrato" feito pela sua mãe para matar o seu marido.
Diga-se que estes depoimentos e no que concerne especificamente ao "contrato" da arguida B… e do conhecimento, a dada altura, da arguida C… do mesmo não colheram e vejamos porquê.
Sobre estes factos foram ouvidas as testemunhas J… e I… e o Sr. Inspetor da PJ. Os factos relatados por estas testemunhas foram acolhidos como verídicos pelo tribunal, os quais resultam da idoneidade da respetiva razão de ciência expressa e isenção de depoimento e, em várias situações, ainda em virtude da corroboração por outros meios de prova como infra mais detalhadamente serão analisados.
Vejamos, então, de forma mais pormenorizada cada uma das provas.
A arguida B… começou por afirmar que nunca teve intenção de matar ou mandar matar o seu genro, porquanto, segundo esta, este é um ser humano e é o pai das suas netas, admitindo, no entanto, que falou com o J…, mas apenas para que lhe dessem uma surra, com a finalidade de ser hospitalizado e tratado da sua doença de bipolaridade. Todavia, no desenrolar do seu depoimento o seu discurso foi-se alterando, até chegar mesmo a admitir que poderia tê-lo feito (mandar matar o genro), mas justificando que se o fez foi em estado de doença psíquica.
Afirmou que viveu em total desespero, durante cerca de 9 anos, porque vivia junto da sua única filha, a aqui arguida C…, e presenciou maus tratos físicos e psicológicos perpetrados pelo genro, principalmente à sua filha, mas também às suas netas. Adiantou que este dava "pancada sem dó nem piedade e violava a filha quase à sua frente" (sic). Avançou que o genro era esquizofrénico e bipolar, tanto estava a sorrir como de seguida sovava a filha, exemplificando que amiudadas vezes convidava amigos para jantar e enquanto estes estavam presentes mostrava-se um exemplo de marido, mas quando se iam embora abria gavetas, armários e apontava a arma à cabeça da filha e lhe dizia que ela era "uma puta" porque no jantar ela "estava a olhar para este e para aquele" (sic).
Prosseguiu a arguida com outros exemplos de várias situações vivenciadas pela filha e pelas netas de agressões. Nesse seguimento relatou que um determinado dia a filha, depois de ter regressado a casa vinda do hospital, foi agredida pelo genro só porque não lhe agradou que a mulher tivesse cortado o cabelo e então desferiu-lhe várias chapadas que a fizeram cair da sanita.
Prosseguiu narrando que o D… tinha em casa várias armas, inclusive uma faca de ponta e mola, com a qual dormia debaixo da almofada e a neta mais velha sabedora disso pedia para dormir aos pés da cama para proteger a mãe. Afiançou que muitas vezes o genro teve a arma apontada à cabeça da filha e dizia-lhe "eu mato-te sua puta, andas com outros homens".
Garantiu que as netas presenciavam as agressões de que a filha era alvo, tendo mesmo a mais nova sido vítima de agressões por parte do pai.
Elucidou que o culminar destas agressões se verificaram no dia 1 de novembro de 2009, quando o genro apelidou a filha de "puta e vaca", afirmando que mantinha relações sexuais com outros homens e, de seguida, puxou-lhe pelos cabelos, pôs as mãos ao pescoço e levou-a para o quarto onde lhe tirou as calças de pijama e a violou, tendo, seguidamente, como se nada se passasse, se lhe dirigido dizendo-lhe "à minha puta era isto que estava a precisar", o que fez na presença da filha E…, tendo saído de casa de seguida como se nada se tivesse passado, deixando a filha no chão despida e a chorar.
Foi, segundo a arguida, neste contexto de terror e atento o seu estado depressivo, que admitiu ter questionado a vizinha L… para arranjar alguém capaz de sovar o gemo, já que era impossível viver o tormento que viviam de quinta a domingo, altura em que o gemo estava em casa regressado do trabalho.
E é aqui chegada que a arguida admite que na sequência da conversa com a L…, depois desta a ter informado que conhecia uma pessoa que fazia cobranças difíceis, entrou em contacto com um senhor para que este fizesse serviço de segurança e este de imediato, porque presenciou o genro a gritar com a filha, disponibilizou-se a sová-lo.
De igual modo, a arguida admitiu que em novembro falou ao telefone e pessoalmente com o referido indivíduo e um outro e que lhes identificou o trabalho e o local onde o genro costumava parar. De igual modo, admitiu que lhes entregou dinheiro, por diversas vezes, desde 500 a 1500 euros, e mesmo peças de ouro. Mas ainda aqui reiterou que nunca se ponderou a hipótese da morte do D….
Continuou o seu depoimento afirmando que durante algum tempo, cerca de um mês, foi conversando com os indivíduos e foi alimentando a ideia da sova, mas a dada altura chegou à conclusão que estes apenas lhe queriam extorquir dinheiro, tendo mesmo pedido emprestado para lhes entregar, razão pela qual, após ter sido sujeita a 6 meses de tratamento à sua doença depressiva, decidiu e comunicou que não pretendia que matassem o genro, isto porque tomou consciência de que nem a sova iria resultar porque se o genro não ficasse em condições de ir para o hospital era capaz de as matar.
Reafirmou que nunca pôs a hipótese da morte do genro, mas confrontada com o teor das interceções telefónicas referiu que se disse o que disse era porque "estava tola" e doente, teria que estar desesperada e fora de si, já que nunca foi sua intenção matar o genro e nunca se apercebeu que o fosse por parte dos indivíduos, os quais a dominavam facilmente.
Ouvida esta arguida, certo é que admitiu, como possível, que em momento de desespero que até ela própria lhe apetecia matar o genro.
No que concerne à participação da sua filha, a arguida C…, afiançou que esta nunca soube de nada, apenas lhe disse que tinha vontade de fazer ao genro o que ele lhe fazia, mas a filha sempre lhe disse "mãe pensa bem porque é o pai das minhas filhas e eu nunca te perdoaria", por isso um dia pediu à filha para entregar dinheiro aos indivíduos, mas sem que a informasse para que era esse pagamento.
Afiançou que o seu marido tinha medo do genro e não tinha capacidade para o enfrentar.
Disse que a neta anda a ser tratada num psicólogo, mas o genro não contribui com qualquer quantia monetária.
Referiu também que atualmente vive perto do D… sem qualquer conflito.
Por fim, afirmou que a filha quando era casada cuidava dos animais e de um estabelecimento comercial.
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Vejamos quanto à arguida C….
Esta arguida iniciou as suas declarações referindo que se julga inocente porque não foi conivente com nenhuma situação.
Admitiu que se apercebeu de uns indivíduos em casa da mãe e que esta amiudadas vezes lhe transmitia o desejo de ver o D… a ser agredido, como vingança pelos maus tratos que lhe infligia e, nessa sequência, reconheceu que a sua mãe lhe contou que havia de arranjar alguém que lhe desse uma surra, mas disse à mãe para não o fazer, porque era o seu marido e que o amava, por isso é que o suportava.
Relatou que no dia 1 de novembro apanhou uma sova do marido e a mãe disse-lhe para telefonar para uns indivíduos que as poderiam ajudar já que se haviam prontificado a dar-lhe uma tareia; então entrou em contacto com eles e, porque estava desesperada, pediu-lhes que lhe dessem uma lição, mas matar não. De igual modo, admitiu que entregou a estes um envelope com dinheiro, mas nessa altura apercebeu-se que eles estavam apenas a extorquir dinheiro à mãe.
Narrou que a mãe lhe dizia, desesperada, que qualquer dia acabava com a sua vida e a vida dele, mas pensou ser desabafos e pediu-lhe que a ajudasse a sair de casa.
Asseverou que foi vítima de maus tratos do marido, resultantes da não assunção por parte deste em não assumir que era bipolar. Adiantou que o marido quando estava em casa quase sempre a agredia, apenas pelo facto de não gostar da roupa que usava ou simplesmente porque tinha cortado o cabelo. Asseverou que este dizia às filhas que eram iguais à mãe, que não valiam nada, sendo que as agressões eram quase sempre presenciadas por estas.
Explicou que o marido na presença de outras pessoas, que não da família, aparentava ser um bom marido e um bom pai, mas em casa as agressões eram mais que muitas. As mensagens carinhosas que ele lhe mandava tinham que ser, obrigatoriamente, retribuídas por ela, caso contrário havia represálias.
Continuou o seu depoimento referindo que após a primeira separação do marido este foi ao médico e tomava a medicação e, nessa altura não existiram agressões, mas depois voltou tudo ao mesmo, após ter parado a medicação.
Confirmou a existência de armas que o marido usava, com as quais acordou várias vezes apontadas à cabeça.
Nessa sequência relatou o episódio das agressões depois de ter regressado do hospital de forma coincidente como a relatada pela sua mãe. De igual modo, confirmou, tal como a mãe o havia feito, o acontecido no dia 1 de novembro. Explanou sobre a vida sexual com o D… referindo que este a obrigava a ter relações sexuais, afirmando que lhe dizia: "Menino farto não era comedor".
Continuou o seu depoimento relatando casos de ameaças de morte que era vítima por parte do marido. Tinha, afirmou, que ser a melhor mulher para o marido, receber uma tareia e chamar-lhe de meu amor e dizer aos outros que se tinha magoado a tratar de um cavalo; muitos anos pensou que a culpa das agressões era sua "porque as calças estavam fora do sítio", por exemplo.
Afirmou que as filhas estão a ser seguidas pelo psicólogo e não conseguem estar perto do pai, escondem-se se vêm um camião semelhante ao conduzido por este, porque tem pânico dele.
Disse que depois da detenção da mãe foi para uma casa de acolhimento, mas quando o D… descobriu que estava na "Y…" foi à sua procura e ameaçou-a que ou voltava para casa ou retirava-lhe as filhas; depois da separação ainda a voltou a ameaçar e durante 4 anos foi viver para … e depois para …, sempre a fugir do marido.
Por fim, referiu que refez a sua vida porque foi para longe do D… e agora com a vida estável já vivem mais calmos.
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A testemunha I…, relatou a forma como foi abordado pela arguida B…, os passos que deu, ou melhor, que não deu, a partir do momento em que foi contactado, as suas intenções de não cumprir o que lhe havia prometido, referindo que a sua intenção sempre foi receber dinheiro da arguida e nada fazer como nada fez, para matar o D…. Explicou que as suas atitudes em relação ao pedido feito pela B… sempre se pautaram por enganá-la para conseguir dinheiro, tendo mesmo sugerido a contratação de um seguro de vida para o D…, mas a arguida não mostrou grande interesse nisso.
Afirmou que para dar credibilidade à sua intenção de cumprir o acordado um dia mostrou uma pistola à arguida, mas nunca praticou qualquer ato para bater ou matar o D….
Concretizando, esta testemunha iniciou por dizer que foi contratado pela arguida B… para lhe fazer segurança e à filha porque tinham problemas com o D…, altura em que a arguida B… lhe deu a fotografia, o telemóvel, trajetos e horários do genro para que o identificasse.
Explicou que a arguida B… um dia estava bem outro dia estava descontrolada e a determinada altura, desorientada, mudou de plano o qual consistia em eliminar o D…, mas uns dias tinha intenções de o matar e outras vezes não tinha - queria e depois já não queria (disse).
Afiançou que a arguida B… lhe pareceu uma mãe desesperada, fazia tudo pela filha e pelas netas e também ficou convicto que as arguidas tinham mesmo medo do D….
Segundo se pode aperceber a arguida B… no início dos contactos era uma pessoa normal, mas em determinados dias estava desesperada por ter presenciado o genro bater na filha e nas netas. Referiu, porém, ao contrário do afirmado pela arguida B…, que até ao dia em que esta foi detida o acordo de matar o genro estava em vigor.
Questionado sobre o valor do "serviço" adiantou que não foi estipulado qualquer montante, mas a arguida B… entregou-lhe várias quantias em dinheiro, que computa em aproximadamente 10 mil euros e algumas peças em ouro.
Elucidou que as negociações com a arguida B… duraram de outubro a novembro e nesse período tiveram vários encontros em confeitarias em … e …, bem como se encontraram duas vezes na rotunda ….
Perguntado pela intervenção nesse plano da arguida C… começou por afirmar que inicialmente apenas teve contacto com a arguida B…, mas supunha que a arguida C… sabia o que se estava a passar porque esta ouviu conversas em casa da mãe em que se falava de matar e esteve com ela uma vez quando ela lhe foi entregar dinheiro, numa rotunda em …, a mando da mãe e numa confeitaria juntamente com a arguida B….
*
O depoimento da anterior pela testemunha foi corroborado pela testemunha J…, que do mesmo modo explicou como foram abordados e os contactos que teve com as arguidas.
Especificou que uma tal de L… lhe apresentou a arguida B… e esta disse-lhe que o genro agredia a filha e que queria que lhe partisse os braços. No dia seguinte foi a casa da arguida com a anterior testemunha, data em que a arguida lhe deu cerca de 2 mil euros.
Explicou que a arguida B… o contactou várias vezes por telefone e lhe dava dinheiro, tendo-se encontrado com ela em confeitarias e na rotunda, onde estava presente a arguida C….
Afirmou que a dada altura o I… lhe disse que a arguida "queria tirar a tosse ao genro", mas nunca foi sua intenção fazer o que quer que fosse, só queriam dinheiro, tendo recebido cerca de 3 a 5 mil euros, cada, e ouro da arguida B….
Afiançou que uma das vezes a arguida C… lhe entregou dinheiro e ouvia-se as conversas, pelo que concluiu que esta era sabedora das intenções da mãe.
Garantiu que ao princípio a arguida B… lhe parecia normal, mas depois estava desesperada e dizia que o genro quando chegava batia sempre à filha e às netas.
A testemunha L…, disse ser amiga das arguidas.
Referiu que frequentava a casa da arguida B…, mas não conhecia o D…, mas a família era normal e simpática.
Confirmou que conhecia a testemunha J… e o apresentou à arguida B… porque ela lhe pediu um segurança, já que saía muito de noite. A partir desse momento não contactou com a arguida B… nem com essa testemunha.
A testemunha K…, Inspetor da PJ, explicou como soube dos factos, através de uma denúncia e de interceções telefónicas de um outro processo.
Esclareceu que pelas intercessões telefónicas não haviam dúvidas que havia um contrato que era conseguir a morte do genro da arguida B…, mas os contratados nunca quiseram a morte do D….
Perguntado sobre a posição da C… referiu que não tem dúvidas que esta sabia do propósito da mãe tendo em conta as intercessões telefónicas e o levantamento de dinheiro desta arguida para entregar aos contratados e a sua posição junto destes pela localização verificada.
Referiu que era a arguida C… que dava à mãe a localização do D… e esta por sua vez transmitia aos contratados.
Vejam-se, agora, das interceções telefónicas algumas passagens que reputamos com relevo.
A título de exemplo veja-se a conversa entre a arguida B… e uma sua cliente N…: alvo código 1 Y798M: secção n.º 286: pág. 1704: eu estou a tentar despachar um para seguir o outro, eu não posso destruir dois, eu tenho que destruir um, eu não posso fazer duas mortes de uma só vez".
No alvo 1Y249M secção 3683, de 13.11.2009, a arguida B… fala com o J… e pergunta se pode "comprar flores para amanhã" e a resposta é "amanhã ainda não é o enterro".
No alvo 1 Y249M secção 3757 o I… diz à arguida B… "se a coisa correr mal são 25 anos".
No alvo 1Y249 secção 3971, de 19.11.2009, a arguida B… fala com o I… manifestando desespero pelo facto do serviço ainda não estar concretizado "ele está vivo e são e com um ódio de morte, mesmo em relação a mim. Diga-me, o que é que os seus homens estão a fazer?" acrescentando que "A esta hora, ele já devia estar abatido" c c diz a minha filha, ó mãe eu nem quero pensar que ele quinta antes de vir ao banco ou à internet e veja que não está lá dinheiro, ele mata-me, mãe, ó mãe ele mata-me".
Alvo 1 Y249M secção 4209, de 20.11.2009, a B… diz ao I… -o senhor I… faço-o eu; o senhor passa-me uma para a mão e faço-o eu".
Alvo 1Y249M secção 4427, de 23.11.2009, I… diz a B… "A coisa mais fácil da vida é premir o gatilho é como comer um rebuçado".
Conversa telefónica entre a testemunha I… e a arguida C…:
Alvo 1 Y249M, sessão 3513, datada de 11.11.2009, conversa entre a arguida C… e a testemunha I…, onde esta chorosa diz que precisava muito dele e da sua ajuda. Afirmou que "ele" discutiu com toda a gente. Está desesperada porque "ele" vai "fechar-me as lojas "; o I… diz-lhe que é a mãe que tem que decidir se pretende antecipar o serviço ou não. A C… pede, por favor, para ser de imediato porque, caso contrário, "ele" mata-a antes disso já que "a ameaçou". O I… explica-lhe que o serviço vai ser feito por "pessoal do Leste ", disse ainda "se quiserem a gente vai aí e arrebenta já com ele ".
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Como vimos supra a arguida B… sustentou que não pretendia tirar a vida ao genro, mas que atuou do modo referido para o assustar e que a filha C… nada sabia.
Não obstante, do conjunto das declarações das arguidas e da prova testemunhal e documental supra elencadas, é inequívoco que a arguida B… pretendia atingir o seu genro, o assistente nos autos, D….
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Aqui chegados podemos afirmar que do depoimento das arguidas existe uma confissão parcial dos factos pelos quais vêm pronunciadas. Efetivamente a arguida B… confessou que contratou os homens para dar uma sova no genro tendo vários contactos com o J… e o I…, tendo mesmo dado dinheiro em troca desse serviço. Pese embora não tenha admitido de forma clara que mandou matar o genro admitiu que o poderia ter dito porque estava muito doente com tudo o que este fazia à sua filha.
Por sua vez, a arguida C… confessou saber, ainda que de forma mitigada, (apenas a surra, como referiu) as intenções da mãe, os encontros com os homens e o pagamento que chegou a fazer a estes.
A convicção do Tribunal relativamente à factualidade da pronúncia dada como provado deflui, com clareza, do conhecimento revelado pelas arguidas de harmonia com a experiência comum projetada na atuação objetiva dos mesmos, para além de que o que verbalizaram em julgamento não deixa de expressar que nas circunstâncias em que atuavam sabiam que foi encomendada a morte do D… e que a conduta da B… era idónea a provocar-lhe a morte.
Tais regras de experiência comum, e tendo em conta os padrões de entendimento e comportamento do homem médio, projetadas no contexto fático provado e as presunções naturais que delas emergem não deixam margem para dúvidas de que a intenção real daquelas duas arguidas foi a exata intenção apurada.
É certo que as arguidas negaram a intenção de matar o D…. Contudo, além da convicção já formada foram igualmente valorados os depoimentos das testemunhas a quem foi incumbido o "serviço", bem como ainda valoradas as interceções telefónicas efetuadas entre as arguidas e os contratados.
A simples leitura das escutas telefónicas, como vimos, permitem delas retirar um sem número de elementos que atestam tal facto.
Esta atuação prévia e contemporânea da arguida revela, sem sombra de dúvida, a intenção de matar, pois da sua conduta objetiva deduz-se sem grande dificuldade argumentativa essa intenção.
Urge afirmar que se deu como provado que apesar das hesitações da arguida B… em manter a decisão de matar o gemo, o certo é que esta decisão persistiu desde pelo menos 19 de novembro até à sua detenção a 26 de novembro, porquanto naquele dia mostrou-se impacientada por o genro ainda estar vivo e no dia seguinte propôs-se acompanhar o I…, para levar a cabo a morte do genro, manifestando até disposição para ser ela a disparar a pistola. Ademais, das interceções telefónicas de 23.11.09 o I… diz-lhe que "A coisa mais fácil da vida é premir o gatilho é como comer um rebuçado". Acresce a tudo isto as declarações do arguido I… que afirmou que aquando da detenção da arguida este mantinha a intenção de matar o genro.
Já mais dificuldade poderia importar a ligação da arguida C… aos factos que lhe são imputados, mas também aí a prova existente nos autos não permite qualquer dúvida.
Assim, pelas próprias declarações desta, as escutas telefónicas e o depoimento das testemunhas também supra referidas, o tribunal não teve dúvidas que a intenção da sua mãe, B…, em matar o genro, facto que era do conhecimento daquela arguida.
Tudo somado, permitiu a este tribunal, sem o mínimo de dúvida, concluir que a arguida C… tinha conhecimento das intenções e medidas tomadas pela sua mãe e nada fez.
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No que às demais testemunhas concerne sobre os factos concretos da pronúncia nada sabiam em concreto, como veremos. Assim, as suas declarações serão infra apreciadas para explicar a razão de se ter dado como provado, especificamente, as razões que levaram as arguidas a pretenderem matar e ver morto o D….
ln casu, demos como provado que a arguida C… era vítima de violência doméstica e que foi esse o motivo dos seus procederes. Vejamos em que provas o tribunal se baseou para o afirmar.
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Foram tomadas declarações ao assistente D…, o qual apenas, como aliás referiu, sobre os factos pelos quais as arguidas se mostram pronunciadas nada sabia, referindo que apenas soube pela comunicação social aquando da prisão da arguida B….
Começou por referir que teve um casamento com a arguida C… sem sobressaltos.
Teceu considerações sobre a personalidade das arguidas.
Relatou que um dia, porque é motorista de longo curso, chegou de noite e sentiu que tinha sido "apertado" num quintal e disse à mulher, mas ela não valorizou, e veio a saber por uma funcionária de casa – P… - que estava alguém no pinhal para lhe bater e o assaltar, sentindo-se vigiado, mas pensava que era por ter sempre muito dinheiro.
Referiu que esteve casado 14 anos, com duas filhas em comum, e o único problema do casamento era a falta de tempo devido ao seu trabalho. Negou perentoriamente agressões físicas, quer à mulher quer às filhas, admitindo apenas discussões por questões de dinheiro e de possíveis relacionamentos da mulher com outros homens.
Explicou que o que aconteceu no falado dia 1 de novembro, referindo que nesse dia após uma discussão fez as malas para se ir embora de casa e pediu o divórcio à mulher, mas esta disse-lhe que não.
Admitiu que estiveram separados, mas a arguida sempre pediu para voltar para casa, por isso reataram.
Negou ter problemas psicológicos, admitindo, no entanto, que passados 15 dias de saber das intenções das arguidas se tentou matar e acordou no hospital psiquiátrico.
Justificou que a atitude da sogra se terá ficado a dever ao facto das arguidas quererem receber duas apólices de seguro, de 50 mil euros cada, o que a mulher sabia e a sogra terá sabido por esta.
Explicou que no seu entender o que aconteceu se deveu a uma maior culpa da arguida C…, já que esta mentia, acreditava nessa mentira e transmitia-a à mãe.
Adiantou que o relacionamento com a sogra não era bom nem mau, apenas tinham forma de estar na vida diferentes, razão pela qual apenas falavam "o essencial".
Afirmou que nunca conheceu a sogra a trabalhar, apenas fazia serviços de bruxaria. Relativamente às armas admitiu apenas ter uma arma de coleção que comprou há cinco anos, para colocar como adorno em cima de uma garrafeira, mas nunca teve tempo para o fazer. Nega ter tido navalha de ponta e mola, muito menos dormir com ela.
Referiu que as filhas andavam num colégio privado e não tinham acompanhamento psicológico no período de casamento.
Foram lidas as suas declarações prestadas em sede de inquérito, ao abrigo do disposto no art.° 356.°, n." 2, al. b) e n.º 5 do CPP, a fls. 648 e s - onde referiu que desde criança sofria de distúrbios psiquiátricos e que tais distúrbios fazem com que, por vezes, e perante situações aparentemente banais, tenha reações violentas, por razões que desconhece e as quais também nunca lhe forma explicadas. Reconheceu que às vezes se excede nas suas reações, mas que não se consegue controlar. De igual modo aí reconheceu que se excedia com a mulher, a qual agrediu uma vez, e, provavelmente a terá ameaçado de morte. Sobre as armas confirma ter adquirido a carabina.
Depois de lidas essas declarações o assistente apenas disse que em pequeno só teve problemas de bronquite e não teve nem tem problemas psiquiátricos.
Adiantou que foi muito abordado em …, local da sede da empresa onde trabalhava, pelo que depois do sucedido esteve um mês em casa e isolou-se das pessoas, por sentir vergonha e medo, razão pela qual vinha para casa até à meia-noite.
Questionado sobre o tal de seguro que em caso de morte a C… iria receber referiu que o cancelou. Foi então oficiosamente notificado para juntar aos autos documentos desse seguro, mas não o fez com a justificação que não sabia dos mesmos.
A testemunha Z…, amigo das arguidas, afirmou ter-lhes vendido diversos automóveis. De relevante apenas referiu que emprestou dinheiro à arguida B…, €1.500,00, tendo feito um depósito na conta desta e ela lhe deu um cheque pré-datado.
Afiançou que a arguida para mandar matar só num ato de desespero.
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A testemunha P…, foi empregada de 2003 a novembro de 2009, das 8 da manhã às 19 horas.
Iniciou por afirmar que quem lhe pagava o salário era a arguida B…. Afiançou que nunca viu o D… a agredir ou a tratar mal a C…, apenas discussões porque, "o D… trabalhava e elas gastavam o dinheiro todo e ele queria saber para onde elas levavam o dinheiro" disse. Ademais, garantiu que as filhas tinham uma boa relação com o pai, nem lhes via medo deste.
Confirmou que o D… estava fora de domingo a segunda.
Questionado se viu armas em casa da C… afirmou perentoriamente que nunca viu armas na casa, pese embora afirmar que fazia toda a limpeza da casa; nem arma de ponta e mola na cama apesar de ser quem a fazia, afirmação que manteve mesmo após ser-lhe exibida a arma que estava no corredor aquando da busca, que afirmou ter visto os inspetores da PJ com ela, a qual se encontrava localizada junto da tábua de passar a ferro.
No que respeita ao falado dia 1 de novembro de 2009, a testemunha adiantou que houve uma discussão muito grande entre a C… e o D…, por questões de dinheiro, e que este fez as malas para se ir embora, mas a mulher chorava e pediu-lhe para o convencer a não ir, apesar do marido dizer que lhe dava o divórcio e que ela ficava com tudo, mas a C… implorava para ele não ir embora.
Perguntado sobre a razão do comportamento adotado pela arguida B… adiantou que a arguida C… contava coisas à mãe, mas era tudo invenção dela, porque o marido nunca lhe batia nem a violava. Para reforço da sua tese disse que a C… entregava-lhe 2 telemóveis para esconder no meio da roupa quando o D… estava para chegar a casa para este não ver as mensagens. Questionada sobre o porquê de não ser a própria arguida a esconder esses telemóveis não soube explicar.
Referiu, com o nítido intuito de fazer crer que a arguida C… não trabalhava, que havia 6 empregados na casa, dois para os cavalos, três para a casa, que faziam 3 tardes no quintal, e uma para a frutaria, por isso a C… não tratava dos cavalos, ia ao cabeleireiro duas vezes por semana, segundas e quartas ou quintas, inclusive e quando o marido regressava do trabalho mudava a postura, apresentando-se mal apresentada.
Continuou o seu relato afirmando que na semana anterior à prisão da B… notou alguma coisa de anormal na casa, muita agitação, muitos telefonemas.
Afiançou, tal como D… já havia dito, que 90% do sucedido é culpa da C…, já que esta mentia muito à mãe "A filha era uma artista a mentir à mãe", mas a si não dizia o que dizia à mãe, afiançou.
Também afirmou que "elas gastavam o dinheiro todo", mas depois já afirmava que era a arguida B… que lhe pagava e que ganhava muito dinheiro como "cartomante", "tinha que tirar para pagar aqueles empregados todos" disse, referindo-se aos empregados de casa.
A testemunha N…, amiga das arguidas, disse que as conhece há 7 ou 8 anos.
Adiantou que várias vezes foi a casa da arguida B… e que esta lhe dá bons conselhos. Já emprestou e recebeu de empréstimo desta arguida.
Afiançou que conheceu a arguida B… quando era massagista e a C… tinha uma frutaria.
Questionada sobre o seu conhecimento sobre o relacionamento da arguida C… e D… referiu que presenciou, a determinada altura, uma situação em que a arguida C… teria recebido um telefonema do seu marido, aos berros, e ficou em pânico, a temer, assustada e depois refugiou-se no fundo da frutaria a chorar.
Afiançou que voltou a assistir às filhas da arguida C… a recusarem-se a entrar no autocarro porque não queriam ir à escola por ser o dia do pai estar a chegar e queriam ficar com a mãe, estavam assustadas e uma delas vomitou, o que acontecia à quinta-feira, sendo que a mais nova nem dormia nesses dias, referiu.
Questionada sobre a conversa telefónica consigo e com a arguida B… - onde se referiam a planeamentos de mortes - explicou que nunca houve planeamentos de mortes, apenas o seu casamento passava por momento menos bom porque na altura do telefonema o marido tinha outra pessoa, mas nunca lhe passou pela cabeça matar quem quer que fosse, diz-se muita coisa em ato de desespero, mas não corresponde ao querer, adiantou.
Contou que a arguida B… é explosiva e diz muita coisa da boca para fora.
Referiu que a arguida C… era trabalhadora, trabalhava na frutaria que até ao domingo estava aberta, nos cavalos e na venda de cenoura.
A testemunha AB…, amiga das arguidas referiu que conheceu a arguida B… em 2007 num salão de cabeleireiro onde esta trabalhava como esteticista e ficaram amigas, tendo-lhe prestados serviços de imobiliária.
Referiu que foi algumas vezes a casa da arguida B… e sentiu que não havia harmonia familiar, mas não assistiu a discussões, apenas assistiu a discussões entre mãe e filha, mas por questões normais da vida.
Mencionou que as arguidas lhe diziam que a C… sofria de maus tratos, que o marido lhe batia, insultava e que vivia um verdadeiro tormento. A B… falava quase diariamente dos maus tratos do genro à filha.
Narrou que ouviu muitas vezes a B… a desabafar que tinha vontade de matar o genro dada a situação da filha, mas nunca pensou que pusesse em prática.
Presenciou depois dos factos que as filhas tinham medo do pai e por isso não gostavam da companhia dele, facto que presenciou quando foi levar algumas vezes as filhas ao pai.
Afirmou que os sentimentos da C… e das filhas eram de medo quando as foi levar a …, depois do sucedido.
A testemunha M1…, disse que foi a casa da arguida B… tratar de negócios, porque ela prestava "serviço espiritual" e apenas referiu que a arguida B… lhe contava que o genro batia na filha.
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Aqui chegados urge elencar a prova apresentada pela defesa das arguidas e ainda a que oficiosamente foi efetuada por ordem do tribunal, porquanto só desta forma é possível aferir das razões que levaram as arguidas à prática dos factos constantes dos factos provados no que concerne à pronúncia.
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Testemunha de defesa da arguida B….
A testemunha T… disse conhecer há muito tempo a arguida B… que era uma boa pessoa e uma boa amiga.
Relatou que tinha conhecimento pela arguida B… de alguns factos relativos ao relacionamento da C… com o marido.
Referiu-se ao estado psíquico debilitado que a arguida B… apresentava - esteve doente, depressiva - factos que associou aos problemas da filha.
Afirmou que de segunda-feira a quinta-feira a vida em casa da arguida era normal e depois de quinta a domingo era um inferno, tendo um dia ouvido o D… ao telefone aos gritos com ameaças. A arguida dizia-lhe que o genro tinha um problema psicológico.
Relatou que no dia 1 de novembro a arguida B… lhe ligou a chorar muito a contar-lhe que o assistente tinha batido e violado a filha; então foi a casa desta e viu-a em grande sofrimento agarrada às filhas, em pânico, tendo-lhe confidenciado que não saia de casa porque tinha medo do marido.
Afirmou também que um dia a B… lhe telefonou a pedir ajuda porque o genro depois de um jantar bateu na filha.
Asseverou que a filha mais velha da C…, a E…, tem medo do pai.
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Testemunhas de defesa da arguida C…
A menor E…, com 16 anos, filha da arguida C… e do D…, prestou um depoimento emocionado.
Iniciou por dizer que a vida dos pais não era de todo saudável, classificando a vida familiar de um grande terror.
Iniciou por explicar que o pai tanto estava bem como já não estava, nunca sabiam como ele se iria apresentar. Algumas atitudes ficavam a dever-se a uma doença, esquizofrenia ou bipolaridade, porque o seu comportamento não era normal, adiantou.
Contou que o pai tinha uma arma pequena e uma grande e viu-o usar essa arma pequena apontada ao pescoço da mãe. Referiu que viu muitas vezes a arma debaixo da almofada da cama dos pais.
Afirmou que as discussões se ficavam a dever ao facto do pai imputar amantes à mãe. Prosseguiu o seu relato referindo-se a um episódio ocorrido em agosto, dia em que decorreu um jantar em casa com amigos e depois destes saírem o pai começou a "disparatar" e a ameaçá-las, prendendo-as em casa, tendo posteriormente regressado, chorou e pediu desculpa, porque sentia que tinha atitudes que não eram saudáveis.
Garantiu que o pai apelidava a mãe de "puta, vaca e cabra",
Confirmou o episódio de 1 de novembro, referindo que foram tomar o pequeno-almoço e o pai não gostou do decote da mãe. Regressaram a casa e nessa altura ouviu a mãe a gritar e a pedir para parar, seguidamente o pai saiu do quarto e de imediato bateu na irmã, tendo a mãe vindo em socorro da filha, altura em que o pai a agarrou pelos cabelos e fechou a porta; então foram ver o que se passava e o pai disse à mãe "baixa as calças sua porca" e teve relações sexuais com a mãe sem o consentimento dela e depois saiu dizendo "era mesmo disto que estava a precisar"; foram ajudar a mãe que estava no chão a chorar muito e com as calças despidas, mas o pai não saiu sem dizer "hoje é um dia bom para matar e morrer", saindo normalmente como se nada tivesse acontecido.
Contou que a dada altura saíram de casa, tempo antes dessa situação, mas o pai ligou à mãe e prometeu que se ia tratar e então regressaram para casa.
Explicou que a mãe não podia cortar o cabelo como qualquer outra mulher, tendo relatado um episódio que esta foi cortou e depois sentiu-se mal e foi ao hospital, e quando o pai chegou não gostou do que a mãe fez e bateu-lhe.
Confirmou que é seguida, tal como a irmã, por psicólogos, mesmo quando os pais estavam juntos, o que era do conhecimento do pai.
Afirmou que tem muito medo do pai e agora são muito mais felizes.
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A testemunha W…, companheiro da arguida C… desde 2010, de quem já tem um filho, referiu que têm uma vida normal.
Disse que as filhas da companheira têm medo do pai.
Asseverou que a C… trabalha num cabeleireiro, descreveu-a como sendo boa mãe, boa dona de casa e muito trabalhadora.
Disse que no local onde mora a arguida é respeitada.
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A testemunha AC…, foi vizinha das arguidas e já trabalhou para estas e trabalha atualmente.
Disse que a arguida C… era boa pessoa, boa mãe, boa amiga, sempre a conheceu a trabalhar e atualmente trabalha num cabeleireiro.
Disse que ouvia a C… a queixar-se do marido à mãe de violência doméstica.
A testemunha AD…, amiga das arguidas desde 2009.
Do casal C… e D… disse que as arguidas lhe contavam problemas no casal e no verão de 2010 foi dormir a casa da arguida C… porque ela estava com medo mas nada aconteceu; na sexta já estava em casa e a B… ligou-lhe aflita e disse que tinha acontecido alguma coisa, então veio a casa da amiga e esta só chorava e foi procurar a E… e a F… que estavam no fundo da rua, só lhe pediam para as levar para sua casa e foram levadas pela GNR para sair dali.
Afirmou que atualmente a C… é feliz, vive sem medos e trabalha num cabeleireiro.
Testemunhas ouvida por iniciativa do tribunal.
AE…, diretora de turma da menor E… no ano de 2009 disse que a E… faltava muito à escola, tinha problemas familiares, com os pais e era uma criança instável e foi direcionada para o psicólogo.
AF…, diretora de turma da menor E… no 5.º ano referiu que a E… era calada, não se recordando se tinha problemas familiares, só que faltava muito à escola.
AG…, psicólogo no Colégio onde andavam as menores. De relevo referiu que acompanhou as menores que lhe foram indicadas ou pela professora ou pela mãe, não se recorda.
Havia fatores na vida da E… que estavam a afetar a sua vida escolar, andava nervosa e tinha medos, tendo feito encaminhamento para um psicólogo fora do colégio.
Apercebeu-se que a E… tinha conflitos em casa, esta queixava-se de violência, que o pai era muito violento.
Recorda que um dia o pai foi ao colégio e a E… não o quis ver e ficou muito nervosa. Sobre a F… referiu-se como sendo uma criança muito especial, muito frágil e muito insegura.
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AH…, professora da menor F… em 2008/2009 e 2009/2010.
Disse que se recordava que a F… era muito meiga, introvertida e insegura, mas dava-se bem com os colegas e por isso o psicólogo da escola conversava com ela.
Q…, psicóloga, disse que acompanha as menores E… e F…, sendo a E… desde 2009, mas já antes esta era acompanhada por outra psicóloga, e a F… só desde setembro de 2010.
Referiu que foi o psicóloga da escola que fez a sinalização na clínica onde trabalha, em dezembro de 2008. A menor apresentava humor depressivo e ansiedade.
A E… relatou-lhe situações de discussões entre os pais e que entre abril de 2009 a outubro presenciou o pai a agredir a mãe com bofetadas. Dizia-lhe que gostava que o pai estivesse mais presente e fosse mais meigo.
A F… relatava-lhe o medo do pai e nada falou em concreto porque tinha memórias vagas de discussões e do pai lhe ter dado uma bofetada, mas sem pormenorizar.
Disse, por fim, que pensa que a E… não fabricaria uma história só para proteger a mãe.
***
Façamos, ora, então, uma análise valorativa desta prova supra elencada produzida em audiência de julgamento, explicando, assim, o processo de formação da convicção do tribunal.
Repita-se que esta prova que de forma sucinta relatamos apenas tem a ver com as razões que levaram a arguida B… a encomendar a morte do seu genro e a atitude omissiva da arguida C…, porquanto dúvidas não subsistiram, como já vimos, da prática das arguidas dos factos dados como provados.
No caso sub judice, num apreciação valorativa, entendemos que o depoimento do assistente D… constitui um exemplo paradigmático de um depoimento parcial, parcialidade essa que foi notória devido ao facto de se ver atraiçoado pela mulher (sem aqui curarmos de ajuizar sobre as razões dessa antipatia).
Diga-se, antes de mais, que nem todo o depoimento do assistente foi falacioso, já que existiu parte do mesmo que foi valorado positivamente, outro teve de passar pelo crivo da objetividade.
Vejamos seguidamente das contradições do assistente que nos levam a não acreditar em parte do seu depoimento.
Ora, o assistente quis deixar transparecer que tinha uma vida conjugal quase colorida, mas isso não era verdade porque do seu próprio depoimento, "fabricado" na sua essência, resulta que este disse o que lhe parecia ficar bem, mas nem sempre o que disse era a verdade dos factos.
Não colocamos em causa que o assistente com o comportamento das arguidas viu-se a braços com emoções difíceis de digerir, mas coisa diferente era ser o assistente o exemplo de pai e de marido.
Não o era certamente e vejamos a razão desta nossa afirmação.
Ora, o assistente estava fora de segunda a quinta, ganhava mais de 2 mil euros e a arguida C… não trabalhava, como afirmou; conflitos graves no casamento não existiam, apenas algumas discussões relacionadas com dinheiros. Então pergunta-se; que razões tinha a arguida B… para mandar matar o genro e a arguida C… saber desse facto e o ter aceite? Não era o assistente o sustento da família? Então perguntamos nós: que vantagem tinha a arguida C… em ver o seu marido morto? Era bom marido, ela gastava muito dinheiro, mas era ele que o ganhava (isto segundo as declarações do arguido), só estava em casa de quinta a domingo, tendo a arguida empregada em casa, poderia nos outros dias disfrutar do dinheiro e de liberdade.
O assistente referiu que o comportamento das arguidas se tinha ficado a dever, ao que lhe parece, ao facto de ter um seguro de 50 mil euros para cada filha e a C… sabia-o. Porém, ordenado oficiosamente que juntasse a apólice de seguro, já que a tinha em seu poder, referiu que cancelou uma delas depois do sucedido, não o fazendo, alegando que era a arguida C… que tratava disso. Mas não foi o assistente que cancelou um dos seguros, pergunta-se?
Dinheiro não foi o objetivo das arguidas até porque os "contratados" afirmaram que disseram à arguida B… para fazer um seguro de vida para o D… para receberem dinheiro depois da morte e ela não mostrou interesse, como adiantaram.
Por outro lado, o assistente negou que tivesse problemas psíquicos, mas o certo é que ouvido na PJ, declarações ouvidas em sede de julgamento, admitiu que desde criança sofre de distúrbios psiquiátricos e que por isso tem reacções violentas, admitindo mesmo que já agrediu a arguida C… e admitiu como possível que a tenha ameaçado.
Poder-se-ia afirmar que isto não era suficiente para asseverar que a arguida C… era vítima de violência doméstica. Todavia, a corroborar o depoimento das arguidas neste segmento tivemos outras provas que entendemos consistentes o suficiente para afirmar que esse facto era uma realidade.
E não se diga, como foi dito em sede de alegações, que o facto da arguida C… nunca ter apresentado queixa de violência doméstica, nem nunca ter pedido apoio, é porque não era vítima de maus tratos. Bem melhor seria, e provavelmente poucas ou nenhuma vítima de violência doméstica existiriam e a cifra negra não constaria dos nossos barómetros de mortes por violência doméstica, se todas as mulheres/homens apresentassem queixa quando são vítimas de violência doméstica. A verdade é que "o coração tem razões que a própria razão desconhece" (Blaise Pascal). Por medo, por compaixão, por amor, sabe lá por que razões, muitas. Muitas das vítimas são agredidas e não o denunciam e quantas vezes se culpabilizam e aceitam ser agredidas vitimizando o agressor, vamos lá saber o porquê, mas o certo é que estas pensam, ou sabem, que é extremamente perigoso deixar um agressor, temem que a fase final na espiral da violência doméstica seja a sua própria morte.
Deixemos agora a generalidade, e só referida porque foi abordada em sede de audiência de julgamento, e voltemos à nossa prova.
Vejamos então outras provas em que nos apoiamos para afirmar que o assistente era violento para com a sua mulher.
Desde logo chamamos aqui à colação o depoimento da filha da arguida e do assistente, a E….
Ora, entendemos que a E…, no seu discurso, mostrou-se muito credível. Regista-se a enorme emoção que esta demostrou no seu discurso, chegando, em alguns momentos, a chorar, o que, em nosso entender, abona em muito a favor da sua credibilidade, ressaltando à evidência que a menor não vinha "instruída" para falar desta ou daquela forma, nem tão pouco mostrou qualquer atitude persecutória de ressentimento ou de vingança em relação ao pai, não falaria da forma como o fez se não tivesse vivenciado os factos que relatou.
Aliás a menor mostrou-se tão sincera no seu relato que não se descortinou qualquer "habilidade", por parte da mesma para o fazer.
Concluiu-se, portanto, que a menor prestou declarações de forma espontânea, num discurso perfeitamente enquadrado na sua idade de 16 anos.
Não se diga que o relato da menor era fantasiado em virtude da alienação parental, julgando-se que esta cuidava no seu discurso de defender a sua mãe e a sua avó materna. Aqui, é certo, podíamos questionar o facto da menor viver com a mãe e já não ver o pai há muitos anos e ter sido instrumentalizada, mas concluiríamos que isso não correspondia à verdade, quer pela forma com que o depoimento foi prestado, com pormenores próprios de quem vivenciou os factos, quer porque o seu depoimento foi corroborado por outros meios de prova.
Alias do relatório junto a fls, 3267 subscrito pela psicóloga Dr.ª Q… e do seu próprio depoimento realizado em audiência de julgamento, consta que a E… iniciou acompanhamento psicológico na clínica em dezembro de 2008, no seguimento de sinalização do psicólogo escolar, ou seja, quase um ano antes do sucedido. Já em 2008 a E… "revelava índices de ansiedade ligeiramente superiores aos que seria de esperar para a sua idade, associado a um estado de depressão leve". Mais aí se refere que a menor tinha medos em outubro de 2010 "quanto explorados os seus medos, verificou-se que estes estavam associados, maioritariamente, ao contexto familiar, sendo que a E… relatava sentir medo do pai (de que este agredisse a mãe, a agredisse a ela ou à irmã, as levasse ou sujeitasse a estar com ele contra a vontade de ambas); afirmava experimentar sentimentos intensos de medo e desconforto, sempre que contactava o pai, ou quando este a contactava (...)".
Ademais, o tribunal teve o cuidado de ouvir os professores das menores quer aquando da data dos factos quer anteriormente e dos mesmos resultou que, principalmente a menor E…, deixava transparecer que tinha problemas familiares, razão pela qual foi sinalizada em 2008 para o psicólogo do colégio que frequentava e depois deste para uma clínica privada. Como vimos supra, o psicólogo disse que a menor relatava episódios de mau ambiente familiar, ao contrário do que o pai quis fazer crer, que era um casal harmonioso e as menores não frequentavam qualquer psicólogo. Aliás, a própria E… referiu, com relevo, que o pai lhe dizia "vê lá o que vai dizer à psicóloga", o que é sintomático de que o D… queria esconder algo menos bonito de se saber. A este propósito urge relembrar o que disse a arguida C…: que o assistente fora de casa queria deixar transparecer que se tratava de uma família feliz.
Acresce que a credibilidade atribuída à menor foi claramente reforçada ou sustentada pelo depoimento das arguidas, mas também das testemunhas N…, AB…, M1…, T… e AC…, as quais prestaram declarações de forma objetiva e serena, sem discursos apaixonados e acabaram por, unanimemente, atestar que as filhas da arguida C… tinham medo do pai, medo esse que já existia antes dos factos. Ora, tal medo, associado à necessidade de serem acompanhadas por psicólogo é demonstrativo de que algo de errado se passava naquela família onde as menores estavam integradas e o medo ao pai deixa antever que este era o causador dos factos que originavam o medo das menores.
A testemunha P… tentou demonstrar que a "má da fita" era a arguida C…. Todavia, esta testemunha revelou-se muito tendenciosa, parcial e particularmente azedada com esta arguida, sem que o tribunal conseguisse aferir do motivo, ferindo o seu depoimento de manifesta falta de objetividade, mostrando-se faliciosa.
Sintomático da sua tendenciosidade veja-se algumas passagens do seu depoimento. Afirmou que o D… queria sair de casa e dava tudo o que a arguida C… quisesse, então porque queria a arguida B… matar o genro e a arguida C… nada fez para impedir, se deixasse o marido ir embora ficava com os bens materiais, porque não o fez então e queria vê-lo morto?
Referiu também esta testemunha que a arguida C… queria apresentar-se desarranjada perante o marido, mas disse que gastava muito dinheiro até ia ao cabeleireiro duas vezes por semana e no dia em que este voltava do trabalho. Então se ia ao cabeleireiro no próprio dia do marido chegar não se queria desarranjada, afirmamos nós.
Diga-se que esta testemunha tentou sempre justificar as suas contradições, até do seguro falou dizendo que ouviu falar num seguro, mas que era a C… que tinha os papéis. Ora, esta afirmação deixa-nos a pensar o porquê de afirmar que era a C… que tinha os papéis do seguro.
Por outro lado, disse a testemunha que era a arguida B… que lhe pagava o ordenado.
Então quem ganhava o dinheiro ou quem o gastava?, ficamos sem saber.
Mais sintomático das suas inveracidades é o facto de ter dito que nunca viu armas em casa do D…, sendo ela empregada de limpeza diária e, pelo menos uma das armas estava em local bem visível aquando da busca à residência.
Por fim, e a para rematar, fez, tal como o assistente, a percentagem de culpas entre as arguidas, sendo que para si a culpa era quase total da arguida C…, isto a atestar a sua animosidade para com esta arguida.
*
Por tudo quanto foi dito o tribunal concluiu, de forma inequívoca e sem qualquer margem de dúvidas, que a arguida C… era vítima de violência doméstica.
Refira-se que depois de produzida toda esta prova concluímos que a razão imediata da atuação da arguida B… foi o facto de durante alguns anos ter presenciado discussões e agressões do seu genro à sua filha, despoletadas pela doença de que padecia e daí termos dado como provado que foram esses factos que determinaram que a arguida B… tenha decidido mandar matar aquele actuando com perturbação emocional e com alteração do estado de consciência.
Tal afirmação baseou-se no exame pericial da arguida B…, de fls. 3203, realizado em 30.01.2015, onde se concluiu que esta arguida não apresenta atualmente psicopatologia aguda ou doença psiquiátrica de relevo. Está medicada e razoavelmente compensada por quadro depressivo. Mas também aí se concluiu que "os factos em apreço, tal como foram descritos, aconteceram durante um período longo de tempo em que a examinada foi sujeita a vivenciar acontecimentos violentos e de agressões e ameaças, são de gravidade considerada suficiente para desencadearem reações emocional intensas e perturbadoras. Estes estados de intensa perturbação emocional com alteração possível dos campos de consciência e portanto de alteração temporária de capacidades normais de avaliação e auto determinação são quadros psicopatológicos conhecidos e acontecem por exemplo no stress agudo pós-traumático ou nas psicoses psicogénicas. Assim sendo, nas condições descritas é possível admitir que à altura dos factos a examinada atuasse sob intensa perturbação emocional e com alteração do estado de consciência, embora sem perder a consciência da ilicitude",
Ora, pese embora do relatório se afirme se os factos aconteceram tal como foram descritos, aconteceram durante um período longo de tempo em que a arguida foi sujeita a vivenciar acontecimentos violentos e de agressões e ameaças, são de gravidade considerada suficiente para desencadearem reações emocional intensas e perturbadoras, o certo é que o tribunal deu como provado as agressões perpetrada pelo D… na pessoa da C…, agressões essas vividas pela arguida B…, como resultou da prova acima perscrutada, pelo que se terá, necessariamente, de concluir que esta arguida atuou sob perturbação emocional e com alteração do estado de consciência.
Já no que concerne à arguida C… foi o estado em que se viu naquele casamento provocado pelo comportamento do assistente - conforme emergiu da conjugação do depoimento das arguidas e das testemunhas - filha e amigas - que fomentou a sua reação, de não avisar o marido da intenção da mãe de o querer ver morto.
Documentalmente também se valorou o auto de busca e apreensão de fls. 53-83 onde se constata que no quarto da C… existia uma navalha do tipo ponta e mola (vide fotografia de fls. 86); no corredor de acesso entre a garrafeira e a garagem encontrava-se uma arma tipo carabina (vide fls. 48). Factos que corroboraram o depoimento das arguidas e da menor E…, quando referiram, ao contrário da testemunha P…, que não existiam armas em casa da arguida C….
Valorou-se a faturação detalhada de telemóvel ……… (arguida C…) de fls. 1059-1270; certidões extraídas do processo 86/08.0GBOVR, de fls. 1511-1606 e de fls. 1607-1672; autos de transcrições de interceções telefónicas - arguida B… - ……… (anexo 1) e autos de transcrições de interceções telefónicas - de certidão extraída do processo 86/08.0GBOVR (anexo 2).
Também se valorou a certidão da sentença da Regulação das Responsabilidades parentais referentes às menores E… e F… e a decisão de incumprimento, a fls. 3307 e 3337.
No que concerne à situação económico e social das arguidas valorou-se os relatórios sociais juntos aos autos.
Os antecedentes criminais das arguidas resultaram do CRC junto aos autos.
Vejamos, agora, dos factos concernente ao pedido de indemnização formulado pelo demandante D… contra as demandadas B… e C….
Afirma-se, desde logo, que quanto aos factos dados como provados concernentes ao pedido de indemnização cível atendeu-se ao depoimento do assistente D… (pese embora se tenha vislumbrado um certo exagero no seu depoimento), como já apreciado supra.
Ademais, nesta parte atendeu-se ao depoimento da testemunha AI…, que conhecia o assistente e à arguida C…, que depôs de forma credível.
Disse que o assistente era um bom amigo e alegre, gostava de viver e de ganhar dinheiro e não era gastador. Tinha decidido comprar um camião para deixar as viagens, mas depois ocorreu a tentativa de homicídio e esse projeto estagnou.
Referiu, também, que a partir dessa altura o assistente estava desolado, acabou a vontade de trabalhar e do negócio e isolava-se.
Afirmou que o afastamento do D… das filhas o devastou completamente, explicando que foi a separação do casal e das filhas que fez com que o assistente ficasse desolado.
Por fim, disse que o assistente gostava muito das filhas, mas só porque os via aos sábado juntos.
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A testemunha H…, amigo do assistente D…, referiu que este deixou de ser quem era porque de repente viu-se sem nada.
Afiançou que o assistente antes era bem-disposto, alegre e depois do que aconteceu mudou completamente, chegou a chorar pelo facto de o quererem matar e de não poder ver as filhas.
Disse que passou alguns dias de férias com a família do assistente e não viu nada de anormal, eram uma família comum.
Relatou que em …, onde o assistente trabalha, foi muito comentado o sucedido e este tinha vergonha e esteve um mês sem trabalhar.
Referiu que teve conhecimento que o assistente se tentou suicidar e dizia-lhe que depois do sucedido tinha medo de ir para casa depois da meia-noite.
Afirmou, por fim, que o assistente ganhava 2.200 a 2.300 euros por mês.
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Ora, atendendo às declarações do assistente e das testemunhas supra referidas, que prestaram um depoimento que se nos afigurou credível, resultaram os factos dados como provados concernentes ao pedido de indemnização cível.
Ademais, qualquer pessoa que soubesse que foi planeada a sua morte, só não tendo a mesma acontecido por razões alheias à vontade da mandante - a sua sogra - e com conhecimento da sua mulher, ficaria num estado de perturbação, ansiedade e com medo de que isso lhe acontecesse.
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Factos não provados
As arguidas alegaram que viviam um clima de terror em virtude do comportamento do arguido.
Ora, pese embora se tenha dado como provado que o D… agredia, insultava e ameaça a arguida C… não ficou demonstrado que os mesmos fossem geradores de um clima de terror.
Quanto ao factos da arguida B… ter sido induzida a matar o genro pelo I… e J… apenas demonstrado ficou que estes iam alimentando a ideia que matariam o D… porque viram que podiam "sacar" muito dinheiro à arguida, mas coisa diversa é serem estes os incitadores da morte, o que minimamente não se provou.
Que o comportamento do D… tenha levado a que a arguida B… tenha ficado de cama, sem forças para se levantar, quase anosognósica, pese embora o relatório médico emitido a fls. 780 e 781 dos autos o diga, o mesmo não foi comprovado por ninguém.
Ademais, alegou a arguida B… que se fez o que fez era porque "estava tola".
A alegada inimputabilidade da arguida B… não foi dada como provada porquanto resultava já do relatório de perícia médico-legal de psiquiatria realizado pelo serviço de clínica forense do gabinete médico-legal de se Maria da Feira, junto a fls. 2960 a 2961, que a arguida não apresentava quaisquer sinais de padecer ou ter padecido de anomalia psíquica que a tornasse incapaz de, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.
Por outro lado, dos atestados juntos aos autos e declarações médicas também, não se evidencia qualquer alteração psíquica grave (vide fls. 780 a 781), já que aí o clínico subscritor conclui que é seu parecer "que esta doente se encontre psicologicamente no seu estado normal, e ter dúvidas sobre o seu estado de inimputabilidade", mas o próprio reconhece que não é perito na área. De igual modo, do relatório de fls. 1047 também apenas consta que a arguida "apresentava transtornos depressivos constantes". De igual modo, do registo clinico dos serviços prisionais apenas resulta que a arguida padecia, à data da sua reclusão (ou seja, logo após a prática dos factos que lhe são imputados, situação a que acrescia o stress de se encontrar sujeita a uma recente prisão preventiva) de um quadro ansioso, com sintomatologia depressiva. E o mesmo se diga quanto "informação clínica", junta a fls. 2213 a 2214, pois que da mesma também apenas se extrai um quadro depressivo (salientando-se a ressalva aí expressa pelo Subscritor "( ... ) informações reveladas pela doente ( ... )". Ou sej a, daqui nada se conclui pela inimputabilidade da arguida quer aquando dos factos quer atualmente.
Aliás, o próprio relatório pericial efetuado no IML concluiu pela imputabilidade da arguida.
Quanto aos factos não provados do pedido cível os mesmos resultaram de falta de prova ou prova que sustentasse essa afirmação.
III. O Direito
3.1. Generalidades.
As arguidas vêm pronunciadas pela prática:
_ A arguida B…, como autora, de um cnme de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 132.°, n.º 2, al. j), 22.°, n.º 1,23.°, nºs. 1 e 2 e 73.°, todos do Código Penal.
- A arguida C… como autora de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, por omissão, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131.°, 132.°, n.º 2, al. b), 10.°, 22.°, n.º 1, 23.°, nºs 1 e 2 e 73.°, todos do Código Penal.
Importa, antes de mais, analisar os elementos típicos desta infração, de forma a concluir pela correta qualificação jurídico-criminal das condutas das arguidas e resolver se estas integram o crime citado, que lhes é imputado, sendo que à arguida B… a título de ação e a arguida C… a título de omissão e para tal cumpre apreciar as seguintes questões:
- Se a arguida B… praticou o crime de homicídio, na forma tentada;
- Na afirmativa se o crime é qualificado ou privilegiado;
- Se a arguida C… praticou o crime de homicídio tentado, por omissão;
- Na afirmativa se o crime é qualificado.
3.2. Do crime de homicídio tentado, na forma tentada
Dispõe o tipo base do crime de homicídio previsto no artigo 131.° do Código Penal (são deste diploma legal as normas doravante citadas sem menção da sua proveniência) que:
"Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.".
O bem jurídico protegido pelo tipo legal do crime de homicídio é a vida humana, qualquer vida humana - independentemente da nacionalidade, raça, credo ou opinião da pessoa - contra qualquer forma de ataque, enquanto bem jurídico primeiro e fundamental, também tutelado constitucionalmente (Cf artigo 24.º da Constituição da República Portuguesa). O direito à vida "é, logicamente, um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais" e "é material e valorativamente o bem (...) mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto" (Assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume 1, pág. 446 e 447). Titulares da vida humana são somente as pessoas singulares vivas, ou seja, a partir do nascimento. E não já as pessoas coletivas, nem as pessoas ainda não nascidas, nem as pessoas mortas (Assim, também, Gomes Canotilho e Vital Moreira, loco cit., pág. 447 e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal À Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pág. 344.).
Deste tipo legal fundamental dos crimes contra a vida descrito no artigo 131.°, a lei parte para, nos artigos seguintes, prever as formas agravada e privilegiada, fazendo para tanto acrescer, ao tipo-base, circunstâncias que o qualificam por revelarem especial censurabilidade ou perversidade ou que o privilegiam por constituírem manifestação de uma diminuição da exigibilidade.
O artigo 132.°, que prevê o crime de homicídio qualificado, determina no seu n.º 1 que esse crime é cometido "Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade".
Da conjugação dos artigos 131.° e 132.° com o disposto no artigo 13.° resulta que os tipos subjetivos do ilícito de homicídio simples e do homicídio qualificado exigem o dolo em qualquer das suas modalidades, ou seja, dolo direto, necessário ou eventual. O dolo é direto quando o agente age "representando um facto que preenche um tipo de crime" e "atuar com intenção de o realizar", conforme deflui do nº 1 do artigo 14.° do Código Penal.
Enquanto uns autores, como Jorge de Figueiredo Dias (ln Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo l, pág. 42 e 43), entendem o dolo do tipo de ilícito do homicídio qualificado como dirigido unicamente aos elementos típicos do tipo de ilícito do homicídio simples, pois que o tipo de ilícito de ambos é o mesmo, outros, como Teresa Serra (ln Homicídio Qualificado Tipo de culpa e medida da pena, Almedina, 1992, pág. 77 a 79), entendem que o dolo deve abarcar também, enquanto representação e vontade do agente, os exemplos-padrão ou pelo menos os que respeitam ao "desvalor objetivo da conduta". Não é inócuo cometer um ou outro desses crimes: conforme resulta desses normativos, enquanto no homicídio simples o agente é punível com pena de prisão de 8 a 16 anos, o agente do homicídio qualificado é punível com pena de prisão de 12 a 25 anos.
Tendo presente a pronúncia deduzida nos autos contra as arguidas, de acordo com o n.º 2 do citado artigo 132.°, "É suscetível de revelar especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: j) Agir com frieza de ânimo ou persistir na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas.
O tipo objetivo do crime de homicídio simples é de fácil compreensão normativa e de ostensiva intuição leiga: matar uma pessoa significa tira-lhe a vida e reporta-se a pessoas já nascidas. É um crime de dano e de resultado.
As circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.° são elementos da culpa, enquanto suscetíveis de, entre outras, revelar a especial censurabilidade ou perversidade do arguido (Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, pág. 29 e 41).
O homicídio qualificado resulta de a morte ter sido produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade (artigo 132.°, n.º 1 - tipo de culpa, constituído por uma cláusula geral), fornecendo o legislador um enunciado, meramente exemplificativo, de circunstâncias, cuja verificação nem sempre se revela qualificadora (artigo 132.°, n.º 2 - enumeração não taxativa de circunstâncias suscetíveis de revelarem especial censurabilidade ou perversidade). O método de qualificação combina um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica dos exemplos-padrão. A qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral, descrito com conceitos indeterminados (n.º 1), cuja verificação é indiciada por circunstâncias, umas relativas ao facto, outras ao autor, elencadas no n.º 2, a título exemplificativo (cfr. Ata da 2." Sessão da Comissão Revisora do Código Penal, de 17 de março de 1966, Ata n.º 20, de 13 de dezembro de 1989, da Comissão de Revisão, Atas e Projeto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, p. 188 e ss .. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, pág. 25 e ss., Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Livraria Alrnedina, Coimbra, 1990, p. 58 e ss.).
Enquanto a especial censurabilidade se reporta às componentes da culpa relativa ao facto, com a referência à especial perversidade tem-se em vista as componentes da culpa relativas ao agente. A especial censurabilidade ou perversidade está ligada ao conceito de "reprovabilidade" (grau de rejeição, de incompreensão, da sociedade a quem repugnam as tendências egoístas do agente) e não tanto ao conceito de "perigosidade".
Em caso de dúvida de que alguma circunstância especial da pessoa do agente ou do facto possa atenuar, a ponto de retirar a agravação, o tribunal deve seguir a orientação dada pela valoração feita pelo legislador.
Como ensina Figueiredo Dias (ln Comentário Conimbricense ..., Tomo I, pág. 25 e 26.), no homicídio qualificado "a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral e extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados: "a especial censurabilidade ou perversidade" do agente referida no n.º 1; verificação indiciada por circunstâncias ou elementos uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente elencados no n.º 2. Elementos estes assim, por um lado, cuja verificação não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; e cuja não verificação, por outro lado, não impede que se verifiquem outros elementos substancialmente análogos (não deve recear-se o uso da palavra "análogos"!) aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador. Deste modo devendo afirmar-se que o tipo de culpa supõe a realização dos elementos constitutivos do tipo orientador (...) que resulta de uma imagem global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo de culpa tido em conta no artigo 132.°, n.º 2."
Acerca dos conceitos de censurabilidade e perversidade, escreve Teresa Serra ln Homicídio Qualificado (Tipo de Culpa e Medida da Pena, pág. 63): "Dominantemente, entende-se que só se pode decidir que a morte foi causada em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade do agente através de uma ponderação global das circunstâncias externas e internas presentes no facto concreto. A ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a conceção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito. No artigo 132.°, trata-se duma censurabilidade especial: as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que refletem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores. Nesta medida, pode afirmar-se que a especial censurabilidade se refere às componentes da culpa relativas ao facto, ou seja, funda-se naquelas circunstâncias que podem revelar um maior grau de culpa como consequência de um maior grau de ilicitude. Importa salientar - continua ainda esta autora - que a qualificação de especial se refere tanto à censurabilidade como à perversidade. A razão da qualificação do homicídio reside exatamente nessa especial censurabilidade ou perversidade revelada pelas circunstâncias em que a morte foi causada. Com efeito, qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana, revela já a censurabilidade ou perversidade do agente que o comete. No homicídio qualificado o que está em causa é uma diferença essencial de grau que permite ao juiz concluir pela aplicação do artigo 132.° ao caso concreto, após a ponderação da circunstância indiciadora presente ou de outra circunstância suscetível de preencher o chamado Leitbild dos exemplo-padrão.".
Tal como se escreve no ac. do STJ de 5.07.2011 "A censurabidade especial que fala o art.º 132.°, do CP, reporta-se às circunstâncias em que a morte foi causada, que sendo de tal modo graves refletem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com certos valores, visível na realização do facto.
VI. A especial perversidade revela uma atitude profundamente rejeitável, constituindo um indício de motivos e sentimentos absolutamente rejeitados pela sociedade, reconduzindo-se a uma atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo do autor de que fala Binder, que denota qualidades desva1iosas da sua personalidade - Cfr. Comentário Conimbrincense do CP, pág. 29 e Teresa Serra, op. Cit., pág. 63.
VII - A especial perversidade revela de um egoísmo abominável, assentando a decisão de matar em grande reprovação, deixando-se o agente motivar por fatores desproporcionados, aumentando a intolerância coletiva ante o facto; a especial censurabilidade denota que o agente se não deixou vencer por fatores que o deviam levar a abster-se de atura, traduzindo um profundo desrespeito ante padrões axiológicos-normativos preestabelecidos - Ac. Deste STJ, de 18.09.2006, Proc. n. ° 062679" (in http://www.dgsi.pt/jstj).
Por conseguinte, sublinha-se, não basta o preenchimento objetivo de uma qualquer ou de várias das alíneas do n.º 2 do mencionado artigo 132.º, ou de qualquer outra circunstância substancialmente análoga às aí descritas, para que o tipo qualificado de homicídio esteja preenchido. É, pois, sempre necessário que, além do preenchimento objetivo de pelo menos uma dessas alíneas ou de circunstância substancialmente análoga, também se proceda à autónoma comprovação da existência de uma especial censurabilidade ou especial perversidade do agente. É jurisprudência unânime, de que são meros exemplos os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de fevereiro de 2012, de 31 de janeiro de 2012, de 23 de novembro de 2011 e de 27 de maio e 14 de outubro, ambos de 2010, todos acessíveis em www.dgsi.pt. Assim, a comprovação, no facto em concreto, de circunstâncias que preenchem um dos exemplos-padrão tem um efeito de indício da especial censurabilidade ou perversidade, efeito de indício esse que, pode todavia ser afastado mediante a verificação de outras circunstâncias que o anulem, quer dizer, que constituam contraprova bastante do efeito de indício ligado à afirmação de uma das circunstâncias do n.º 2 do artigo 132.° (Teresa Serra, Homicídio Qualificado, pág. 61 e ss).
Das alíneas do citado artigo importa considerar apenas o conceito de praticar o facto contra cônjuge e da alínea j) Agir com frieza de ânimo ou persistir na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas, já que não se vislumbra a aplicação nos autos das restantes circunstâncias aí mencionadas.
Na alínea b) estão em causa os laços conjugais com a vítima, que devem constituir para o agente fatores inibitórios acrescidos, cujo vencimento supõe uma especial censurabilidade.
A premeditação revela a atitude de elaboração mental e reflexão no propósito criminoso do agente, que merece uma censurabilidade acrescida da conduta. São indícios dessa atitude a frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregues e a persistência na intenção de matar por mais de 24 horas. A frieza de ânimo tem sido definida como o agir "de forma calculada, com imperturbada calma, revelando indiferença e desprezo pela vida" um comportamento traduzido na "firmeza, tenacidade e irrevocabilidade da resolução criminosa" (ac. do STJ de 06.04.2006); a jurisprudência do nosso mais alto Tribunal tem afirmado que a frieza de ânimo é uma ação praticada a coberto de evidente sangue frio, pressupondo um lento, reflexivo, cauteloso, deliberado, calmo, imperturbado processo de execução do crime, que maquinou, por forma a denotar insensibilidade e profundo desrespeito pela pessoa e vida humana (Ac. do STJ de 26.09.07), traduz-se na formação da vontade de praticar o facto de modo frio, reflexivo, cauteloso, deliberado, calmo na preparação e execução, persistindo na resolução.
Posto isto, cumpre referir que o tipo de crime pode apresentar-se na forma consumada ou tentada. A tentativa só é punível se ao crime consumado corresponder pena de prisão superior a três anos (artigo 23.º, n.º I), ou então quando a norma especial prevê a sua efetiva punição. Inexistindo objeto essencial à consumação do crime a tentativa não é punível (cf n.º 3 da mesma norma legal).
Para que um crime seja praticado na forma tentada exige-se que o agente pratique factos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se (artigo 22.°), sendo atos de execução todos os referidos nas diversas alíneas do artigo 22.°. Nas alíneas a), b) e c) desta norma elencam-se respetivamente os atos de execução como (a) os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; (b) os que forem idóneos a produzir o resultado típico, ou os que, (c) segundo as regras da experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam atos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.
De particular no homicídio qualificado tentado importa referir que sendo - como é (Tese que se perfilha, de harmonia com o largo entendimento doutrinal e jurisprudencial, e sustentada por Jorge Figueiredo Dias, além do mais, na anotação aos artigos 131.° e 132.° na citada obra Comentário Conimbricense) - O tipo objetivo do ilícito do homicídio qualificado o mesmo que o previsto para o homicídio simples, os atas de execução e respetivo dolo do agente reclamado pelo tipo são os supra enunciados. Assim a questão nuclear da tentativa do homicídio qualificado consiste em apurar "se - partindo uma vez mais da factualidade representada pelo agente - os atos de execução praticados revelam já a especial censurabilidade do agente. Em caso afirmativo o agente deve ser punido por tentativa de homicídio qualificado; em caso negativo por tentativa de homicídio simples" Cf. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense. pág. 43.
Sobre esta questão refere Figueiredo Dias, ln Direito Penal questões fundamentais, A doutrina Feral do Crime 1976, pág. 176, que é indiscutível que a questão do início da tentativa relativamente ao autor mediato só pode colocar-se a partir do momento em que ele começa a exercer a sua influência sobre o instrumento. Escreve ainda que "Se a autoria mediata é, nos termos do art.º 26. o, execução de facto por intermédio de outrem, o ponto de partida para a resolução do problema de agora deve residir na afirmação de FRANK (...) segundo a normalidade do desenvolvimento das hipóteses de autoria mediata, o principio de FRANK é válido para a generalidade dos casos; sem no entanto dever excluir-se que, em casos excecionais devidamente comprovados - nomeadamente, mas não só, nos casos em que o instrumento seja a própria vítima -, a atuação do autor mediato possa compreender já a prática de atas de execução, o que, no nosso entendimento do disposto no art.° 22°/c), sucederá quando no fim da atuação do agente mediato, existir já uma conexão de perigo tipica para o bem jurídico ameaçado: em tal caso (...) será nesse momento que deve considerar-se iniciada a tentativa do autor mediato. "Figueiredo Dias, ibidem, § 86, pág. 820 e s.
Como referimos, para se falar em tentativa, tal como se refere no art.° 22.º, n.º 2, é necessário que sejam praticados atas de execução de um crime e os atas de execução ou preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime, ou são idóneos a produzir o resultado típico ou são de natureza a fazer esperar que se lhes sigam atos das espécies anteriores.
Se se verificar que os atos praticados pelo agente não são atos de execução diz-se que a tentativa é inidónea; caso falte o objeto diz-se que a tentativa é impossível. Com efeito, o art.° 23.º n.º 3, estabelece que a tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência de objeto essencial à consumação do crime.
É um juízo de probabilidade que define a aptidão da idoneidade do meio empregado pelo agente.
Para que se apresente a inaptidão como não manifesta é suficiente que perante os padrões normais de experiência de uma determinada comunidade aquela conduta desencadeie a dúvida razoável e pertinente sobre se o fim ilícito visado não viria a ser atingido.
A essência da punibilidade da tentativa impossível está "na avaliação da perigosidade referida ao bem jurídico, sendo certo que nesta hipótese, em boas contas, o bem jurídico não existe, o que há é uma aparência de bem jurídico e neste sentido pareceria que a tentativa impossível quando não fosse manifesta a inexistência do objeto, também não deveria ser punível, pois que falta o bem jurídico. Todavia tem de se fazer apelo, neste ponto, a uma ideia de normalidade - segundo as aparências - que se baseia num juízo ex ante de prognose póstuma. É que, entende-se, dado o circunstancialismo em que o agente atuou o desvalor da ação merece ser punido não obstante não existir o bem jurídico. E merece-o porque denotou perigosidade em relação a um bem jurídico ainda que este assuma a forma de mera aparência. Mas mesmo que assim se não entenda é correto dizer-se que o direito penal ao visar primacialmente a proteção de bens jurídicos precipitados no tipo legal não pode esquecer, do mesmo passo, que a norma incriminadora - na sua dimensão de determinação - também proíbe as condutas que levam à violação ou perigo de violação daqueles bens jurídicos, Faria Costa, Formas do Crime, pág. 165.
O meio ou é inidóneo ou carece de objeto e, por isso, a tentativa é inidónea ou o crime é impossível, mas se não forem manifestas a inidoneidade do meio ou a carência do objeto o agente será punido, conforme dispõe o n° 3 do art.º 23.°. GERMANO MARQUES DA SILVA; Direito Penal Português, Parte Geral, IL Teoria do Crime, Editorial Verbo, 1998, p. 248.
O n.º 3 do art.º 23.º condiciona a não punibilidade da tentativa impossível a que a inidoneidade do meio empregado ou a inexistência do objeto sejam manifestas. Se, pelo menos aparentemente, se verifica um perigo objetivo, entendem muitos que se justifica a punição, pela intranquilidade que o ato cria. É este perigo objetivo - embora aparente - que pode causar alarme e intranquilidade social e que assim, está apto a fundamentar a punição do agente, GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem, p. 250
Interesse já há em saber qual o critério decisivo para se saber se acabou a tentativa, "se o ponto de vista subjetivo, se o ponto de vista objetivo; e, neste último caso, se decisiva é a realidade do acontecimento ou antes a sua normalidade, segundo as regras da experiência e do id quod plerumque accidit".
Poderia haver uma tentativa acabada perante o "instrumento" e inacabada perante o resultado.
Mas a fórmula decisiva será a da conexão de perigo típica, tendo evidentemente em conta (como é sempre indispensável) as concretas circunstâncias do caso de tentativa acabada, FIGUEIREDO DIAS, ibidem, p. 711
O problema tem interesse a nível da desistência, pois que se o agente criou todas as condições de realização integral do tipo (tentativa acabada), somente uma sua intervenção ativa poderá impedir a realização em curso, o que implica o recurso às representações do agente sobre o grau de alcance da realização do facto a fim de se poder concluir se se explicitou todo o seu plano para a realização integral do facto, confiando na sua verificação, FIGUEIREDO DIAS, ibidem, p.733 e 734.
Traçado este quadro normativo, projetemos nele as condutas apuradas. Vejamos, primeiramente, desde logo quanto à arguida B….
Da matéria de facto apurada resultou provado, com relevo, quanto a esta arguida, que ela formulou o plano de matar D…, e nessa sequência, "contratou" J…, que lhe transmitiu que o iria fazer ou alguém a seu mando. Convenceu-se, então, que este e o I…, quando assim o decidissem, levariam a cabo, por si próprios, ou por pessoas a seu mando, a tarefa de pôr termo à vida do B… que lhes encomendara, tendo-lhe entregue quantias em dinheiro e ouro para pagar o "serviço".
Mais se apurou que a arguida B… informou o J… e I… do número de telefone do B…, dos seus hábitos, nomeadamente, os percursos que fazia, aquando das suas viagens, bem como as caraterísticas do camião que conduzia, tendo-lhes ainda entregue uma fotografia do mesmo, para que o pudessem identificar.
Apurou-se ainda que a arguida B…, ao delinear o plano criminoso acima descrito, contratando os referidos J… e I… para o realizar, ao entregar aos mesmos quantias em dinheiro e outros valores e ao fornecer-lhes os pormenores identificativos da pessoa a quem teriam de eliminar, tinha plena intenção de causar a morte ao D…, bem sabendo que a sua conduta era adequada a conseguir tal desígnio criminoso, só não o tendo conseguido por circunstâncias completamente alheias à sua própria vontade, nomeadamente pelo facto dos contratados para levar a efeito tal plano terem decidido não executar tal tarefa, abortando, desta forma, o plano criminoso da arguida.
Mais se apurou que a arguida agiu de forma voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Agora perguntamos: pode deste modo a arguida B… assumir a qualidade de autora.
A ação visada pela arguida B… envolveria a prática de um crime de homicídio, mas no âmbito do crime tentado, já que, como sabemos, o homicídio não veio a suceder.
Ora, esta arguida – B… - encomendou um crime, encomenda essa que era idónea ao resultado morte e ela confiou nos meios e nos contactos por si estabelecidos, bem como, de algum modo planeou o "modus operandi'' e disponibilizou dinheiro para a realização da "sua encomenda", pelo que estes atos eram de molde a integrar a previsão do artigo 26.º, na modalidade de autoria mediata.
A arguida B… encomendou a morte do seu genro a outra pessoa, acordou em dar ao mandante pela prestação do facto dinheiro, o que fez, e este aceitou, vindo a pagar-lhe uma determinada quantia, tendo-lhe dado informações e indicações relacionadas com a prática do facto, e convenceu-se que o facto seria praticado pelo executor e ficou na expetativa da sua consumação.
No entanto, no caso em apreço, existiu um acordo prévio entre a arguida B… e as pessoas por ela contactadas, mas apenas visto unilateralmente pela perspetiva desta arguida, em que esta ficou convencida que existia um acordo e este seria cumprido por outrem.
Podemos assim afirmar que a arguida B… ao delinear o plano criminoso, contactando outrem para o realizar, ao entregar-lhe dinheiro pelo pagamento do serviço letal, e, dando indicações relacionadas com a prática do facto, tinha plena intenção de causar a morte da pessoa visada, por intermédio de outrem, agindo de forma voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta é reprovável e censurável.
Efetivamente, só não tendo conseguido a concretização do facto, por circunstâncias completamente alheias à sua própria vontade, pois que os executores não vieram a praticar o facto, nem praticaram qualquer ato de execução, outrossim tendo sido a arguida "apanhada" na sua própria rede.
Todavia, as pessoas contactadas para providenciarem pela concretização do facto, no comportamento assumido para com a arguida, sempre objetivamente revelaram efetiva adesão à proposta daquela alimentando a convicção e confiança da arguida na relação sinalagmática assim estabelecida.
N a verdade, da aceitação da sinalagma pelo aliciado, [decorre que, se o "homem de trás" mudar de ideias e comunicar ao aliciado que não pagará a prestação inicialmente proposta, ou que, afinal, já não pretende a execução do facto, o aliciado não cometerá o facto punível. Ora, quem tem nas mãos a ultima decisão sobre a execução do facto possui, do mesmo passo, aquele poder de supra-determinação do processo causal, conducente à realização do tipo legal de crime, que é a quinta essência do domínio do facto. (…) Quanto ao aliciado verifica-se que ele, nas circunstâncias referidas, aceita a tarefa de executor do plano criminoso do agente mediato e subordina-se inteiramente à vontade deste. Daí que deva entender-se que o domínio do facto, sob a forma de domínio da vontade, cabe ao agente mediato, sem embargo de também o executor ter o domínio do facto, sob forma de domínio da ação.] - (cfr. Maria da Conceição Valdágua - ibidem - pgso937o).
Podemos afirmar que até ao momento de ser detida, a arguida deteve o domínio do facto, aguardando que pela subordinação voluntária à sua vontade, o "executor" o concretizasse.
É, assim, evidente a participação da arguida B… em todo o plano engendrado. Ela era a mola impulsionadora de tudo o que a seguir se deveria passar. Foi ela que determinou a resolução criminosa.
A arguida só não conseguiu os seus intentos por circunstâncias completamente alheias à sua própria vontade, nomeadamente pelo facto da pessoa ou pessoas contratadas para levar a efeito tal plano, estarem a ser escutadas no âmbito de um processo judicial, o que levou à detenção da arguida e, desta forma, ser abortado o seu plano criminoso.
Aliás, sempre poderia substituir o "executor", nomeadamente perante a posterior recusa do anteriormente seleccionado que motivou a atuação policial.
"Executor" pode não ser necessariamente o executante físico do facto; tanto pode abranger o executante físico - executor, em sentido fáctico - como abranger o intermediário que transmite ao executante físico os termos ou condições da vontade do autor mediato, que tem o domínio do facto, para a execução do mesmo facto.
O comportamento da arguida assumido na encomenda do crime, na idoneidade e confiança reconhecidas ao contacto estabelecido para a concretização daquele, o fornecimento de detalhes relacionados com a prática do mesmo, e o ajuste de dinheiro para pagar o serviço letal encomendado, ocorreu com vista a conduzir ao efeito ilícito por ela pretendido, de causar a morte de alguém, por intermédio de outrem, pelo que é de molde a integrar a previsão do artigo 26.° na modalidade de autoria mediata na forma tentada prevista no artigo 22.°, 2. al. c).
Na verdade, a tentativa não era inidónea, face ao desconhecimento do mandante da inexistência de propósito do executor em cometer o crime, sendo que podia sempre substituir o executor.
o crime não era impossível, por o mesmo ter objeto. A arguida não desistiu de prosseguir na sua execução, nem desenvolveu esforços no sentido de impedir a sua consumação, sendo que desenvolveu todos os atas de execução integrantes da sua esfera de decisora e condutora do facto - necessários e adequados à concretização por outrem do resultado objeto do seu plano criminoso -, que segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, eram de natureza a fazer esperar que se lhes seguisse a consumação do crime pelo intermediário.
A respeito de uma situação de contornos semelhantes, veio o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão datado de 18.06.2009, publicado no DR l.ª Série 139 em 21-07-2009, a fixar jurisprudência nos seguintes termos: «É autor de crime de homicídio na forma tentada p. p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22°.1.2.c), 23°,26°, 131° todos do Código Penal, quem decidiu e planeou a morte de uma pessoa, contactando outrem para a sua concretização, que manifestou aceitar, mediante pagamento de determinada quantia, vindo em consequência o mandante a entregar-lhe parte dessa quantia e a dar-lhe indicações relacionadas com a prática do facto, na convicção e expectativa dessa efetivação, ainda que esse outro não viesse a praticar qualquer ato de execução do facto.».
O entendimento do citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que assentou na ideia de que "o comportamento do arguido assumido na encomenda do crime, na idoneidade e confiança reconhecidas ao contacto estabelecido para a concretização daquele, o fornecimento de detalhes relacionados com a prática do mesmo, e o ajuste de dinheiro para pagar o serviço letal encomendado, ocorreu com vista a conduzir ao efeito ilícito por este pretendido, de causar a morte a alguém, por intermédio de outrem, pelo que é de molde a integrar a previsão do artigo 26.º do Código Penal na modalidade de autoria mediata na forma tentada prevista no art.° 22.°, n.º 2, do mesmo diploma legal".
Ora, os acórdãos de fixação de jurisprudência têm um peso próprio que lhes é conferido pelo facto de provirem do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser seguidos pelas instâncias, a não ser que se invoquem argumentos novos, não considerados na decisão que fixa a jurisprudência em causa.
Perante o quadro fáctico apurado, impõe-se considerar desde já, verificado relativamente a B…, o tipo legal de ilícito do homicídio simples tentado, por referência aos artigos 131.°,22.°, n.ºs 1 e 2, alínea b) e 23.°.
Mas, para que se possa falar do crime de homicídio doloso (mesmo na forma tentada) é necessário que tenhamos sempre, para além de uma ação típica e ilícita, o correspondente suporte volitivo/subjetivo.
Da matéria apurada, o tribunal concluiu que a arguida B… atuou com o objetivo de tirar a vida a D…, o que, saliente-se, não veio a acontecer por razões alheias à sua vontade.
Face ao que apurado resultou da prova produzida, agiu a arguida com dolo direto.
*
Vejamos agora da subsunção do comportamento da arguida C… ao direito. Para aferir do comportamento desta arguida, além do que já acima se referiu sobre os elementos do crime de homicídio, urge chamar e apreciar a figura da comissão dos crimes por omissão.
Na arquitetura do crime (comportamento humano, ilícito, típico e culposo), a conduta, enquanto negação de valores ou interesses de uma dada comunidade, pode exprimir-se de uma forma positiva - o fazer -, ou de uma forma negativa - o não fazer.
Dito de outra forma, com a ação «viola-se a norma jurídica fazendo o que a lei proíbe», com a omissão «viola-se a norma jurídica, não fazendo o que a lei manda.».
A omissão, sendo a abstenção de atuar, pode ser simples ou própria (a que se exprime por um «comportamento negativo voluntário ou imprudente, ainda que não conduza a um resultado material») ou comissiva ou imprópria (se materializada numa «abstenção que produz um resultado material proibido - V.g. a morte provocada pela não alimentação de um filho de tenra idade») (Simas Santos e Leal Henriques, Noções Elementares de Direito Penal, 46).
A lei penal refere que quando o tipo compreende o chamado evento ou resultado (como por exemplo acontece com a morte no homicídio) o facto abrange não só a ação como também a omissão adequadas à sua produção.
É o que estatui o art.º 10.°, n.º 1.
Ou seja, o que promana do preceito citado é, por um lado, a equiparação da omissão à ação, e, por outro, que a ligação da conduta ao resultado tem que ser vista em termos de causalidade adequada, de harmonia com a qual a causa de determinado resultado é a que for adequada ou idónea para o produzir, segundo as máximas da experiência e a normalidade do acontecer.
Só assim não será, isto é, a equiparação não terá lugar, se outro for o sentido da lei. Sintetizando e concluindo, podemos afirmar que se um comportamento omissivo provocar um certo resultado típico é de considerá-lo, para efeitos penais, como se tivesse sido produzido por ação (ou seja, se não fosse a omissão o resultado não se teria produzido).
Esta regra, porém, não é absoluta, já que comporta restrições.
Uma delas já foi antes apontada e que se consubstancia na ideia de que a equiparação não se verificará se for outra a intenção da lei.
Assim acontecerá, por exemplo, nos casos de crimes de execução vinculada ou em que o legislador relaciona a censurabilidade da ação com essa forma vinculada de execução, como acontece com a coação, com a generalidade dos crimes sexuais ou com a burla, em que há que verificar, autonomamente, se, no caso concreto, a omissão corresponde ou é equiparável à ação.
No crime de homicídio, porém, tal restrição não se põe já que o tipo correspondente se limita a incluir a exigência de um resultado (a morte) sem lhe associar qualquer forma vinculada de execução.
A outra restrição consagrada na lei está inscrita no n.° 2 do referenciado art.º 10.º, ao pressupor que a omissão só é punível quando sobre o omitente recair um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar o resultado decorrente da sua omissão.
Trata-se de uma restrição de reconhecido melindre, já que o legislador não nos fornece pistas seguras que nos elucidem sobre qual a fonte desse dever jurídico (lei, contrato, situação concreta criada), nem quando se pode afirmar que, existindo esse dever, o omitente está pessoalmente obrigado a evitar o resultado proibido.
O Prof. Figueiredo Dias lança alguma luz sobre a questão ao ponderar: «A doutrina tradicional era, como se sabe, no sentido de que tal ocorreria quando a posição de garante derivasse da lei, de um contrato ou de urna situação de ingerência, é dizer, de perigo para bens jurídicos criados, ainda que não culposamente, pelo próprio omitente.
Esta doutrina fortemente restritiva encontra-se de algum modo em crise e à qual não é estranha, decerto, uma muito mais afinada sensibilidade que hoje se possui para os valores e experiências de solidarismo e da comunidade de vida.
Mas não deixa de ser certo também que um alargamento desmesurado das fontes donde deriva ou onde se ancora a posição de garante poria em sério risco as exigências de segurança das pessoas e de determinabilidade dos tipos incriminadores, que constitucionalmente se ligam ao princípio da legalidade em direito penal.». (Pressupostos da Punição, 55).
Ou seja: o ponto de equilíbrio a encontrar não pode ir buscar-se nem nos limites do restritivo nem nos da ampla abertura.
Por isso o ilustre Mestre proclama: «Uma coisa me parece certa: a lei, o contrato, a ingerência, não devem constituir fontes do dever de garantia, mas só planos em que aquele se deve refletir, por homenagem às exigências que acabo de referir.,. Vê-se, assim, que decisiva é uma relação prática de proximidade - digamos existencial - entre o omitente e determinados deveres jurídicos que ele tem o dever pessoal de proteger ou entre o omitente e determinadas fontes de perigo por cujo controlo é pessoalmente responsável.
Que com isto se alarga o catálogo das situações em que o dever de garantia se afirma, é indiscutível; sem que todavia se possam dizer postas irremediavelmente em causa as exigências decorrentes do Estado de Direito ...» (ibidem).
Nos crimes omissivos "impuros", o dever de agir para evitar um resultado deriva de uma posição de garantia. São também chamados omissões "impróprias" por estarem unidas a um resultado que em condições normais é causado por uma ação. Pune-se aquele que, sendo garante, numa situação de perigo efetivamente nada faz para afastar a ameaça de lesão de outrem.
Os laços familiares impõem deveres de garantia. Todavia, nem todos aceitam que das relações conjugais derivam deveres de garante, mas não há dúvidas que qualquer um dos cônjuges espera auxílio do outro e confia na sua proteção em situações de necessidade, rectius, de apuro, como coisa natural e justificada. Os vínculos conjugais determinam, pelo menos, o dever jurídico de ambos se protegerem e ajudarem, de acordo com as suas forças, em caso de perigo para a vida. Quanto ao dever de cooperação e quanto ao dever de assistência, respetivamente art.º 1672, do CC. Mas já não se compreende tão bem um tal dever recíproco de proteção quando o casamento está desfeito e, sobretudo, se os cônjuges fazem vidas separadas. Neste caso, pelo menos, a confiança recíproca nas situações de necessidade já se não justifica.
Aqui chegados temos de concluir que a arguida C… tinha o dever de garante para com o seu marido D…, porquanto era sua mulher e viviam em comunhão de mesa e habitação.
Coloca-se agora a questão de na falta de resultado da possibilidade de crime de comissão por omissão na forma de tentativa face à resolução de o sujeito não evitar o resultado. Ou seja, o agente para praticar o crime por omissão tem que omitir determinada ação de salvamento de cuja realização resultaria a possibilidade de evitar o resultado, e o que o n.º 1 do art.º 10.º diz "omissão adequada a evitar o resultado". A doutrina entende que é compatível sustentar-se que a tentativa dos delitos omissivos se inicia no momento em que a ordem jurídica exige de alguém que não viole o seu dever de garante permanecendo inativo.
Urge agora apreciar a questão que é a de saber quando a situação para o bem jurídico em perigo é de tal modo ameaçadora que o garante tem que atuar, cumprindo o seu dever?
Ora, a tentativa inicia-se no exato momento em que o perigo entra numa fase aguda e o garante continua inativo ou no momento em que renuncia à possibilidade de intervir e deixa que as coisas sigam o seu rumo.
Urge também apreciar a causalidade da omissão, a qual existira se, com a execução da ação pelo omitente, tivesse sido possível evitar o resultado. Entendemos que a omissão é causal do resultado produzido se a ação omitida (contra o dever), portanto esperada ou devido teria realmente diminuído o risco de ameaça ao bem jurídico que nesse resultado se veio a concretizar.
Os crimes omissivos próprios não admitem mesmo, mas os omissivos impróprios admitem. Crime omissivo impróprio é aquele em que o agente não tem simplesmente o dever de agir, mas tem o dever de evitar o resultado.
Dito isto, que inegavelmente responde de forma cabal à situação em análise, não se mostra possível furtar a arguida C… à responsabilidade penal atentos os factos apurados.
Na verdade, provado que ficou que a arguida C… era casada com o D….
Mais se apurou que a arguida a B… contratou uns indivíduos para matarem o seu genro, o marido da arguida C…, e esta tomou conhecimento dos propósitos da mãe de pôr termo à vida do D…, seu marido, bem como dos contactos que efetuara com o J… e nada fez.
Ora, a arguida C…, como cônjuge do D…, tinha para com o mesmo os deveres de respeito, fidelidade e assistência. Apesar disso, absteve-se de avisar o marido ou as autoridades policiais, do propósito da arguida B… pôr termo à vida daquele, bem como das diligências pela mesma efetuadas para levar a cabo tal plano criminoso.
A arguida C… bem sabia que os factos, praticados pela sua mãe, eram adequados a que os referidos J… e I…, ou outros a seu mando, concretizassem a morte do D… que aquela lhes encomendara. Mais sabia a arguida que, enquanto cônjuge do D…, tinha o dever de impedir que a arguida B… levasse a cabo a morte daquele e que, nada fazendo, contribuía para que tal morte se concretizasse. Agiu de forma voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
O comportamento da arguida trata-se "da omissão da tentativa de impedir o resultado".
Esta não atuou, omitindo-se de fazer a tentativa de impedir a morte do marido.
Ora, a partir do momento em que esta arguida sabe das intenções e diligências da mãe para matar o marido inicia-se a lesão ao seu dever de agir. Logo que tomou conhecimento que a vida do marido estava em perigo e nada fez para impedir o resultado, que só não ocorreu em virtude de factos alheios à vontade da sua mãe, a arguida incorreu na omissão na forma tentada.
E não há dúvida também da conduta omissiva da arguida C… era adequada a levar à morte ao seu marido, o que só não aconteceu por razões alheias à sua vontade.
Do lado subjetivo o dolo deve abranger todos os elementos objetivos do ilícito.
Assim, mostra-se a arguida C… comprometida com o crime de homicídio p. e p. artigo 131.°, na forma tentada, por omissão.
*
3.3. Questão que agora se coloca é a de aferir se estamos perante um crime de homicídio qualificado.
Vejamos quanto à qualificativa da alínea b) do n.º 2 do art.° 132.°, pelo facto da arguida C… ser cônjuge do D… e da alínea j) por se ter agido com frieza de ânimo ou ter persistido na intenção de matar por mais de 24 horas.
Primeiramente, vejamos quanto à alínea b).
Ora, trata-se sem dúvida, de comportamentos cuja incriminação em sede de homicídio qualificado se articula com a especial ilicitude, que o legislador reconhece aos crimes de maus-tratos e de violência doméstica. Temos, assim, que a qualidade ou relação especial do autor com a vítima, que reconhecidamente agrava a ilicitude deste crime, repercute na nova alínea do artigo 132.°.
Na situação concreta esta alínea está preenchida porque a arguida, à data dos factos, era casada com o D…. Resulta, por isso, a indubitável a verificação objetiva da primeira alínea.
Mas será que da factualidade exposta se pode concluir em concreto pela verificação de um juízo de culpa especialmente agravado, decorrente da não inibição pelas contra motivações éticas decorrentes da relação de conjugalidade entre a arguida C… e a vítima.
Entendemos que não. Efetivamente, escalpelizada toda a factualidade que vem apurada nos presentes autos encontramos subjacente à conduta da arguida uma motivação fundada que nos permite julgar "justificada" a extrapolação dos motivos inibitórios em causa na qualificativa em apreço.
Não nos podemos esquecer do contexto situacional/vivencial deste casamento claramente percecionado dos factos provados. Efetivamente, a arguida C… foi, até à data dos factos, vítima de violência doméstica perpetrada pelo seu marido - a aqui vítima ­durante anos.
Os vínculos de conjugabilidade não são por si só suficientes para que a conduta da arguida se mostre reveladora de uma especial censurabilidade ou perversidade.
Desta forma, entendemos que pese embora a arguida C… tenha dolosamente ocultado os intentos da sua mãe, não deverá ver a sua conduta qualificada como de homicídio qualificado pela alínea b), do n.º 2, do art.º 132.°, isto porque entendemos estarmos prante uma situação que ultrapassa a barreira das contra motivações éticas inerentes aos laços do casamento.
Agora, pergunta-se se as arguidas atuaram com especial censurabilidade ou perversidade por terem agido com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas?
É ponto assente que a arguida B… persistiu com a intenção de matar o D…, seu genro, por mais de 24 horas e a arguida C… sabia-o. Urge agora apreciar que se pode afirmar existir especial censurabilidade ou perversidade.
Quanto ao problema da qualificação do crime de homicídio, ele está na sequência direta de toda a exposição precedente.
Ora, a conduta descrita não é suscetível de ser integrada no exemplo-padrão constante daquela alínea, mormente na frieza de ânimo e persistência de matar por mais de 24 horas.
Efetivamente, somos do entendimento, atento a factualidade apurada, que a ação das arguidas não se traduziu numa censurabilidade acrescida, pois que, pese embora tenha existido antecedência no propósito de matar, persistindo nele por considerável lapso de tempo, o certo é que a arguida B… dessa intenção ia desistindo e retomava-a, sem que fosse possível aferir com que periodicidade.
Ademais, a decisão de matar teve por base as agressões físicas que a arguida C… era vítima por parte do marido, facto que foi determinante para o comportamento das arguidas, que atuaram no quadro de violência doméstica reiterado por parte da vítima, o que nos leva a concluir que não agiram com uma especial intensidade na vontade de praticar o crime - razão e fundamento da qualificação.
Existia, como se apurou um processo de perturbação psíquica suscetível de afetar a capacidade da arguida B… que regeu a sua vontade de acordo com a realidade percepcionada.
Sabemos que o relacionamento da vítima com a mulher era de agressões físicas e psíquicas, de constante agressividade. Ora, esta família posicionava-se de um lado as arguidas e as netas/filhas, ainda menores, e do outro a vítima, que maltratava e agredia, mesmo na presença das suas filhas menores, a sua progenitora.
O bosquejo factual referido é elucidativo da violência perpetrada pelo D… na mulher, com total desrespeito pelo seu cônjuge e filhas, não se coibindo de agredir e violar a mulher estando a filha em casa a aperceber-se do sucedido e é neste quadro que as arguidas atuam, num ambiente familiar disfuncional.
O comportamento da vítima era, a nosso ver, suscetível de abalar o vínculo familiar e toldar a consciência das arguidas retirando-lhe a especial censurabilidade e perversidade dos seus atos, pois as suas condutas foram o resultado de um acumular de tensões.
É por tudo isto que não poderemos deixar de considerar que in casu não se verificada a especial perversidade e censurabilidade da conduta das arguidas.
Concluímos assim pela inexistência das qualificativas das alíneas b) e j), previstas no art.º 132.°.
Não se vislumbra que possa integrar qualquer outro efeito de indício dos exemplos padrão ou circunstância prevista no n.º 2 do artigo 132.° ou mesmo qualquer outra circunstância que, embora não aí prevista, integre a estrutura valorativa dos exemplos-padrão.
3.4. Vejamos, seguidamente, se estamos perante um crime de homicídio privilegiado.
A arguida B… defende que a ser condenada o deverá ser por um crime de homicídio privilegiado.
Vejamos.
O artigo 133.° do Código Penal estabelece que «Quem matar outra pessoa dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos».
O homicídio privilegiado na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça conta-se entre as normas do Código Penal que mais têm evidenciado diferenças de orientação entre doutrina e jurisprudência em matéria de Direito Penal.
A enumeração das circunstâncias que caraterizam o tipo privilegiado de homicídio feita no artigo 133.° não é exemplificativa, o que ressalta com clareza a partir da redação introduzida pela alteração do Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n." 48/95, de 15 de março, entrada em vigor em 1 de outubro de 1995 (anteriormente a jurisprudência considerava-a exemplificativa - cfr. acórdãos do STJ, de 16-01-1990, processo n.º 38690, CJ 1990, tomo 1, pág. 11).
«Não foi intenção do art.º 133.0 C ...) consagrar uma cláusula geral de menor exigibilidade no crime de homicídio; foi, pelo contrário, a de vincular uma tal cláusula à verificação de um dos pressupostos nele explicita e esgotantemente contidos. O que neles não caiba só pode ser eventualmente considerado através do instituto da atenuação especial da pena do homicídio simples previsto no art.º 131.°» (cf., Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense "., §§ 6 e 12, págs. 49/50 e 53).
Através deste tipo legal, criou-se uma censura mais suave para o homicídio, em função dos motivos que determinaram a sua perpetração, uma vez que os motivos constituem, modernamente, um das pedras de toque do crime, uma vez que não há crime gratuito ou sem motivo e é no motivo que reside, em parte importante, a significação da infração.
No recorte deste tipo privilegiado importa, em primeiro lugar, que se mostre sensivelmente diminuída a culpa do agente, depois, que essa diminuição advenha de uma de quatro cláusulas de privilegiamento: - compreensível emoção violenta; - compaixão; - desespero; e - motivo de relevante valor social ou moral.
A compreensível emoção violenta; a compaixão; o desespero; ou um motivo de relevante valor social ou moral constituem cláusulas que apontam para a redução da culpa, ou cláusulas de privilegiamento, ou elementos privilegiadores, traduzindo estados de afeto vividos pelo agente, ou causas de atenuação especial da pena do homicídio.
Segundo Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense ..., § 1, pág. 47, O artigo 133.° consagra hipóteses de homicídio privilegiado em função, em último termo, de uma cláusula de exigibilidade diminuída legalmente concretizada, advertindo o Autor que a diminuição sensível da culpa não pode ficar a dever-se nem a uma imputabilidade diminuída, nem a uma diminuída consciência do ilícito, mas unicamente a uma exigibilidade diminuída de comportamento diferente, tratando-se da verificação no agente de um estado de afeto, que podendo ligar-se a uma diminuição da imputabilidade ou da consciência do ilícito, independentemente de uma tal ligação, opera sobre a culpa ao nível da exigibilidade.
E no § 3, pág. 48, expende que "o efeito diminuidor da culpa ficar-se-é a dever ao reconhecimento de que, naquela situação (endógena e exógena), também o agente normalmente "fiel ao direito" ("conformado com a ordem jurídico penal") teria sido sensível ao conflito espiritual que lhe foi criado e por ele afetado na sua decisão, no sentido de lhe ter sido estorvado o normal cumprimento das suas intenções".
Para Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, 1990, pág. 40, "Tanto a qualificação no artigo 132.0, como o privilegiamento no artigo 133.°, ficam-se a dever a diferentes graduações da culpa, no primeiro caso no sentido de uma especial censurabilidade da atitude contrária ao direito atualizada no facto pelo agente, e, no segundo, no sentido da consideração da atitude do agente manifestada no facto como sensivelmente menos censurável. Ou seja, o fundamento de uma agravação ou de uma atenuação que altera urna moldura penal pode não ser um fundamento de ilicitude, mas apenas um fundamento de culpa". Por outras palavras, um grau de culpa diferente pode constituir fundamento de uma moldura penal diferente.
Através do tipo legal de homicídio privilegiado, criou-se uma censura mais suave para o homicídio, em função dos motivos que determinaram a sua perpetração, uma vez que os motivos constituem, modernamente, um elemento valioso a ponderar, uma vez que não há crime gratuito ou sem motivo e é no motivo que reside, em parte importante, a significação da infração.
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Vejamos da primeira e terceira das cláusulas supra enumeradas, já que a segunda e quarta não serão de todo aplicadas ao caso que aqui curamos.
Comecemos pela compreensível emoção violenta.
A compreensível emoção violenta é um forte estado de afeto emocional provocado por uma situação pela qual o agente não pode ser censurado e à qual também o homem normalmente "fiel ao direito" não deixaria de ser sensível (cf., Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense .00' § 7, pág. 50).
A compreensível emoção violenta corresponde a um estado psicológico não normal do arguido, em que a sua vontade e a sua inteligência se mostram afetadas e, assim, diminuído o seu posicionamento ético, a sua capacidade para agir em conformidade com a norma, estado que deve ser compreensível no quadro de facto em que o mesmo agiu, o que conduz a uma reação proporcional à ofensa sofrida e que tome compreensível a alteração das suas condições de determinação para o ato.
A culpa só deverá ter-se por sensivelmente diminuída quando o agente, devido ao seu estado emocional, seja colocado numa situação de exigibilidade diminuída, ou seja, quando atue dominado por aquele estado, isto é, seja levado a matar, no sentido de que não lhe era exigível, suposta a sua fidelidade ao direito, que agisse de maneira diferente, que assumisse outro comportamento.
Para Teresa Serra, Homicídios em Série, págs. l ôü e 163, O preceito do artigo 133.º coloca à cláusula da emoção violenta maiores exigências do que em relação às restantes cláusulas, sofrendo uma dupla exigência que se configura como um duplo controlo: tem de ser compreensível (sendo que nem a compaixão, nem o desespero estão sujeitos à cláusula da compreensibilidade), e, ademais, tem de diminuir sensivelmente a culpa do agente. Um duplo controlo a realizar em sede de culpa.
No esforço de compreensão da emoção é imperativo o estabelecimento de uma relação entre o afeto e as suas causas ou motivos, pois, para se entender uma emoção tem de se entender as relações que lhe deram origem, tendo em atenção o sujeito que a sentiu e o contexto em que se verificou a atitude, em ordem a entender o estado de espírito, o «conflito espiritual», a situação psíquica que leva o agente ao crime.
«A compreensibilidade da emoção é mais, assim, o estabelecer de uma relação não desvaliosa entre os factos que provocaram a emoção e essa mesma emoção. Se essa relação for estabelecida, a emoção é compreensível e provoca, portanto, uma diminuição da culpa do agente» (cf., Figueiredo Dias, in Parecer na Coletânea de Jurisprudência 1987, tomo 4, pág. 55).

Compreender significa «entender, perceber, alcançar com inteligência, conhecer a razão de, em suma, penetrar o sentido de alguma coisa. O que impõe o estabelecimento de uma relação entre a emoção violenta e aquilo que a precedeu e lhe deu causa, não com o objetivo de estabelecer uma qualquer relação de proporcionalidade, mas antes para conhecer a razão da emoção violenta: a emoção violenta só é compreensível em face das razões que lhe deram origem e do sujeito particular que as sofreu. O que significa que esta compreensibilidade não pode fugir ao princípio da razão» (ef., Teresa Serra, ibidem, págs. 165/6).
Quanto à questão de saber como ajuizar o poder das razões que ocasionaram a emoção violenta, desenham-se na doutrina duas linhas, sendo uma que entende que este critério deve ser concretizado por referência à personalidade daquele agente que atua; outra que defende que a compreensibilidade há-de aferir-se, não em relação às particularidades concretas daquele agente, mas em relação a um homem médio com certas caraterísticas que aquele agente detém.
Situando-se na mesma linha, Figueiredo Dias, no citado Parecer publicado na Coletânea de Jurisprudência 1987, tomo 4, pág. 55, expende: "Na visão do art.º 133.° - assente na valoração da situação psíquica que leva o agente ao crime - o que interessa é «compreender» esse mesmo estado psíquico, no contexto em que se verificou, a fim de se poder simultaneamente «compreender» a personalidade do agente manifestada no facto criminoso e, assim, efetuar sobre a mesma o juízo de (des)valor que afinal constitui o juízo de culpa".
Para Teresa Serra, Homicídios em série, págs. 166 e 168, a emoção violenta só é compreensível em face das razões que lhe deram origem e do sujeito particular que as sofreu, especificando que o critério para aferir da diminuição sensível da culpa provocada por uma emoção violenta deve ser concretizado por referência à personalidade do agente individual que atua.
A jurisprudência, por seu lado, tem seguido um ou outro dos critérios (cf., v. g., acórdãos de 29-03-2000, processo n." 27/00-3.a, seguido de perto no de 03-05-2007, processo n.º 1233/07 - S."; de 01-03-2006, processo n.º 3789/0S-3.a e de 29-03-2006, processo n.º 360/06-3.a, estes seguidos pelo acórdão de 12-6-2008, no processo n.º 1782/08-3.a, defende-se que a compreensibilidade e percetibilidade deve ser aferida em função do padrão de um homem médio, colocado nas circunstâncias do agente, com as suas caraterísticas, o seu grau de cultura e formação, intentando saber-se se esse, nesse exato contexto, também reagiria assim, incapaz de se libertar dessa emoção, matando ele próprio.
Nos acórdãos do STJ de 23-06-2005, processo n.º 1301/05 e de 23-10-2008, processo n.º 1212/08, in www.dgsi.pt, versando o segundo um caso de ciúme e vingança, defende-se que a menor exigibilidade tem de ser vista à luz do comportamento de um homem normal, respeitador das normas jurídicas, e não do particular ponto de vista do agente. Já no acórdão de 03-10-2007, processo n.º 2791/07, defende-se que a ponderação da diminuição sensível da culpa, da diminuição da exigibilidade de conduta diferente, terá de ser realizada à luz do que seria exigível a alguém colocado naquelas circunstâncias concretas.
Para o acórdão de 17-09-2009, processo n.º 434/09.5YFLSB-3.a, o elemento de referência é um homem comum e fiel ao direito (cf, recensão do acórdão do Supremo Tribunal de 27 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 3283/09.7TACBR, que desenvolve exaustivamente as questões suscitadas pelo crime de homicídio privilegiado, tanto na doutrina como na jurisprudência do Supremo Tribunal; desta decisão foram colhidas, resumidamente, mas na medida bastante às circunstâncias do caso, as referências à construção e elementos do crime do artigo 133.º do CP).
Vejamos quanto ao desespero. O desespero é o estado de alma em que se encontra quem já perdeu a esperança na obtenção de um bem desejado, de quem enfrenta uma grande contrariedade ou uma situação insuportável, enfim, de quem está sob a influência de um estado de aflição, desânimo, desalento, angústia ou ânsia.
Como escrevem Leal-Henriques e Simas Santos (C. Penal, I, em anotação ao art.º 133.°) «Desespero é o estado de alma em que se encontra quem já perdeu a esperança na obtenção de um bem desejado, de quem enfrenta uma grande contrariedade ou uma situação insuportável, enfim, de quem está sob a influência de um estado de aflição, desânimo, desalento, angústia ou ânsia. Ora é evidente que quem se mantém sob tal influência e pratica um homicídio age sob o domínio do circunstancialismo angustiante em que se acha envolvido. Daí que o crime deva merecer aí um favorecimento da lei através de uma punição atenuada.»
Refere Figueiredo Dias (Comentário Conimbricense, I, 52) que no desespero estará em causa não tanto a situação objetiva de falta de esperança na obtenção de um resultado ou de uma finalidade, quanto sobretudo estados de afeto ligados à angústia, à depressão ou à revolta» (cfr. no mesmo sentido Amadeu Ferreira, Homicídio Privilegiado 1991, 69 e Teresa Serra, Jornadas 1998, 160)
Em aceção de acolhimento geral, desespero significa ausência total de esperança, sentimento de absoluta incapacidade de superação das contingências exteriores que afetem negativamente o indivíduo, a falência irremediável das elementares condições para a manifestação da dignidade da pessoa. Neste sentido, não constitui desespero tanto a situação objetiva de impossibilidade de realização de uma finalidade, como de consecução de um objetivo pessoal; desespero significa e traduz um estado subjetivo em que a angústia, a depressão ou as consequências de fatores não domináveis colocam o estado de afeto do sujeito no ponto em que nada mais das coisas da vida parece possível ou sequer minimamente positivo (cfr. "Comentário Conimbricense do Código Penal", vol. I, pág. 52).
Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, 13." edição, págs. 465, refere: "Deve existir, para que seja possível o enquadramento da conduta neste homicídio privilegiado, nexo de causalidade entre a emoção violenta, a compaixão e qualquer motivo, de relevante valor social ou moral e a prática do crime. O texto da lei - matar dominado por - não deixa margem para dúvidas. E isto está também implícito na própria razão teleológica do efeito atenuativo, como se sublinhou no seio da Comissão Revisora".
Acórdão de 20-04-1988, Coletânea de Jurisprudência 1998, tomo 2, pág. 28 - O tipo de homicídio privilegiado do artigo 133.0 do C. Penal exige que o agente esteja dominado por compreensível emoção violenta. Para que se verifique a atenuação do artigo 133.0 é indispensável que entre a emoção violenta e a prática do crime exista nexo de causalidade, isto é, a emoção há-de ser a causa determinante do crime.
A emoção que justifica a tipicização do homicídio privilegiado não é uma qualquer emoção, não correspondendo a uma ausência temporária de serenidade, não se dispensando um quadro de perturbação muito intensa, autorizando o estabelecimento de um nexo causal adequado entre perturbação e a ofensa.
Face à pretensão da arguida B… de ver a sua conduta subsumida no tipo privilegiado do artigo 133.º, cumpre averiguar se a matéria de facto provada sustenta a mesma, se os factos dados por provados integram o apontado elemento privilegiador, conduzindo à integração de um crime de homicídio privilegiado, tomando-se necessário avaliar se tais factos permitem concluir que se verificava em relação a esta o estado de afeto ou motivo por si invocado - a compreensível emoção violenta e o desespero, procurando indagar se agiu dominada por ele e se resultou desse estado uma concreta situação de exigibilidade diminuída, a justificar uma sensível diminuição da sua culpa.
Vejamos então das hipóteses de integração da constelação fáctica dada por provada no âmbito da cláusula redutora «compreensível emoção violenta e desespero».
Cumprirá averiguar-se então se a conduta da arguida pode ser encarada como consequência de uma afetividade fortemente perturbada, de um bloqueio afetivo, de um conflito espiritual, ou como consequência de um estado de alma perturbado, ou de um abalo, ou de choque profundo e descontrolador, sendo expressão de afetação de um estado de afeto, se terá a arguida agido com a inteligência, vontade e livre determinação afetadas, enfraquecidas ou obnubiladas, sob uma forte e intensa perturbação, ou se terá agido num concreto quadro de vida em que o facto se possa traduzir como descarga de emoção.
Mais cumprirá indagar se se estará perante um razoável descontrolo, face a uma reação humana aceitável, plausível, desculpável, justificável, tolerável, enfim, compreensível, ou se estaria a arguida sob pressão intolerável, insuportável, que a arrastasse para o crime, tendo-se presente nessa análise o quadro e o contexto de vida em que a arguida se encontrava à data dos factos.
Como quer que seja, por um ou outro dos critérios, seja em relação às condições específicas da personalidade do agente nas circunstâncias em que atuou, seja por referência ao homem médio com as caraterísticas do agente, no caso, os factos e a envolvência e o ambiente em que ocorreram, revelam um afastamento acentuado das razões de proporcionalidade entre as causas da emoção e as consequências; a falta de uma relação de proporcionalidade com a emoção eventualmente sentida pela arguida não seria «compreensível».
Os factos que estão provados, as circunstâncias, o ambiente, os antecedentes e a degradação relacional entre a arguida e a vítima, mesmo sendo aptos a determinar um estado psíquico de afetação, nunca seria bastante para considerar a emoção como «violenta», e muito menos «compreensível»; no caso, as consequências fogem ao princípio da razão.
Isto é: a "encomenda" do homicídio não foi um ato friamente calculado, antes resultou de algum estado de desassossego e perturbação, embora muito longe da existência da "compreensível emoção violenta e desespero", referidos no art.º 133.°.
O ambiente familiar e pessoal que esta factualidade provada desenha traduz, na verdade, e como ali se consigna, uma situação conjugal com ofensas verbais, corporais e ameaças do ofendido à arguida C… presenciadas pela arguida B…, situação que perturbava e angustiava as arguidas, mas não traduz a situação de desespero ou de compreensível emoção violenta da arguida que mostrou também conseguir tomar iniciativas nessa relação, como participar criminalmente do gemo impedindo a continuação das agressões.
Aliás, é Jurisprudência constante do STJ que a verificação do estado de compreensível emoção violenta, necessário para que a conduta do agente integre o crime de homicídio privilegiado, implica a existência duma adequada relação de proporcionalidade entre o facto injusto do provocador e o facto ilícito do provocador.
Desde logo não se provou que a arguida cometeu os factos sob forte condicionante emocional, num comportamento flagrantemente impulsivo, impensado ou sem consciência crítica, movido por desespero durante uma fuga.
Perante o enquadramento normativamente relevante, vê-se que nos factos provados não se encontra qualquer circunstância que permita reverter à noção de desespero, nem a qualquer outro dos elementos do artigo 133.°.
Por todo o exposto, é de improceder a pretensão da arguida B…, mantendo-se a qualificação da sua conduta, como autora de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. p. pelo artigo 131.°.
IV. Das consequências jurídicas dos crimes praticados pelas arguidas.
4.1. Feito o enquadramento jurídico-penal da conduta das arguidas, importa agora determinar a medida da pena a aplicar, de acordo com o disposto no artigo 71.°, tendo presente que «as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Assim, a medida da pena há-de ser dada pela medida da tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, que se traduz na tutela das expetativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada» (cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, p. 227) - cfr. art.° 40.º, n.ºs 1 e 2.
O crime de homicídio na forma tentada é punível com uma pena de 1 ano e 6 meses a 10 anos e 6 meses de prisão - artigos 23.0 n." 2,73.0, n." 1, als. a) e b) e 131.°.
4.2. Da atenuação especial da pena quanto à arguida C…
O art.º 10.°, n.º 3, prevê que em caso de comissão por omissão a pena pode ser especialmente atenuada.
As circunstâncias enumeradas no art.º 72.° não têm efeito automático de atenuar especialmente a pena: só o terão se daí derivar uma acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou das exigências de prevenção, o que se verificará se e só se "a imagem global do facto resultante da atuação dessa circunstância se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo".
Ou seja, "a atenuação especial só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos «normais», lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimos próprios" - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 306-307.
Ora, no caso em apreço, não se pode concluir por uma imagem global do facto em que a culpa ou as exigências de prevenção se encontrem acentuadamente diminuídas. A arguida tinha ao seu alcance formas de pôr cobro à violência de que estava a ser vítima, sendo totalmente desproporcionado o seu comportamento, saber que alguém estava a planear a morte do marido e nada ter feito.
Assim, não podemos concluir que a atuação da arguida tem uma gravidade de tal forma diminuída que se justifique atenuar-lhe a pena.
É assim, de afastar a atenuação especial da pena.
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4.3. Da medida da pena.
Sendo o direito penal português informado pelo irrenunciável princípio da dignidade da pessoa humana, é óbvio que "em caso algum a pena poderá ultrapassar a medida da culpa" do agente da infração (artigo 40.°, n.º 2) e a sua aplicação é exigida apenas em nome da necessidade de "proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade" (artigo 40.°, n.º 1), aqui se manifestando as finalidades de prevenção geral e especial da pena.
Quer isto dizer que na determinação da pena a aplicar, devem valer, em primeiro lugar, as exigências de prevenção geral ou de tutela dos bens jurídicos, isto é, "primordialmente, a medida da pena há de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto" assumindo um "significado prospetivo que se traduz na tutela das expetativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida" Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 227 e 228.
Dito de outro modo, através da aplicação de uma concreta pena, mostra-se à comunidade que a norma protetora de um certo bem jurídico continua válida e que a sua violação acarreta consequências.
Esta necessidade de tutela de bens jurídicos - embora nunca ultrapassando a culpa do agente - há de "fornecer um espaço de liberdade ou de indeterminação, uma moldura de prevenção dentro dos quais podem (e devem) atuar as considerações extraídas das exigências da prevenção especial de socialização" Jorge Figueiredo Dias, As Consequências cit., pág. 229.
A culpa, como já foi dito, tem a função de servir de fundamento (nulla poena sine culpa) e de limite máximo inultrapassável à pena, cumprindo assim o postulado constitucional da dignidade da pessoa humana.
Por fim, e dentro da moldura de prevenção fixada pela necessidade de tutela de bens jurídicos - nunca, portanto abaixo do mínimo suportável pela exigências de prevenção geral positiva - "podem e devem atuar os pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena, devendo esta, na medida do possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade" Jorge Figueiredo Dias, As Consequências cit., págs. 230 e 231.
Na determinação da medida concreta da pena deve o tribunal tomar em conta, como diretrizes fundamentais, conforme imposição legal do n.º 1 do artigo 71.°, a culpa do agente e as exigências de prevenção, mas sempre com observância plena do princípio da proibição da dupla valoração, devendo ainda tomar em consideração, entre outros, os diversos fatores enunciados no n.º 2 do artigo acabado de mencionar.
Nos crimes de homicídio, ainda que se quedem pela fase da tentativa, as exigências de prevenção geral positiva são sempre especialmente intensas porque a violação do bem jurídico fundamental ou primeiro - a vida - é, em geral, fortemente repudiada pela comunidade. Quando o cnme ocorre no contexto de uma relação familiar, especialmente conjugal, as exigências de prevenção geral são, ainda, acrescidas, em virtude da consciencialização comunitária dos fenómenos de violência de género, particularmente de violência doméstica, e da ressonância fortemente negativa que adquiriram. Por isso, a estabilização contra-fáctica das expetativas comunitárias na afirmação do direito reclama uma reação forte do sistema formal de administração da justiça, traduzida na aplicação de uma pena capaz de restabelecer a paz jurídica abalada pelo crime e de assegurar a confiança da comunidade na prevalência do direito.
As arguidas não confessaram os factos dados como provados, sendo certo que apenas admitiram parte dos mesmos, mas sem grande relevo.
O modus operandi (contratação de terceiros para matar o genro e a respetiva omissão do cônjuge), mas sem consequências de maior (alheias à vontade das arguidas), entendemos que o grau de censurabilidade da sua conduta é relevante.
A isto acresce a circunstância do dolo ser direto e da vítima ser genro da arguida B… e marido e pai das filhas da arguida C…, em que se exigia, por isso, um maior respeito pelo bem jurídico protegido.
Trata-se de um comportamento que redunda num elevado nível de ilicitude, tanto mais que as arguidas atentaram contra o bem jurídico fundamental que é a vida humana.
Ainda no que respeita à ilicitude da conduta, cumpre ter em conta as consequências advenientes do comportamento das arguidas, não tendo lesado definitivamente a vida de D….
A violência a que era sujeita a arguida C…, a que a arguida B… assistia ou tomava conhecimento, releva num sentido atenuativo da sua culpa pelo crime, mas num grau que não se pode ter por excecional.
Acresce que informam os factos provados um embotamento afetivo da arguida C… em consequência da relação conjugal ter sido pautada por uma vivência de agressões por parte do marido.
Quanto à arguida B… a perturbação sentida não lhe afetou a consciência de estar a praticar um ilícito, pelo que manteve a consciência de que a sua conduta era criminosa e ademais agiu com conhecimento e vontade de realização de um tipo objetivo de ilícito (matar o genro) e atuou com esse propósito.
Como atenuantes temos a circunstância da arguida B… não ter antecedentes criminais e a arguida C… ter duas condenações, por crime de emissão de cheque sem provisão e de desobediência, mas o último por sentença transitada em 2004, punidos apenas com pena de multa.
A relevar, positivamente, o facto das arguidas mostrarem-se socialmente inseridas, sendo que a arguida C… já constituiu nova família, tem emprego e a arguida B… também cuida de outra pessoa.
A conduta das duas referidas arguidas relativamente ao crime de homicídio têm que ser distinguida uma vez que a conduta foi praticada pela arguida B… assumindo maior gravidade, já que foi autora do crime, e a C… apenas adotou conduta omissiva Assim, num juízo de ponderação global será adequado aplicar:
- à arguida B… a oena de 5 anos anos de prisão
- à arguida C… a pena de 3 anos e 6 meses de prisão
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4.4. Da suspensão das penas aplicadas.
Dispõe o artigo 50.°, n." 1, que «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição», ou seja, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (cfr. art.° 40.°, n.º 1).
Daqui deriva que são somente necessidades de prevenção especial de socialização limitadas pelas de prevenção geral na modalidade de defesa do ordenamento jurídico, que neste momento devem ser equacionadas.
Este preceito consagra um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que terá de decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos, configurando a mesma uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico.
Para este efeito, além do mais, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao momento da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento das arguidas, no sentido de que a censura do facto e a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
No caso em apreço, verifica-se que o pressuposto formal estabelecido por aquela disposição se encontra preenchido, dado que as penas impostas não são superior a 5 anos de prisão.
Por outro lado, consideramos que os inerentes pressupostos materiais se mostram neste caso também verificados.
Na verdade, temos a ponderar a favor das arguidas o facto da B… não ter antecedentes criminais e os antecedentes criminais da arguida C… remontarem a 2004, em duas penas de multa.
Ademais, decorre dos relatórios sociais que são pessoas socialmente integradas, e tendo inclusive apoio familiar.
A realçar o facto da arguida C… ter três filhos menores e a arguida B… apresentar um estado frágil de saúde.
Acresce não ser de todo em todo desejável integrar as arguidas num meio criminógeno como é a prisão, não se afigurando que a pena de prisão se revele necessária, nem tão pouco conveniente, à ressocialização daquelas, bastando a ameaça da pena de prisão.
Somos assim levados a concluir que ainda é possível efetuar-se um juízo de prognose favorável no que respeita aos seus futuros comportamentos.
Consequentemente, as penas de prisão impostas deverão ser suspensas na sua execução pelo mesmo período de tempo.
Nestes termos, decide-se decretar a suspensão da execução das penas de prisão por igual período, ou seja:
- à arguida B… por 5 anos;
- à arguida C… por 3 anos e 6 meses.
Ao abrigo do art.º 50.°, n.º 5.
Todavia, considerando o crime em causa, parece-nos adequada a subordinação da suspensão da execução das penas de prisão ao regime de prova (neste caso obrigatória, aliás) e ao dever de pagarem ao demandante a compensação que infra se arbitrará, na proporção de 75% para a arguida B… e 25% para a arguida C…, no período de 2 anos (teve-se em consideração o facto das arguidas serem de modesta condição económica, pelo que não é exagerada a imposição daquela obrigação repartida por dois anos) - artigos 50.º, n.ºs 1,2,4 e 5; 51.°, n.º 1, al. a); 53.°, nºs 1 a 3; e 54.°.
V. Dos pedidos de indemnização civil formulados
5.1. O assistente/demandante D… deduziu pedido de indemnização cível contra a arguida/demandante B…, peticionando o pagamento por esta da quantia de €25.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros moratórios desde a notificação do pedido de indemnização civil formulado, até efetivo e integral pagamento à taxa legal em vigor; e deduziu pedido de indemnização cível contra a arguida/demandada C…, peticionando o pagamento por esta da quantia de €15.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros moratórios desde a notificação à demandada do pedido de indemnização civil formulado, até efetivo e integral pagamento à taxa legal em vigor.
Vejamos das suas procedências.
Nos termos do disposto no artigo 71.º, por via do princípio da adesão, decorre que o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal há de fundar-se na prática de um crime, a que se reduz o facto ilícito, por parte do lesante.
Assim, a responsabilidade civil atuante assenta na prática de facto ilícito. Dispõe o artigo 483.° do Código Civil: "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Como pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, são, pois, apontados: o facto voluntário do agente, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.
O elemento básico da responsabilidade é, desde logo, o facto do agente, o qual, podendo ser urna omissão, consiste, em regra, num facto positivo que importa a violação de um dever geral de abstenção, do dever de não ingerência na esfera de ação do titular do direito absoluto, bastando, para fundamentar a responsabilidade civil, a possibilidade de controlar o ato (ou omissão), não sendo necessária urna conduta predeterminada, orientada para certo fim – Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", Volume 1,9" Edição, 1996, páginas 545-548.
O segundo pressuposto é a ilicitude, cujo conceito o Código vigente procurou fixar em termos precisos, descrevendo, concretamente, as duas variantes fundamentais, através das quais se pode revelar o caráter antijurídico ou ilícito: a violação de um direito de outrem e a violação da lei que protege interesses alheios. Em terceiro lugar, exige-se um nexo de imputação do facto ao lesante - a culpa, que "pode ser definida corno um comportamento reprovado por lei". Agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do devedor ser pessoalmente censurável ou reprovável - e o juízo de censura ou de reprovação da conduta do devedor só se pode apoiar no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia, corno podia ter agido de outro modo.
A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente, que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor, podendo revestir duas formas distintas: o dolo e a negligência ou mera culpa, configurando-se aquele corno a modalidade mais grave da culpa.
Um outro pressuposto é o dano, patrimonial ou não patrimonial, sem o qual não há obrigação de indemnizar. "Para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a outrem"- ele é não só pressuposto indispensável do nascimento da obrigação de ressarcir o credor, mas também o parâmetro da indemnização - Mota Pinto, "Direito Civil", 1980, pg. 159.
Por último, exige-se, ainda, o necessário nexo de causalidade (adequada) entre o facto e o dano - nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito são incluídos na responsabilidade do agente, mas apenas os resultantes do facto, os por ele causados. Para que um dano seja reparável pelo autor do facto, é necessário que o facto tenha atuado como condição do dano, não bastando, porém, a relação de condicionalidade concreta entre o facto e o dano, sendo ainda preciso que, em abstrato, o facto seja uma causa adequada desse dano (artigo 563.° do Código Civil).
Quanto aos danos não patrimoniais, serão indemnizáveis aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artigo 496.°, n." 1, do Código Civil), entendendo-se, quanto à sua natureza, que integram tal categoria as lesões de bens estranhos ao património do lesado, a saber: a integridade física, a saúde, a tranquilidade, o bem-estar físico e psíquico, a liberdade, a honra, a reputação, entre outros.
A sua verificação terá lugar quando são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de ordem psicológica, em consequência de uma lesão de direitos, e o seu ressarcimento tendencialmente proporcionará ao lesado uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses.
Assim, é de notar que, quanto a este tipo de danos, será impossível, as mais das vezes, reconstituir a situação que existiria, se o facto danoso não se tivesse verificado. Por isso, deve o julgador conceder ao lesado a indemnização capaz de compensá-lo indiretamente dos incómodos, sofrimentos físicos, desgostos, entre outros, que o facto lhe causou.
Isto posto: A conduta ativa das arguidas/demandadas, plasmada nos factos provados, foi dominada e controlada pela sua vontade, pelo que, praticaram voluntariamente tais factos, ou seja, a demandada B… mandou matar o demandante e a arguida C… nada fez, sabedora desse facto, para o impedir, nos termos neles retratados.
Assim, a conduta daquelas duas demandadas é reprovável, censurável à luz do direito, já que, no caso concreto, podiam e deviam ter agido de outro modo, pelo que agiram culposamente. A sua culpa, revestiu a modalidade do dolo direto, pois quiseram a sua atuação.
Os danos não patrimoniais invocados assumem gravidade bastante para merecerem a tutela do direito, designadamente, mediante a atribuição ao demandante de uma quantia capaz de atenuar a lesão do seu direito à vida, mercê da conduta das arguidas/demandadas.
Na sua determinação concreta relevará o disposto no n.º 3 do artigo 496.° do Código Civil, ou seja, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, atendendo às circunstâncias referidas no artigo 494.° do mesmo código, ou seja, aos danos causados, ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso.
A indemnização não pode ser simbólica, nem excessiva, mas antes proporcional à gravidade das lesões e suas consequências.
N o caso dos autos resultou que, em consequência da atuação das demandadas/arguidas, o demandante/assistente sentiu-se menosprezado, enxovalhado, inquietou-se, receou que aquelas pudessem atentar contra a sua integridade física e temendo pela sua vida. Após ter tido conhecimento dos factos praticados pelas demandadas/arguidas ficou muito perturbado, sentindo um enorme desgosto, angústia, ansiedade e tristeza. Provado também que ficou chocado e viu o seu nome ser transmitido nos meios de comunicação social, que noticiaram os factos. Resultou ainda provado que no dia da detenção da B… a arguida C… saiu de casa e levou consigo as filhas menores do casal, desconhecendo, inicialmente, para onde se tinham deslocado. Por fim, resultou apurado que era alegre e bem­ disposto e após saber do sucedido tentou suicidar-se, isolou-se, esteve sem trabalhar cerca de um mês, alterando os seus hábitos diários, deixando de frequentar os cafés habituais, evitando andar sozinho e frequentar qualquer local onde pudesse encontrar-se com as arguidas/ demandadas.
Ora, salvo melhor opinião, parece-nos que os danos não patrimoniais provados revestem-se de uma gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito, logo, deverão ser compensados por uma quantia em dinheiro.
Consequentemente, socorrendo-nos de juízos de equidade, tendo presente a factualidade apurada a esse propósito, parece-nos adequada a fixação de uma compensação, solidária, no montante €5.000,00 (tenha-se presente que as demandadas são de modesta condição socioeconómica - cfr. art.º 494.°, ex vi do art.º 496.°, n.º 3, ambos do CC).
O demandante peticiona ainda os juros de mora.
Nos termos do disposto no art.° 804.°, n.º 1, do CC, a simples mora constitui o devedor na obrigação de indemnizar o credor pelos danos causados pelo atraso no cumprimento da obrigação (neste caso de indemnização/compensação).
Em face do disposto no art.° 806.°, n° 1, do CC, a indemnização corresponde aos juros contados desde o dia da constituição em mora pelo devedor.
Por conseguinte, no que respeita aos juros moratórios, tendo presente o disposto nos artigos 559.°, n.º 1,804.°, nºs 1 e 2, 805.°, n.º 3 e 806.°, nºs 1 e 2, do CC, bem como a Portaria n° 29112003, de 08.04 (em vigor desde 01.05.2003), deverão os mesmos ser considerados desde a data da notificação do demandado (só agora é que a indemnização se toma líquida), à taxa de legal de 4%.
Conforme referido, a mora ter-se-á verificado desde o momento da notificação das demandadas em face do disposto no art.° 805.°, n.º 3, 2.a parte, do CC.
Tal norma há de no entanto de conjugar-se com o critério geral estipulado pelo art.º 566.°, n.º 2, do CC, o qual dispõe que o tribunal deve atender ao momento mais recente (até ao final da discussão em 1 a instância), na aplicação da teoria da diferença consagrada naquele preceito legal (Sobre a conjugação de um e outro regime, veja-se o ac. da RL, de 15.06.89, CJ, tomo III, ano 89, p. 123, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, em anotação ao art. 565° do CC).
Sobre esta matéria, acolhendo a tese da não cumulação dos juros de mora com a atualização da indemnização, o STJ uniformizou a jurisprudência do seguinte modo:
«Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do art.º 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito no disposto nos artigos 805.°, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.°, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação.» Cfr. Ac. n° 4/2002, publicado no DR, Série I-A, n° 146, de 27.06.2002.
Por consequência, com recurso às taxas de inflação publicadas pelo INE (com exclusão da habitação), poder-se-ia atualizar o montante acima referido até à data de hoje, passando a correr desde então os respetivos juros moratórios, sendo certo que apenas estaríamos limitados pelo valor global do pedido (cfr. art.° 609.°, n." 1, do CPC).
Porém, o demandante optou pela contagem dos juros moratórios, pelo que nos parece apropriado respeitar tal opção, razão pela qual deverá proceder o pedido de condenação no pagamento de juros moratórios, desde a data da notificação das demandadas para contestar a pretensão indemnizatória em apreço, pois só desde então se verifica a mora. Neste sentido pronunciou-se o acórdão do STJ de 30.09.2014 "Os juros de mora da indemnização devida a título de danos não patrimoniais e futuros contam-se a partir da citação quando essa indemnização não tenha sido expressamente actualizada na decisão que a fixou.
Desta forma, optando-se pela condenação das demandadas no pagamento dos juros moratórios, para não se violar a jurisprudência fixada pelo aludido acórdão uniformizador, não se procederá à aludida atualização do montante compensatório (com referência à data de hoje).
VI. Dos objetos apreendidos
Conforme decorrer do artigo 109.º, n.º 1, «São declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem risco sério de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos. " E o n. o 3 desse artigo acrescenta que; o disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto».
Torna-se, assim, necessário recorrer à noção de instrumentalidade ou à demonstração da existência de um nexo de instrumentalidade entre a utilização do objeto e a prática do crime.
E não só, também se tem de fazer interceder o princípio da proporcionalidade.
A perda de objetos assenta numa ideia de prevenção da criminalidade e de perigosidade dos objetos e traduz-se na mudança de propriedade desses objetos - do antigo dono para o novo proprietário, que é o Estado Português -, a qual se opera com o trânsito em julgado da respetiva decisão. Instrumento do crime é o objeto que tenha sido usado para a sua execução ou que à mesma se destinasse.
In casu, mostram-se apreendidos nos autos os objetos de fls. 53.
Todavia, as armas e munições passaram a estar apreendidas à ordem de outros autos, conforme consta de fls. 2219.
Quanto aos demais objetos apreendidos, a fls. 53 e 54 aquando da busca à residência das arguidas, não cumpre determinar a sua perda a favor do Estado, mas antes determinar a sua restituição a quem de direito, porquanto se torna desnecessário manter a sua apreensão logo que transite em julgado o presente acórdão.
VII. Das custas processuais
Condenadas criminalmente, as arguidas B… e C… serão responsáveis pelo pagamento das custas a que deram causa, pagando, nesta conformidade, a taxa de justiça e o montante dos encargos do processo, nos termos do disposto nos artigos 513.°, n.º 1 e 514.°, n.º 1, do Código de Processo Penal. Considerando a situação económico-financeira apurada das arguidas e a tramitação processual destes autos, adequa-se fixar a taxa de justiça devida pelas arguidas em 4 UC's.
Na parte cível, relativamente aos pedidos cíveis deduzidos, a responsabilidade pelo pagamento das custas cabe ao demandante D… e às demandadas B… e C… na proporção do respetivo decaimento, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 523.° e 524.° do Código de Processo Penal, 446.°, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil.
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VIII. Dispositivo
Pelo exposto, o Tribunal Coletivo decide:
A) Quanto à parte criminal julgar a pronúncia parcialmente procedente, e, em consequência:
1. Absolver a arguida B…, na parte em que lhe imputa a prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131.°, n.º 1, 132.°, n.ºs 1 e 2, alínea j), 22.° e 23.°, todos do Código Penal;
2. Condenar a arguida B…, pela prática em, autoria e na forma tentada, de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo artigo 131.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, subordinada porém a regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, o qual, uma vez homologado, fará parte integrante deste acórdão; e ainda subordinada ao dever de pagar ao demandante D… quantia fixada a título compensatória no montante de €3.750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros) no prazo de 2 (dois anos) a contar do trânsito em julgado deste acórdão;
3. Absolver a arguida C…, na parte em que lhe imputa a prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, por omissão p. e p. pelos artigos 131.º, n.º 1, 132.°, n.ºs 1 e 2, alínea j), 10.º, 22.º e 23.º, todos do Código Penal;
4. Condenar a arguida C…, pela prática, em autoria e na forma tentada, de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo artigos 131.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, subordinada porém a regime de prova, mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, o qual, uma vez homologado, fará parte integrante deste acórdão; e ainda subordinada ao dever de pagar ao demandante D… a quantia a título da quantia compensatória arbitrada de €1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros) no prazo de 2 (dois) anos a contar do trânsito em julgado deste acórdão.
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5. Ordenar, após trânsito, a restituição dos objetos apreendidos a fls. 53 e 54 a quem de direito nos termos do artigo 186.° do Código de processo Penal.
6. Condenar as arguidas C… e B… no pagamento das custas, fixando-se em quatro unidades de conta a taxa de justiça devida.
B) Quanto à parte civil:
1. Julgar o pedido de indemnização civil deduzido por D…, parcialmente procedente, por parcialmente provado e, em consequência, condenar, solidariamente, as demandadas B… e C…, no pagamento da quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora contados à taxa legal, desde a notificação e até integral pagamento.
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2. Custas dos pedidos de indemnização civil a cargo do demandante D… e demandadas B…, C…, na proporção do decaimento, nos termos do art.° 527.°, n.º 1, do CPC, ex vi do art.° 523.°, do CPP.
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Notifique e deposite.
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Após trânsito:
- Remeta boletim aos Serviços de Identificação Criminal;
_ Dê conhecimento deste acórdão à DGRSP, solicitando a elaboração do plano de reinserção social das arguidas, nos termos do art.° 53.°, n.º 2, do Código Penal, e art.º 494.°, nºs 1 a 3, do CPP;
_ Dê cumprimento ao disposto no art.º 186.°, n.º 3 do Código de Processo Penal
_ Diligencie pela recolha de vestígios biológicos às arguidas, destinados à análise de ADN, por método não invasivo, nos termos dos artigos 8.°, nºs 2 e 5; 9.° e 10.° da Lei n° 512008, de 12.02 (lei que aprova a criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal).
Santa Maria da Feira, 28 de maio de 2015”
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Cumpre agora, nesta sede, analisar cada um dos fundamentos de recurso.
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(i) Na aventada falta de fundamentação do acórdão condenatório no que respeita à suspensão da execução das penas de prisão.
Na sua alegação de recurso o assistente invoca a falta de fundamentação do acórdão ao aplicar às arguidas a suspensão da execução das penas de prisão. Conclui que, nessa medida e nessa parte, o acórdão é nulo nos termos dos Art.ºs 379.º, n.º 1, alínea a), e 374.º, ambos do CPPenal.
Cumpre pois, apreciar da fundamentação deste acórdão e da aventada existência de uma patologia na obrigação da fundamentação.
O dever de fundamentação das decisões judiciais é uma realidade, ainda que com contornos variados, imanente a todos os sistemas de justiça que nos são próximos, mesmo que sejam detectáveis variáveis do grau de exigência em função das matérias em causa, do tipo de decisão ou da tradição histórica e cultural de cada país. Este dever constitui, nos modernos Estados de Direito, um dos pressupostos do chamado “processo equitativo” a que aludem o Art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. Esta mesma Constituição dispõe no n.º 1 do Art.º 205.º que "as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei". Por seu turno a sentença é, por definição, a decisão vocacionada para a solução definitiva do problema concreto que foi colocado ao tribunal. Como tal, porque representa a definição do direito do caso concreto deve ser, um documento de fácil leitura, simples, claro, logicamente ordenado, enxuto e esgotante. Na verdade, o âmbito do princípio constitucional da fundamentação das decisões tem como corolários, para além da publicidade e do duplo grau de jurisdição, a generalidade, a indisponibilidade e a completude.
A vinculação constitucional a um modelo de fundamentação da sentença que garanta os princípios da completude e da indisponibilidade, com as constrições normativas mencionadas e que decorrem das exigências da suficiência, da coerência e da concisão.
Tem-se entendido que a fundamentação da sentença penal, como decorre da norma do Art.º 374.º, n.º 2, do CPPenal, é composta por dois grandes segmentos: um primeiro que consiste na enumeração dos factos provados e não provados; e outro que consiste na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, mais não é do que a narração de forma metódica, dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, com referência aos que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação, e do pedido de indemnização, e ainda dos factos provados que, com relevo para a decisão, e não constando de nenhuma daquelas peças processuais, resultaram da discussão da causa. É esta enumeração de factos que permite concluir se o tribunal conheceu ou não, de todas as questões de facto que constituíam o objecto do processo.
Nesta incursão pela dimensão normativa e constitucional da fundamentação importa para os autos fazer salientar que a sentença (neste caso acórdão) como documento onde estão reflectidas as opções decorrentes do julgamento, funciona como um todo e nesse sentido as várias dimensões factuais e justificativas que a compõem devem articular-se, em toda a estrutura da fundamentação (relativa à matéria de facto e relativa às questões de direito).
Determina o citado Art.º 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal sobre os requisitos da sentença que: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Por outro lado, na elaboração de qualquer sentença condenatória deverá ainda ter-se em conta o disposto no Art.º 375.º do mesmo Código do Processo Penal que, no seu n.º 1, dispõe, nomeadamente, que “a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada”. Trata-se da concretização, a nível processual, da imposição resultante do n.º 3 do Art.º 71.º do Código Penal − “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.
Poder-se-ia afirmar que, como nenhuma norma comina a nulidade para a inobservância do dever de especificação dos fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada, imposta por este Art.º 375.º, n.º 1, do CPPenal, tal inobservância consubstanciaria mera irregularidade − cfr. Art.º 118.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo CPPenal.
Tem-se entendido maioritariamente, porém, que a especificação dos fundamentos que presidiram à escolha e à medida da pena se integra no dever de fundamentação das razões de direito da decisão, a que se refere o n.º 2 do Art.º 374.º do CPPenal, e que a omissão de tal especificação determina a nulidade da sentença (cfr. Art.º 379.º, n.º 1, alínea a), do CPPenal).
Assim, neste sentido, consultem-se, por todos, os Acórdãos do STJ de 27/5/2010, processo n.º 708/05.4PCOER.L1.S1, de 9/6/2010, processo n.º 29/05.2GGVFX.L1.S1, de 30/6/2010, processo n.º 1022/04.8PBOER.S1, e de 14/7/2010, processo n.º 3/03.3JACBR.S1, de 24/2/2011, processos n.ºs 295/07.9GBILH.S1, e 445/07.5PBSTR.S1, os quais se inserem numa reacção jurisprudencial dos tribunais superiores, já sedimentada, que recusa a utilização de critérios aritméticos e meramente formais na determinação da pena do concurso de crimes.
A materialidade das questões em apreço deve prevalecer sobre os argumentos formais e processuais.
Finalmente, ter-se-á de reconhecer que a actividade de fiscalização e de controlo por parte dos tribunais superiores, relativamente às decisões proferidas em 1.ª instância, designadamente a prevista no preceito do n.º 2 do Art.º 410.º, só pode ser válida e eficazmente exercida se, em sentença, se relacionarem um a um quer os factos provados, quer os não provados, para além de que só uma indicação minuciosa daqueles revela uma apreciação e julgamento completos, isto é, a certeza de que todos os factos objecto do processo foram efectivamente considerados e conhecidos pelo tribunal com o indispensável cuidado e ponderação.
Assim, na concretização da estrutura da sentença a fundamentação impõe que todas as questões suscitadas e decididas devem ser objecto de fundamentação (o chamado princípio da completude), embora de uma forma concisa.
Igualmente a fundamentação deve sempre ser suficiente, coerente e razoável, de modo a permitir cumprir as finalidades referidas que lhes estão subjacentes (endo e extra processuais, que foram referidas).
Ora compulsada a fundamentação da decisão é notório e óbvio que o acórdão proferido não padece do vício alegado da falta de fundamentação na escolha e determinação da medida da pena.
Verifica-se que nessa operação de escolha e determinação das penas o tribunal a quo, depois de precisar o porquê da aplicação das penas de prisão em detrimento de outras possíveis, passou a destacar os elementos que teria em conta na fixação das medidas das penas: culpa do agente e as exigências preventivas.
IV. Das consequências jurídicas dos crimes praticados pelas arguidas.
4.1. Feito o enquadramento jurídico-penal da conduta das arguidas, importa agora determinar a medida da pena a aplicar, de acordo com o disposto no artigo 71.°, tendo presente que «as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Assim, a medida da pena há-de ser dada pela medida da tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, que se traduz na tutela das expetativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada» (cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, p. 227) - cfr. art.° 40.º, n.ºs 1 e 2.
O crime de homicídio na forma tentada é punível com uma pena de 1 ano e 6 meses a 10 anos e 6 meses de prisão - artigos 23.º n." 2,73.º, n.º 1, als. a) e b) e 131.°.
4.2. Da atenuação especial da pena quanto à arguida C…
O art.º 10.°, n.º 3, prevê que em caso de comissão por omissão a pena pode ser especialmente atenuada.
As circunstâncias enumeradas no art.º 72.° não têm efeito automático de atenuar especialmente a pena: só o terão se daí derivar uma acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou das exigências de prevenção, o que se verificará se e só se "a imagem global do facto resultante da atuação dessa circunstância se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo".
Ou seja, "a atenuação especial só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos «normais», lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimos próprios" - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 306-307.
Ora, no caso em apreço, não se pode concluir por uma imagem global do facto em que a culpa ou as exigências de prevenção se encontrem acentuadamente diminuídas. A arguida tinha ao seu alcance formas de pôr cobro à violência de que estava a ser vítima, sendo totalmente desproporcionado o seu comportamento, saber que alguém estava a planear a morte do marido e nada ter feito.
Assim, não podemos concluir que a atuação da arguida tem uma gravidade de tal forma diminuída que se justifique atenuar-lhe a pena.
É assim, de afastar a atenuação especial da pena.
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4.3. Da medida da pena.
Sendo o direito penal português informado pelo irrenunciável princípio da dignidade da pessoa humana, é óbvio que "em caso algum a pena poderá ultrapassar a medida da culpa" do agente da infração (artigo 40.°, n.º 2) e a sua aplicação é exigida apenas em nome da necessidade de "proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade" (artigo 40.°, n.º 1), aqui se manifestando as finalidades de prevenção geral e especial da pena.
Quer isto dizer que na determinação da pena a aplicar, devem valer, em primeiro lugar, as exigências de prevenção geral ou de tutela dos bens jurídicos, isto é, "primordialmente, a medida da pena há de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto" assumindo um "significado prospetivo que se traduz na tutela das expetativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida" Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 227 e 228.
Dito de outro modo, através da aplicação de uma concreta pena, mostra-se à comunidade que a norma protetora de um certo bem jurídico continua válida e que a sua violação acarreta consequências.
Esta necessidade de tutela de bens jurídicos - embora nunca ultrapassando a culpa do agente - há de "fornecer um espaço de liberdade ou de indeterminação, uma moldura de prevenção dentro dos quais podem (e devem) atuar as considerações extraídas das exigências da prevenção especial de socialização" Jorge Figueiredo Dias, As Consequências cit., pág. 229.
A culpa, como já foi dito, tem a função de servir de fundamento (nulla poena sine culpa) e de limite máximo inultrapassável à pena, cumprindo assim o postulado constitucional da dignidade da pessoa humana.
Por fim, e dentro da moldura de prevenção fixada pela necessidade de tutela de bens jurídicos - nunca, portanto abaixo do mínimo suportável pela exigências de prevenção geral positiva - "podem e devem atuar os pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena, devendo esta, na medida do possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade" Jorge Figueiredo Dias, As Consequências cit., págs. 230 e 231.
Na determinação da medida concreta da pena deve o tribunal tomar em conta, como diretrizes fundamentais, conforme imposição legal do n.º 1 do artigo 71.°, a culpa do agente e as exigências de prevenção, mas sempre com observância plena do princípio da proibição da dupla valoração, devendo ainda tomar em consideração, entre outros, os diversos fatores enunciados no n.º 2 do artigo acabado de mencionar.
Nos crimes de homicídio, ainda que se quedem pela fase da tentativa, as exigências de prevenção geral positiva são sempre especialmente intensas porque a violação do bem jurídico fundamental ou primeiro - a vida - é, em geral, fortemente repudiada pela comunidade. Quando o cnme ocorre no contexto de uma relação familiar, especialmente conjugal, as exigências de prevenção geral são, ainda, acrescidas, em virtude da consciencialização comunitária dos fenómenos de violência de género, particularmente de violência doméstica, e da ressonância fortemente negativa que adquiriram. Por isso, a estabilização contra-fáctica das expetativas comunitárias na afirmação do direito reclama uma reação forte do sistema formal de administração da justiça, traduzida na aplicação de uma pena capaz de restabelecer a paz jurídica abalada pelo crime e de assegurar a confiança da comunidade na prevalência do direito.
As arguidas não confessaram os factos dados como provados, sendo certo que apenas admitiram parte dos mesmos, mas sem grande relevo.
O modus operandi (contratação de terceiros para matar o genro e a respetiva omissão do cônjuge), mas sem consequências de maior (alheias à vontade das arguidas), entendemos que o grau de censurabilidade da sua conduta é relevante.
A isto acresce a circunstância do dolo ser direto e da vítima ser genro da arguida B… e marido e pai das filhas da arguida C…, em que se exigia, por isso, um maior respeito pelo bem jurídico protegido.
Trata-se de um comportamento que redunda num elevado nível de ilicitude, tanto mais que as arguidas atentaram contra o bem jurídico fundamental que é a vida humana.
Ainda no que respeita à ilicitude da conduta, cumpre ter em conta as consequências advenientes do comportamento das arguidas, não tendo lesado definitivamente a vida de D….
A violência a que era sujeita a arguida C…, a que a arguida B… assistia ou tomava conhecimento, releva num sentido atenuativo da sua culpa pelo crime, mas num grau que não se pode ter por excecional.
Acresce que informam os factos provados um embotamento afetivo da arguida C… em consequência da relação conjugal ter sido pautada por uma vivência de agressões por parte do marido.
Quanto à arguida B… a perturbação sentida não lhe afetou a consciência de estar a praticar um ilícito, pelo que manteve a consciência de que a sua conduta era criminosa e ademais agiu com conhecimento e vontade de realização de um tipo objetivo de ilícito (matar o genro) e atuou com esse propósito.
Como atenuantes temos a circunstância da arguida B… não ter antecedentes criminais e a arguida C… ter duas condenações, por crime de emissão de cheque sem provisão e de desobediência, mas o último por sentença transitada em 2004, punidos apenas com pena de multa.
A relevar, positivamente, o facto das arguidas mostrarem-se socialmente inseridas, sendo que a arguida C… já constituiu nova família, tem emprego e a arguida B… também cuida de outra pessoa.
A conduta das duas referidas arguidas relativamente ao crime de homicídio têm que ser distinguida uma vez que a conduta foi praticada pela arguida B… assumindo maior gravidade, já que foi autora do crime, e a C… apenas adotou conduta omissiva Assim, num juízo de ponderação global será adequado aplicar:
- à arguida B… a oena de 5 anos anos de prisão
- à arguida C… a pena de 3 anos e 6 meses de prisão
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4.4. Da suspensão das penas aplicadas.
Dispõe o artigo 50.°, n.º 1, que «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição», ou seja, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (cfr. art.° 40.°, n.º 1).
Daqui deriva que são somente necessidades de prevenção especial de socialização limitadas pelas de prevenção geral na modalidade de defesa do ordenamento jurídico, que neste momento devem ser equacionadas.
Este preceito consagra um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que terá de decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos, configurando a mesma uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico.
Para este efeito, além do mais, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao momento da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento das arguidas, no sentido de que a censura do facto e a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
No caso em apreço, verifica-se que o pressuposto formal estabelecido por aquela disposição se encontra preenchido, dado que as penas impostas não são superior a 5 anos de prisão.
Por outro lado, consideramos que os inerentes pressupostos materiais se mostram neste caso também verificados.
Na verdade, temos a ponderar a favor das arguidas o facto da B… não ter antecedentes criminais e os antecedentes criminais da arguida C… remontarem a 2004, em duas penas de multa.
Ademais, decorre dos relatórios sociais que são pessoas socialmente integradas, e tendo inclusive apoio familiar.
A realçar o facto da arguida C… ter três filhos menores e a arguida B… apresentar um estado frágil de saúde.
Acresce não ser de todo em todo desejável integrar as arguidas num meio criminógeno como é a prisão, não se afigurando que a pena de prisão se revele necessária, nem tão pouco conveniente, à ressocialização daquelas, bastando a ameaça da pena de prisão.
Somos assim levados a concluir que ainda é possível efetuar-se um juízo de prognose favorável no que respeita aos seus futuros comportamentos.
Consequentemente, as penas de prisão impostas deverão ser suspensas na sua execução pelo mesmo período de tempo.
Nestes termos, decide-se decretar a suspensão da execução das penas de prisão por igual período, ou seja:
- à arguida B… por 5 anos;
- à arguida C… por 3 anos e 6 meses.
Ao abrigo do art.º 50.°, n.º 5.
Todavia, considerando o crime em causa, parece-nos adequada a subordinação da suspensão da execução das penas de prisão ao regime de prova (neste caso obrigatória, aliás) e ao dever de pagarem ao demandante a compensação que infra se arbitrará, na proporção de 75% para a arguida B… e 25% para a arguida C…, no período de 2 anos (teve-se em consideração o facto das arguidas serem de modesta condição económica, pelo que não é exagerada a imposição daquela obrigação repartida por dois anos) - artigos 50.º, n.ºs 1,2,4 e 5; 51.°, n.º 1, al. a); 53.°, nºs 1 a 3; e 54.°.

Em face do descrito não se acompanha o assistente no seu recurso quando diz que o tribunal "a quo" não teve preocupação de apresentar detalhadamente os motivos para tal suspensão. Ao invés, constata-se que o tribunal de 1.ª instância procede à verificação do pressuposto formal das penas impostas não serem superiores a 5 anos de prisão, à invocação da ausência de antecedentes criminais da 1.ª arguida e do carácter remoto do antecedentes criminais da 2.ª arguida, com a cominação de penas de multa, à invocação da integração social e apoio familiar de ambas as arguidas, à situação familiar da 2.ª arguida e ao estado de saúde da 1.ª arguida, ao facto de não ser desejável integrar as arguidas num meio criminógeno como é a prisão, «não se afigurando que a pena de prisão se revele necessária, nem tão pouco conveniente, à ressocialização daquelas, bastando a ameaça da pena de prisão». Sendo que para além disso esta suspensão da execução das prisões ficou, ainda, subordinada ao regime de prova.
Pelo que, em conclusão, inexiste razão ao assistente/recorrente quando pugna pela nulidade da decisão recorrida nos termos dos Art.ºs 379.º, n.º 1, al. a) e 374.º, ambos do CPPenal, uma vez que o tribunal "a quo" justificou em concreto a decisão de suspender as penas de prisão aplicadas.
Desiderato logrado na decisão condenatória, pelo que não padece a mesma da invocada nulidade.
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(ii) Na impugnação estrita da matéria provada, na qual se invoca erro notório na apreciação da prova e contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão da matéria de facto (factos incorrectamente julgados como provados ou não provados).
Nas motivações dos recursos do Ministério Público e da 2.ª arguida, C…, procede-se à impugnação estrita da matéria de facto. Aquele invocando erro notório na apreciação da prova e contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão da matéria de facto (com alterações devidas na matéria considerada provada e não provada), e, a mesma arguida, por erro notório na apreciação da prova (factos dados como provados que deveriam ter sido dados como não provados).
Cumpre apreciar destes fundamentos dos recursos.
A dimensão normativa estabelecida Código de Processo Penal relativa ao recurso sobre a matéria de facto, assume duas dimensões:
a) a possibilidade de recurso que resulta da restrita aplicação estabelecida no Art.º 410.º, n.º 2, referente à correcção dos vícios aí referenciados por simples referência ao texto da decisão recorrida;
b) a que resulta da ampla possibilidade concedida à impugnação da matéria de facto resultante de erros de julgamento, por invocação de prova produzida e erroneamente apreciada pelo tribunal recorrido que se alude no Art.º 412.º, n.º 3.
No que respeita ao conhecimento do recurso a que se refere o Art.º 410.º, n.º 2, importa referir que aqueles vícios, em todas as suas alíneas (erro notório, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão) têm que resultar da própria decisão/sentença, como documento único, embora essa conjugação possa ser referente às regras da experiência.
Assim a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, a que se alude no Art.º 410.º, n.º 2, alínea b), e o erro notório na apreciação da prova, consubstanciam, respectivamente, a inexistência de factos provados suficientes, a incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório da apreciação da prova efectuada pelo tribunal. Tudo isto, repete-se, desde que resulte do próprio texto da sentença, por si só ou conjugada com as regras da experiência.
A insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, que não se confunde com a insuficiência da prova produzida para a decisão de facto encontrada, só existe quando os factos dados como provados se não mostram suficientes para fundamentar a decisão proferida, por se constar que não foi apurada toda a matéria de facto relevante - e que é a constante da acusação ou da pronúncia e da contestação e, eventualmente, resultante da discussão da causa. Noutros termos, existe quando os factos apurados não são suficientes para o julgador alcançar a conclusão jurídica que alcançou.
A contradição insanável da fundamentação verifica-se quando o mesmo facto é, simultaneamente, dado como provado e como não provado, quando são dados como provados factos contraditórios e quando existe contradição entre os factos provados e a sua fundamentação probatória, e, além disso, essa contraditoriedade, em qualquer das suas formas, não pode ser ultrapassada, sanada.
O erro notório na apreciação da prova é o erro manifesto, evidente, ostensivo, patente, o erro que não escapa ao cidadão comum, ao homem de formação média.
Recorde-se que estes vícios, podendo e devendo ser alegados, são no entanto de conhecimento oficioso.
Da análise do acórdão proferido em primeira instância nenhum vício a que se refere o Art.º 410.º estará evidenciado pelo que nesta dimensão do recuso sobre a matéria de facto não há que questionar a decisão.
Começando pelo erro notório.
O erro notório tem sido considerado como aquele em que se incorre numa apreciação dos factos que contrarie o senso comum, por ser contrário com os factos históricos do conhecimento geral, com as leis da lógica ou da natureza ou que se considere que exista uma ofensa dos conhecimentos criminológicos e vitimológicos (para esta síntese, considere a anotação ao Art.º 410.º do CPPenal, em Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2007, Lisboa: Universidade Católica Editora, a pp. 1101-1124. Assim, constituiria um erro notório na apreciação da matéria da prova, por exemplo, a descoberta de uma incoerência lógica entre os meios de prova invocados na fundamentação e os factos dados como provados com base nesse meio de prova. Isto é, caso o tribunal a quo tivesse dado uma valorização evidente a determinada documentação e depois viesse a dar como provada determinados factos que contrariassem, sem mais, esse documento.
Dizem o Ministério Público e a 2.ª arguida que no acórdão se cometeram diversos erros ligados com a apreciação dos meios probatórios, e que a valorização do tribunal de determinados meios probatórios em detrimento de outros redundou em erros de apreciação que contrariam a experiência comum e a história de vida em presença. Diz o Ministério Público que das declarações das arguidas e do depoimento da filha da 2.ª arguida, em patente síndrome de alienação parental, nunca se poderia concluir pela ambiente de violência doméstica e de maus tratos provocados pelo assistente, sendo que foram também mal apreciados e inferidas conclusões de outros depoimentos indirectos que não podiam ter acontecido, sendo que as intercepções telefónicas não deixam dúvidas sobre o faltar à verdade de algumas declarações e depoimentos. Por seu turno, a 2.ª arguida menciona que o tribunal ao deduzir o seu conhecimento do aludido acordo para matar estabelecido pela sua mãe se baseia numa apreciação ilógica, arbitrária e insustentável.
Verifica-se no entanto, ao invés, que o tribunal recorrido procedeu a uma análise crítica dos meios de prova (declarações das arguidas, declarações do assistente/demandante, depoimentos testemunhais e documentais, designadamente autos de busca e apreensão, relatórios médicos e as transcrições das intercepções telefónicas, e prova pericial) que não se encontram em contradição evidente entre si. E que o tribunal a quo não deixou de valorizar e enquadrar devidamente, segundo uma apreciação a todos os títulos clara, razoável e justificada.
Nas declarações das arguidas o tribunal a quo considerou especificamente o que ficou admitido e não admitido por cada um das arguidas, sempre atendendo à valorização possível das suas próprias declarações e também nos limites da valorização de declarações prestadas por quem é visado num processo-crime com este gravame.
Seria irrazoável, ao contrário do que defendem o Ministério Público e a 2.ª arguida, que o tribunal não ficasse convicto – na ponderação com todos os demais meios de prova envolvidos – do contexto de violência doméstica vivido naquela família e também que aquela arguida desconhecesse o alcance das diligências estabelecidas para sua mãe para se livrar do seu genro (e seu marido). Isto no desenvolvimento de uma explicação que pode ter algumas incertezas, mas em que a análise e a ponderação dos factos não entram em contradição ou assumem qualquer problema de lógica.
Recorde-se, neste domínio, a apreciação crítica dos meios de prova realizada pelo tribunal a quo, no que respeita aos factos provados e não provados, após uma descrição alongada de cada um dos meios de prova produzidos e da sua valoração intrínseca.
Façamos, ora, então, uma análise valorativa desta prova supra elencada produzida em audiência de julgamento, explicando, assim, o processo de formação da convicção do tribunal.
Repita-se que esta prova que de forma sucinta relatamos apenas tem a ver com as razões que levaram a arguida B… a encomendar a morte do seu genro e a atitude omissiva da arguida C…, porquanto dúvidas não subsistiram, como já vimos, da prática das arguidas dos factos dados como provados.
No caso sub judice, num apreciação valorativa, entendemos que o depoimento do assistente D… constitui um exemplo paradigmático de um depoimento parcial, parcialidade essa que foi notória devido ao facto de se ver atraiçoado pela mulher (sem aqui curarmos de ajuizar sobre as razões dessa antipatia).
Diga-se, antes de mais, que nem todo o depoimento do assistente foi falacioso, já que existiu parte do mesmo que foi valorado positivamente, outro teve de passar pelo crivo da objetividade.
Vejamos seguidamente das contradições do assistente que nos levam a não acreditar em parte do seu depoimento.
Ora, o assistente quis deixar transparecer que tinha uma vida conjugal quase colorida, mas isso não era verdade porque do seu próprio depoimento, "fabricado" na sua essência, resulta que este disse o que lhe parecia ficar bem, mas nem sempre o que disse era a verdade dos factos.
Não colocamos em causa que o assistente com o comportamento das arguidas viu-se a braços com emoções difíceis de digerir, mas coisa diferente era ser o assistente o exemplo de pai e de marido.
Não o era certamente e vejamos a razão desta nossa afirmação.
Ora, o assistente estava fora de segunda a quinta, ganhava mais de 2 mil euros e a arguida C… não trabalhava, como afirmou; conflitos graves no casamento não existiam, apenas algumas discussões relacionadas com dinheiros. Então pergunta-se; que razões tinha a arguida B… para mandar matar o genro e a arguida C… saber desse facto e o ter aceite? Não era o assistente o sustento da família? Então perguntamos nós: que vantagem tinha a arguida C… em ver o seu marido morto? Era bom marido, ela gastava muito dinheiro, mas era ele que o ganhava (isto segundo as declarações do arguido), só estava em casa de quinta a domingo, tendo a arguida empregada em casa, poderia nos outros dias disfrutar do dinheiro e de liberdade.
O assistente referiu que o comportamento das arguidas se tinha ficado a dever, ao que lhe parece, ao facto de ter um seguro de 50 mil euros para cada filha e a C… sabia-o. Porém, ordenado oficiosamente que juntasse a apólice de seguro, já que a tinha em seu poder, referiu que cancelou uma delas depois do sucedido, não o fazendo, alegando que era a arguida C… que tratava disso. Mas não foi o assistente que cancelou um dos seguros, pergunta-se?
Dinheiro não foi o objetivo das arguidas até porque os "contratados" afirmaram que disseram à arguida B… para fazer um seguro de vida para o D… para receberem dinheiro depois da morte e ela não mostrou interesse, como adiantaram.
Por outro lado, o assistente negou que tivesse problemas psíquicos, mas o certo é que ouvido na PJ, declarações ouvidas em sede de julgamento, admitiu que desde criança sofre de distúrbios psiquiátricos e que por isso tem reacções violentas, admitindo mesmo que já agrediu a arguida C… e admitiu como possível que a tenha ameaçado.
Poder-se-ia afirmar que isto não era suficiente para asseverar que a arguida C… era vítima de violência doméstica. Todavia, a corroborar o depoimento das arguidas neste segmento tivemos outras provas que entendemos consistentes o suficiente para afirmar que esse facto era uma realidade.
E não se diga, como foi dito em sede de alegações, que o facto da arguida C… nunca ter apresentado queixa de violência doméstica, nem nunca ter pedido apoio, é porque não era vítima de maus tratos. Bem melhor seria, e provavelmente poucas ou nenhuma vítima de violência doméstica existiriam e a cifra negra não constaria dos nossos barómetros de mortes por violência doméstica, se todas as mulheres/homens apresentassem queixa quando são vítimas de violência doméstica. A verdade é que "o coração tem razões que a própria razão desconhece" (Blaise Pascal). Por medo, por compaixão, por amor, sabe lá por que razões, muitas. Muitas das vítimas são agredidas e não o denunciam e quantas vezes se culpabilizam e aceitam ser agredidas vitimizando o agressor, vamos lá saber o porquê, mas o certo é que estas pensam, ou sabem, que é extremamente perigoso deixar um agressor, temem que a fase final na espiral da violência doméstica seja a sua própria morte.
Deixemos agora a generalidade, e só referida porque foi abordada em sede de audiência de julgamento, e voltemos à nossa prova.
Vejamos então outras provas em que nos apoiamos para afirmar que o assistente era violento para com a sua mulher.
Desde logo chamamos aqui à colação o depoimento da filha da arguida e do assistente, a E….
Ora, entendemos que a E…, no seu discurso, mostrou-se muito credível. Regista-se a enorme emoção que esta demostrou no seu discurso, chegando, em alguns momentos, a chorar, o que, em nosso entender, abona em muito a favor da sua credibilidade, ressaltando à evidência que a menor não vinha "instruída" para falar desta ou daquela forma, nem tão pouco mostrou qualquer atitude persecutória de ressentimento ou de vingança em relação ao pai, não falaria da forma como o fez se não tivesse vivenciado os factos que relatou.
Aliás a menor mostrou-se tão sincera no seu relato que não se descortinou qualquer "habilidade", por parte da mesma para o fazer.
Concluiu-se, portanto, que a menor prestou declarações de forma espontânea, num discurso perfeitamente enquadrado na sua idade de 16 anos.
Não se diga que o relato da menor era fantasiado em virtude da alienação parental, julgando-se que esta cuidava no seu discurso de defender a sua mãe e a sua avó materna. Aqui, é certo, podíamos questionar o facto da menor viver com a mãe e já não ver o pai há muitos anos e ter sido instrumentalizada, mas concluiríamos que isso não correspondia à verdade, quer pela forma com que o depoimento foi prestado, com pormenores próprios de quem vivenciou os factos, quer porque o seu depoimento foi corroborado por outros meios de prova.
Alias do relatório junto a fls, 3267 subscrito pela psicóloga Dr." Q… e do seu próprio depoimento realizado em audiência de julgamento, consta que a E… iniciou acompanhamento psicológico na clínica em dezembro de 2008, no seguimento de sinalização do psicólogo escolar, ou seja, quase um ano antes do sucedido. Já em 2008 a E… "revelava índices de ansiedade ligeiramente superiores aos que seria de esperar para a sua idade, associado a um estado de depressão leve ". Mais aí se refere que a menor tinha medos em outubro de 2010 "quanto explorados os seus medos, verificou-se que estes estavam associados, maioritariamente, ao contexto familiar, sendo que a E… relatava sentir medo do pai (de que este agredisse a mãe, a agredisse a ela ou à irmã, as levasse ou sujeitasse a estar com ele contra a vontade de ambas); afirmava experimentar sentimentos intensos de medo e desconforto, sempre que contactava o pai, ou quando este a contactava (...)".
Ademais, o tribunal teve o cuidado de ouvir os professores das menores quer aquando da data dos factos quer anteriormente e dos mesmos resultou que, principalmente a menor E…, deixava transparecer que tinha problemas familiares, razão pela qual foi sinalizada em 2008 para o psicólogo do colégio que frequentava e depois deste para uma clínica privada. Como vimos supra, o psicólogo disse que a menor relatava episódios de mau ambiente familiar, ao contrário do que o pai quis fazer crer, que era um casal harmonioso e as menores não frequentavam qualquer psicólogo. Aliás, a própria E… referiu, com relevo, que o pai lhe dizia "vê lá o que vai dizer à psicóloga", o que é sintomático de que o D… queria esconder algo menos bonito de se saber. A este propósito urge relembrar o que disse a arguida C…: que o assistente fora de casa queria deixar transparecer que se tratava de uma família feliz.
Acresce que a credibilidade atribuída à menor foi claramente reforçada ou sustentada pelo depoimento das arguidas, mas também das testemunhas N…, AB…, M1…, T… e AC…, as quais prestaram declarações de forma objetiva e serena, sem discursos apaixonados e acabaram por, unanimemente, atestar que as filhas da arguida C… tinham medo do pai, medo esse que já existia antes dos factos. Ora, tal medo, associado à necessidade de serem acompanhadas por psicólogo é demonstrativo de que algo de errado se passava naquela família onde as menores estavam integradas e o medo ao pai deixa antever que este era o causador dos factos que originavam o medo das menores.
A testemunha P… tentou demonstrar que a "má da fita" era a arguida C…. Todavia, esta testemunha revelou-se muito tendenciosa, parcial e particularmente azedada com esta arguida, sem que o tribunal conseguisse aferir do motivo, ferindo o seu depoimento de manifesta falta de objetividade, mostrando-se faliciosa.
Sintomático da sua tendenciosidade veja-se algumas passagens do seu depoimento. Afirmou que o D… queria sair de casa e dava tudo o que a arguida C… quisesse, então porque queria a arguida B… matar o genro e a arguida C… nada fez para impedir, se deixasse o marido ir embora ficava com os bens materiais, porque não o fez então e queria vê-lo morto?
Referiu também esta testemunha que a arguida C… queria apresentar-se desarranjada perante o marido, mas disse que gastava muito dinheiro até ia ao cabeleireiro duas vezes por semana e no dia em que este voltava do trabalho. Então se ia ao cabeleireiro no próprio dia do marido chegar não se queria desarranjada, afirmamos nós.
Diga-se que esta testemunha tentou sempre justificar as suas contradições, até do seguro falou dizendo que ouviu falar num seguro, mas que era a C… que tinha os papéis. Ora, esta afirmação deixa-nos a pensar o porquê de afirmar que era a C… que tinha os papéis do seguro.
Por outro lado, disse a testemunha que era a arguida B… que lhe pagava o ordenado.
Então quem ganhava o dinheiro ou quem o gastava?, ficamos sem saber.
Mais sintomático das suas inveracidades é o facto de ter dito que nunca viu armas em casa do D…, sendo ela empregada de limpeza diária e, pelo menos uma das armas estava em local bem visível aquando da busca à residência.
Por fim, e a para rematar, fez, tal como o assistente, a percentagem de culpas entre as arguidas, sendo que para si a culpa era quase total da arguida C…, isto a atestar a sua animosidade para com esta arguida.
*
Por tudo quanto foi dito o tribunal concluiu, de forma inequívoca e sem qualquer margem de dúvidas, que a arguida C… era vítima de violência doméstica.
Refira-se que depois de produzida toda esta prova concluímos que a razão imediata da atuação da arguida B… foi o facto de durante alguns anos ter presenciado discussões e agressões do seu genro à sua filha, despoletadas pela doença de que padecia e daí termos dado como provado que foram esses factos que determinaram que a arguida B… tenha decidido mandar matar aquele actuando com perturbação emocional e com alteração do estado de consciência.
Tal afirmação baseou-se no exame pericial da arguida B…, de fls. 3203, realizado em 30.01.2015, onde se concluiu que esta arguida não apresenta atualmente psicopatologia aguda ou doença psiquiátrica de relevo. Está medicada e razoavelmente compensada por quadro depressivo. Mas também aí se concluiu que "os factos em apreço, tal como foram descritos, aconteceram durante um período longo de tempo em que a examinada foi sujeita a vivenciar acontecimentos violentos e de agressões e ameaças, são de gravidade considerada suficiente para desencadearem reações emocional intensas e perturbadoras. Estes estados de intensa perturbação emocional com alteração possível dos campos de consciência e portanto de alteração temporária de capacidades normais de avaliação e auto determinação são quadros psicopatológicos conhecidos e acontecem por exemplo no stress agudo pós-traumático ou nas psicoses psicogénicas. Assim sendo, nas condições descritas é possível admitir que à altura dos factos a examinada atuasse sob intensa perturbação emocional e com alteração do estado de consciência, embora sem perder a consciência da ilicitude",
Ora, pese embora do relatório se afirme se os factos aconteceram tal como foram descritos, aconteceram durante um período longo de tempo em que a arguida foi sujeita a vivenciar acontecimentos violentos e de agressões e ameaças, são de gravidade considerada suficiente para desencadearem reações emocional intensas e perturbadoras, o certo é que o tribunal deu como provado as agressões perpetrada pelo D… na pessoa da C…, agressões essas vividas pela arguida B…, como resultou da prova acima perscrutada, pelo que se terá, necessariamente, de concluir que esta arguida atuou sob perturbação emocional e com alteração do estado de consciência.
Já no que concerne à arguida C… foi o estado em que se viu naquele casamento provocado pelo comportamento do assistente - conforme emergiu da conjugação do depoimento das arguidas e das testemunhas - filha e amigas - que fomentou a sua reação, de não avisar o marido da intenção da mãe de o querer ver morto.
Documentalmente também se valorou o auto de busca e apreensão de fls. 53-83 onde se constata que no quarto da C… existia uma navalha do tipo ponta e mola (vide fotografia de fls. 86); no corredor de acesso entre a garrafeira e a garagem encontrava-se uma arma tipo carabina (vide fls. 48). Factos que corroboraram o depoimento das arguidas e da menor E…, quando referiram, ao contrário da testemunha P…, que não existiam armas em casa da arguida C….
Valorou-se a faturação detalhada de telemóvel ……… (arguida C…) de fls. 1059-­1270; certidões extraídas do processo 86/08.0GBOVR, de fls. 1511-1606 e de fls. 1607-1672; autos de transcrições de interceções telefónicas - arguida B… - ……… (anexo 1) e autos de transcrições de interceções telefónicas - de certidão extraída do processo 86/08.0GBOVR (anexo 2).
Também se valorou a certidão da sentença da Regulação das Responsabilidades parentais referentes às menores E… e F… e a decisão de incumprimento, a fls. 3307 e 3337.
No que concerne à situação económico e social das arguidas valorou-se os relatórios sociais juntos aos autos.
Os antecedentes criminais das arguidas resultaram do CRC junto aos autos.
Vejamos, agora, dos factos concernente ao pedido de indemnização formulado pelo demandante D… contra as demandadas B… e C….
Afirma-se, desde logo, que quanto aos factos dados como provados concernentes ao pedido de indemnização cível atendeu-se ao depoimento do assistente D… (pese embora se tenha vislumbrado um certo exagero no seu depoimento), como já apreciado supra.
Ademais, nesta parte atendeu-se ao depoimento da testemunha AI…, que conhecia o assistente e à arguida C…, que depôs de forma credível.
Disse que o assistente era um bom amigo e alegre, gostava de viver e de ganhar dinheiro e não era gastador. Tinha decidido comprar um camião para deixar as viagens, mas depois ocorreu a tentativa de homicídio e esse projeto estagnou.
Referiu, também, que a partir dessa altura o assistente estava desolado, acabou a vontade de trabalhar e do negócio e isolava-se.
Afirmou que o afastamento do D… das filhas o devastou completamente, explicando que foi a separação do casal e das filhas que fez com que o assistente ficasse desolado.
Por fim, disse que o assistente gostava muito das filhas, mas só porque os via aos sábado juntos.
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A testemunha H…, amigo do assistente D…, referiu que este deixou de ser quem era porque de repente viu-se sem nada.
Afiançou que o assistente antes era bem-disposto, alegre e depois do que aconteceu mudou completamente, chegou a chorar pelo facto de o quererem matar e de não poder ver as filhas.
Disse que passou alguns dias de férias com a família do assistente e não viu nada de anormal, eram uma família comum.
Relatou que em …, onde o assistente trabalha, foi muito comentado o sucedido e este tinha vergonha e esteve um mês sem trabalhar.
Referiu que teve conhecimento que o assistente se tentou suicidar e dizia-lhe que depois do sucedido tinha medo de ir para casa depois da meia-noite.
Afirmou, por fim, que o assistente ganhava 2.200 a 2.300 euros por mês.
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Ora, atendendo às declarações do assistente e das testemunhas supra referidas, que prestaram um depoimento que se nos afigurou credível, resultaram os factos dados como provados concernentes ao pedido de indemnização cível.
Ademais, qualquer pessoa que soubesse que foi planeada a sua morte, só não tendo a mesma acontecido por razões alheias à vontade da mandante - a sua sogra - e com conhecimento da sua mulher, ficaria num estado de perturbação, ansiedade e com medo de que isso lhe acontecesse.
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Factos não provados
As arguidas alegaram que viviam um clima de terror em virtude do comportamento do arguido.
Ora, pese embora se tenha dado como provado que o D… agredia, insultava e ameaça a arguida C… não ficou demonstrado que os mesmos fossem geradores de um clima de terror.
Quanto ao factos da arguida B… ter sido induzida a matar o genro pelo I… e J… apenas demonstrado ficou que estes iam alimentando a ideia que matariam o D… porque viram que podiam "sacar" muito dinheiro à arguida, mas coisa diversa é serem estes os incitadores da morte, o que minimamente não se provou.
Que o comportamento do D… tenha levado a que a arguida B… tenha ficado de cama, sem forças para se levantar, quase anosognósica, pese embora o relatório médico emitido a fls. 780 e 781 dos autos o diga, o mesmo não foi comprovado por ninguém.
Ademais, alegou a arguida B… que se fez o que fez era porque "estava tola".
A alegada inimputabilidade da arguida B… não foi dada como provada porquanto resultava já do relatório de perícia médico-legal de psiquiatria realizado pelo serviço de clínica forense do gabinete médico-legal de se Maria da Feira, junto a fls. 2960 a 2961, que a arguida não apresentava quaisquer sinais de padecer ou ter padecido de anomalia psíquica que a tornasse incapaz de, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.
Por outro lado, dos atestados juntos aos autos e declarações médicas também, não se evidencia qualquer alteração psíquica grave (vide fls. 780 a 781), já que aí o clínico subscritor conclui que é seu parecer "que esta doente se encontre psicologicamente no seu estado normal, e ter dúvidas sobre o seu estado de inimputabilidade", mas o próprio reconhece que não é perito na área. De igual modo, do relatório de fls. 1047 também apenas consta que a arguida "apresentava transtornos depressivos constantes". De igual modo, do registo clinico dos serviços prisionais apenas resulta que a arguida padecia, à data da sua reclusão (ou seja, logo após a prática dos factos que lhe são imputados, situação a que acrescia o stress de se encontrar sujeita a uma recente prisão preventiva) de um quadro ansioso, com sintomatologia depressiva. E o mesmo se diga quanto "informação clínica", junta a fls. 2213 a 2214, pois que da mesma também apenas se extrai um quadro depressivo (salientando-se a ressalva aí expressa pelo Subscritor "(...) informações reveladas pela doente (...)". Ou sej a, daqui nada se conclui pela inimputabilidade da arguida quer aquando dos factos quer atualmente.
Aliás, o próprio relatório pericial efetuado no IML concluiu pela imputabilidade da arguida.
Quanto aos factos não provados do pedido cível os mesmos resultaram de falta de prova ou prova que sustentasse essa afirmação.

Do confronto de todos estes elementos de prova (supra descritos e analisados) o tribunal do julgamento não deixou de fazer um depuramento das circunstâncias em causa, definindo uma dinâmica aos factos que se entende congruente com a realidade e com a experiência comum, e pela qual se conclui pelo apuramento de parte essencial dos factos que se encontravam descritos na acusação/pronúncia e também alegados nas peças de defesa das arguidas e no pedido de indemnização apresentado pelo assistente.
Definindo no fundo aqueles factos para os quais não subsistiriam dúvidas para além do limite da razoabilidade fáctica e da mesma experiência comum.
Nesse sentido, teremos de dizer que os aqui recorrentes (Ministério Público e 2.ª arguida) fazem uma análise truncada e não relacionada entre os meios de prova, desprezando a dinâmica dos factos e valorizando certos elementos de prova segmentados e desgarrados entre si, dando destaque a elementos documentais não concatenados ou a certas passagens das declarações e dos depoimentos em detrimento de outros, que se encontram aqui bem descritos na fundamentação fáctica do tribunal a quo.
Nesse campo, verifica-se que o tribunal recorrido procedeu ao exame crítico das provas que não foi ao encontro das expectativas do Ministério Público ou da defesa da 2.ª arguida, mas que não se pode dizer – ao contrário – que se encontram em desconformidade com as regras da experiência (cfr. Art.º 127.º do CPPenal), segundo uma exposição que se entende clara e congruente – cfr. Art.º 374.º, n.º 2, do CPPenal.
Os julgadores de primeira instância fizeram uma ponderação da situação de facto, contextualizando e caracterizando devidamente os vários elementos probatórios acima referidos, e também tirando as devidas ilações dos dados mais objectivos da história que foi relatada.
Ocorreria erro notório na apreciação da prova e consequente violação do princípio da livre apreciação quando esse erro, demonstrado a partir do texto da decisão recorrida (por si ou conjugada com as regras da experiência comum) seria de tal forma patente que não escaparia à observação do homem de formação média – cfr. o Ac. do STJ de 12/12/1997, BMJ 472, 297.
Considera este tribunal de recurso que não se verifica no acórdão recorrido – tanto do seu texto como do seu contexto lógico e de fundamentação – qualquer valoração da prova em desacordo com os critérios comuns da experiência ou outros critérios entendidos como notórios ou cientificamente evidentes.
Também importa referir que o acórdão proferido nos autos seguiu-se à audiência de julgamento que decorreu com a presença das arguidas que prestaram as suas declarações, tendo-se seguido depois toda a produção dos meios de prova que se encontram descritos no mesmo acórdão condenatório.
Todas as exigências de prova foram prosseguidas antes da deliberação e do proferimento do acórdão, o qual levou em linha de conta todos os meios de prova produzidos em julgamento, expressamente referidos na fundamentação.
No que respeita à invocada contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão da matéria de facto, o Ministério Público não explicita devidamente esta contradição, antes a confunde com o já invocado erro na apreciação da prova. Como se teve ocasião de dizer, a contradição insanável da fundamentação verifica-se quando o mesmo facto é, simultaneamente, dado como provado e como não provado, quando são dados como provados factos contraditórios e quando existe contradição entre os factos provados e a sua fundamentação probatória, e, além disso, essa contraditoriedade, em qualquer das suas formas, não pode ser ultrapassada, sanada.
Ora, não se vê que exista no acórdão em apreço qualquer incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Pelo que se concluindo pela inexistência destes vícios da decisão recorrida, há que analisar aqui da valoração da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente cuidando de um exame crítico das provas e dos argumentos probatórios suscitados pelos recorrentes a fim de concluir se os mesmos levariam a considerar provados outros factos ou as versões factuais que são aqui propugnadas pelos mesmos recorrentes.
***
(iii) Na impugnação alargada da matéria de facto com reapreciação da prova produzida e alusão aos diversos meios de prova produzidos.
Pelo que se concluindo pela inexistência dos mencionados vícios do acórdão recorrida, há que analisar aqui da valoração da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente cuidando de um exame crítico das provas e dos argumentos probatórios suscitados pelos recorrentes a fim de concluir se os mesmos levariam a considerar não provados factos, provados outros factos ou até as versões factuais que seriam propugnadas pelos mesmos recorrentes.
Tanto o Ministério Público, como o assistente e a 2.ª arguida procederam à impugnação alargada da matéria de facto, considerando determinada factualidade como erroneamente comprovada ou outra matéria de facto que foi considerada não provada e que só poderia ter sido considerada provada.
Pelos recorrentes é realizada apreciação crítica dispare dos diversos meios de prova e são esgrimidos múltiplos argumentos no que respeita à análise da prova e da matéria de facto que deveria ou não ser considerada provada.
Cumpre apreciar detalhadamente desta apreciação da prova e da fundamentação que veio a ser realizada pelo tribunal a quo, cuidando de perceber se existiu algum erro de julgamento e se se impõe alguma modificação decorrente dos elementos probatórios constantes dos autos e da impugnação da matéria de facto que veio a ser realizada nos termos dos n.ºs 3, 4 e 6, do Art.º 412.º do CPPenal.
O tribunal do julgamento considerou provado que:
2.1. Os factos provados
2.1.1. Da pronúncia e das contestações das arguidas B… e C…
1.º No período de pelo menos 9 anos anteriores a novembro de 2009, a arguida B… viveu numa casa contígua à da sua única filha, a arguida C…, onde esta vivia com o marido D… e as filhas menores E… e F….
2.° O D… durante esses 9 anos, no período e de quinta-feira a domingo, data em que se encontrava em casa e não na sua atividade profissional de motorista, agredia fisicamente a arguida C…, insultava-a e ameaçava-a de morte com arma de fogo de que era titular.
3.º Esses factos eram presenciados pela arguida B…, ou deles tomava conhecimento posteriormente, bem como pelas duas filhas da arguida C… e pelo pai desta.
4.° Tendo a arguida B… e a menor E… presenciado, em 1 de novembro de 2009, o D… a agredir fisicamente a C… e a obrigá-la a manter relações sexuais consigo.
5. ° O pai da C…, então marido da arguida B…, nada fazia em relação ao comportamento do genro.
6.° As arguidas C… e B…, em face do comportamento do D…, sentiam-se desprotegidas, vulneráveis e sem qualquer tipo de proteção.
7.° A arguida B… sentia-se completamente impotente para fazer cessar esses comportamentos do D….
8.° Em face do comportamento do D… perante a arguida C…, a arguida B… decidiu em data não concretamente apurada de outubro de 2009, contratar pessoas para o ameaçarem e agredirem, com o objetivo de o fazer parar com essas agressões.
9.º Para concretização desse plano, no mês de outubro de 2009, a arguida B… confidenciou a L… que precisava dos serviços de um "vigilante/cobrador", tendo-lhe esta referenciado J…, seu vizinho, como pessoa que poderia desempenhar tais funções, pois sabia que o mesmo era porteiro numa discoteca no Porto.
10.º Nesse mesmo mês de outubro, a arguida B… recebeu em sua casa J….
11.º Posteriormente, em data não concretamente apurada de finais do mês de outubro, princípios de novembro, e com a repetição das agressões perpetradas pelo D… na pessoa da arguida C…, a arguida B… formulou o plano de matá-lo, a fim de acabar com as agressões à filha.
12.º Nessa sequência confidenciou a J… que queria pôr termo à vida do D…, alegando que o mesmo maltratava a sua filha e prontificando-se a pagar-lhe dinheiro para executar tal tarefa, ou arranjar alguém para levar a cabo os seus intentos, mediante o pagamento de um montante a combinar.
13.º O J… manifestou à arguida B… o propósito de ponderar aceitar tal proposta.
14.º No dia 9.11.2009, o J… contactou telefonicamente com I…, dando-lhe conta que a arguida B… lhe pedira para arranjar alguém que lhe matasse o genro, estando disposta a pagar por isso.
15.º Na noite desse mesmo dia, J… e I… dirigiram-se a casa da arguida B…, manifestando-lhe ambos o propósito de levar a cabo a morte do D….
16.º Para tal, nessa data, a arguida acordou com o I… e o J… que estes matariam o D….
17.º Nos dias seguintes, a arguida B… e o J… estabeleceram contactos telefónicos entre si, tendo-lhe este dito que teria 3 ou 4 pessoas que poderiam matar o D… e aquela aceitou pagar por isso.
18.º Apesar da arguida B… ter decidido e acordado com o J… e I… em matar o genro, existiam dias que persistia na sua decisão e outros dias transmitia-lhes que não queria que o matassem, acabando, no entanto, antes da sua detenção, por manter a decisão da morte do genro, o que aconteceu pelo menos desde 19 de novembro.
19.º O I… e J… sempre foram dizendo à arguida B… que matariam o genro com o intuito desta lhes dar mais dinheiro.
20.º Num dos dias seguintes a tal conversa, a arguida B… entregou aos referidos J… e I… a importância de € 2.000,00.
21.º Do mesmo modo, informou-os do número de telefone do D…, dos seu hábitos, nomeadamente, os percursos que fazia aquando das suas viagens como condutor de longo curso da Firma "U…, Lda.", bem como as caraterísticas do camião que conduzia, tendo-lhes ainda entregue uma fotografia do mesmo, para que o pudessem identificar.
22.º A partir desse contacto, a arguida B… convenceu-se que o J… e o I…, quando assim o decidissem, levariam a cabo, por si próprios, ou por pessoas a seu mando, a tarefa de pôr termo à vida do D… que lhes encomendara.
23.º Todavia, os mesmos não tinham qualquer intenção de executar tal tarefa, tendo vislumbrado, na proposta da arguida B…, a oportunidade de se apropriarem de outras quantias monetárias ou de valores pertencentes àquela.
24.º Nos dias seguintes, a arguida B… passou a ter com os referidos J… e I… vários contactos telefónicos e pessoais, tendo estes ocorrido, entre outros locais, em sua casa, na rotunda … e numa confeitaria em ….
25.º Em tais contactos, a arguida B… manifestou ao J… e ao I… a vontade que executassem a tarefa o mais rápido possível, ao passo que aqueles a convenceram da necessidade de lhes entregar mais dinheiro.
26.º Acedendo a tais pedidos, a arguida B… entregou àqueles, J… e I…, várias quantias monetárias, num total de cerca de €13.000,00, bem como algumas peças de ourivesaria, cujo valor não foi possível de apurar.
27.º No dia 20.11.2009, a arguida B…, impacientada por estar a pagar àqueles um serviço que os mesmos iam sempre adiando, propôs-se, nessa noite, acompanhar o I…, para levar a cabo a morte do D…, manifestando até disposição para ser ela a disparar a pistola.
28.º Em virtude das interceções telefónicas que efetuava ao J… e ao I…, no âmbito do processo 86/08.0GBÜVR, da P Secção do DIAP de Aveiro, em que aqueles eram suspeitos, a Polícia Judiciária procedeu, em 26.11.2009, à detenção da arguida B…, pondo, desse modo, termo às suas intenções de causar a morte a D…, seu genro.
29.º Em data e por forma não apurada, mas situada entre os primeiros contactos que a arguida B… efetuou com o J… e a sua detenção, a arguida C… tomou conhecimento que a sua mãe havia contratado dois indivíduos para dar uma sova/surra ao D…, numa tentativa de este não lhe infligir maus tratos e o assustar.
30.º E sabia a arguida C… que essa sova ou surra teria de ser paga a tais indivíduos, embora desconhecesse os montantes pelos mesmos pretendidos, dado que foi sempre a sua mãe que com eles contratou.
31.º Posteriormente, e em data não apurada, mas antes da detenção da arguida B…, a arguida C… tomou conhecimento dos propósitos da mãe de pôr termo à vida do D…, bem como dos contactos que efetuara com o J… nesse sentido.
32.º Apesar da arguida C… ser casada com o D… absteve-se de o avisar, ou às autoridades policiais, do propósito da arguida B… pôr termo à vida dele, bem como das diligências pela mesma efetuadas para levar a cabo tal plano criminoso.
33.º A arguida B…, ao delinear o plano criminoso acima descrito, contratando os referidos J… e I… para o realizar, ao entregar aos mesmos quantias em dinheiro e outros valores e ao fornecer-lhes os pormenores identificativos da pessoa a quem teriam de eliminar, tinha plena intenção de causar a morte ao D…, bem sabendo que a sua conduta era adequada a conseguir tal desígnio criminoso.
34.º Só não o tendo conseguido por circunstâncias completamente alheias à sua própria vontade, nomeadamente pelo facto dos contratados terem decidido não executar tal tarefa, abortando, desta forma, o plano criminoso da arguida.
35.º Por sua vez, a arguida C… bem sabia que os factos, praticados pela sua mãe, eram adequados a que os referidos J… e I…, ou outros a seu mando, concretizassem a morte do D… que aquela lhes encomendara.
36.º Mais sabia a arguida C… que, enquanto cônjuge do D…, tinha o dever de impedir que a arguida B… levasse a cabo a morte daquele e que, nada fazendo, contribuía para que tal morte se concretizasse.
37.º Atento o quadro de agressões perpetradas pelo D… na pessoa da arguida C… a arguida B… encontrava-se perturbada emocionalmente e com alteração do estado de consciência, mas que não a impediam de ter consciência da ilicitude dos seus atos e de se determinar de acordo com essa avaliação.
38.º Ambas as arguidas agiram de forma voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
2.1.2. Do percurso de vida das arguidas, suas condições socioeconómicas e antecedentes criminais
Da arguida C…:
39.º C… descende de núcleo familiar de condição sócio económica modesta. Vivenciou um processo de desenvolvimento inserido em contexto familiar de afetividade e proteção, onde lhe incutiram valores de trabalho. Filha de pai distribuidor de jornais e revistas e a mãe esteticista/massagista, sendo a única filha do casal, a qual foi criada mediante a transmissão de valorização pelo trabalho.
40.º Integrou o sistema de ensino o qual decorreu com sucesso até à frequência do 12.º ano, altura em que abandonou os estudos, sem concluir este grau de ensino. Aos 20 anos de idade teve o seu primeiro emprego como Gestora de Serviços de Posto de Abastecimento de Combustível (V…), onde trabalhou durante 6 anos até o Posto fechar. Passou então a Auxiliar de Ação Educativa em estabelecimento de ensino público, durante 5 anos. Em 2007 estabeleceu-se por conta própria em negócio de frutaria, localizado na área de residência, …. Em 2009, na sequência de separação conjugal, o negócio ficou com o ex-marido.
41.º Contraiu matrimónio em 1996 e tem duas filhas desse casamento. No relacionamento conjugal existiram separações pontuais que despoletaram intervenção policial e judicial, e que se alastraram à família de origem da arguida, com necessárias intervenções dos progenitores desta no sentido de apoiarem a descendente. Após 14 anos de matrimónio, em junho de 2011, o casal divorciou-se.
42.º A seguir ao divórcio deslocou-se com as filhas para …, onde vivem seus familiares, sendo apoiada por estes durante cerca de 3 ou 4 meses. Aqui trabalhou como empregada doméstica, e posteriormente como empregada de escritório, passando, entretanto, a viver em …, juntamente com as filhas, em casa arrendada. Passados cerca de 2 anos, regressou a …, para a sua residência, aproveitando todas as oportunidades de emprego, tendo trabalhado em vários serviços. Entretanto, tirou o curso de "Técnica de Unhas de Gel", findo o qual passou a trabalhar nesta área em Salão de Cabeleireira, atividade que mantém até à atualidade.
43.º No seu percurso de vida evidencia hábitos de trabalho e responsabilidades parentais cabais.
44.º Há sensivelmente 1 ano vive com o seu atual companheiro, W…, de 36 anos, militar da GNR no ativo, bem como, com o filho de ambos, de 2 anos de idade e com as duas filhas, fruto do seu casamento, agora com 16 e 12 anos, estudantes, na morada dos autos. Trata-se de parte de casa contígua à residência da progenitora, de tipologia 3, e com condições adequadas de habitabilidade. A habitação foi recentemente adquirida pelo companheiro da arguida, incluindo também a casa anexa (onde reside a mãe da arguida, tendo ambas as casas uma entrada exterior/pátio comum). O imóvel localiza-se em área semirrural, não conotada com problemáticas desviantes.
45.º Em termos profissionais e económicos o agregado vive do salário de C…, enquanto técnica de unhas de gel/auxiliar de cabeleireira, em Salão de cabeleireira, localizado nos …, Vila Nova de Gaia, auferindo uma média de €500,00 e do vencimento do companheiro, numa média €1.100,00 mensais.
46.º A arguida aparenta possuir uma gestão responsável e criteriosa dos recursos financeiros que apresenta, sendo a mesma referenciada como a gestora da economia doméstica. Paralelamente, a arguida encontra-se a frequentar uma formação para auxiliar de cabeleireiro.
47.º Em contexto familiar, a arguida é apresentada como pessoa dedicada à família, com quem valoriza o convívio e procura manter o equilíbrio, nomeadamente, parental, prelecionando-se como o alicerce de uma família solidária.
48.º A rotina diária da arguida é balizada entre a casa, trabalho e responsabilidades parentais, sendo que no intermédio dedica-se a prestar cuidados de saúde à progenitora, a qual se encontra em estado depressivo, encontrando-se a ser devidamente medicada e acompanhada na especialidade. A condição de saúde da mãe da arguida, implicando assistência de terceira pessoa, embora recentemente, mais controlada, tem condicionada a vivência de C…, a qual tem investido na recuperação da mãe de forma preocupada e empenhada.
49.º No meio social de residência a arguida é considerada cordial e elemento idóneo, beneficiando da imagem favorável conotada com valores de trabalho e sem sinais de ostentação, atribuindo-lhe modo de vida discreto.
50.º O presente processo é vivenciado pela própria com ansiedade e constrangimento perante a natureza dos factos em apreço, implicando gastos psico-emocionais e económicos para si e família em geral, a qual se tem mostrado solidária com a arguida, beneficiando de suporte e solidariedade dos familiares mais próximos relativamente a este processo.
51.º Presentemente a arguida desenvolve uma vivência aparentemente enquadrada nas normas sociais vigentes e numa adequada interação social, estruturada numa rotina diária que procura conjugar nas tarefas enquanto mãe, companheira e filha dedicada, não descurando o papel de trabalhadora.
52.º A arguida vivencia o presente processo com constrangimento por se colocar em situação de confronto com a justiça, mas revela-se otimista, verbalizando consciência crítica face a atitudes de atuação fora do juridicamente instituído, assumindo consciência crítica face à ilicitude de factos semelhantes.
53.º Em consequência do comportamento do D… a arguida C… não nutre por aquele qualquer afetividade.
54.º A arguida é pessoa cordata e pacífica, trabalhadora, respeitadora, respeitada, bem aceite e integrada no meio social em que vive e trabalha.
55.° É uma mãe dedicada aos seus três filhos, atuando de forma a que os mesmos vivam num clima saudável, de união, amor e sem agressões físicas e psicológicas, sentindo-se feliz.
56.° A arguida C… foi condenada:
- pelo 4.° Juízo do Tribunal Judicial de Matosinhos, por sentença transitada em julgado em 25.09.2000, no processo n.º 148/97, pela prática, em 19.03.1996, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. art.º 11.°, n.º 1, al. a) do DL n.º 454/91 de 28.12, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 600$00, o qual foi declarado extinto por amnistia;
- pelo 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de St.ª Maria da Feira, no processo n.º 543/02.1 TAVFR, transitado em julgado em 28.09.2004, pela prática, em 18.11.2000, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €4,50.
Da arguida B…
57.° A arguida B… cresceu em …, sendo a mais nova de uma fratria de 4 elementos, originários de uma família de humilde condição socioeconómica e cultural, tendo ficado órfã de pai com cerca de meio ano de idade, o que trouxe à progenitora maiores dificuldade para prover aos cuidados de assistência e sustento dos filhos, vindo estes a iniciar a vida ativa muito jovens com o objetivo de apoiar financeiramente a família.
58.° Concluiu o 4° ano de escolaridade, tendo integrado o mercado de trabalho muito jovem, vindo a realizar formação em estética e massagem e a trabalhar em ambas as áreas durante vários anos, nomeadamente até à sua detenção, no dia 27/11/2009.
59.° Contraiu matrimónio com X… quando tinha 18 anos de idade, tendo mantido a residência em …, localidade onde consolidou a vivência marital e criou a única filha, a aqui arguida C…, com uma trajetória de vida regular.
60.° Por altura dos factos em causa, B… vivia em … com o cônjuge e após a alteração da medida de coação inicialmente aplicada nos presentes autos, que viveu em situação de prisão preventiva, a arguida fixou residência em …, localidade de origem do cônjuge, procurando reorganizar a sua vida pessoal e familiar nessa localidade. Todavia, não conseguiu alcançar esse objetivo, fruto da instabilidade psicológica e emocional que sentiu desde então e que terá motivado a separação conjugal, regressando, nessa sequência, em maio de 2013, à sua localidade de origem, onde se encontra desde então.
61.º Embora vivendo em espaço contíguo à habitação da filha e respetivo agregado familiar, dispõe de autonomia ao nível habitacional, estando a ocupar uma moradia cedida por aqueles familiares, com boas condições de habitabilidade e conforto.
62.º Viveu até muito recentemente sozinha, contando com o apoio e a colaboração da filha nas suas rotinas e prestação de cuidados de assistência nos momentos em que se encontra doente, tendo na sua companhia desde dezembro último uma pessoa amiga, de 78 anos de idade, reformada, com a qual partilha a habitação e apoio mútuo, designadamente ao nível financeiro.
63.º A arguida tem consciência dos prejuízos e constrangimentos advindos do seu envolvimento nos factos aqui denunciados, com dificuldades em reorganizar a sua vida e criar condições de vida autónomas ao nível financeiro.
64.º A sua imagem social e familiar não foi afetada negativamente, beneficiando de sentimentos de compaixão e simpatia em ambos os contextos, designadamente, junto da filha e seu agregado familiar e também do ex-cônjuge, com quem continua a manter um relacionamento próximo de amizade, sendo pessoa bem aceite e integrada no meio social em que vive.
65.º Tem uma vivência recatada, não sendo a sua presença percecionada frequentemente em contexto de convívio social ou espaços exteriores à sua residência, desconhecendo-se, em concreto, qual a sua situação de saúde e condições de vida atuais. A sua imagem não está associada a uma personalidade hostil ou agressiva, não sendo alvo de sentimentos de rejeição ou antipatia pelos factos aqui denunciados.
66.º Expõe preocupação e inquietação face ao presente processo, reconhecendo, em abstrato, a ilicitude dos factos denunciados, a existência de vítimas e danos a eles associados, reprovando o comportamento aqui descrito, numa adequada atitude crítica e expressa sentido de responsabilidade relativamente à decisão que vier a ser proferida.
67.º Apresenta problemas de saúde (Perturbação Depressiva Persistente) que permanecem na atualidade, facto que, aparentemente, vem condicionando a sua capacidade de organização pessoal e reestruturação da sua vida, nomeadamente, no sentido de uma maior autonomia pessoal e competências de auto gestão, mas denota capacidade de autocrítica e consciencialização das suas fragilidades pessoais.
68.º Tem acompanhamento médico regular - neurologista, psiquiatra e médico de família - e está medicada e razoavelmente compensada por quadro depressivo.
69.º Não apresenta atualmente psicopatologia aguda ou doença psiquiátrica de relevo.
70.º É uma pessoa cordata e pacífica.
71.º Não são conhecidos antecedentes criminais à arguida B….
2.1.3. Do pedido de indemnização cível formulado pelo assistente D… contra B… e C…
72.º Em consequência do comportamento das demandadas/arguidas o demandante/assistente sentiu-se menosprezado, enxovalhado, inquietado e receoso que aquelas pudessem atentar contra a sua integridade física e temendo pela sua vida.
73.º Após ter tido conhecimento dos factos praticados pelas demandadas/arguidas ficou muito perturbado, sentindo desgosto, angústia, ansiedade e tristeza.
74.º Ficou chocado e viu o seu nome ser transmitido nos meios de comunicação social, que noticiaram os factos, aquando da busca domiciliária, que culminou com a detenção da demandada/arguida B….
75.º Viu a sua vida privada exposta publicamente e devassada a sua privacidade.
76.º No dia da detenção da B… a arguida C… saiu de casa e levou consigo as filhas menores do casal, desconhecendo, inicialmente, para onde se tinham deslocado.
77.º O demandante era alegre, bem-disposto e estimado pelos amigos, vizinhos e conhecidos.
78.º Após esses factos o demandante isolou-se e esteve sem trabalhar cerca de um mês e tentou suicidar-se.
79.º Inicialmente teve medo, o que o obrigou a alterar os seus hábitos diários, deixando de frequentar os cafés habituais, evitando andar sozinho e frequentar qualquer local onde pudesse encontrar-se com as arguidas/demandadas.
80.º Na data que tornou conhecimento do sucedido terminou o seu casamento e a sua família.
*
2.1.4. Mais se provou com relevo
81.º Por sentença datada de 17.03.2011 do 2.0 juízo Cível do Tribunal Judicial de St.ª Maria da Feira as menores E… e F… ficaram confiadas à guarda da mãe a quem competirá o exercício das responsabilidades parentais e o pai com direito a visitas.
82.º O D… no processo supra intentou ação de incumprimento das responsabilidade parentais relativa às menores e por decisão de 08.02.2013 foi o mesmo julgado improcedente.
83.º Em consequência das agressões perpetrada pelo D… na pessoa de C… terem sido presenciadas pela menor E… esta ficou em estado de ansiedade, levemente depressiva, com medos, inclusive do próprio pai.
*
E considerou não provado que:

2.2. Factos não provados:
2.2.1. Da pronúncia não se provou que:
a) Foi para matar o D… que a arguida B… resolveu inicialmente contratar uma ou duas pessoas que fossem capazes de levar por diante os seus intentos.
b) Foi na execução de tal plano, que a arguida B… confidenciou a L… que precisava dos serviços de um "vigilante/ cobrador".
c) Foi logo que a arguida B… recebeu em sua casa J… que lhe confidenciou que queria por termo à vida do seu genro.
d) O J… disse à arguida B… que as pessoas que poderiam matar o D… queriam receber €500,00.
e) No dia 9.11.2009, o J… quando contactou telefonicamente com I…, disse-lhe que a arguida B… estava disposta a pagar pelo menos €2.500,00, tendo-lhe este dito que deveria pedir mais, na ordem dos €4.000,00 ou €5.000,00.
f) Foi a arguida B… que informou a arguida C… dos seus propósitos de pôr termo à vida do seu genro, bem como dos contactos que efetuara com o J… nesse sentido.
g) A arguida B… informou a arguida C… de todas as diligências que efetuou para que o J… e I…, ou outros a mando destes, levassem a cabo a morte que lhes encomendara.
2.2.2. Da Contestação da arguida B… não se provou que:
h) Foi durante 13 anos que a arguida B… presenciou o D… a maltratar a sua filha C….
i) A arguida B… durante 13 anos presenciou o D… a agredir as suas netas, E…e F….
j) O D… no último trimestre de 2009 tornou-se cada vez mais violento para com a mulher, com as filhas e com a própria arguida B…, sendo por esta razão que esta o mandou matar.
l) O comportamento de violência física, verbal e psicológica que D… assumia era para com toda a família.
m) Foi o crescente desespero e debilidade física e intelectual da arguida B… que foram habilmente aproveitados por I… e J… para a induzirem e incentivarem à tomada de decisões de matar o genro.
n) A arguida B… encontra-se acamada devido a agravamento de sintomas depressivos, vivendo da ajuda de familiares e pessoas amigas.
o) Foi o comportamento do D… que levou a que a arguida B… ficasse física e psicologicamente muito debilitada, sem forças para se levantar da própria cama quase anosognósica.
p) A arguida B… não reconhece como sendo seus os atos de mandar matar o D… e pelas quais se arrepende e se sente extremamente envergonhada.
r) As filhas da arguida C… e de D…, em face do comportamento deste, ocorrido durante cerca de 9 anos, sentiam-se desprotegidas, vulneráveis e sem qualquer tipo de proteção.
2.2.3. Da contestação da arguida C… não se provou que:
s) Nunca passou pela cabeça e era impensável para a arguida C… a "encomenda" da morte do seu ex-marido por parte dos indivíduos contratados pela sua mãe.
t) Nunca a mesma participou em qualquer plano para matar o D….
u) Era o facto do D… sempre ter sido um homem com grandes desequilíbrios mentais que o levava a agredir a arguida C….
v) A arguida C… evidenciava um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da sua dignidade pessoal, principalmente no último ano de convivência com D….
x) Apenas, por se sentir desprotegida e vulnerável é que aceitou que a sua mãe contratasse alguém para dar urna sova ao D….
z) A arguida C… vivia uma vida de medo, tensão, pânico e de subjugação face a D… e, por isso, considerou que se o mesmo levasse urna sova tal como ele lhe dava, podia mudar a sua maneira de estar e de atuar em relação a si.
*
2.2.4. Do pedido cível não se provou que:
aa) Em consequência do comportamento das demandadas/arguidas o demandante/assistente ainda se sente menosprezado, enxovalhado e vive em permanente inquietação, assustado, e receando, constantemente, que aquelas possam atentar contra a sua integridade física e vida.
bb) O demandante amava muito as suas filhas, mulher, sogra e restante família.
cc) Ainda hoje não se recompôs e após esses factos entrou em depressão.
dd) E desde essa data a arguida/demandada C… nunca mais deixou o demandante/assistente aproximar-se ou conviver com as filhas menores.
ee) Nunca mais foi a pessoa que era antes, continuando a isolar-se.
fi) As arguidas/demandadas agiram sem qualquer motivo aparente, determinadas apenas pela sua intenção de causar sofrimento.
gg) O demandante respeitava muito a sua sogra e por quem nutria um carinho especial e respeitava muito a mulher e amava-a, por isso os factos ocorridos alteraram o seu estado natural de ser humano.
hh) Os factos ocorridos produziram-lhe uma forte perturbação do equilíbrio psíquico-emocional.
ii) Quando o demandante se tentou suicidar só não o conseguiu devido à prontidão de terceiros e a ajuda médica.
*
(Consigna-se que da restante matéria da pronúncia, contestações e pedido cível não se valorou por se tratar de factos conclusivos ou de direito).
***
Teremos que analisar, agora, face à prova produzida e à fundamentação apresentada, tal como se disse, se o mesmo tribunal incorreu nalgum erro de julgamento, impondo-se outras conclusões quanto à matéria provada e não provada (nos termos a que alude o Art.º 412.º, n.º 3).
Conhecemos a fundamentação que o tribunal apresentou, na sua justificação da matéria de facto que considerou assente e também não provada.
Esta fundamentação ficou atrás descrita em todos os seus vários elementos probatórios (meios de prova), juízos probatórios, regras de experiências, ilações factuais e conclusões.
Nestes recursos o Ministério Público, o assistente e a 2.ª arguida dizem-nos que não concordam com os factos julgados como provados ou não provados, nomeadamente os constantes dos pontos aludidos nas conclusões das suas motivações de recurso, em face da prova produzida nos presentes autos com base no confronto das várias declarações (das arguidas e do assistente) e depoimentos, nas evidências que se retiram de alguns depoimentos testemunhais que são contraditórios, nos testemunhos apresentados pela defesa e em outros meios probatórios – documentais, reconhecimentos e periciais – das quais se podem e deveriam retirar outras conclusões.
Vejamos.
Em primeiro lugar, ao contrário do que alegam os recorrentes, não se constata que esta matéria de facto não tenha em consideração todos os meios de prova devidamente valorizados e nomeadamente as declarações prestadas pelas arguidas, os depoimentos testemunhais, os documentos, os exames e relatórios periciais realizados.
Mas sabe-se, também, que não foi a versão dos factos das defesas das arguidas ou da integralidade da pronúncia/acusação ou até do pedido de indemnização civil que vingou em julgamento, e a que o tribunal a quo deu mais vencimento e credibilidade, na articulação entre os meios de prova já elencados, tal como acima se deixou descrito.
Pode-se mesmo proceder a uma melhor descrição dos elementos probatórios apreciados pelo tribunal em julgamento e que constam dos autos e da prova produzida ou verificada em audiência de julgamento. A sua arrumação por conjuntos facilita a apreciação probatória realizada pelo tribunal de 1.ª instância, sendo que o seu conjunto assinala a visão parcelar e direccionada das impugnações da matéria de facto realizada pelos recorrentes.
. declarações de ambas as arguidas
. depoimentos das testemunhas I… e J… (executores contactados)
. depoimento da testemunha E… (16 anos, filha da 2.ª arguida e do assistente e neta da 1.ª arguida)
. depoimentos das testemunhas L… (amiga das arguidas) e K… (inspector da PJ)
. declarações do assistente D…
. depoimentos testemunhais de
- Z… (amigo da 2.ª arguida)
- P… (empregada de casa)
- N… (amiga das arguidas)
- AB… (amiga das arguidas)
- M1… (cliente da 1.ª arguida de “serviços espirituais)
. depoimentos testemunhais de
- T… (amiga da 1.ª arguida)
- W… (actual companheiro da 2.ª arguida)
- AC… (vizinha dos arguidos e que já trabalhou para as arguidas)
. depoimentos testemunhais (algumas inquirições da iniciativa do próprio tribunal de julgamento em 1.ª instância)
- AH… (professora da menor F…)
- Q… (psicóloga das filhas da 2.ª arguida)
- AE… e AF… (antigas directoras da filha da 2.ª arguida)
- AG… (psicólogo na colégio das filhas da 2.ª arguida)
. prova documental
- certidões do NUIPC 86/08.0GBOVR, fls. 1511-1606 e fls. 1607-1672, com intercepções telefónicas transcritas (alvo código 1y798M Secção 286, fls. 1704; alvo 1y249M, Secção 3683), além de outras transcrições, anexos 1 e 2
- atestados e declarações médicas a fls. 780-781 e 1047
- informação clínica a fls. 2213-2214
- relatório da psicóloga Q… a fls. 3267
- auto de busca e apreensão de fls. 53-83 (armas na então casa do assistente e 2.ª arguida)
- facturação detalhada do telemóvel 913156700 a fls. 1059-1270
- certidão da sentença de regulação das responsabilidades parentais e decisão de incumprimento a fls. 3307-3337
- relatórios sociais realizados a ambas as arguidas
- CRC’s de ambas arguidas
. prova pericial
- relatório pericial de fls. 2960-2961 e exame pericial de fls. 3203
O tribunal procedeu à análise conjugada, contextualizada, analítica e plena (global) dos vários elementos probatórios e dos factos a apurar, invocando e justificando a importância e a relevância de cada elemento probatório e também salientando a dinâmica das várias situações em presença. Foram destacadas, também, pelo acórdão, as condicionantes de espaço e de tempo, dando-lhes a indispensável relevância e de forma a compatibilizar devidamente os indícios, as deduções e as inferências que se devem destacar neste processo de apuramento e depuramento dos factos, segundo as regras de experiência e de evidência que aqui devem ser conjugadas. Foram definidas e apreciadas as circunstâncias e pormenores mais importantes para esta operação de elucidação dos factos.
Louva-se aqui a particular preocupação demonstrada em integrar os vários meios probatórios numa relação que lhes pudesse maximizar o sentido e a utilidade, como aconteceu com as intercepções telefónicas, os demais elementos documentais e periciais na sua contraposição com as declarações e os depoimentos dos vários intervenientes em audiência de julgamento. O que se compreende face à relativa complexidade das situações em apreço e da dificuldade salientada em apurar o grau de intervenção de cada uma das arguidas nos factos e o contexto vivencial dos vários intervenientes nesta situação de vida.
Foram depois indicadas as provas relevantes para cada segmento dos factos, bastando remeter aqui para o teor dessa fundamentação.
Tal como se aponta na fundamentação fáctica do acórdão, as declarações das arguidas foram analisadas nas suas próprias contradições e ponderadas com os demais elementos probatórios relevantes. Descreveu aquilo que mereceu ou não credibilidade.
Seria completamente irrazoável, ao contrário do que defendem os recorrentes, que o tribunal não ficasse convicto – na ponderação com todos os demais meios de prova envolvidos – da matéria de facto efectivamente comprovada e também dos aspectos que deixaram de obter comprovação.
No que respeita ao conhecimento das arguidas e da sua intenção, há que dizer que quando se analisa a motivação da conduta humana, a mesma tem de inferir-se da própria actuação, conjugada com as regras da experiência e o sentir do homem comum.
Conforme o tribunal explica, e explicitamente relativamente a ambas as arguidas, foram elucidadas as razões que levaram a arguida B… a encomendar a morte do seu genro e a atitude omissiva da arguida C…, porquanto dúvidas não subsistiram, como já vimos, da prática das arguidas dos factos dados como provados.
Relativamente ao assistente, o tribunal apreciou que ele estava fora de segunda a quinta, ganhava mais de 2 mil euros e a arguida C… não trabalhava, como afirmou; conflitos graves no casamento não existiam, apenas algumas discussões relacionadas com dinheiros. Então pergunta-se; que razões tinha a arguida B… para mandar matar o genro e a arguida C… saber desse facto e o ter aceite? Não era o assistente o sustento da família? Então perguntamos nós: que vantagem tinha a arguida C… em ver o seu marido morto? Era bom marido, ela gastava muito dinheiro, mas era ele que o ganhava (isto segundo as declarações do arguido), só estava em casa de quinta a domingo, tendo a arguida empregada em casa, poderia nos outros dias disfrutar do dinheiro e de liberdade.
O assistente referiu que o comportamento das arguidas se tinha ficado a dever, ao que lhe parece, ao facto de ter um seguro de 50 mil euros para cada filha e a C… sabia-o. Porém, ordenado oficiosamente que juntasse a apólice de seguro, já que a tinha em seu poder, referiu que cancelou uma delas depois do sucedido, não o fazendo, alegando que era a arguida C… que tratava disso. Mas não foi o assistente que cancelou um dos seguros, pergunta-se?
Dinheiro não foi o objetivo das arguidas até porque os "contratados" afirmaram que disseram à arguida B… para fazer um seguro de vida para o D… para receberem dinheiro depois da morte e ela não mostrou interesse, como adiantaram.
Quanto ao ambiente de violência doméstica.
Diz-nos o tribunal de primeira instância, na sua fundamentação, que o assistente negou que tivesse problemas psíquicos, mas o certo é que ouvido na PJ, declarações ouvidas em sede de julgamento, admitiu que desde criança sofre de distúrbios psiquiátricos e que por isso tem reacções violentas, admitindo mesmo que já agrediu a arguida C… e admitiu como possível que a tenha ameaçado.
Poder-se-ia afirmar que isto não era suficiente para asseverar que a arguida C… era vítima de violência doméstica. Todavia, a corroborar o depoimento das arguidas neste segmento tivemos outras provas que entendemos consistentes o suficiente para afirmar que esse facto era uma realidade.
E não se diga, como foi dito em sede de alegações, que o facto da arguida C… nunca ter apresentado queixa de violência doméstica, nem nunca ter pedido apoio, é porque não era vítima de maus tratos.
Desde logo chamamos aqui à colação o depoimento da filha da arguida e do assistente, a E….
Ora, entendemos que a E…, no seu discurso, mostrou-se muito credível. Regista-se a enorme emoção que esta demostrou no seu discurso, chegando, em alguns momentos, a chorar, o que, em nosso entender, abona em muito a favor da sua credibilidade, ressaltando à evidência que a menor não vinha "instruída" para falar desta ou daquela forma, nem tão pouco mostrou qualquer atitude persecutória de ressentimento ou de vingança em relação ao pai, não falaria da forma como o fez se não tivesse vivenciado os factos que relatou.
Aliás a menor mostrou-se tão sincera no seu relato que não se descortinou qualquer "habilidade", por parte da mesma para o fazer.
Concluiu-se, portanto, que a menor prestou declarações de forma espontânea, num discurso perfeitamente enquadrado na sua idade de 16 anos.
Não se diga que o relato da menor era fantasiado em virtude da alienação parental, julgando-se que esta cuidava no seu discurso de defender a sua mãe e a sua avó materna. Aqui, é certo, podíamos questionar o facto da menor viver com a mãe e já não ver o pai há muitos anos e ter sido instrumentalizada, mas concluiríamos que isso não correspondia à verdade, quer pela forma com que o depoimento foi prestado, com pormenores próprios de quem vivenciou os factos, quer porque o seu depoimento foi corroborado por outros meios de prova.
Alias do relatório junto a fls, 3267 subscrito pela psicóloga Dr.ª Q… e do seu próprio depoimento realizado em audiência de julgamento, consta que a E… iniciou acompanhamento psicológico na clínica em dezembro de 2008, no seguimento de sinalização do psicólogo escolar, ou seja, quase um ano antes do sucedido. Já em 2008 a E… "revelava índices de ansiedade ligeiramente superiores aos que seria de esperar para a sua idade, associado a um estado de depressão leve". Mais aí se refere que a menor tinha medos em outubro de 2010 "quanto explorados os seus medos, verificou-se que estes estavam associados, maioritariamente, ao contexto familiar, sendo que a E… relatava sentir medo do pai (de que este agredisse a mãe, a agredisse a ela ou à irmã, as levasse ou sujeitasse a estar com ele contra a vontade de ambas); afirmava experimentar sentimentos intensos de medo e desconforto, sempre que contactava o pai, ou quando este a contactava (...)".
Ademais, o tribunal teve o cuidado de ouvir os professores das menores quer aquando da data dos factos quer anteriormente e dos mesmos resultou que, principalmente a menor E…, deixava transparecer que tinha problemas familiares, razão pela qual foi sinalizada em 2008 para o psicólogo do colégio que frequentava e depois deste para uma clínica privada. Como vimos supra, o psicólogo disse que a menor relatava episódios de mau ambiente familiar, ao contrário do que o pai quis fazer crer, que era um casal harmonioso e as menores não frequentavam qualquer psicólogo. Aliás, a própria E… referiu, com relevo, que o pai lhe dizia "vê lá o que vai dizer à psicóloga", o que é sintomático de que o D… queria esconder algo menos bonito de se saber. A este propósito urge relembrar o que disse a arguida C…: que o assistente fora de casa queria deixar transparecer que se tratava de uma família feliz.
Acresce que a credibilidade atribuída à menor foi claramente reforçada ou sustentada pelo depoimento das arguidas, mas também das testemunhas N…, AB…, M1…, T… e AC…, as quais prestaram declarações de forma objetiva e serena, sem discursos apaixonados e acabaram por, unanimemente, atestar que as filhas da arguida C… tinham medo do pai, medo esse que já existia antes dos factos. Ora, tal medo, associado à necessidade de serem acompanhadas por psicólogo é demonstrativo de que algo de errado se passava naquela família onde as menores estavam integradas e o medo ao pai deixa antever que este era o causador dos factos que originavam o medo das menores.
Quanto ao testemunho da empregada da casa do assistente e da 2.ª arguida, P…. Diz-nos o tribunal a quo que a mesma depoente tentou demonstrar que a "má da fita" era a arguida C…. Todavia, esta testemunha revelou-se muito tendenciosa, parcial e particularmente azedada com esta arguida, sem que o tribunal conseguisse aferir do motivo, ferindo o seu depoimento de manifesta falta de objetividade, mostrando-se faliciosa.
Sintomático da sua tendenciosidade veja-se algumas passagens do seu depoimento. Afirmou que o D… queria sair de casa e dava tudo o que a arguida C… quisesse, então porque queria a arguida B… matar o genro e a arguida C… nada fez para impedir, se deixasse o marido ir embora ficava com os bens materiais, porque não o fez então e queria vê-lo morto?
Referiu também esta testemunha que a arguida C… queria apresentar-se desarranjada perante o marido, mas disse que gastava muito dinheiro até ia ao cabeleireiro duas vezes por semana e no dia em que este voltava do trabalho. Então se ia ao cabeleireiro no próprio dia do marido chegar não se queria desarranjada, afirmamos nós.
Diga-se que esta testemunha tentou sempre justificar as suas contradições, até do seguro falou dizendo que ouviu falar num seguro, mas que era a C… que tinha os papéis. Ora, esta afirmação deixa-nos a pensar o porquê de afirmar que era a C… que tinha os papéis do seguro.
Por outro lado, disse a testemunha que era a arguida B… que lhe pagava o ordenado.
Então quem ganhava o dinheiro ou quem o gastava?, ficamos sem saber.
Mais sintomático das suas inveracidades é o facto de ter dito que nunca viu armas em casa do D…, sendo ela empregada de limpeza diária e, pelo menos uma das armas estava em local bem visível aquando da busca à residência. Por fim, e a para rematar, fez, tal como o assistente, a percentagem de culpas entre as arguidas, sendo que para si a culpa era quase total da arguida C…, isto a atestar a sua animosidade para com esta arguida.
Por tudo quanto foi dito concluiu o tribunal de primeira instância, de forma inequívoca e sem qualquer margem de dúvidas, que a arguida C… era vítima de violência doméstica.
Refira-se que depois de produzida toda esta prova, o mesmo tribunal concluiu que a razão imediata da actuação da arguida B… foi o facto de durante alguns anos ter presenciado discussões e agressões do seu genro à sua filha, despoletadas pela doença de que padecia e daí termos dado como provado que foram esses factos que determinaram que a arguida B… tenha decidido mandar matar aquele actuando com perturbação emocional e com alteração do estado de consciência.
Tal afirmação baseou-a, ainda, o mesmo tribunal, no exame pericial da arguida B…, de fls. 3203, realizado em 30.01.2015, onde se concluiu que esta arguida não apresenta atualmente psicopatologia aguda ou doença psiquiátrica de relevo. Está medicada e razoavelmente compensada por quadro depressivo. Mas também aí se concluiu que "os factos em apreço, tal como foram descritos, aconteceram durante um período longo de tempo em que a examinada foi sujeita a vivenciar acontecimentos violentos e de agressões e ameaças, são de gravidade considerada suficiente para desencadearem reações emocional intensas e perturbadoras. Estes estados de intensa perturbação emocional com alteração possível dos campos de consciência e portanto de alteração temporária de capacidades normais de avaliação e auto determinação são quadros psicopatológicos conhecidos e acontecem por exemplo no stress agudo pós-traumático ou nas psicoses psicogénicas. Assim sendo, nas condições descritas é possível admitir que à altura dos factos a examinada atuasse sob intensa perturbação emocional e com alteração do estado de consciência, embora sem perder a consciência da ilicitude".
Ora, pese embora do relatório se afirme se os factos aconteceram tal como foram descritos, aconteceram durante um período longo de tempo em que a arguida foi sujeita a vivenciar acontecimentos violentos e de agressões e ameaças, são de gravidade considerada suficiente para desencadearem reações emocional intensas e perturbadoras, o certo é que o tribunal deu como provado as agressões perpetrada pelo D… na pessoa da C…, agressões essas vividas pela arguida B…, como resultou da prova acima perscrutada, pelo que se terá, necessariamente, de concluir que esta arguida atuou sob perturbação emocional e com alteração do estado de consciência.
Já no que concerne à arguida C… foi o estado em que se viu naquele casamento provocado pelo comportamento do assistente - conforme emergiu da conjugação do depoimento das arguidas e das testemunhas - filha e amigas - que fomentou a sua reação, de não avisar o marido da intenção da mãe de o querer ver morto.
Documentalmente também se valorou o auto de busca e apreensão de fls. 53-83 onde se constata que no quarto da C… existia uma navalha do tipo ponta e mola (vide fotografia de fls. 86); no corredor de acesso entre a garrafeira e a garagem encontrava-se uma arma tipo carabina (vide fls. 48). Factos que corroboraram o depoimento das arguidas e da menor E…, quando referiram, ao contrário da testemunha P…, que não existiam armas em casa da arguida C….
Valorou-se a faturação detalhada de telemóvel ……… (arguida C…) de fls. 1059-1270; certidões extraídas do processo 86/08.0GBOVR, de fls. 1511-1606 e de fls. 1607-1672; autos de transcrições de interceções telefónicas - arguida B… - ……… (anexo 1) e autos de transcrições de interceções telefónicas - de certidão extraída do processo 86/08.0GBOVR (anexo 2).
Também se valorou a certidão da sentença da Regulação das Responsabilidades parentais referentes às menores E… e F… e a decisão de incumprimento, a fls. 3307 e 3337.
A valorização dos meios de prova que vieram a ser produzidos em audiência de julgamento não pode deixar de realizar-se em conformidade com as linhas de apreciação que o tribunal a quo adoptou, na interpretação da dinâmica dos factos e do contexto da sua prática.
Os meios de prova terão de ser apreciados não só em contexto como também em conjunto, com uma preocupação de concatenação, não podendo o tribunal cair na tentação de seguir a via mais fácil que lhe seria trazida por um indício mais controverso, pelo resultado negativo de uma perícia ou exame ou pelas informações dispersas trazidas por um documento ou registo, reconhecendo-se que o tribunal a quo não enveredou por seguir nenhuma das pistas de segmentarização ou fragmentação da prova sugerida pela acusação, pelo assistente/demandante ou pela defesa das arguidas.
Os depoimentos e as declarações produzidas em audiência foram marcados por um ambiente ao mesmo tempo emotivo e estratégico, próprio do julgamento de crimes desta natureza que atentam contra bens fundamentais da vida em sociedade – com o seu simbolismo pesado -, em que muitas vezes as distinções entre o “tudo ou nada” só podem ser feitas na imediação da prova (com a grau de comunicação e de constatação do que é verbalizado mas também do que é comunicado para além das palavras), sendo que se denota na fundamentação da matéria de facto pelo tribunal a quo uma particular sensibilidade na detecção das particulares distinções na valorização da prova, entre os vários meios probatórios, depoimentos, declarações, documentos, exames e relatórios.
O tribunal recorrido indicou, em concreto, as provas em que se baseou, relacionando as mesmas entre si e aplicando-lhe os critérios da lógica das coisas e da vida comum, explicitando como formou a sua convicção, numa forma que não deve merecer censura.
O Ministério Público, o assistente e a 2.ª arguida, ao longo das suas motivações de recurso fazem exactamente o contrário, dissecando e separando os elementos de prova e selecionando extractos dos mesmos que permitem, de forma isolada, as suas afirmações.
Mas a análise da prova produzida em julgamento, como atrás defendido, tem de ser realizada de forma global, não se devendo efectuar cisões e valorações de factos isolados, permitindo, assim, ao julgador reconstituir, tanto quanto possível, a história dos factos que constitui o objecto do processo.
Tal como citado nas alegações do Ministério Público, diz-se no Ac. da RC de 25/3/2010, processo n.º 1058/080TACBR.C1, "Da conjugação de provas materiais, concretizadas e objectivadas, com outras indirectas e de cariz meramente indiciário, pode o tribunal formular uma conclusão em termos de determinar o modo como o pedaço da realidade em equação efectivamente sucedeu, sua motivação e intencionalidade e quem são os seus agentes, sem que, com isso, sejam postergadas as regras aplicáveis ao processo subjectivo de formação da convicção do julgador, por um lado, e as garantias constitucionais do arguido, por outro".
A decisão recorrida explicita a razão por que valorou as provas apresentadas, relaciona-as entre si e descreve o processo de formação da convicção que sustentou o juízo que presidiu à comprovação de determinados factos ou à não comprovação de outros.
Do confronto de todos estes elementos de prova (supra descritos e analisados) o tribunal do julgamento não deixou de fazer um depuramento das circunstâncias em causa, definindo uma dinâmica aos factos que se entende congruente com a realidade e com a experiência comum, e pela qual se conclui pelo apuramento de parte essencial dos factos que se encontravam descritos na acusação/pronúncia e também na defesa das arguidas.
Definindo no fundo aqueles factos para os quais não subsistiriam dúvidas para além do limite da razoabilidade fáctica e da mesma experiência comum.
Nesse sentido, teremos de dizer que os recorrentes fazem uma análise truncada e não relacionada entre os meios de prova, desprezando a dinâmica dos factos e valorizando certos elementos de prova segmentados e desgarrados entre si, dando destaque a elementos documentais não concatenados ou a certas passagens das declarações e dos depoimentos em detrimento de outros, que se encontram aqui bem descritos na fundamentação fáctica do tribunal a quo.
Nesse campo, verifica-se que o tribunal recorrido procedeu ao exame crítico das provas que não foi ao encontro das expectativas dos recorrentes (acusação e defesa), mas que não se pode dizer – ao contrário – que se encontram em desconformidade com as regras da experiência (cfr. Art.º 127.º do CPPenal), segundo uma exposição que se entende clara e congruente – cfr. Art.º 374.º, n.º 2, do CPPenal.
Torna-se evidente que o julgador a quo desvalorizou e contextualizou, bem quanto a nós, as declarações das arguidos e alguns depoimentos testemunhais de pessoas ligadas à esfera familiar e de amizades dos intervenientes principais desta história de vida.
E foi nessa perspectiva – a mais correcta - que o tribunal a quo andou, na linha daquele que foi o perfil probatório que os depoimentos presentes em audiência de julgamento e os demais elementos probatórios lhes deu.
Ora, por isso mesmo, acontece que as impugnações feitas pelos recorrentes só podem improceder, porquanto resulta de forma evidente que os mesmos recorrentes, ao indicarem as provas que na sua perspectiva impunham decisão diversa, o que verdadeiramente fazem é impugnar o processo de formação da convicção do tribunal, censurando a credibilidade que o tribunal a quo deu a certos depoimentos em detrimento de outros, a certos elementos probatórios em desfavor de outros, tornando-se claro que os recorrentes assentam a sua discordância na apreciação da prova feita pelo tribunal, diversa daquelas que por si foram alcançadas.
Só que nada pode infirmar a livre convicção do tribunal a quo, se criada em conformidade com o disposto no Art.º 127.º do CPPenal. O princípio da livre apreciação da prova constitui, pois, regra de apreciação da prova, e que é indissociável da oralidade e imediação com que decorre o julgamento em 1.ª instância.
Diga-se ainda, conforme de forma muito clara foi expressado pelo Acórdão do ST de 31/5/2007, processo n.º 07P1412, acessível em www.dgsi.pt/jstj, que “…quando a opção do julgador se centra em elementos directamente interligados com o princípio da imediação, o tribunal de recurso só tem a possibilidade de sindicar a aplicação concreta de tal princípio e de controlar a convicção do julgador da 1ª instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e aos conhecimentos científicos.
A atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal por declarações, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face as regras da experiência comum”.
Mas naturalmente que a livre apreciação se não reconduz a um íntimo convencimento, impondo-se ao julgador o dever de explicitar o processo de formação da sua convicção, pois se ao julgador é atribuída a possibilidade de atribuir peso probatório a cada meio de conhecimento sem estar vinculado de antemão a critérios de prova vinculada, não poderia deixar de se impor este dever de fundamentação (constitucionalmente exigido) para se poder aferir das regras e critérios de valoração seguidos e se o resultado probatório surge como o mais aceitável, segundo critérios objectivos e de observância de regras de experiência comum. O tribunal de recurso limita-se então a aferir do processo de motivação e de conformidade com as regras legais de apreciação de prova.
Ora, no caso em apreço, resulta da decisão da matéria de facto e sua fundamentação que acima se transcreveu integralmente que o tribunal, enunciando os meios de prova, explicitou o processo de formação da sua convicção, esclarecendo de forma motivada a razão porque as reservas dos arguido quanto à parcela dos factos que mereceram comprovação lhe não mereceram credibilidade em confronto com os demais depoimentos testemunhais e as razões da credibilidade e convencimento destes depoimentos aliados aos demais meios de prova produzidos. E nenhum reparo nos merece a apreciação da prova que foi feita pelo mesmo tribunal a quo, porquanto formou a sua convicção em correspondência com a prova produzida e segundo critérios lógicos e objectivos e em obediência às regras de experiência comum, sendo fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no citado Art.º 127.º do CPPenal, conduzindo tal apreciação, sem qualquer margem para dúvidas, à fixação daquela matéria de facto.
Por outra via, em face das provas mencionadas e acima analisadas, mesmo após audição da prova registada fonograficamente, sabe-se que o tribunal não chegou a uma decisão diversa daquela recorrida (cfr. a alínea b) do Art.º 412.º do CPPenal), sendo que as passagens aludidas terão de ser integradas na totalidade dos testemunhos indicados, no cruzamento acima assumido para a globalidade dos meios de prova valorizados.
E, neste âmbito, este tribunal de recurso não pode deixar de acompanhar o raciocínio analítico da prova realizado pelo tribunal recorrido, não procedendo as razões dos argumentos suscitados pelos aqui recorrentes.
Daí que não se identifique qualquer erro de julgamento efectuado pelo tribunal ad quo sobre a matéria ou qualquer apreciação probatória diferenciada, mantendo-se a mesma na integralidade dos factos considerados provados e não provados.
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(iv) Na violação do princípio do in dubio pro reo.
Alega também a 2.ª arguida, C…, que para a condenar em face dos factos provados impugnados, o colectivo de julgamento não observou o princípio in dubio pro reo, como corolário da presunção de inocência. Como decorrência natural da observância desse princípio, devia o tribunal "a quo", na opinião dessa recorrente, deveria ter considerados não provados os factos relativos ao conhecimento e comportamento omissivo daquela alegada tentativa de homicídio do aqui assistente.
Também aqui a recorrente não tem razão.
O princípio da presunção de inocência, na verdade, é um dos princípios fundamentais em que se sustenta o processo penal num Estado de Direito.
Assumido como uma dos princípios estruturantes no âmbito da prova, nomeadamente no domínio da questão de facto, o princípio in dubio pro reo além de ser uma garantia subjectiva «é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa» (Vital Moreira e Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição, pp. 203-204). O que está em causa neste princípio é, na persistência de uma dúvida razoável após a produção de prova em relação a factos imputados a um suspeito, um comando dirigido ao tribunal para «actuar em sentido favorável ao arguido» (cf. Figueiredo Dias, Direito processual Penal, 1981, pp. 215).
No caso concreto não se suscitou ao tribunal qualquer dúvida razoável sobre os factos que considerou como provados.
Ou seja, no caso, não se verifica – nem isso decorre da fundamentação de facto que sustenta a prova efectuada - qualquer ausência de certeza do tribunal sobre a factualidade que foi imputada às arguidas. Nem se suscita com evidência qualquer dúvida probatória sobre os factos e a fundamentação realizada pelo tribunal a quo.
Resulta inequívoco da fundamentação do tribunal da condenação quais as provas em que sustentou a sua decisão e que tipo de valoração efectuou sobre a prova em causa que levou à conclusão de que as arguidas praticaram os factos em causa, tal como acima se deixou suficientemente relatado. Esse tribunal em momento alguma faz transparecer qualquer dúvida no processo de decisão. Valorou o que entendeu valorar quanto à prova produzida, justificou a sua opção e concluiu em conformidade.
Aliás, cumpre recordar que o tribunal considerou como não provada alguma da matéria de facto descrita na pronúncia.
Não se vislumbra, por isso, qualquer violação do princípio da presunção de inocência da 2.ª arguida no modo como o tribunal a quo valorou as provas e através delas fixou a matéria de facto provada e fundamentou a decisão.
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(v) Na impugnação de direito no que respeita às figuras da instigação, da autoria mediata e da tentativa não punível, no que concerne à qualificação da tentativa de homicídio ou à existência de uma tentativa de homicídio privilegiado.
Todos os recorrentes impugnam de direito a qualificação jurídica realizada pelo tribunal de primeira instância sobre os factos considerados provados. As arguidas consideram que mesmo a considerar provados os factos eles reconduzem-se à figura da instigação e não da autoria mediata, sendo que a tentativa de homicídio seria sempre de considerar não punível. Mesmo que assim não seja, considera a 1.ª arguida, verificam-se circunstâncias de privilegiamento do crime tentado praticado (situação atenuante da compreensível emoção violenta e de desespero). Por outro lado, o Ministério Público e o assistente, mesmo a ser apenas verificada a matéria de facto comprovada pelo tribunal de 1.ª instância, consideram que existe um erro de apreciação jurídica de tal matéria de facto pois esta consubstancia a prática de um homicídio qualificado na forma tentada.
Cumpre apreciar
Em face da consideração dos factos tomados como provados pelo tribunal a quo, e que aqui se consideram assentes, há que verificar agora da sua ponderação jurídica à luz dos vários elementos típicos da tentativa de homicídio, qualificado, simples ou privilegiado, com referência fundamentada às questões da co-autoria e comparticipação (autoria mediata e instigação) e da tentativa.
Recorde-se que as arguidas foram condenadas:
- a primeira, pela prática, em autoria e na forma tentada, de um crime de homicídio simples, p. e p. pelos Art.ºs 22.º, 23.º e 131.º, n.º 1, todos do Código Penal; e
- a segunda, pela prática, em autoria e na forma tentada, por omissão, de um crime de homicídio simples, p. e p. pelos Art.ºs 10.º, 22.º, 23.º e 131.º, n.º 1, todos do Código Penal.
Temos por pressuposto os factos essenciais que o tribunal de primeira instância considerou provados, relevando devidamente o contexto em que os factos foram praticados pelas arguidas.
1.º No período de pelo menos 9 anos anteriores a novembro de 2009, a arguida B… viveu numa casa contígua à da sua única filha, a arguida C…, onde esta vivia com o marido D… e as filhas menores E… e F….
2.° O D… durante esses 9 anos, no período e de quinta-feira a domingo, data em que se encontrava em casa e não na sua atividade profissional de motorista, agredia fisicamente a arguida C…, insultava-a e ameaçava-a de morte com arma de fogo de que era titular.
3.º Esses factos eram presenciados pela arguida B…, ou deles tomava conhecimento posteriormente, bem como pelas duas filhas da arguida C… e pelo pai desta.
4.° Tendo a arguida B… e a menor E… presenciado, em 1 de novembro de 2009, o D… a agredir fisicamente a C… e a obrigá-la a manter relações sexuais consigo.
5.° O pai da C…, então marido da arguida B…, nada fazia em relação ao comportamento do genro.
6.° As arguidas C… e B…, em face do comportamento do D…, sentiam-se desprotegidas, vulneráveis e sem qualquer tipo de proteção.
7.° A arguida B… sentia-se completamente impotente para fazer cessar esses comportamentos do D….
8.° Em face do comportamento do D… perante a arguida C…, a arguida B… decidiu em data não concretamente apurada de outubro de 2009, contratar pessoas para o ameaçarem e agredirem, com o objetivo de o fazer parar com essas agressões.
9.º Para concretização desse plano, no mês de outubro de 2009, a arguida B… confidenciou a L… que precisava dos serviços de um "vigilante/cobrador", tendo-lhe esta referenciado J…, seu vizinho, como pessoa que poderia desempenhar tais funções, pois sabia que o mesmo era porteiro numa discoteca no Porto.
10.º Nesse mesmo mês de outubro, a arguida B… recebeu em sua casa J….
11.º Posteriormente, em data não concretamente apurada de finais do mês de outubro, princípios de novembro, e com a repetição das agressões perpetradas pelo D… na pessoa da arguida C…, a arguida B… formulou o plano de matá-lo, a fim de acabar com as agressões à filha.
12.º Nessa sequência confidenciou a J… que queria pôr termo à vida do D…, alegando que o mesmo maltratava a sua filha e prontificando-se a pagar-lhe dinheiro para executar tal tarefa, ou arranjar alguém para levar a cabo os seus intentos, mediante o pagamento de um montante a combinar.
13.º O J… manifestou à arguida B… o propósito de ponderar aceitar tal proposta.
14.º No dia 9.11.2009, o J… contactou telefonicamente com I…, dando-lhe conta que a arguida B… lhe pedira para arranjar alguém que lhe matasse o genro, estando disposta a pagar por isso.
15.º Na noite desse mesmo dia, J… e I… dirigiram-se a casa da arguida B…, manifestando-lhe ambos o propósito de levar a cabo a morte do D….
16.º Para tal, nessa data, a arguida acordou com o I… e o J… que estes matariam o D….
17.º Nos dias seguintes, a arguida B… e o J… estabeleceram contactos telefónicos entre si, tendo-lhe este dito que teria 3 ou 4 pessoas que poderiam matar o D… e aquela aceitou pagar por isso.
18.º Apesar da arguida B… ter decidido e acordado com o J… e I… em matar o genro, existiam dias que persistia na sua decisão e outros dias transmitia-lhes que não queria que o matassem, acabando, no entanto, antes da sua detenção, por manter a decisão da morte do genro, o que aconteceu pelo menos desde 19 de novembro.
19.º O I… e J… sempre foram dizendo à arguida B… que matariam o genro com o intuito desta lhes dar mais dinheiro.
20.º Num dos dias seguintes a tal conversa, a arguida B… entregou aos referidos J… e I… a importância de € 2.000,00.
21.º Do mesmo modo, informou-os do número de telefone do D…, dos seu hábitos, nomeadamente, os percursos que fazia aquando das suas viagens como condutor de longo curso da Firma "U…, Lda.", bem como as caraterísticas do camião que conduzia, tendo-lhes ainda entregue uma fotografia do mesmo, para que o pudessem identificar.
22.º A partir desse contacto, a arguida B… convenceu-se que o J… e o I…, quando assim o decidissem, levariam a cabo, por si próprios, ou por pessoas a seu mando, a tarefa de pôr termo à vida do D… que lhes encomendara.
23.º Todavia, os mesmos não tinham qualquer intenção de executar tal tarefa, tendo vislumbrado, na proposta da arguida B…, a oportunidade de se apropriarem de outras quantias monetárias ou de valores pertencentes àquela.
24.º Nos dias seguintes, a arguida B… passou a ter com os referidos J… e I… vários contactos telefónicos e pessoais, tendo estes ocorrido, entre outros locais, em sua casa, na rotunda … e numa confeitaria em ….
25.º Em tais contactos, a arguida B… manifestou ao J… e ao I… a vontade que executassem a tarefa o mais rápido possível, ao passo que aqueles a convenceram da necessidade de lhes entregar mais dinheiro.
26.º Acedendo a tais pedidos, a arguida B… entregou àqueles, J… e I…, várias quantias monetárias, num total de cerca de €13.000,00, bem como algumas peças de ourivesaria, cujo valor não foi possível de apurar.
27.º No dia 20.11.2009, a arguida B…, impacientada por estar a pagar àqueles um serviço que os mesmos iam sempre adiando, propôs-se, nessa noite, acompanhar o I…, para levar a cabo a morte do D…, manifestando até disposição para ser ela a disparar a pistola.
28.º Em virtude das interceções telefónicas que efetuava ao J… e ao I…, no âmbito do processo 86/08.0GBÜVR, da P Secção do DIAP de Aveiro, em que aqueles eram suspeitos, a Polícia Judiciária procedeu, em 26.11.2009, à detenção da arguida B…, pondo, desse modo, termo às suas intenções de causar a morte a D…, seu genro.
29.º Em data e por forma não apurada, mas situada entre os primeiros contactos que a arguida B… efetuou com o J… e a sua detenção, a arguida C… tomou conhecimento que a sua mãe havia contratado dois indivíduos para dar uma sova/surra ao D…, numa tentativa de este não lhe infligir maus tratos e o assustar.
30.º E sabia a arguida C… que essa sova ou surra teria de ser paga a tais indivíduos, embora desconhecesse os montantes pelos mesmos pretendidos, dado que foi sempre a sua mãe que com eles contratou.
31.º Posteriormente, e em data não apurada, mas antes da detenção da arguida B…, a arguida C… tomou conhecimento dos propósitos da mãe de pôr termo à vida do D…, bem como dos contactos que efetuara com o J… nesse sentido.
32.º Apesar da arguida C… ser casada com o D… absteve-se de o avisar, ou às autoridades policiais, do propósito da arguida B… pôr termo à vida dele, bem como das diligências pela mesma efetuadas para levar a cabo tal plano criminoso.
33.º A arguida B…, ao delinear o plano criminoso acima descrito, contratando os referidos J… e I… para o realizar, ao entregar aos mesmos quantias em dinheiro e outros valores e ao fornecer-lhes os pormenores identificativos da pessoa a quem teriam de eliminar, tinha plena intenção de causar a morte ao D…, bem sabendo que a sua conduta era adequada a conseguir tal desígnio criminoso.
34.º Só não o tendo conseguido por circunstâncias completamente alheias à sua própria vontade, nomeadamente pelo facto dos contratados terem decidido não executar tal tarefa, abortando, desta forma, o plano criminoso da arguida.
35.º Por sua vez, a arguida C… bem sabia que os factos, praticados pela sua mãe, eram adequados a que os referidos J… e I…, ou outros a seu mando, concretizassem a morte do D… que aquela lhes encomendara.
36.º Mais sabia a arguida C… que, enquanto cônjuge do D…, tinha o dever de impedir que a arguida B… levasse a cabo a morte daquele e que, nada fazendo, contribuía para que tal morte se concretizasse.

Não existem dúvidas que a partir de determinada altura a 1.ª arguida pretendeu encomendar a morte do seu genro, aqui assistente, tendo para tanto contactado dois indivíduos (através de uma sua amiga contactou um deles e depois este contactou o outro) que julgava estivessem predispostos a aceitar e a realizar tal tarefa. Estes indíviduos, não obstante não estarem dispostos a realizar esse homicídio, procuraram obter da 1.ª arguida as contrapartidas pecuniárias (em dinheiro e objectos valiosos) respectivas, conseguindo reunir mais de € 13.000,00 pagos pela 1.ª arguida. A 2.ª arguida passou a estar a par do assunto, a partir de determinada altura, nada fazendo para obstar a que aquela morte pudesse vir a ocorrer.
Nestas circunstâncias, não nos oferece qualquer tipo de dúvidas que a 1.ª arguida, como autora mediata e mandante, estava em erro sobre a vontade real e a aceitação por parte dos prometidos executores do homicídio encomendado, pois estes não o queriam de facto realizar. Antes pretendiam extorquir das arguidas, como vieram a conseguir, quantias em dinheiro e outros valores em ourivesaria, não se tendo notícia que tenham sido levados a julgamento por estes mesmos crimes.
Também a 2.ª arguida terá concorrido para a situação através da sua actuação omissiva, sendo a sua relação com os arguidos também marcada por este contexto enganatório. A 2.ª arguida, como autora mediata por omissão, também estava em erro sobre a vontade real e a aceitação por parte dos prometidos executores do homicídio encomendado, pois estes não o queriam de facto realizar.
Assim, os executores não chegaram a praticar actos de execução mas também realmente nunca estaria pressuposto, na real vontade destes últimos, que os mesmos viessem a praticá-los.
Será que se deve aplicar aqui e é para nós aceitável a doutrina do Ac. para uniformização de jurisprudência do STJ de 18/6/2009, DR 1.ª Série 139, de 21/7/2009, disponível em https://dre.pt/application/dir/pdf1sdip/2009/07/13900/0456604599.pdf?
Essa jurisprudência uniformizada do STJ diz-nos que «É autor de crime de homicídio na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º,n.os 1 e 2, alínea c), 23.º, 26.º e 131.º, todos do Código Penal, quem decidiu e planeou a morte de uma pessoa, contactando outrem para a sua concretização, que manifestou aceitar, mediante pagamento de determinada quantia, vindo em consequência o mandante a entregar -lhe parte dessa quantia e a dar -lhe indicações relacionadas com a prática do facto, na convicção e expectativa dessa efectivação, ainda que esse outro não viesse a praticar qualquer acto de execução do facto.»
Ora, a existência no acórdão recorrido de «executantes», isto é, de alguém que se propôs executar o crime, autoriza a que, no plano teórico, se coloque o problema de saber se a aceitação por estes da «encomenda» do crime e do dinheiro, ainda que sem intenção de o cometer, é já um começo de execução, para o efeito do disposto nos Art.ºs 21.º e 22.º do Código Penal, isto é, para a verificação de tentativa de homicídio por parte daquela que se assume como a aliciante ou “mandante instigadora”.
Como bem se discorre na decisão proferida o cerne da questão que é proposta reconduz-se, assim, à pré-figuração da conduta desenhada pela actuação do agente: instigação ou autoria mediata? Decididamente, e sem qualquer pretensão heurística, podemos nós enfileirar no entendimento proposto na mesma decisão, classificando aquela actuação como autoria mediata?
Na verdade, e repescando o pensamento de Conceição Valdágua, existe na certa uma outra forma de autoria mediata, que não se reconduz à hipótese de coacção; erro ou instrumentalização de um aparelho organizado de poder, mas porventura tão susceptível como estas de proporcionar ao «homem de trás» o domínio do facto.
Integram-se neste âmbito a pluralidade de hipóteses que consubstanciam o reverso da coacção e são designadas pelo conceito de «aliciamento». O aliciamento pode ser (reforça-se o pode ser) uma forma de dominar a vontade do executor tão, ou mais, eficaz do que a coacção e leva à execução de crimes com uma frequência que certamente não será inferior à dos casos em que o agente mediato constrange o executor. Ao executor pode, nas circunstâncias concretas, ser mais fácil resistir, por exemplo, à coacção através de ameaças à integridade física do que ao aliciamento de receber uma avultada quantia que o tire e à sua família da miséria, ou que lhe permita custear uma dispendiosa intervenção cirúrgica que necessita fazer e não tem como pagar.
Tal domínio também sucederá no caso do denominado «homicídio sob contrato» em que a existência de um consenso em que o «homem de trás» define os termos e condições em que o acto ilícito terá lugar e condiciona a sua concretização e planeamento pelo executor. Sobre o homem de trás reside o poder de supradeterminação final do processo causal conducente à realização típica, ou seja, o domínio da vontade. Acresce que, numa perspectiva de política criminal, dificilmente seria compreensível que o agente que determina todo o quadro de concretização do crime de homicídio em condições que necessariamente levariam à sua consumação, a qual só não se concretiza por circunstâncias alheias à sua vontade, visse a sua conduta isenta de qualquer sanção. Tal como no caso da tentativa inidónea que, apesar de estar impossibilitada de produzir o resultado típico é suficiente para abalar a confiança comunitária na vigência e validade da norma de comportamento, é uma questão de perigo para o bem jurídico protegido e necessidade de protecção da sua protecção.
Assim, em diversas obras de Maria da Conceição Valdágua, Início da tentativa do co-autor. Contributo para a teoria da imputação do facto na co-autoria, Lisboa: Lex Edições Jurídicas, 1993; “Autoria mediata em virtude do domínio da organização ou autoria mediata em virtude da subordinação voluntária do executor à decisão do agente mediato?”, in Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, 2003, Coimbra: Coimbra Editora; e “Figura central, aliciamento e autoria imediata”, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Volume 1, 2001, Coimbra: Coimbra editora, pp. 933 e segs..
É a partir do entendimento de que a instigação não é autoria e de que o mandante é a figura central no “mandato criminoso”, que este é deslocado (da instigação, onde pertence) para a autoria mediata, na categoria do aliciamento. Esta categoria quer-se ver reconhecida e caracteriza-se por o homem-de-trás levar o executor a praticar o fato ilícito, em contrapartida de uma prestação, de coisa ou de facto, na forma de ajuste ou dádiva e, assim, inicia, impulsiona, controla ou põe termo ao facto punível, mercê de “uma subordinação voluntária do executor à decisão do autor mediato”, que domina o facto.
Mas teremos de convir que nem todos os aliciamentos ou pactos para matar convivem com esta relação de domínio da vontade e da acção do mandante sobre o executor. As situações de aliciamento ou de “pacto para matar” não são todas iguais (não só relativamente à quantidade dos actos preparatórios ou de execução a realizar mas também da qualidade da vontade dos agentes envolvidos) e a adopção deste entendimento jurisprudencial não pode deixar de ser considerado demasiado monolítico pois não acompanha a riqueza concreta dos factos da vida e as concordantes distinções tipológicas e normativas a realizar.
Há que distinguir as situações sob pena de degradação do próprio conceito de autoria mediata e de desvalorização das situações que podem e devem encarar-se como instigação.
A situação em causa, nestes autos, demonstra bem a irrazoabilidade de um entendimento demasiado extensivo da figura da autoria mediata, no seio das figuras da co-autoria e da comparticipação, e até dos conceitos de tentativa e de início de execução.
O critério distintivo entre autoria mediata e instigação é o princípio da auto-responsabilidade. Na autoria mediata o responsável criminal é o autor mediato, enquanto na instigação, quer o instigador quer o instigado, são responsáveis.
Os factos que conduziram às condenações em 1.ª instância, nesta situação, deviam naturalmente integrar-se na instigação, mas por via do entendimento jurisprudencial uniformizado foram dela subtraídos e subsumidos à autoria mediata, a fim de, por essa via, se alcançar a condenação das mandantes. É inexplicável como se poderá negar a aplicação de uma pena a um agente se lhe chamamos instigador e aplicar-lha, denominando-o de autor mediato. Naqueles casos, o executor é um agente responsável que não iniciou o ataque à vida da vítima, que nunca ficou em perigo, pelo que, integrando os actos concretizados na autoria mediata ou na instigação, nunca a tentativa do crime decidido cometer seria punível, sem o início da execução por parte do(s) destinatário(s) da ordem de matar.
Por outro lado, afigura-se evidente que não se passa da autoria mediata singular para uma comparticipação/instigação em função do crime ser tentado ou consumado.
Face a esta constatação, pode-se argumentar, do mesmo modo, que a responsabilidade por tentativa de homicídio do autor mediato, nas decisões condenatórias, revela uma antecipação e um alargamento contra legem, do início da tentativa do autor mediato, já que os actos descritos são ainda preparatórios, não integráveis na alínea c) do n.º 2, do Art.º 22.º do Código Penal, pois não se verifica a “conexão de perigo” nem a “conexão temporal” para a vida da vítima, exigida na expressão legal “que se sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores” (Art.º 22.º, alíneas a) e b), e 26.º, todos do Código Penal). Acresce que irreleva a existência ou não de acordo entre mandante e executor para a prática do homicídio, a que não se sigam acto ou actos idóneos a produzir o resultado típico, a morte.
Em face do exposto, inexistindo, como verificámos, execução ou início da execução por parte dos executores (aliás, ao considerar inexistir determinação, estaria afastada a instigação) e não sendo punida a instigação na forma tentada, as aqui mandantes do crime não podem ser punidas como instigadoras.
Na verdade, encontra-se excluída do âmbito da instigação, na nossa ordem jurídica, a chamada “tentativa fracassada de instigação”, ao invés do que acontece em outros ordenamentos, com excepção da instigação do depoimento falso (no Art.º 363.º do Código Penal) ou as situações em que se punem autonomamente a instigação pública a um crime (Art.º 297.º), o incitamento à guerra civil (Art.º 326.º) ou o incitamento à desobediência colectiva (Art.º 330.º).
Sobre a distinção das várias hipóteses de autoria mediata e de instigação, consulte-se Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2008, pp. 122-127.
Em todo o caso, mesmo a admitir-se a figura da autoria mediata, nunca se poderia concluir pela punibilidade da conduta em causa (um crime cometido sob a forma de tentativa), uma vez que não houve início da execução.
Tal como advoga Conceição Valdágua admite (em “Figura central, aliciamento e autoria mediata», ob. cit., pp. 934, nota 42), “não poderá falar-se de um início de tentativa enquanto não for realizado algum acto que possa considerar -se abrangido, pelo menos, na alínea c) do n.º 2 do artigo 22.º [do Código Penal].”
Ora, é certo e seguro que nenhum acto executivo, sequer um dos referidos nessa alínea, foi praticado pelos pretensos executores, que nunca tiveram a intenção de praticar o crime «encomendado» (e também não pela «autora mediata», que se limitou, depois de fornecer uma “proposta criminosa”, a ficar na “expectativa da execução do facto”).
Assim, mesmo de acordo com a concepção teórica adoptada, a conclusão é insustentável.
Face ao nível de perigosidade que encerram estas situações e do bem jurídico vida aqui protegido, faria com certeza todo o sentido a previsão tipológica criminal da “proposta de homicídio”, podendo dizer-se que nos deparamos com uma grave omissão legislativa de punibilidade.
Mas isso trata-se do direito a constituir, com a intervenção da tutela criminal na punição da proposta criminosa, na medida em que se exteriorize em actos, limitada à criminalidade dolosa grave, no âmbito dos delitos de domínio, mais concretamente no homicídio, com respeito pelo princípio da legalidade (Art.º 1.º, n.º 3, e Art.º 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa), e dos imperativos da dignidade constitucional e do princípio da proporcionalidade aplicável (cfr. Art.º 18.º da mesma Constituição).
Isso não justifica, no entanto, que se forcem as figuras centrais da autoria e da comparticipação a um limite que entendemos como inadmissível do ponto de vista normativo-penal e que, além disso, se não consigam distinguir as situações em presença, cuidando de valorizar e relativizar a qualidade e o domínio de acção de cada um dos envolvidos: os putativos executantes que se locupletaram à custa das arguidas e estas últimas, que ficaram, na verdade dos factos, por uma intenção eticamente muito reprovável de matar através de outrem (ou de hipoteticamente não fazer nada para que isso não viesse a acontecer), apesar de existir um hipotético pacto para matar.
Certo é que a nossa lei não prevê como tentativa a perigosidade do agente revelada pela análise do seu plano criminoso, pelo que, forçoso será concluir que os actos por aquele praticados não podem ser já considerados como actos de execução do crime que este decidiu cometer, uma vez que são inidóneos de “per si” para fazer desencadear os actos de execução do crime decidido cometer, pois são actos preparatórios impunes (cfr. Art.º 21.º do Código Penal).
Na lei penal portuguesa, na verdade, não é punível o comportamento do agente que contrata outra pessoa, para que esta mate terceiro, se ninguém chegou a praticar qualquer acto de execução do crime (matar), em virtude da proposta formulada não ter obtido acolhimento e ainda se obtivesse, não terem sido praticados actos de execução.
Assim, só poderíamos concluir pela proibição de uma interpretação extensiva ou aplicação analógica destas situações, em obediência ao princípio da legalidade e o disposto nos Art.ºs 1.º, n.º 3, do Código Penal, e 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
Assim, nesta linha, Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte Geral, Tomo I Questões fundamentais. A doutrina geral do crime, Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 715; Nuno Brandão, em Figueiredo Dias e outros, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, artigos 131.º a 201.º, 2.ª edição, 2012, pp. 43; Isabel Trocado Monteiro, Proposta de Homicídio. Da punibilidade da tentativa do autor mediato e do instigador, na criminalidade e no âmbito dos delitos de domínio, dissertação, Maio de 2014, Porto: UCP, pp. 33-34, disponível em http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/15891/1/Proposta%20de%20Homic%C3%ADdio%20Da%20punibilidade%20da%20tentativa%20do%20autor%20mediato%20e%20do%20instigador%2c%20na%20criminalidade%20grave%20e%20no%20%C3%A2mbito%20dos%20delitos%20de%20dom%C3%ADnio.pdf; e M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal – Parte geral e especial – Com Notas e Comentários, 2.ª edição, 2015, Coimbra: Almedina, pp. 211-212.
Note-se que a previsão da nossa lei penal (Art.º 26.º do Código Penal), parte sempre do clássico princípio segundo o qual a determinação de alguém, plenamente responsável penalmente, à prática de um facto ilícito deve ser integrada em regra na instigação (parte final do artigo), e não na autoria mediata, que exige a instrumentalização do autor imediato, ou seja, à partida a sua irresponsabilidade penal.
Na jurisprudência uniformizada pelo Supremo, cometeu-se o erro, quanto a nós e salvo o respeito pelo entendimento contrário, de generalizar demasiado, de não distinguir bem as situações de aliciamento e de assumir essa qualificação para algumas situações de aliciamento, como aquela que se apresenta nos nossos autos, que apenas desvirtuam a figura da autoria mediata onde foram incluídas.
Assim, podemos adiantar que não iremos seguir o entendimento da decisão recorrida de que a conduta do agente, na situação aqui consubstanciada, integra o conceito de aliciamento, devendo ser punido como autor de um crime de homicídio voluntário sob a forma tentada. Afastando-nos, também assim, da doutrina do Acórdão uniformizador do STJ de 18/6/2009, acima citado, divergindo assim justificadamente dessa jurisprudência nos termos e para os efeitos do vertido no Art.º 445.º, n.º 3, do CPPenal.
E essa divergência é também acompanhada de uma reflexão inovatória sobre os fundamentos já discutidos no mesmo acórdão uniformizador, através do acompanhamento da doutrina entretanto publicada, e acompanhando a reflexão deixada nas razões de decidir do Supremo e dos elementos discordantes expostos nos votos contrários.
Por tudo o exposto, vista a conduta das arguidas (por comissão e por omissão), não ser punível, impunha-se a sua não responsabilização criminal e a absolvição dos ilícitos criminais pelas quais vinham pronunciadas, procedendo na totalidade estes fundamentos dos recursos das arguidas.
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Face ao aqui decidido, que implica a não responsabilização criminal das arguidas, torna-se claro que ficam prejudicados os demais fundamentos dos recursos interpostos, apenas havendo que apreciar da manutenção ou não dos pressupostos de responsabilização civil das arguidas, nos moldes à frente indicados.
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(vi) na fixação dos montantes indemnizatórios atribuídos aos demandantes
Por último, resta-nos, ainda, pronunciarmo-nos sobre o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente/demandante D….
Como determina a conjugação dos Art.ºs 128.º do CPenal e 71.º e ss. do CPPenal, a indemnização atribuída no âmbito do processo penal tem a natureza de indemnização civil de perdas e danos, obedecendo a sua determinação e pressupostos aos decorrentes do estatuído na legislação civil. Daí que, para a conformação jurídica da obrigação de indemnização se deva ter aqui reproduzido, com as necessárias integrações normativas, tudo o que foi materialmente descrito no conteúdo da responsabilidade criminal.
Como se constata do que ficou apreciado no ponto antecedente, não veio a consubstanciar-se a responsabilização criminal de anbas as arguidas, não se encontrando consubstanciados os ilícitos criminais apontados na decisão condenatória de primeira instância.
Pergunta-se se não sendo as arguidas responsável criminalmente, inexiste o pressuposto dos pedidos de indemnização, pois que estes, por força do princípio da adesão, constante do Art.º 71.º do CPPenal, só poderiam fundar-se na prática dos crimes referidos.
Isso não será exactamente assim, pois “a sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado (…)” – cfr. Art.º 377.º/1 do CPPenal.
A jurisprudência tem precisado este preceito legal, tendo o STJ no seu Ac. n.º 7/99 de 17/6, em pleno das secções criminais, determinado que “se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377.º, n.º, do CPP, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil, se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual – assim, em DR Iª-A Série, de 3/8/1999 (Ac. de uniformização de jurisprudência). Assim já tinha decidido o mesmo STJ em Ac. de 10/12/1996, in CJ STJ, t3, pp. 202.
E, com o mesmo STJ, em jurisprudência mais recente, se tem de dizer que só é possível a condenação em indemnização civil, nos termos do art. 377.º, n.º 1, do CPP, se os factos integrantes do objecto do processo na sua vertente estritamente penal e simultaneamente constitutivos da causa de pedir do pedido de indemnização civil estão provados, sendo que não pode a condenação ter por base factos diferentes dos imputados, e, de entre estes, os factos provados – embora insuficientes para a condenação pelo crime, determinando a absolvição deste – têm de se mostrar suficientes ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual, única que, por força do princípio da adesão, pode estar em causa no processo penal (art. 71.º do CPP) – assim, Ac. do STJ de 21/11/2000, proc. n.º 1776/2000-3ª, SASTJ, n.º 45, pp. 63.
Nesse conspecto, não existem dúvidas que não persiste qualquer tipo de responsabilidade extracontratual por parte das aqui arguidas, sabendo que não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, tal como previstos no Art.º 483.º do Código Civil. Desde logo o facto ilícito e, mesmo que assim fosse, os danos provocados pela conduta das arguidas e o subjacente nexo de causalidade. E a matéria assente não permite apurar um juízo de imputabilidade ao nível da responsabilidade civil extracontratual, para fazer concluir pela obrigação de indemnização civil das aqui arguidas em face do assistente/demandante.
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Em face de tudo o exposto, há que revogar o acórdão condenatório proferido pelo tribunal de 1.ª instância, em face da procedência dos recursos apresentados pelas arguidas.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar providos os recursos interpostos pelas arguidas (1) B… e (2) C…, porque procedentes os fundamentos acima apreciados, revogando-se o acórdão condenatório proferido em 1.ª instância, e decidindo-se, agora, absolver as mesmas arguidas da pronúncia da prática, pela primeira, em autoria e na forma tentada, de um crime de homicídio simples, p. e p. pelos Art.ºs 22.º, 23.º e 131.º, n.º 1, todos do Código Penal, e, pela segunda, em autoria e na forma tentada, por omissão, de um crime de homicídio simples, p. e p. pelos Art.ºs 10.º, 22.º, 23.º e 131.º, n.º 1, todos do Código Penal, bem como, ainda, absolver as mesmas arguidas dos pedidos de indemnização civil deduzidos pelo assistente/demandante D….
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Fixa-se a taxa de justiça devida pelo assistente/demandante, que decaiu na parte criminal, com taxa de justiça em 4 UC’s, e com custas no pedido de indemnização civil.
Notifique-se.
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Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (cfr. Art.º 94.º, n.º 2, do CPPenal).

Porto, 10 de Fevereiro de 2016
Nuno Ribeira Coelho
Renato Barroso