Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | FERNANDES ISIDORO | ||
| Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO ESTADO PORTUGUÊS NULIDADE | ||
| Nº do Documento: | RP20100714156/09.7TTVNG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 07/14/2010 | ||
| Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROVIDO. | ||
| Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I -É nulo o contrato pelo qual o Estado Português (PSP) admite as Autoras como auxiliares de limpeza, por ajuste verbal e sem observar as modalidades contratuais legalmente previstas. II - Age com abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium na espécie de inalegabilidade formal, o R. que, tendo executado o contrato durante mais de 9 anos, com cumprimento pelas partes das respectivas prestações, vem, decorrido esse período temporal, invocar a nulidade da inobservância de forma, pondo fim ao vinculo contratual com esse fundamento. III - A execução do contrato durante mais de 9 anos de forma, pacífica, continuada e pública, verificando-se uma espécie de “usucapião”, determina que as auxiliares de limpeza deixem de ser agentes putativos de facto, passando a agentes de direito, como se nenhuma nulidade existisse na celebração do contrato. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Registo 457 Proc. n.º 156/09.7TTVNG.P1 TTVNG (..º J.º) Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I – B………., C………. e D………. intentaram a presente acção com processo comum, contra o Estado Português (Ministério da Administração Interna/Polícia de Segurança Pública), pedindo seja declarado que: a) Os contratos de trabalho outorgados pelo R. com as AA. são válidos; b) O despedimento das AA. é ilícito e, por conseguinte, nulo e de nenhum efeito; E o réu seja condenado a: c) Reintegrar as AA. no seu posto de trabalho, sem prejuízo das suas categorias profissionais e antiguidades, isto sem prejuízo de estas poderem optar, em sua substituição e até à data da sentença, pela indemnização prevista na lei; d) Pagar às AA. salários e subsídios que se vencerem desde a data dos respectivos despedimentos até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde o vencimento de cada uma dessas importâncias até efectivo e integral pagamento. Ou, alternativamente, para o caso de se considerarem nulos os contratos de trabalho outorgados pelo R. com as AA.: - seja declarado que o R. actuou de má fé quer na celebração dos contratos de trabalho, quer na manutenção da respectiva execução, sabendo da invalidade que veio a invocar para lhes por termo; - Seja declarado, ao invés, que as AA. sempre actuaram de boa fé, quer no momento da outorga dos contratos, quer durante toda a respectiva execução; - Seja condenado, em consequência, o R. a pagar às AA. a indemnização prevista no art. 439º, n.º 1 do Código do Trabalho, ex vi artigo 116º, nº 3 do mesmo código. Alegam, para tanto e em síntese, que foram admitidas pelo R. para exercer a sua actividade profissional de auxiliar de limpeza nas instalações da Área do Comando Metropolitano do Porto da PSP, respectivamente, em 22/09/1998, 14/12/1998 e 14/12/19998, mediante ajuste verbal. Mais alegam que o R. cessou, por sua iniciativa exclusiva, os contratos de trabalho das AA. invocando a nulidade dos contratos celebrados, por estar vedado ao Estado a outorga de contratos de trabalho por termo indeterminado, o que não corresponde à verdade e configura abuso de direito na modalidade de venire contra factum próprio, ao invés das autoras, que sempre actuaram de boa fé, e cumpriram o dever assumido, na convicção de que os contratos eram válidos e não se iria invocar a sua nulidade pelo que terá de considerar-se o seu despedimento ilícito e, em consequência, o R. condenado na sua reintegração ou na optativa indemnização. Alegam ainda, em alternativa, que sendo os contratos considerados nulos seja declarado que o réu actuou de má fé a as autoras de boa fé quer na celebração, quer na execução dos contratos e, em consequência, o réu condenado a pagar-lhe a indemnização prevista no art. 439º/1 do Cód. do Trabalho ex vi art. 116º/3 do mesmo diploma. Frustrada a conciliação empreendida na audiência de partes, contestou o Ministério Público junto do Tribunal “a quo” em representação do R., impugnando parcialmente o alegado pelas AA. e sustentando a nulidade dos contratos verbais celebrados e a inexistência de despedimento ilegal das AA.. Conclui pela sua absolvição do pedido principal e igualmente do pedido alternativo. Saneado o processo, foi de seguida, ao abrigo do disposto no art. 61º, n.º 2 do C.P.Trabalho, proferida sentença que decidiu “julgar improcedente a presente acção que as Autoras B.........., C.......... e D.......... intentaram contra o Réu Estado Português, absolvendo-se este dos pedidos formulados por aquelas.” Inconformadas, apelaram as AA., pedindo a revogação da sentença, em alegações de onde se extractam as seguintes conclusões: - A vexata quaestio está naturalmente na circunstância de, atendendo à sua natureza (o Estado) e sendo ele o credor de tal prestação, a lei não permitir a celebração verbal de contratos de trabalho por tempo indeterminado, mas - Para aferir da validade formal da constituição das relações jurídicas contratuais importa considerar a lei que ao tempo vigora em conformidade com o previsto no art.º 12 n.º 1 e 2 do Código Civil. È aliás a conclusão, há muito recomendada pelo Prof. Antunes Varela, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 114 – pág. 16 - Em 1/8/1981 regia sob a questão o D.L. 35/80 de 14/3, o qual apenas previa a contratação da prestação de serviços que revestissem a natureza de trabalho subordinado desde que os contratos fossem escritos e a termo. - Como de resto assinalou o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/5/2004, visto nas bases jurídico-docomentais do Ministério da Justiça em www.dgsi.pt “ através de sucessivos diplomas foi sendo proibida a celebração de contratos de trabalho sem termo na Administração Pública – D.L. 35/80 de 14/3; D.L. 140/81 de 30/5; D.L. 166/82 de 10/5; D.L. 184/89 de 2/6; e … D.L. 427/89 de 7/12. Entretanto sobre esta temática foi publicada e passou a vigorar a lei n.º 23/2004 de 23 de Junho. - Se exceptuarmos este último diploma, características comuns a todos os outros são a não qualificação expressa das relações do tipo da ora em análise como sendo de trabalho juridicamente subordinado e por isso, sujeito ao ius laboral civil, a exigência de forma escrita para a celebração dos contratos pelos quais o Estado (e outros entes públicos) se assumia credor da prestação que, apesar disso, afirmava como juridicamente subordinada, de certa actividade pelos particulares e a determinação do período de tempo em que tal poderia ocorrer. - E isso levou, com naturalidade, a que repetidamente se viessem a julgar nulos os contratos celebrados em desconformidade com as normas estabelecidas por esses diplomas. - Passando a vigorar a lei 23/2004 de 22/6 esta veio regular o contrato laboral civil pelo Estado, o que implica a sua aplicação às relações dessa natureza já contratualizadas pelo Estado, ainda que em contra-mão às proibições que pudessem decorrer dos sucessivos anteriores diplomas legais que foram vigorando sobre a matéria. - Assim é, na verdade por força do estabelecido no n.º 2 do art.º 26 deste diploma onde se refere que “o disposto no n.º 4 do art.º 1.º e no art.º anterior não prejudica a imediata aplicação da presente lei, designadamente quanto aos contratos de trabalho já em execução. - E algumas das normas da citada lei 23/2004 de 22/6 como por exemplo o art.º 1.º n.º 4 (a contrario sensu) 2.º n.º 1 e 7.º n.º 1, encarregaram-se de o desfazer, e - Vale por dizer que o Estado veio confessar, por via legislativa, que antes já firmara verdadeiros contratos de trabalho por tempo indeterminado com os particulares - De uma forma ou de outra as partes sempre executaram o contrato de trabalho que verbalmente haviam celebrado e nesse caso quais as consequências da sua violação? - Sendo, no entanto seguro que se nenhuma forma especial previu, valerá o principio geral da liberdade de forma, como desde sempre foi apanágio dos contratos laborais (cfr. Art.º 6.º da LCT e 102.º do Código de Trabalho). - Estabelecendo o art.º 8.º n.º 1 da dita lei 23/2004 de 22/6 que “os contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas estão sujeitos à forma escrita” e o seu n.º 3 que “a não redução a escrito… determina a nulidade do contrato”. - E a conclusão ajusta-se na perfeição às premissas do silogismo judiciário: 1. O contrato de trabalho foi celebrado verbalmente entre o Estado e as AA. (que são entidades particulares) e por tempo indeterminado; 2. A lei comina contratos assim celebrados com a nulidade. 3. Logo e em conclusão aqueles contratos são nulos. - Acontece porém, que é uma solução incomodativa, pois supondo o Estado como pessoa de bem, custa a perceber que celebre com um humilde cidadão um contrato que sabe ser nulo, mantenha-o em execução durante 9 anos, publique diversas leis sobre a matéria mantendo essa solução jurídica e porque tal lhe convém, candidamente invoca a nulidade dessa relação jurídica e - De incomodativa passa a ser vista como abusiva se chamarmos à colação o art.º 334 do Código Civil. - Resulta desse normativo – art.º 334 do Código Civil – que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. - Daqui resulta, pois que só é ilegítimo o exercício do direito quando o titular não apenas exceda os limites impostos, inter alia, pela boa fé (que trabalhador e empregador devem executar o contrato de boa fé, resulta especificamente do artigo 119.º do Código de Trabalho e em geral do art.º 762 n.º 2 do Código Civil) como também que esse excesso seja manifesto. - In acórdão do ST Justiça de 8/11/1984, in BMJ n.º 341 pág. 418 “existe abuso de direito quando este se exerce em termos clamorosamente ofensivos da justiça ou, quando, com esse exercício se ofende clamorosamente o sentimento jurídico dominante”. - Quer dizer, o sentimento de antijuricidade do exercício do direito deve poder ser reconhecido pela generalidade da comunidade. - Manifestação dessa antijuridicidade é o chamado venire contra factum proprium, isto é, o inesperado comportamento contrario ao mantido por longo período de tempo pelo titular do direito que, desse modo, atinge a expectativa entretanto consolidada no outro contraente na manutenção dessa situação (embora fosse ilícita). -E é o que vem sendo decidido, consistentemente pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, nomeadamente: 1. É ilegítimo um exercício de um direito em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente, por ser contrário aos princípios impostos pela boa fé. (Acórdão da Relação de Lisboa - 17/7/1986 - col. Jurisp. Ano 1986 - Vol. IV, pág. 134). I. A proibição de venire contra factum proprium está contida no segmento do art.º 334.º do Cód. Civil que alude aos limites impostos pela boa fé. II. Consiste em alguém exercer um direito depois de criar a aparência à contra-parte de que não o faria, causando-lhe essa legítima convicção. (Acórdão da Relação de Lisboa - 20/5/1999– na Col. Jurisp. Ano 1999, Vol III pág. 104) - Por outro lado, é também referenciado pela jurisprudência, como foi no Acórdão do ST Justiça de 25/5/1999, na Col. de Jurisp. – Acórd. STJ ano 1999, tomo II pág. 116 “que o princípio da proibição venire contra factum proprium, manifestação da figura do abuso de direito, pressupõe a existência de uma situação objectiva de confiança, de um investimento na confiança e irreversibilidade desse investimento e de boa fé da parte que confiou”. - Na mesma linha, o Acórdão da Relação de Lisboa de 12.6.1997, na Col. Jurisprudência, ano de 1997, volume III, pág. 110 de acordo com o qual “a concepção de abuso de direito adoptada no art.º 334.º do C. Civil é a objectiva, não sendo pois necessária a consciência de se atingir com o respectivo exercício a boa fé, os bons costumes ou o fim social ou económica do direito exercido; basta que estes sejam atingidos”. - De todo o modo, no caso vertente sempre seria de afirmar o pleno conhecimento da ilicitude da relação jurídica por parte do Estado, pois que foi ele que, a um tempo, contratou com as Autoras e foi criando legislação que impedia que o fizesse (e mantivesse) naqueles termos, sob pena de nulidade. - A nulidade por inobservância da forma é um dos campos em que o instituto do abuso de direito pode actuar, como se pode ver do acórdão da Relação de Lisboa de 8/3/1998, no BM Justiça n.º 375 pag.ª 438. - E foi o que ocorreu neste caso, pois que o Estado conviveu com a situação de facto durante todo aquele tempo, recebeu das Autoras a prestação e cumpriu, pelo seu lado, todos os deveres próprios de um empregador (para além da retribuição, pagou-lhes férias e subsídios de férias e de natal e inscreveu-as na Segurança Social e pagou as respectivas contribuições e cotizações) pese embora as diversas leis que entretanto publicou e fez entrar em vigor, com isso não podendo deixar de ter consolidado nas Autoras a ideia de que continuaria a fazê-lo e não invocaria a nulidade do negócio. - Sendo que as Autoras não podem deixar de ser consideradas como estando de boa fé (sendo pessoas humildes e cumpridoras do dever assumido). - Pode-se concluir como Jorge Coutinho de Abreu, in Do Abuso de Direito, pág. 76, que “o abuso de direito é uma forma de antijuricidade ou ilicitude. As consequências, portanto, do comportamento abusivo têm de ser as mesmas de qualquer actuação sem direito, de todo o acto (ou omissão) ilícito”. - Daí resulta que o abuso de direito seja cognoscível ex officio conforme foi considerado pela Relação de Coimbra, em Acórdão de 15/10/1991 no BMJ n.º 410 pag. 882. - Isso equivale a dizer que as Autoras devem ser reintegradas no seu posto de trabalho e o R. deve pagar-lhes todas as retribuições que se venceram desde que ilicitamente invocou a nulidade dos contratos perante elas e deixou de receber a sua prestação e de prestar a que lhe competia (o que, na prática, equivaleu à cessação unilateral dos contratos por parte do empregador Estado sem que o tivesse apurado, em processo disciplinar, a existência de justa causa e por conseguinte o seu despedimento ilícito). - Ora estando perante uma obrigação de facto infungível, conf. art.º 829-A do Código Civil o exemplo típico de tal obrigação (ou seja, a que só pode ser prestada pelo próprio devedor e não, em execução coerciva por terceiro) é a de reintegrar o trabalhador no seu posto de trabalho e por isso, poderá aqui ser decretada (neste sentido se pronunciaram os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 2/9/1990 e de 13/3/1991 ambos no Boletim de Trabalho e Emprego, 2.ª Série n.º 10 – 11 – 12/93 pág. 1186 e 7 – 8 – 9/93, pág. 900, respectivamente). Todavia, não sendo considerada a reintegração das Autoras, em consequência de serem considerados nulos os contratos de trabalho, outorgados pelo R. com as AA., e mesmo a entender-se de outro modo, deverá considerar-se que - O R. actuou de má fé, pelo menos a partir de Novembro de 2007, na manutenção da execução dos contratos de trabalho que celebrou com as AA., sabendo da invalidade que veio a invocar para lhes por termo, e - Por outro lado, as AA. sempre actuaram de boa fé quer no momento da outorga dos contratos de trabalho, quer durante toda a respectiva execução, pelo que, em consequência deverá o R. ser condenado a pagar às AA. a indemnização prevista no art.º 439º/1 ex vi do art. 116º/3 e 4, ambos do C.T. de 2003, utilizando o factor indemnizatório de 40 dias de retribuição base por cada ano ou fracção de antiguidade contada até esta altura. O R. contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida. Recebido o recurso, cumpre apreciar e decidir. * II – Factos É a seguinte a factualidade provada a quo: 1- As Autoras B………., C………. e D………. foram admitidas, por ajuste verbal, para exercerem a actividade profissional de auxiliar de limpeza nas instalações da Área do Comando Metroplitano do Porto da Polícia de Segurança Pública em, respectivamente, 22/09/1998, 14/12/1998 e 14/12/1998. 2- Desde então, passaram a limpar e arrumar as instalações do E………. da P.S.P. e da F………. da P.S.P.. 3- A todas foi atribuída a categoria profissional de auxiliar de limpeza e números individuais de matrícula, conforme consta dos recibos de remunerações juntos a fls. 17 a 19 e aqui dados por reproduzidos. 4- Recebiam ordens e instruções dos superiores hierárquicos que, de acordo com a estrutura do Comando Metropolitano do Porto da PSR, tinham por função a fiscalização da actividade das AA. 5- Usavam instrumentos de trabalho fornecidos pelo Estado, nomeadamente vassouras, panos, detergentes e demais material de limpeza necessário. 6- Estavam sujeitas a um horário de trabalho determinado pelo R.: a 1º A. nos dias úteis e sábados, das 14 às 18 horas; a 2ª A. nos dias úteis, sábados e feriados, das 8 às 12 horas; e a 3ª A. nos dias úteis, sábados e feriados, também das 8 às 12 horas. 7- Pela actividade profissional das AA., o R. pagava-lhe, em função do tempo de trabalho, uma remuneração base mensal, bem como um subsídio de alimentação. 8- A remuneração mensal era paga, por transferência bancária, todos os meses do ano (12), sendo-lhes também pagos subsídios de férias e de Natal. 9- Tinham um período anual de férias remuneradas. 10-O R. sempre procedeu mensalmente aos correspondentes descontos para a Segurança Social (Regime Geral), à taxa aplicável ao trabalho subordinado. 11- Em Janeiro de 2008, a remuneração base mensal das AA. ascendia a 243,80 euros, acrescida de 4,03 euros diários de subsídio de refeição. 12- Por cartas dirigidas às AA., datadas de 10/12/2007 e por elas recepcionadas em 20/12/07, o R. comunicou-lhes a cessação dos respectivos contratos de trabalho, com efeitos produzidos a 60 dias após a recepção das cartas, conforme consta dos exemplares daquelas cartas juntos a fls. 14 a 16 e cujo teor aqui se dá por reproduzido. 13- Tal notificação foi igualmente efectuada por via pessoal, conforme documentos juntos a fls. 20 a 22. 14- Por força das aludidas comunicações, as AA. cessaram a respectiva actividade ao serviço do R. em 19 de Fevereiro de 2008. 15- O R. não invocou qualquer justa causa para o despedimento das AA., nem lhe instaurou qualquer processo disciplinar, limitando-se a declarar-lhes que considerava nulo o contrato com elas celebrados, nos termos e pelas disposições legais citadas nas cartas atrás referidas e dadas por reproduzidas. Está ainda provado que: 16. Do teor das cartas referidas nos itens 12 e 14, remetidas pela PSP a cada uma das AA. consta, no essencial, o seguinte: “A PSP celebrou contrato não escrito com V.ª Exª … para a prestação de serviços de limpeza … do Comando Metropolitano do Porto. O contrato que esta Instituição mantém com V.ª Excelência é nulo, nos termos do nº1 do art. 14º e art. 16º do Decreto Lei nº 427/89, de 7.Dezembro e do art. 18º, nº 4 deste diploma, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 218/98, de 17/9 (…). Apesar da cominação legal de nulidade deste contrato, não há lugar à reposição de quaisquer quantias pagas pelo tempo prestado por V. Ex.ª, já que o contrato produz todos os efeitos. Nestes termos no uso da competência delegada e ao abrigo do art. 134º do CPA notifico Vª Ex.ª que deixará de prestar serviço na PSP, decorridos sessenta dias após a recepção da presente notificação.” III – Do Direito Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente com ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 684º/3 e 685º-A/1 do CPCivil aplicável ex vi do art.87º/1 do CPT), são, fundamentalmente, três as questões a dirimir no caso sub iudice, a saber: 1- Da validade ou nulidade dos contratos de trabalhos celebrados. 2- Do abuso de direito - venire contra factum proprium. 3- Do despedimento sem justa causa e suas consequências. 1. A questão da validade ou nulidade dos contratos de trabalho celebrados. Como referem as recorrentes a vexata quaestio está na circunstância de a lei não permitir - ao Estado - a celebração verbal de contratos de trabalho por tempo indeterminado. Mas tendo sido executados contratos de trabalho verbalmente celebrados quais as consequências da sua violação? A este propósito trazem as apelantes à colação, nomeadamente, o DL 427/89, de 7.12[1], que veio definir o regime da constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública, Central, Regional, bem como nos institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados do estado e de fundos públicos. E ainda a L. 23/2004, de 22.06, cujo objecto, segundo o art. 1º/1, é a definição do regime jurídico do contrato de trabalho nas pessoas colectivas publicas. Na verdade, tendo os contratos em causa sido celebrados, respectivamente, em Setembro e Dezembro de 1999, é cristalino que a questão da respectiva nulidade ou validade se afere pela lei vigente à data da sua celebração como decorre do disposto no art. 12º/2 - 1ª parte, do Código Civil e no art.º 8º/ 1, parte final, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho/2003 e para onde remete o art.º 2º/1 da L 23/2004, de 22 de Junho[2]. Sobre casos similares ao sub iudice já se pronunciou esta Relação em vários acórdãos[3] e, designadamente, pela identidade das questões enunciadas, no proferido no processo nº 39/09.0TTVLG.P1[4] de que fomos 1º adjunto, cujo teor se ira seguir de perto e onde acerca desta questão e em função das regras de aplicação das leis no tempo se conclui que “nesta sede é aplicável o regime constante do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 218/98, de 17 de Julho. Deste diploma decorre que a relação jurídica de emprego na Administração Pública constitui-se por nomeação e por contrato de pessoal e este, por seu turno, apenas pode revestir as modalidades de contrato administrativo de provimento e de contrato de trabalho a termo certo, como dispõem os seus Art.ºs, respectivamente, 3.º e 14.º. Acresce que, conforme decorre de tais artigos e seguintes, bem como do Art.º 42.º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, vulgo LCCT, qualquer uma das modalidades está sujeita a forma escrita. Ora, não sendo admitidas outras formas de constituição da relação jurídica de emprego em causa, atento o disposto no Art.º 43.º, n.º 1 do do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 218/98, de 17 de Julho, os contratos são nulos nos termos do disposto no Art.º 294.º do Cód. Civil, igual conclusão sendo de extrair pela inobservância da forma escrita[5], atento o estatuído no Art.º 220.º deste último diploma, uma vez que as AA. foram admitidas, como vem provado, por ajuste verbal. Assim sendo, parece prima facie que o comportamento do R., quando decidiu pôr fim aos contratos dos autos, foi legal.” Em suma, a nulidade dos contratos outorgados com as AA/recorrentes, implica a procedência das conclusões adrede formuladas. 2. Do Abuso de direito Sustentam as apelantes que tendo o réu outorgado contratos que sabe nulos, mantendo-os em vigor durante 9 anos, ao invocar depois a respectiva nulidade agiu com abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium. Será assim? Vejamos. Pondera-se a este respeito no acórdão em referência: «Dispõe o Cód. Civil: ARTIGO 334º É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.(Abuso do direito) Como se tem entendido, a figura do abuso do direito visa impedir actuações não razoáveis, imponderadas e, na responsabilidade contratual, exige que as partes, na execução do contrato, se conduzam pelo princípio da boa fé, cumprindo e estimulando o cumprimento por banda da parte contrária. O abuso do direito visa também funcionar como válvula de escape do sistema, de forma que naquelas situações em que a aplicação de uma norma conduza a resultados não razoáveis relativamente aos valores vigentes na ordem juríridica, se possa impedir o seu funcionamento: na verdade, nestes casos, se o legislador tivesse previsto o resultado a que a norma conduziu, ter-se-ia abstido de a editar, dados os clamorosos resultados em que a sua aplicação desaguou. De igual modo, são abarcados também pela figura do abuso do direito aqueles casos em que um sujeito adopta determinada conduta baseada no direito, mas simultaneamente adopta outra conduta, contraditória com a primeira, reveladora de que a invocação e aplicação da lei visou valores não condizentes com os estabelecidos pela ordem jurídica, vulgarmente designado como venire contra factum proprium[6]. Ora, uma das concretizações do abuso do direito, na modalidade do venire contra factum proprium ocorre nas situações de inalegabilidade formal quando, como se tem entendido, “…num primeiro tempo o agente daria azo a uma nulidade formal, prevalecendo-se do negócio (nulo) assim mantido enquanto lhe conviesse; na melhor (ou pior) altura, invocaria a nulidade, recuperando a sua liberdade. Haveria uma grosseira violação da confiança com a qual o sistema não poderia pactuar.”[7] Daí que também se venha entendendo que “…o abuso de direito é uma forma de antijuricidade ou ilicitude. As consequências, portanto, do comportamento abusivo têm de ser as mesmas de qualquer actuação sem direito, de todo o acto (ou omissão) ilícito"[8]. Acresce que constituindo o abuso do direito o exercício desproporcionado de um direito subjectivo, que arranca da previsão de uma norma jurídica, mas cujo exercício provoca um resultado não desejado pela ordem jurídica no seu todo, em termos clamorosos e desequilibrados, o abuso desemboca numa situação não prevista pelo legislador, em termos tais que, se a tivesse previsto, não teria editado a norma. Daí que que a concepção adoptada entre nós para o abuso seja a objectiva, pelo que se torna desnecessário a invocação e prova da consciência e intenção de exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, embora seja de atender aos elementos subjectivos do comportamento do exercente aquando da formulação do juízo de valor global acerca da existência do abuso. Por último, cumprir referir que, sendo o abuso de direito uma válvula de escape do sistema para que da aplicação do direito não resultem injustiças clamorosas, desfasadas da realidade material subjacente, a matéria pode ser conhecida ex officio[9], tamanha é a preocupação com a prática da justiça material, tão cara ao direito laboral. Na verdade, se há ramo do direito onde o instituto cobre toda a sua razão de ser, parece que se pode afirmar que o direito do trabalho é daqueles em que a figura se assemelha à cereja no cimo do bolo. In casu, as apelantes invocaram o abuso de direito, embora a figura pudesse ser conhecida oficiosamente, como se referiu. Vistos os factos provados, afigura-nos que os contratos dos autos são facilmente qualificáveis como de trabalho, por tempo indeterminado. Na verdade, o acordo das partes foi feito por ajuste verbal, verifica-se a subordinação jurídica e económica e toda uma séria de factos índice que nos permitem concluir que as partes celebraram um contrato de trabalho, atenta a definição constante do Art.º 1.º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 1969-11-24, do Art.º 1152.º do Cód. Civil e do Art.º 10.º do Cód. do Trabalho de 2003, diploma este vigente na data em que o R. fez cessar os contratos de trabalho. Nada se provou acerca das circunstâncias que envolveram a celebração, enquanto tal, dos referidos acordos de trabalho, pelo que nos deveremos ater aos factos relativos à respectiva execução e cessação. A execução dos contratos, dados os factos provados, ocorreu com normalidade, no cumprimento das prestações de cada uma das partes, as AA. exercendo as funções de auxiliares de limpeza, em obediência às ordens recebidas dos seus superiores hierárquicos, não havendo notícia de qualquer processo disciplinar; o R., por seu turno, pagando a retribuição, através de transferência bancária, atribuindo números de matrícula às AA., procedendo aos descontos para a segurança social e dirigindo a actividade das AA. Face a este contexto fáctico, cremos poder afirmar que as AA. celebraram e executaram os contratos, agindo de boa fé. Já o R., tendo actuado do modo correspectivo no que à execução dos contratos concerne, não agiu de boa fé no que respeita à celebração e cessação dos contratos. Não podendo ignorar, contrariamente às AA., que só podia admitir estas por contrato escrito e nas modalidades taxadas na lei e acima enumeradas na questão anterior, nem por isso deixou de invocar a nulidade quando lhe conveio, apesar de ser ele quem lhe deu lugar. Só que o fez quando, decorridos cerca de 9 anos de execução dos contratos, já se havia radicado nas AA. o sentimento de que tinham um emprego estável. Decretada unilateral e imotivadamente a cessação de tais vínculos, violou a confiança legítima criada pelas AA. acerca da sua situação profissional, sem que estas em nada tenham contribuído para a decisão tomada. Cremos que a cessação dos contratos de trabalho das AA. execedeu de forma clamorosa os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico desse direito, pois o R., invocando a nulidade dos contratos, que efectivamente se verifica, ignorou no entanto que a forma só não foi observada porque ela não a exigiu às AA. aquando da celebração dos contratos em 1999 pelo que, prevalecendo-se agora de uma omissão só a ele imputável, decorrido - cerca de 9 anos - tal lapso de tempo, age em abuso de direito, descartando-se do vínculo celebrado, com fundamento em nulidade só a si imputável, mas cujas consequências nefastas só sobre as AA. recaem, apesar de se terem limitado sempre a cumprir as ordens que lhes foram dadas, seja aquando da celebração dos contratos, seja aquando da sua execução seja, por último, aquando da sua cessação. Trata-se manifestamente de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, na espécia de inalegabilidade formal. A atitude do R., fazendo cessar os contratos de trabalho, com fundamento em nulidade baseada na inobservância da forma escrita dos contratos e da modalidade legal taxada, pois foram celebrados por mero ajuste verbal, é desproporcional, pois conduz a resultados que desequilibram de forma injusta a posição de cada uma das partes, descartando-se o R. dos vínculos quando foi ele que ocasionou a inobservância de forma e colocando as AA. sem trabalho quando elas se limitaram a cumprir o que lhes foi ordenado pelo R. e durante cerca de 9 anos. O direito não pode, a nosso ver, consentir com tamanha desproporção de comportamentos e suportar as respectivas consequências. Temos, assim, para nós que o R. agiu sem direito, antijuridicamente, declarando a cessação dos contratos sem invocação de justa causa apurada em prévio disciplinar, o que conduz à ilicitude dos despedimentos, com as legais consequências.» -Em reforço deste ponto de vista, considera-se, ainda, tal como no aludido aresto, que se verifica in casu uma espécie de usucapião no tocante à situação [laboral] das autoras. Com efeito, como em tal acórdão a propósito se consigna: «[c]elebrados os contratos dos autos, sendo empregador o R. Estado, o comportamento deste, quando contrata, pode ser analisado como acto administrativo. Aliás, não será por mero acaso que nas cartas que o R. fez entregar às AA., declarando a nulidade dos contratos e a sua cessação, o fez no uso de competência delegada e ao abrigo do art.º 134.º do CPA, que dispõe: 1 – O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade. 2 – A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal. 3 – O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito. Daqui decorre que a lei [o disposto no n.º 3], apesar da nulidade do acto de admissão de um agente, não o deixa de considerar como tal, apenas o classifica como agente de facto ou putativo, quando o qualificaria como agente de direito se o acto administrativo de nomeação/’admissão’ não estivesse inquinado de qualquer nulidade. Impõe-se, porém, que o agente tenha exercido as funções administrativas durante um longo período de tempo e de modo pacífico, contínuo e público, de modo a criar expectativas de durabilidade do vínculo entre o Estado e o agente e também na relação com terceiros. Tratar-se-ia de uma espécie de usucapião, cujo prazo, devendo corresponder ao da usucapião de bens móveis, deveria ser de 10 anos, entendendo outros que bastaria um período temporal superior a 3 anos[10]. De qualquer modo, decorrido o prazo devido e revestindo-se o exercício de funções das características apontadas, portanto, sem oposição de ninguém, ininterruptamente e à vista de toda a gente, os agentes de facto, admitidos mediante acto administrativo nulo ou inexistente, tornavam-se agentes de direito. Para tanto, importaria, mais do que o concurso e do regular acto de nomeação, que se verificasse caso a caso a existência de factos índice que, globalmente considerados, apontassem no sentido da constituição e existência da relação de emprego. Para Marcello Caetano, haveria que atender, neste juízo global, à negligência revelada na conservação, por parte dos superiores do funcionário, dessa situação irregular, aos serviços prestados pelo agente de facto, à boa fé deste e à importância do vício que inquinou a nomeação[11]. Para outros, haveria que considerar a inserção fáctica na organização administrativa, a subordinação hierárquica, a duração (de facto) do vínculo, bem como a ordenação da actividade dos indivíduos a fins institucionais[12]. Cremos que, embora se possa considerar excepcional a figura desta espécie de usucapião, a verdade é que ela poderá constituir um meio de solucionar situações de facto que, de outro modo, se traduziram em algo de aberrante, como sucedeu in casu. Dando preferência ao princípio da materialidade subjacente, afastando a nulidade derivada da inobservância da forma, pretende-se verificar caso a caso, atendendo aos factos índice elegíveis, se a situação de facto do agente putativo merece a protecção do direito, uma vez que até à declaração da nulidade o vínculo sempre teve uma execução, ainda que aparentemente, normal. Ora, como se viu na questão anterior, não fora a irregularidade ocorrida a quando da celebração do contrato e da cessação do mesmo, mas exclusivamente imputável ao R., nenhuma questão se teria suscitado.» Com efeito, cada uma das AA. foi admitida para exercer a actividade profissional de auxiliar de limpeza, tendo cumprido o respectivo programa contratual, sem que se demonstre qualquer situação de incumprimento no que respeita às prestações das partes. Na verdade, as AA. prestaram o seu trabalho e o R. pagou mensalmente a respectiva remuneração, procedendo aos correspondentes descontos para a segurança social - situação esta que perdurou durante mais de 9 anos, ininterruptamente, sem oposição de ninguém e à vista de toda a gente. Tudo isto – exercício da função de auxiliar(es) de limpeza na esquadra e instalações da PSP, durante tal período temporal, sem interrupção ou oposição, obedecendo às ordens emanadas dos superiores hierárquicos – configura uma situação de facto que não podia deixar nas AA. a confiança de que o vínculo continuaria a perdurar ao longo do tempo, incluindo a convicção da sua legalidade. Entendemos pois que as AA., embora admitidas irregularmente numa perspectiva formal, acabaram por desempenhar funções durante mais de 9 anos como se o vínculo fosse regular. Deve, pois, o vínculo ser considerado como tal, ab initio, i. é, como se as autoras tivessem adquirido o direito ao lugar por usucapião. “E nem se diga, salvo o devido respeito, que a conclusão a que se chegou ofende o disposto no Art.º 47º, nº 2 da C.R.P. Com efeito, quando no referido artigo se fala que todos têm direito de acesso à função pública “em condições de igualdade e liberdade, em regra, por via de concurso”, tal não significa que a única via de acesso seja o concurso (nosso sublinhado). Acresce que em bom rigor não está em causa o acesso “à função pública” mas antes a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado…’ , como se refere no Acórdão desta Relação do Porto de 2008-01-28[13]”. Ou seja, tendo as AA. adquirido por usucapião o direito ao lugar, isso significa que foram ilicitamente despedidas no âmbito de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, tal como se disse supra, com as correspondentes e legais consequências, como veremos a seguir. 3. Do despedimento sem justa causa e suas consequências. Ante o acabado de expor, como vimos, considera-se que as AA. foram despedidas do âmbito de um contrato de trabalho por tempo indeterminado. Na verdade, como se evidencia factualmente, R. não invocou qualquer justa causa para o despedimento das AA., nem lhe instaurou qualquer processo disciplinar, limitando-se a declarar-lhes que considerava nulo o contrato com elas celebrados. Trata-se assim de um despedimento ilícito nos termos do art. 429º do CT/2003, aplicável in casu porque o vigente à data do reputado despedimento das AA., em 19.2.2008. Ora, face ao teor das conclusões do recurso e aos termos em que foi deduzido o pedido - [ser] condenado o R. a reintegrar as AA. no seu posto de trabalho, sem prejuízo das suas categorias e antiguidades (…) e de estas poderem optar, em sua substituição e até à data da sentença, pela indemnização prevista na lei - e não havendo opção [entre a reintegração e a indemnização de antiguidade] até à data da sentença [como sucede no caso em apreço] convenhamos que, atento o disposto no art. 436º1-b) do CT, assiste às AA. o direito a ser reintegradas no seu posto de trabalho. Para além disso, atento o disposto no art. 437º/1 e 4 do mesmo CT tem as AA. direito a receber as retribuições que deixaram de auferir no período temporal entre 11.01.2009 (ou seja, 30 dias antes da propositura da acção) até à data do trânsito em julgado da decisão do tribunal, considerando a retribuição auferida 14 vezes por ano, acrescida do subsídio de alimentação correspondente a 11 vezes por ano, a liquidar oportunamente, nos termos do art. 661º/2 do Código de Processo Civil. Destarte, prejudicado fica o pedido subsidiário outrossim formulado pelas autoras. Em sumário e conclusão: 1. Tendo o Estado (PSP) admitido auxiliares de limpeza por ajuste verbal, a inobservância da forma escrita e das modalidades contratuais legalmente previstas, tornam tal contrato nulo. 2. Age com abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium na espécie de inalegabilidade formal, o R. que, tendo executado o contrato durante mais de 9 anos, com cumprimento pelas partes das respectivas prestações, vier, decorrido esse período temporal, invocar a nulidade da inobservância de forma, pondo fim ao vinculo contratual com esse fundamento. 3. A execução do contrato durante mais de 9 anos de forma, pacífica, continuada e publica, verificando-se uma espécie de usucapião, determina que as auxiliares de limpeza deixem de ser agentes putativos de facto, passando a agentes de direito, como se nenhuma nulidade existisse na celebração do contrato. 4. Verificado abuso de direito ou a usucapião, a cessação do contrato de trabalho por tempo indeterminado, sem justa causa apurada em prévio procedimento disciplinar, consubstancia um despedimento ilícito com as legais consequências. Em conformidade, procedem as conclusões do recurso, como de seguida se decidirá. * IV. Decisão Perante o que se deixou exposto, decide-se: -Julgar a apelação procedente e em conformidade revogar a sentença recorrida, substituindo-a pelo presente acórdão e, em consequência: -Declarar que os contratos de trabalho celebrados entre as partes são válidos e ilícitos os despedimentos efectuados; - Condenar o réu: - a reintegrar as AA, no seu posto de trabalho sem prejuízo das suas categorias profissionais e antiguidades; - a pagar a cada uma das AA. as retribuições vencidas desde 2009.01.11 - considerando a retribuição auferida 14 vezes por ano, acrescida do subsídio de alimentação correspondente a 11 meses por ano - até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal, a liquidar em oportuno incidente. Sem custas, dada a isenção do Réu. Porto, 2010.07.14 António José Fernandes Isidoro Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho (Voto vencida conforme declaração anexa) ___________________________ [1] Cuja redacção foi posterior e pontualmente alterada pelo DL 218/98, de 17.07. [2] Vd, outrossim, o disposto no art. 26º/1 deste diploma (L 23/2004). [3] Ver, nomeada e respectivamente, os acórdãos proferidos nos processos nºs 207/09.5TTBRG.P1 e 98/09.6TTVNF.P1, inéditos ao que supomos. [4] De que foi Relator o Exmo Desembargador Ferreira da Costa. [5] Embora exista um pequeno desvio no contrato a termo, pois só o termo, propriamente dito, é atingido pela nulidade e com consequências diversas, uma vez que a conversão em contrato por tempo indeterminado, efeito previsto no regime regra, não ocorre na relação jurídica de emprego na Administração Pública. [6] Cfr. António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, in DA BOA FÉ NO DIREITO CIVIL, Almedina, 2.ª reimpressão, 2001, que citando Weber a págs. 742, refere: A locução venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. [7] Cfr. António Menezes Cordeiro, in Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, Almedina, 2006, pág. 54 e in DA BOA FÉ NO DIREITO CIVIL, cit. págs. 771 e ss. [8] Cfr. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, in Do Abuso de Direito, Ensaio de um Critério em Direito Civil e nas Deliberações Sociais, Almedina, 2006, pág. 76. [9] Cfr. João de Matos Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 2.ª edição, volume I, 1973, págs. 422 a 424, Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, in Código Civil anotado, 3.ª edição, volume I, 1982, págs. 296 a 298 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1978-03-02 e de 1980-03-26, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 275, págs. 214 a 219 e n.º 295, págs. 426 a 433. [10] Cfr. José Manuel Santos Botelho, Américo Pires Esteves, José Cândido de Pinho, in Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 5.ª edição, 2002, anotação ao artigo 134.º, págs. 830-836, nomeadamente, pág. 832 e os Autores citados nas duas notas ss. [11] Cfr. Marcello Caetano, in Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9.ª reimpressão da 10.ª edição, 2008, págs. 641-648, nomeadamente, pág. 645. [12] Cfr. Ana Fernanda Neves, in Relação Jurídica de Emprego Público, págs. 98 e ss., nomeadamente, pág. 108. [13] Processo 0716046, in www.dgsi.pt. ____________________________ Voto vencida. Quer pelas razões, no essencial aduzidas no acórdão desta Relação de 16.03.09, proferido no Processo 7551/08, relatado pela ora subscritora (in www.dgsi.pt, Processo 0847551), bem como face quer à interposição que, com força obrigatória geral, foi acolhida pelo Tribunal Constitucional nos Acórdãos 368/2000, de 11.07.2000 e 61/2004 (DR 1ª Série-A, de 27.02.04), quer ao entendimento jurisprudencial que tem vindo a ser sufragado pelo STJ, designadamente nos Acórdãos de 14.11.07, 18.06.08, 01.10.08, 26.11.08, 01.07.09 e 25.11.09, in www.dgsi.pt, Processo 08S2451, 06S1536, 08S3443 e 1846/06.1YRCBR.S1, considero não ser admissível a “conversão” do contrato de trabalho nulo em contrato de trabalho sem termo. Porto, 14.07.2010 Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho |