Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1075/12.5TBVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
STOP
NEGLIGÊNCIA
ACÇÃO CAUSAL PARA A OCORRÊNCIA DO EMBATE
Nº do Documento: RP201312091075/12.5TBVFR.P1
Data do Acordão: 12/09/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 21º E 71º DO REGULAMENTO DE SINALIZAÇÃO DE TRÂNSITO
ARTº 483º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - A prescrição resultante do sinal de trânsito «B2» (STOP), que determina a paragem obrigatória no cruzamento ou entroncamento – art. 21.º do Regulamento de Sinalização do Trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro – não é neutralizada pelo existência simultânea, no mesmo local e a onerar o mesmo condutor, de um sinal constituído por uma luz amarela intermitente – previsto no n.º 1, do artigo 71.º, do mesmo Regulamento.
II - A negligência – artigo 483.º do Código Civil – consiste num comportamento omissivo relativamente à observação de um dever de cuidado, que, uma vez observado, teria obstado com alta probabilidade à produção do evento.
III - Não sendo imputável ao condutor A uma acção causal para a ocorrência do embate entre o veículo que conduzia e um outro conduzido por B, verificado num entroncamento onde existia um sinal «B2» a onerar este último condutor, a culpa é atribuível exclusivamente a B.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação do Porto – 5.ª Secção.
Recurso de Apelação.
Processo n.º 1075/12.5TBVFR do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira – 3.º Juízo Cível.
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Juiz relator………….Alberto Augusto Vicente Ruço.
1.º Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto.
2.º Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim.
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Sumário:
I. A prescrição resultante do sinal de trânsito «B2» (STOP), que determina a paragem obrigatória no cruzamento ou entroncamento – art. 21.º do Regulamento de Sinalização do Trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro – não é neutralizada pelo existência simultânea, no mesmo local e a onerar o mesmo condutor, de um sinal constituído por uma luz amarela intermitente – previsto no n.º 1, do artigo 71.º, do mesmo Regulamento.
II. A negligência – artigo 483.º do Código Civil – consiste num comportamento omissivo relativamente à observação de um dever de cuidado, que, uma vez observado, teria obstado com alta probabilidade à produção do evento.
III. Não sendo imputável ao condutor A uma acção causal para a ocorrência do embate entre o veículo que conduzia e um outro conduzido por B, verificado num entroncamento onde existia um sinal «B2» a onerar este último condutor, a culpa é atribuível exclusivamente a B.
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Recorrente…………………..B, melhor identificada nos autos.
Recorrido…………………….C…, S.A., melhor identificada nos autos.
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I. Relatório.
a) O presente recurso, interposto pela Autora, respeita a um acidente de viação, no qual a mesma foi interveniente, ocorrido no dia 1 de Março de 2001, na freguesia …, concelho de Santa Maria da Feira.
Consistiu num embate entre o veículo ligeiro de passageiros que conduzia e um outro veículo, também ligeiro de passageiros.
A acção foi julgada totalmente improcedente porque, nos termos dos factos declarados provados, o embate ocorreu na zona de intercepção de duas vias e a Autora circulava numa via onde estava colocado um sinal «Stop» que a obrigava a parar antes de penetrar na zona mencionada área de intercepção das duas vias, não o tendo feito.
Entendeu-se, por conseguinte, que o acidente tinha ocorrido exclusivamente por culpa da Autora e, por isso, não tinha direito a ser indemnizada, face ao disposto no artigo 505.º do Código Civil.
b) É desta decisão que a Autora recorre, sendo estas as conclusões de recurso:
«1. No dia 1 de Março de 2011, pelas 22 horas e 30 minutos, no entroncamento da Rua … com a Rua …, freguesia …, concelho de Santa Maria da Feira, ocorreu um acidente de viação entre o veículo ligeiro de passageiros matricula ..-..-TA, propriedade da Autora e conduzido pela própria, e o veículo ligeiro de passageiros matricula ..-AA-.., propriedade de D…, e conduzido pelo próprio.
2. No dia e hora indicados, o veículo TA circulava na Rua …, sentido Norte/Sul, em direcção à Rua ….
3. No local do embate, a Rua … é constituída por duas vias de trânsito, uma para cada sentido, a qual entronca na Rua ….
4. Por seu turno, o veículo AA descia a Rua …, seguindo no sentido Nascente/Poente.
5. No entroncamento da Rua … com a Rua … existia apenas sinalização semafórica intermitente que condicionava ambas as artérias.
6. A condutora do TA entrou na metade direita da Rua …, atento o sentido de marcha seguido pelo AA.
7. Ao chegar junto do entroncamento com a Rua …, o condutor do AA deparou-se com o veículo da Autora provindo do seu lado direito.
8. O AA veio a colidir contra a parte lateral do TA.
9. Em resultado deste embate, o veículo da Autora capotou, imobilizando-se na via esquerda da Rua …, atento o sentido seguido pelo AA.
10. A parte frontal do AA embateu na parte lateral esquerda do TA.
11. O entroncamento da Rua … com a Rua … era de visibilidade reduzida.
12. Depois do TA ter entrado na referida via direita deu-se o embate dos veículos.
13. O condutor do AA não fez qualquer tentativa de travagem ou de desvio.
14. O condutor do AA seguia pela metade direita da faixa de rodagem.
15. Na Rua … e a cerca de 20 a 30 metros da Rua … estava colocado no sentido do TA um sinal de Stop (sinal B2)
16. No entroncamento da Rua … com a Rua … inexistia sinal de paragem obrigatória ou de cedência de passagem, ou qualquer marca rodoviária.
17. Apesar no croqui (Documento 2) constar um sinal de STOP na Rua …, na verdade o mesmo estava colocado a 20 / 30 metros desse cruzamento, não se destinando a regular o trânsito aí processado.
18. O sinal STOP estava colocado noutro entroncamento existente 20 a 30 metros antes do local do acidente.
19. A cerca de 20 a 30 metros do cruzamento com a Rua …, a Rua … é entroncada no lado direito por uma via de acesso a umas garagens, atento o sentido do veículo da Autora.
20. E era nesse entroncamento que se encontrava o sinal STOP que depois do dia do acidente foi “cortado”.
21. Antes de ser retirado, o STOP (que consta no croqui da GNR) estava virado para a dita via de acesso às garagens e não para a Rua ….
22. As luzes semafóricas intermitentes “autorizavam” a Autora a entrar no cruzamento, desde que acompanhado das devidas cautelas – cfr. artigo 71º do RST.
23. O mesmo se aplicava ao condutor do AA, contudo, este contrariamente à Autora, não tomou as devidas cautelas, antes avançou por entender que a seguia na “via com prioridade”.
24. Mesmo que se admita como certa a velocidade do AA – não mais de 50 km/hora, a mesma revelou-se como desadequada para o local, porque o seu condutor não conseguiu imobilizar-se no espaço livre e visível à sua frente, antes de embater no TA que quando aquele chegou ao entroncamento já ocupava a metade direita da Rua ….
25. O sinal STOP não estava colocado junto ao cruzamento onde se deu o acidente, como o estatui o artigo 22º do RST.
26. Mesmo que se aceite (em tese) que o sinal de STOP condicionava o trânsito que pretendia aceder à Rua …, provindo da Rua …, ainda assim, a Autora não tinha a obrigação de parar, atenta a hierarquia entre prescrições prevista no artigo 7º do CE, na hipótese de conflito entre prescrições – mas que não era o caso.
27. Na Sentença objecto do presente recurso o Tribunal a quo nem se quer se pronunciou relativamente à hierarquia entre prescrições do artigo 7º do CE e tampouco considerou a hipótese de violação do artigo 71º do RST por parte do condutor do AA – que diga-se foi a adequada ao eclodir do acidente.
28. O acidente ficou a dever-se, em exclusivo, à culpa do condutor do AA, que incumpriu o artigo 71º do RST, ao não agir com cautela e precaução exigíveis.
29. Outra devia ter sido a Sentença proferida.
30. A Sentença recorrida violou os artigos 483º e seguintes do Código Civil, o artigo 7º do Código da Estrada e os artigos 22º e 71º do Regulamento de Sinalização do Trânsito.
Nestes termos e nos mais de Direito…».
c) A Recorrida contra-alegou no sentido da manutenção da sentença.
Concluiu assim:
«A- O Tribunal recorrido decidiu bem ao absolver a ora recorrida do pedido.
B- A recorrente, como se pode constatar da sua douta petição, baseava fundamentalmente a sua tese na sua alegação de que na via por onde seguia não existia o vulgarmente designado sinal de STOP e que, por esse facto, gozava do direito de prioridade de passagem relativamente ao condutor do AA, seguro na ora recorrida.
C- Ora provou-se que na Rua …, e antes da Rua …, por onde seguia o TA, efectivamente estava colocado o tal sinal de STOP, ao contrário do que falsamente a recorrente quis fazer crer ao Tribunal.
D- Também se provou que a recorrida, muito embora o AA estivesse já no cruzamento formado pelas duas artérias em que circulavam os veículos intervenientes, não parou, em obediência ao sinal de STOP acima referido.
E- Mais se provou que o AA seguia pela metade direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, a uma velocidade não superior a 50 km/h, prestando atenção ao trânsito e à condução e que, quando se encontrava a menos de 10 metros da via por onde seguia a recorrente, esta aparece de rompante, sem parar, de tal modo que o condutor do AA não teve nem espaço nem tempo para accionar os travões do AA, pois de imediato ocorreu o embate.
F- Consta da fundamentação das respostas dadas à matéria de facto que o condutor do AA conhecia o cruzamento onde veio a ocorrer o acidente e que por esse facto sabia que na artéria por onde seguia o TA estava colocado um sinal de STOP, o qual retirava o direito de prioridade de passagem aos condutores que seguiam nessa via no mesmo sentido do TA.
G- A sinalização semafórica existente no cruzamento não estava em pleno funcionamento, já que se encontrava em “intermitente”, obviamente para ambas as artérias. Talvez precisamente por essa razão e ainda pelo facto de se tratar de um cruzamento de visibilidade reduzida é que foi colocado o acima aludido sinal de STOP, de tal modo que os condutores que seguiam na Rua … tinham que parar e apenas entrar na Rua …, se nesta não circulasse qualquer trânsito que impedisse a sua marcha.
H- Ora, deparando-se á recorrente os semáforos em “intermitente” e um sinal de STOP, estava ela obrigada a para e a deixar passar em primeiro lugar o AA.
I- Bastaria à recorrente, se fosse medianamente prudente, conduzir com o mínimo de atenção e até porque o cruzamento é de visibilidade reduzida, reduzir a marcha e logo teria visto o AA ali bem perto de se cruzar com o TA.
J- No condicionalismo dos autos, com a sinalização semafórica em “intermitente” e o sinal de STOP, tal comportamento era o que se exigia à recorrente.
l- Pelo contrário, nenhuma censura merece o comportamento do condutor do AA. Seguia a velocidade moderada, pela sua metade direita da via, conhecia o local e, por isso, sabia que quem se apresentasse pela sua direita tinha que obedecer ao sinal de STOP colocado na via por onde seguia, pelo que não lhe era exigível que admitisse como provável que da Rua … surgisse um veículo automóvel de rompante, quando o AA estava a menos de 10 metros.
M- Salvo melhor opinião, entende a ora recorrida que, no caso dos autos, não se verifica qualquer verdadeiro conflito entre a sinalização semafórica em “intermitente” e o sinal de STOP.
N- O “intermitente” do semáforo não concede qualquer direito prioritário de passagem, antes estabelece especial prudência aos condutores, sendo que, no caso da recorrente, essa especial prudência terá de ser, face ao sinal de STOP, parar e deixar passar em primeiro lugar os outros condutores.
O- Bem andou o Tribunal recorrido ao julgar a acção improcedente, já que é manifesta a exclusiva responsabilidade da recorrente, único dos intervenientes a quem tal responsabilidade pode ser assacada, dada a contravenção causal do seu comportamento.
P- Da matéria dada como provada resulta de forma manifesta que, ao contrário do alegado pela recorrente, a responsabilidade pela produção do acidente é exclusiva da condutora do TA,
Q- Deve, pois, manter-se a sentença recorrida e a consequente absolvição da ora recorrida, já que está afastada a responsabilidade do condutor do AA.
Termos em que o recurso interposto pela recorrente deve ser julgado não provado e improcedente».
II. Objecto do recurso.
a) O primeiro grupo de questões respeita à impugnação da matéria de facto.
A recorrente não individualiza os factos referindo-se aos números que os identificam na sentença, mas percebe-se que os factos são os seguintes:
Primeiro - «O sinal “Stop”, existente na rua onde circulava a recorrente, estava voltado para uma viela situada à direita dessa rua e regulava o trânsito que circulava nessa viela».
Ou seja, pretende-se estabelecer, contrariamente ao que consta da matéria de facto da sentença, que o sinal «Stop» não regulava o trânsito que circulava na rua por onde seguia a recorrente, mas sim o trânsito que circulava na tal viela que entroncava na via por onde seguia a recorrente.
Segundo - A recorrente pretende provar, contrariamente ao que consta da matéria de facto da sentença, que «parou» o veículo no final da rua por onde seguia e antes de entrar na zona onde as vias se interceptavam.
b) Em segundo lugar, averiguar-se-á se, face aos factos provados, é possível imputar o acidente, no todo ou em parte, ao condutor seguro na Ré recorrida, ou, inclusivamente, ao risco, analisando-se a questão da validade da colocação de um sinal «Stop» a cerca de 20/30 metros da zona da intercepção das vias; do significado (conflito de sinalização?) da sinalização luminosa se encontrar intermitente e se dos factos provados resulta que o condutor do veículo seguro na Ré não circulou no local com o devido cuidado.
Caso a resposta seja afirmativa, cumpre analisar depois em que medida procede o pedido da recorrente.
III. Fundamentação.
a) Eliminação de algumas afirmações exaradas na matéria de facto declarada provada.
Muito embora a lei processual não defina o que é um «facto», porventura por não ser apropriado lançar tal definição na lei ou por não existir relativo consenso acerca de uma possível definição, afigura-se pacífico que a matéria de facto declarada provada na sentença só deve conter factos.
Por outro lado, não é necessário que exista uma norma processual expressa a excluir dos factos declarados provados as afirmações aí exaradas que não contenham factos [1].
Se a lei determina no artigo 659.º, n.º 3, do CPC, que «Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos… e os que o colectivo deu como provados…», isto quer dizer que o juiz não tomará em consideração na matéria de facto as afirmações que não contenham factos.
Ora, por facto, deixando agora de parte o facto de natureza hipotética, deve entender-se um fragmento da realidade (física e social) com sentido, tratando-se de algo singular, com fronteiras, situado num certo tempo e num certo espaço.
Os autores ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA referiram-se aos factos nos seguintes termos: «Os factos, para efeito do disposto no artigo 511.º, abrangem as ocorrências concretas da vida real (a entrega de uma coisa por António a José; as palavras dirigidas em determinado momento pelo marido – Pedro – à mulher – Maria; a velocidade horária com que o automóvel de João seguia quando, em certa data, atropelou Manuel), bem como o estado, a qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas (o sexo ou a idade de uma pessoa; a área de certo prédio; contiguidade de dois prédios; a altitude de um local).
Dentro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes), cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, directamente captável pelas percepções do homem – ex propriis sensibus, visus et audictu), mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo (v. g. a vontade real do declarante: art. 236.º, n.º 2 do Cód. Civil; o conhecimento dessa vontade pelo declaratário: ibid; o conhecimento por alguém de determinado evento concreto: art. 1094.º do Cód. Civil; as dores físicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria: art. 496.º, n.º 1, do Cód. cit.)» [2].
No mesmo sentido, KARL ENGISCH sustentou que «Ao falar de factos temos em vista acontecimentos, circunstâncias, relações, objectos e estados, todos eles situados no passado, espácio-temporalmente ou mesmo só temporalmente determinados, pertencentes ao domínio da percepção externa ou interna e ordenados segundo as leis naturais» [3].
Os factos são, por conseguinte, acontecimentos independentes em relação ao sujeito que os afirma como existentes ou inexistentes.
Sendo assim, qualquer valoração que seja feita pelo sujeito acerca dos factos é algo que não está nos factos, mas no sujeito, o qual ao afirmá-los lhes acrescenta algo que eles na realidade não ostentam.
Por outro lado, as afirmações que não descrevem a realidade de forma inequívoca são inaproveitáveis como factos porque a partir delas não se podem construir, com segurança, os juízos de direito necessários à aplicação da lei.
Assim, afirmar que um que «um entroncamento é de visibilidade reduzida» é valorar uma certa realidade que, porém, se omite.
Com efeito, se a «visibilidade era reduzida», então a faixa de rodagem contrária só seria visível, em toda a sua largura, numa certa extensão.
Mas que extensão? Não se sabe.
Por conseguinte, a afirmação em causa é inaproveitável.
No caso trata-se, inclusive, de emitir um juízo de natureza jurídica, mencionado no artigo 19.º do Código da Estrada onde se dispõe que «Para os efeitos deste Código e legislação complementar, considera-se que a visibilidade é reduzida ou insuficiente sempre que o condutor não possa avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de, pelo menos, 50 m».
O mesmo vale para as considerações jurídicas referidas na parte final do n.º 37 e 39 da matéria de facto («…que obrigava a condutora do TA a parar e apenas dar entrada na Rua … depois de deixar passar em primeiro lugar o trânsito que nesta última via circulasse» e «…de tal modo que a condutora do TA devia ter parado e só depois de verificar que não circulava qualquer veículo na Rua … é que deveria ter nesta via entrado»); bem como para o segmento «…não respeitou esse sinal Stop…» mencionado no n.º 38 dos factos provados.
E ainda para «…e de rompante…» constante do facto provado n.º 40.
Estas partes serão rasuradas abaixo quando se transcrever a matéria de facto provada.
b) A Autora não utiliza nas suas alegações uma expressão do tipo «recurso da matéria de facto», «impugnação da matéria de facto», nem indica quaisquer passagens de depoimentos prestados favoráveis às suas pretensões, como dispõe o n.º 2 do artigo 685.º-B do CPC, em vigor à data da interposição do recurso.
Afigura-se, porém, que é intenção da Autora recorrer da matéria de facto, pois alega que «A recorrente não se conforma com a decisão da matéria de facto…» e, depois, argumenta a favor da sua tese acerca dos factos que deviam ter sido declarados provados, sem, contudo, como se disse, identificar quaisquer passagens dos depoimentos gravados, embora se refira em geral ao sentido dos depoimentos prestados.
Apesar de no n.º 2 do artigo 685.º-B do CPC se referir que o recurso deve ser imediatamente rejeitado quando o recorrente fundamenta a sua discordância quanto à matéria de facto declarada provada em depoimentos prestados e, ao mesmo tempo, não identifica com as passagens da gravação onde se encontram tais depoimentos, deve entender-se que esta não é a única forma de impugnação possível da matéria de facto.
Por conseguinte, se além dos depoimentos são invocadas outras provas ou é exposta argumentação destinada a valorar qualquer uma das provas disponíveis, deve ser admitido o recurso, muito embora sem se proceder à audição dos depoimentos, devido ao incumprimento por parte do recorrente do disposto n.º 2 do artigo 685.º-B do CPC.
c) Vejamos as questões relativas à matéria de facto.
1 - Como já se referiu, a recorrente pretende provar, contrariamente ao que consta da matéria de facto fixada na sentença, que o sinal «Stop» existente na rua onde circulava estava voltado para uma viela situada à direita dessa rua, considerando o sentido da Autora, e regulava o trânsito que circulava nessa viela, mas não o trânsito que circulava na rua por onde seguia a recorrente.
Esta pretensão não procede por duas ordens de razões:
Primeira – Como já se disse, a recorrente não cumpriu o ónus de identificar as passagens das gravações dos depoimentos, das quais resultasse que o mencionado sinal respeitava à viela em causa e não à rua por onde seguia a Autora.
Por conseguinte, tais depoimentos não podem ser valorados em sede de recurso, por não se saber quais os momentos desses depoimentos e fundamentos para a discordância da recorrente em relação à matéria de facto declarada provada.
Segunda – Há um facto nos autos que mostra ser altamente improvável a hipótese de tal sinal de «Stop» regular o trânsito dessa viela.
Tal facto probatório resulta das fotografias obtidas pela GNR e juntas à participação do acidente como aditamento (ver aditamento à Participação de Viação ../2011), que se encontram a fls. 25 a 27 dos autos, juntas pela Autora.
Tais fotografias mostram que o sinal «Stop» (existente à data do acidente, mas já retirado na altura em que foram obtidas as fotografias), estava colocado num poste metálico implantado no passeio da rua por onde circulava a Autora (ver fotografias n. 1 e 2).
Pela fotografia n.º 4, de fls. 27, verifica-se que tal poste estava quase encostado a um outro poste de maiores dimensões, pertencente aos serviços TLP, ali também colocado, cujo diâmetros é, como se pode ver pelas fotografias, pelo menos, o triplo do diâmetro do poste que sustentava o sinal.
Ora, verifica-se pelos restos do poste que ficaram no local (tubo metálico cortado), que o ponto central deste poste estava alinhado com o centro ou ponto médio do poste de maior diâmetro dos TLP.
O que significam estes factos?
Afigura-se consensual a afirmação que nos diz que, por norma, os sinais de trânsito estão na própria rua cujo tráfego pretendem disciplinar e não em uma outra rua.
Aceitando esta premissa, então se o sinal «Stop» se destinasse a regular o trânsito da viela, naturalmente estaria colocado nessa viela, mas não no passeio da rua por onde seguia a Autora.
Por outro lado, tendo em consideração que o centro do poste que servia de suporte ao sinal «Stop» estava alinhado com o ponto médio da largura/diâmetro do poste dos TLP e praticamente encostado a este último, então este facto diz-nos, sem dúvida, que o sinal não podia estar voltado para a viela situada à direita, considerando o sentido de marcha da Autora.
Vejamos porquê.
Se o sinal estivesse voltado para a viela, então o seu poste de suporte não podia, por impossibilidade física, estar colocado onde efectivamente estava.
Chega-se a esta conclusão verificando que era possível colocar o sinal no poste e voltá-lo para a rua por onde seguia a Autora.
Nesta hipótese, a face posterior (costas) do sinal ficava voltada e praticamente encostada ao poste dos TLP.
Porém, se se tentasse rodar o sinal para a viela (teria de ser uma rotação a tender para os 90º graus), a presença do outro poste dos TLP, imediatamente ao lado, com um diâmetro muito superior, impedia a rotação do sinal «B2», porque este chocaria com o outro poste, cujas presença impedia o movimento de rotação.
Ou seja, estando o poste do sinal «Stop» onde efectivamente estava, era fisicamente impossível colocar o sinal na parte superior do poste e voltado para a viela.
Por isso, a colocação do sinal só era viável ficando com a sua parte traseira (costas) voltada para o poste dos TLP e a sua parte da frente voltada para a rua onde circulava a Autora.
Aliás, se o poste contivesse um sinal destinado a regular o trânsito vindo da viela, o mesmo teria sido colocado a vinte ou trinta centímetros do local onde foi efectivamente colocado e desta forma ficaria com o poste dos TLP nas suas costas e a face anterior voltada para a dita viela.
Por estas razões, figura-se inquestionável que o sinal não regulava qualquer trânsito vindo dessa viela.
Cumpre ainda referir que, quanto à denominada viela, ficam sérias dúvidas de que se tratasse de uma via de circulação carecida de um sinal de «Stop».
Com efeito, pela fotografia de fls. 25 (doc. 3 da petição inicial) a «viela» parece ser um acesso às garagens ou arrecadações de um prédio ali existente.
Sendo, porventura, esta a situação, a regra contida na al. a), do artigo 31.º, do Código da Estrada (Cedência de passagem em certas vias ou troços), que determina a perda de prioridade para quem «… saia de um parque de estacionamento, de uma zona de abastecimento de combustível ou de qualquer prédio ou caminho particular», implicaria a desnecessidade da existência de um tal sinal no local
Face ao exposto, verifica-se que deve manter-se o facto impugnado.
2 – A recorrente pretende que se dê como provado que «parou» o veículo no termo da rua por onde seguia, ou seja, antes de entrar na zona onde as vias se interceptavam e se deu o embate.
Como se disse atrás, a recorrente não cumpriu o ónus de identificar as passagens das gravações dos depoimentos testemunhais, dos quais resultasse, eventualmente, que havia parado.
Por conseguinte, tais depoimentos não podem ser valorados e as razões invocadas pela Autora também não, pela mesma razão.
Apesar disso, sempre se dirá o seguinte:
Os factos ocorreram à noite o que, na falta de alegação de factos em contrário, implica que os veículos seguissem com as luzes acesas.
Ora, não pode deixar de se colocar esta dúvida: se a Autora parou, como afirma, então procedeu assim tendo alguma finalidade em vista, no caso, teria sido para verificar se podia entrar na outra via, sem perigo de colidir com outro veículo que aí circulasse.
Mas se estes factos ocorreram desta forma, como a Autora diz que ocorreram, como explicar a ocorrência do embate?
Como efeito, se ela tivesse parado para verificar se circulavam outros veículos, então certamente ter-se-ia apercebido das luzes do outro veículo que vinha pela sua esquerda, a aproximar-se de si, pois as luzes, à noite, são visíveis a distâncias consideráveis.
Afigura-se inverosímil, por isso, que a Autora tenha parado como diz, pois se o tivesse feito ter-se-ia apercebido, como se disse, da presença do outro veículo e esperava que ele passasse.
Por conseguinte, qualquer depoimento com conteúdo contrário ao que fica exposto, teria de ser confrontado e vencer esta argumentação, o que se afigura improvável, pelo que teria diminutas hipóteses de gerar uma convicção no sentido de que a Autora parou.
Face ao exposto, improcede a impugnação formulada contra este facto provado.
c) Matéria de facto provada.
1. No dia 1 de Março de 2011, pelas 22 horas e 30 minutos, no entroncamento da Rua … com a Rua …, freguesia …, concelho de Santa Maria da Feira, ocorreu um acidente de viação entre o veículo ligeiro de passageiros matricula ..-..-TA, propriedade da Autora e conduzido pela própria, e o veículo ligeiro de passageiros matricula ..-AA-.., propriedade de D…, e conduzido pelo próprio.
2. À data do acidente, o proprietário do veículo AA havia transferido a sua responsabilidade civil para a Ré através da apólice n.º ……...
3. No dia e hora indicados, o veículo TA circulava na Rua …, sentido Norte / Sul, em direcção à Rua ….
4. No local do embate, a Rua … é constituída por duas vias de trânsito, uma para cada sentido, a qual entronca na Rua ….
5. Por seu turno, o veículo AA descia a Rua …, seguindo no sentido Nascente/Poente.
6. No entroncamento da Rua … com a Rua …, existia sinalização semafórica intermitente que condicionava ambas as artérias.
7. A condutora do TA entrou na metade direita da Rua …, atento o sentido de marcha seguido pelo AA.
8. Ao chegar junto do entroncamento com a Rua …, o condutor do AA deparou-se com o veículo da Autora provindo do seu lado direito.
9. O AA veio colidir contra o TA.
10. Em resultado deste embate, o veículo da Autora capotou, imobilizando-se na via esquerda da Rua …, atento o sentido seguido pelo AA.
11. A parte frontal do AA embateu na parte lateral esquerda do TA.
12. Em virtude dos danos causados pelo embate do AA, o veículo da Autora encontra-se paralisado desde o dia do acidente até à presente data.
13. No dia e hora indicados, o veículo TA circulava na via direita da Rua …, sentido Norte/Sul.
14. […].
15. A velocidade máxima permitida no local era de 50 km/hora.
16. Depois do TA ter entrado na referida via direita, deu-se o embate dos veículos.
17. O condutor do AA não fez qualquer tentativa de travagem ou de desvio.
18. Deste embate, resultaram danos materiais em ambos os veículos, tendo o TA ficado, nomeadamente, com o capôt amolgado, com o guarda-lamas esquerdo amolgado, com a porta da frente esquerda amolgada, com o tejadilho amolgado, com o pára-brisas partido, com os faróis partidos, com os espelhos retrovisores exteriores partidos, com o «Airbag» do banco do condutor despoletado, com a embaladeira esquerda amolgada e com o cinto do lugar do condutor danificado.
19. A reparação dos danos no veículo TA foi orçada na quantia de € 3.690,00 (€3.000,00 acrescido de IVA à taxa de 23%).
20. Em virtude dos danos causados pelo embate do AA, o veículo da Autora encontra-se paralisado desde o dia do acidente até à presente data.
21. Tudo porque a Ré ainda não se dispôs a custear a reparação do TA.
22. A Autora ainda não teve possibilidades financeiras para ordenar, a expensas suas, a reparação do TA.
23. E o local onde a Autora reside é parcamente servido por transportes públicos.
24. O que tem causado transtornos e fortes limitações à Autora, dado que o TA era permanentemente por si utilizado nas deslocações diárias, quer no âmbito da sua actividade profissional, quer para a realização de afazeres pessoais, nomeadamente, compras e lazer, pois, a Autora é a única sócia (e gerente) da sociedade «E…, Lda.».
25. A referida sociedade dedica-se ao comércio, importação e exportação de pavimentos, madeiras e seus derivados, ferramentas e máquinas, bem como ao revestimento e aplicação de pavimentos e paredes.
26. Para além das deslocações de carácter pessoal, i. e., idas ao infantário do filho, compras e lazer, a Autora também utilizava o TA, enquanto sócia-gerente, nas suas permanentes deslocações a clientes e fornecedores, nomeadamente para reuniões, elaboração de orçamentos e visita a feiras da especialidade.
27. A imobilização forçada do TA tem implicado para a Autora uma alteração nas rotinas diárias, vendo-se na contingência de pedir veículos emprestados ou boleias a familiares ou amigos, tudo para que algumas das deslocações sejam minimamente asseguradas.
28. Para a aquisição do TA a Autora celebrou, em 8 de Maio de 2006, um contrato de crédito ao consumo com a «F…, SA».
29. O qual vigorará até 8 de Maio de 2012.
30. Para cumprimento integral desse contrato de crédito a Autora, tem vindo a liquidar mensalmente a quantia de €165,02 euros
31. O condutor do AA seguia pela metade direita da faixa de rodagem.
32. A uma velocidade não superior a 50 km/h.
33. E prestando atenção ao trânsito e à condução.
34. Estava já no cruzamento referido na petição, quando surge em pleno andamento e a sair da Rua … o TA.
35. Razão pela qual o condutor do AA não teve espaço e tempo para accionar os travões, tendo de imediato ocorrido o embate entre o TA e o AA.
36. O qual ocorreu na metade direita da faixa de rodagem da Rua …, atento o sentido do AA, ou seja … – ….
37. Na Rua … e antes da Rua … estava colocado no sentido do TA um sinal de Stop (sinal B2) […].
38. A condutora do TA […]não só não parou para verificar se na referida artéria circulava qualquer veículo, como nela entrou quando o AA estava a circular nessa via e já a escassos metros de distância, pois estava a menos de 10 metros.
39. O cruzamento das referidas artérias é […] desnivelado, […].
40. A condutora do TA entrou na Rua … sem parar […]
41. O TA é um Renault, modelo … de 2002, a gasolina, de 1149 cc de cilindrada que à data do acidente tinha um valor de substituição de €3.749,00 euros, sendo o valor do seu salvado de €350,00 euros.
42. Tendo a sua reparação sido orçamentada pela Ré em €5.828,38 euros, como foi comunicado à Autora pela carta de 15 de Março de 2011.
43. Face a tal desproporção de valores, a Ré enviou ao Autor a carta acima referida, por via da qual lhe transmitiu que o TA devia ser, considerado perda total.
44. A Autora não requereu que a Ré lhe cedesse qualquer veículo de substituição.
b) Apreciação das questões objecto do recurso.
1. Vejamos agora se, face aos factos provados, é possível imputar o acidente, no todo ou em parte, ao condutor seguro na Ré recorrida, ou, inclusivamente, ao risco.
Nos termos do n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil, «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
Agir com culpa é agir de forma a infringir deveres impostos ao agente pela lei, no pressuposto de que o agente podia, nas circunstâncias, ter agido de forma a promover os bens protegidos por tais deveres [4].
No caso dos autos, a existir uma actuação culposa, estaremos em face da culpa na modalidade de negligência, pois está excluída liminarmente uma conduta dolosa.
No âmbito da negligência cabem, em primeiro lugar, os casos «em que o autor prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar», assim como se compreendem os casos «em que o agente não chega sequer, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade de o facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse a diligência devida» [5].
A negligência consiste, pois, na omissão de um dever de cuidado, que, uma vez observado na prática, teria, com alta probabilidade, obstado à produção do evento.
Cumpre, portanto, averiguar se o segurado na Ré omitiu algum dever de cuidado que, no caso, uma vez observado teria certamente evitado o sinistro.
Face aos factos provados a resposta é negativa.
Com efeito, a Autora estava onerada com o dever de parar à entrada do entroncamento, devido à existência do sinal «Stop».
Este sinal é identificado no artigo 21.º do Regulamento de Sinalização do Trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro, como sinal «B2 — paragem obrigatória no cruzamento ou entroncamento: indicação de que o condutor é obrigado a parar antes de entrar no cruzamento ou entroncamento junto do qual o sinal se encontra colocado e ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar».
E, nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 22.º do mesmo Regulamento, retira-se que o mesmo deve ser colocado tanto quanto possível junto ao local onde os condutores devem parar e aguardar a passagem dos veículos na via com prioridade (a redacção dos n.º 1 e 2, do artigo 22.º, deste Regulamento é a seguinte: «1.Os sinais B1 e B2 devem ser colocados na proximidade imediata da intersecção, tanto quanto possível, na posição correspondente ao local onde os condutores devem parar e aguardar a passagem dos veículos na via com prioridade.
2. O sinal B1 pode ainda ser colocado a uma distância máxima da intersecção de 50 m fora das localidades e de 25 m dentro das localidades ou, quando acompanhado de um painel adicional, pode ser repetido a maior distância da intersecção a que respeita, funcionando como pré-aviso»).
Apesar de, no caso dos autos, o sinal de «Stop» não se encontrar manifestamente colocado no local preferencialmente indicado na lei, a colocação do sinal a cerca de 20/30 metros da zona da intercepção das duas vias não torna a colocação do sinal inválida, digamos, inexistente.
Com efeito, a lei diz que sendo possível o sinal é colocado junto ao local onde os veículos devem parar, pelo que, não sendo possível deve ser colocado antes de chegar a esse local.
Porém, a lei admite que o sinal «B1», relativo à cedência de passagem, mas não paragem obrigatória, vulgarmente designado por «triângulo», possa ser colocado, dentro das localidades a 25 metros da zona de intercepção das vias.
Esta distância de 25 metros também se adequa ao sinal «B2», pois ambos os sinais impõem restrições à passagem dos automobilistas que os encontram no seu caminho.
No caso dos autos, o sinal «B2» estava colocado a 20/30 metros da intercepção das vias, o que mostra que se encontrava à distância prevista no mencionado Regulamento.
Acresce que a lei não determina qualquer sanção para a infracção àquela morna, ou seja, não determina a invalidade da prescrição estabelecida pelo sinal.
Aliás, a distância em causa é compatível com as expectativas dos automobilistas que se aproximam de um entroncamento, pois a 20/30 metros, e mesmo a maior distância, já os condutores devem abrandar a marcha e verificar aquilo que a sinalização vertical, ou outra, lhes prescreve.
Conclui-se, por conseguinte, que a colocação do sinal «B2» a 20/30 metros não desobrigava a Autora em relação à respectiva prescrição, ou seja, de parar antes de entrar na outra via.
Vejamos agora a questão da sinalização com luz amarela intermitente.
Sobre esta questão o n.º 1, do artigo 71.º, do mesmo Regulamento, indica que «O sinal constituído por uma luz amarela intermitente circular ou apresentando a forma de seta negra sobre fundo amarelo autoriza os condutores a passar, desde que o façam com especial prudência, tendo o mesmo significado que o sinal constituído por duas luzes amarelas dispostas verticalmente e acendendo alternadamente».
Nos termos do n.º 2, do artigo 7.º, do Código da Estrada, relativo à hierarquia entre prescrições resultantes da sinalização, a primazia é dada às (1) «Prescrições resultantes de sinalização temporária que modifique o regime normal de utilização da via», depois às (2) «Prescrições resultantes dos sinais luminosos» e, em terceiro lugar, às (3) «Prescrições resultantes dos sinais verticais».
A questão que se coloca é esta: havendo sinalização vertical e sinalização amarela intermitente, ao mesmo tempo, esta última anula a sinalização vertical existente ou subsistem ambas?
Ou seja, no caso concreto: havendo, ao mesmo tempo, um sinal vertical de «Stop» (B2) e sinalização amarela intermitente, esta última anula a obrigação resultante do sinal «Stop», ficando o condutor onerado com o «Stop» desobrigado de imobilizar o veículo?
A resposta é negativa.
O campo de actuação de ambos os sinais não se sobrepõe, nem é contraditório.
Com efeito, o sinal «Stop» (B2) regula a prioridade de passagem dos veículos, impondo ao condutor onerado que é obrigado a parar antes de entrar no cruzamento ou entroncamento junto do qual o sinal se encontra colocado e ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar.
O semáforo com luz amarela intermitente, como se referiu, autoriza os condutores a passar, desde que o façam com especial prudência.
Ou seja, este sinal amarelo intermitente não regula as regras de prioridade, tal como ocorre com o sinal «B2»: não cria, nem neutraliza regras de prioridade.
Por isso, o semáforo com luz amarela intermitente não interfere com a prescrição resultante da existência do sinal «Stop» (B2), coexistindo ambos e regulando, cada um, campos distintos, como acabou de se ver.
Em resumo: a sinalização intermitente impunha à Autora uma «especial prudência» e o sinal «Stop» obrigava-a mesmo a parar à entrada do entroncamento.
E quanto ao outro condutor?
Verifica-se que o condutor do veículo AA não carecia de parar antes de entrar na zona de intercepção das vias, bastando-lhe reduzir a velocidade nos termos da imposição prevista no artigo 25.º, n.º1, al. f) do Código da Estrada («1 - Sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade: … f) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida») e «circular com especial prudência», de acordo com a sinalização intermitente que também lhe era dirigida.
Não sabemos se reduziu ou não a velocidade, nem que cautelas tomou, pois a matéria de facto provada não elucida a este respeito.
Porém, o certo é que, face à matéria de facto provada, não lhe é imputável qualquer facto do qual se retire que o mesmo infringiu um qualquer dever de cuidado que, uma vez observado, teria evitado o embate, o que releva no sentido de não lhe poder ser atribuída qualquer culpa na produção do acidente.
Conclui-se, por conseguinte, como se concluiu na sentença sob recurso, que recai sobre a Autora a culpa exclusiva do acidente
Passando à questão seguinte.
2. Caso a resposta anterior fosse afirmativa, cumpriria analisar em que medida procederia o pedido formulado na petição.
Como acabou de se concluir, a resposta à questão anterior foi negativa.
Tendo sido negativa, segue-se que o recurso improcede.
IV. Decisão.
Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
*
Porto, de 9 de Dezembro de 2013.
Alberto Ruço.
Correia Pinto.
Ana Paula Amorim.
_______________
[1] O novo Código de Processo Civil não contém uma norma como a constante do anterior n.º 4 do artigo 646.º do CPC, onde se dispunha: «Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes».
[2] Manual de Processo Civil, 2.ª edição. Coimbra: Coimbra Editora, 1985, pág. 406-407.
[3] Introdução ao Pensamento Jurídico, 5.ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979, pág. 72.
[4] Nas palavras do Prof. Antunes Varela, agir com culpa «significa actuar em termos de a conduta do agente merecer reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo» - Das Obrigações em Geral, Vol. I, 3.ª Edição, pág. 451.
[5] Antunes Varela, ob. cit., pág. 463.