Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2782/07.0TMPRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MÁRCIA PORTELA
Descritores: RESPONSABILIDADE PARENTAL
SAÍDAS PARA O ESTRANGEIRO
Nº do Documento: RP201710112782/07.0TMPRT-C.P1
Data do Acordão: 10/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 786, FLS.108-113)
Área Temática: .
Sumário: O progenitor que exerça as responsabilidades parentais não carece de autorização para sair do território nacional com a sua filha.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 2782/07.0TMPRT-C.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

Em 2010.02.03, foram reguladas as responsabilidades parentais relativamente à menor B…, nascida em 2004.10…, tendo sido estabelecido o seguinte regime:
Guarda - A menor B… fica confiado à guarda e cuidados da mãe, sendo o poder paternal exercido por ambos os progenitores;

Visitas:
● Nas férias de verão, a menor passará com o pai 2/3 desse período que será a combinar entre os progenitores, ficando desde já acordado que no ano corrente, o período será entre o dia 18 de Julho e o dia 31 de Agosto.
● As férias escolares de Natal e Páscoa serão passadas alternadamente com cada um dos progenitores. Se o início ou termino destas férias tiverem lugar em fim-de-semana, o período estende-se por esse fim-de-semana.
● No presente ano, a menor passará as férias de Natal com a progenitora.
● No presente ano a menor passará com o pai, 45 dias, entre os meses de Abril e Maio, devendo a progenitora comunicar ao progenitor, o início desse período, logo que saiba o início e o termo do período de entrevistas que irá ter neste ano, com a finalidade da menor ser matriculada no ensino público no próximo ano lectivo.
● Nos anos subsequentes, as férias escolares de Inverno (entre Janeiro e Abril) a menor passá-las-á com o progenitor.
● No período de feriados de 1 a 3 de Maio, a menor poderá estar com o progenitor, sem prejuízo dos horários escolares da mesma e a combinar previamente com a progenitora.
● No presente ano as viagens da menor serão acompanhadas pela progenitora e custeadas pelo progenitor, com a obrigatoriedade da progenitora vir buscar a menor a Portugal.
● As viagens da menor, nos anos subsequentes, serão suportadas pelo progenitor, viajando a menor sozinha em voos directos entre Varsóvia-Porto ou Varsóvia-Lisboa (ou vice versa), indo o progenitor buscá-la e levá-la àqueles aeroportos.
● As férias de verão serão marcadas, nos anos ímpares, pela progenitora, nos anos pares, pelo progenitor.

Alimentos - O progenitor pagará a titulo de pensão de alimentos para a menor, o montante de 300,00€, até ao dia 5 do mês a que disser respeito, por transferência bancária para o NIB que a progenitora lhe irá indicar. Esta pensão será actualizada anualmente no montante de 10,00€.

C…, progenitor de B… requereu que:

a) fosse proferida decisão no sentido de esclarecer que, nos termos do acordo de responsabilidades actualmente em vigor e no disposto no artigo 1906.º, n.º 3, CC, a saída da menor B… de Portugal, para qualquer país estrangeiro, desde que acompanhada pelo seu pai, aqui requerente, constitui um acto de vida corrente, pelo que carece de autorização emitida pela requerida, de acordo com os formalismos prescritos no artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 83/2000;

Ou caso assim não se entenda,

b) fosse suprida a autorização da requerida, por forma a que B…, possa sair de Portugal, acompanhada pelo seu Pai, C…, ou acompanhada por D…, a fim de se deslocar para os seguintes países: Estados Unidos da América; Canadá; México; Cuba; República Dominicana; Jamaica; Brasil; Chile; Dubai; Qatar e Emirados Árabes Unidos; Austrália; Nova Zelândia; Tailândia; todos os Países da União Europeia; Suíça e Reino Unido.

Alegou para tanto que ele e E… são pais da menor B…, nascida em .. de Outubro de 2004, que tem nacionalidade Portuguesa e Polaca.

E que, nos termos do regime de responsabilidades parentais, actualmente em vigor, fixado em 2010.02.03, a menor B… ficou confiada à guarda e cuidados da mãe, aqui requerida, sendo as responsabilidades parentais exercidas por ambos os progenitores.

Desde, pelo menos, o ano de 2010, tem aproveitado os períodos em que a B… está em Portugal, entregue aos seus cuidados, para realizar com esta deslocações ao estrangeiro, destacando-se as viagens aos Estados Unidos (Florida), Brasil, Grécia e França.

Sempre comunicou sempre à Requerida a intenção de viajar com a filha B… e obteve, em todas as viagens, o acordo daquela, prévio à deslocação, consubstanciado na competente autorização de saída da menor de Portugal.

A requerida, porém, decidiu, de forma inesperada e injustificada, não autorizar a deslocação da menor B… para a …, no México, que planeava efectuar em Fevereiro de 2017, no período de férias escolares da menor.

Ancorado em doutrina e jurisprudência, e no disposto no artigo 1906.º, n.º 3, CC, sustenta que a saída da menor para o estrangeiro, para passar férias, configura um acto de vida corrente, pelo que essa responsabilidade cabe ao progenitor com quem ela reside habitualmente ou a quem se encontra confiada nesse momento.

Refere ainda que, embora o artigo 23.°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 83/2000, de 11 de Maio, apenas exija autorização de saída quando os menores não forem acompanhados por quem exerça o poder paternal, as companhias aéreas, designadamente a TAP, ao arrepio das citadas normas legais e do acordo de regulação das responsabilidades parentais fixado, exigem sempre a autorização mencionada no citado artigo 23°. do Decreto-Lei 83/2000, mesmo quando a menor B… viaja acompanhada com o requerente.

Esgrimiu com o superior interesse do menor.

Sobre esse requerimento recaiu o seguinte despacho:

Fls. 425 e ss: A matéria em causa configura uma questão de particular importância e, face à pretensão deduzida, apenas poderá ser decidida, na falta de acordo, em sede de uma acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais.
O progenitor poderá, contudo, lançar mão do regime previsto no art. 44° do GPTC com vista a ver eventualmente suprido o consentimento ou autorização para a realização de determinada viagem ao estrangeiro, alegando a respectiva data, destino e recusa da progenitora.
Por assim ser, indefere-se o requerido.

Inconformado, apelou o progenitor, apresentando as seguintes conclusões:
I – A decisão recorrida, na parte em que é objecto do presente recurso, não deve manter-se pois
não aplicou correctamente ao caso em apreço as normas legais e os princípios jurídicos competentes.

II – Afigura-se ao Recorrente que a decisão recorrida faz uma interpretação errada do disposto no artigo 1906º. nº.s 1 e 3 do Código Civil, errando ao densificar o conceito de questão de particular importância, nele não cabendo as deslocações culturais e/ou de lazer ao estrangeiro,
em férias, estando a menor acompanhada por um progenitor.

III - As responsabilidades parentais da menor B… são exercidas por ambos os progenitores.

IV - As responsabilidades parentais relativas às “questões de particular importância para a vida do filho” são exercidas em comum por ambos os progenitores - vd. artigo 1906º. nº. 1 do Cód. Civil.

V - De acordo com o disposto no artigo 1906º. nº. 3 do Cód. Civil, o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.

VI - Os assuntos de particular importância constituirão “questões existenciais graves e raras, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos que são reconhecidos às crianças”.

VII - Fora destes casos, o assunto deve ser tratado como respeitante à “vida corrente do menor”, pelo que a decisão será tomada, autonomamente, pelo progenitor a quem o menor estiver entregue.

VIII - “No que respeita às questões de particular importância, dir-se-á que o conceito não é novo, já constava dos art.ºs 1901º./2 e 1902º./1 do C.Civil, e deverá relacionar-se com questões existenciais graves, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos do filho, as questões centrais e fundamentais para o seu desenvolvimento, segurança, saúde, educação e formação, todos os actos que se relacionem com o seu futuro, a avaliar em concreto e em função das suas circunstâncias.” - vd. Tomé d’Almeida Damião, in “O Divórcio e Questões Conexas - Regime Jurídico Actual”, 2ª. edição, Quid Juris Sociedade Editora, pág. 158.

IX - “As “questões de particular importância” serão sempre acontecimentos raros. Os dois progenitores, assim, apenas terão a necessidade de cooperar episodicamente, e sempre à volta de assuntos que, por serem importantes para a vida do filho, porventura os chamarão à sua responsabilidade de pais.”

X - No que respeita à questão aqui em causa - saída da menor para o estrangeiro, em viagem de
turismo, acompanhada por um progenitor – a jurisprudência e doutrina são unânimes em qualificá-la como um acto da vida corrente.

XI - Nesse sentido, se pronunciou o Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 18/10/2011, acessível in www.dgsi.pt: “Assim, consideram-se “questões de particular importância”, entre outras: as intervenções cirúrgicas das quais possam resultar riscos acrescidos para a saúde do menor; a prática de actividades desportivas radicais; a saída do menor para o estrangeiro sem ser em viagem de turismo; a matrícula em colégio privado ou a mudança de colégio privado; mudança de residência do menor para local distinto da do progenitor a quem foi confiado.”

XII - “Se ninguém questiona que uma ida para o Algarve em férias é um acto da vida corrente, julgamos que se essa deslocação for para o estrangeiro o mesmo raciocínio se aplica. Ir de férias com o filho, por exemplo, à Europa, à Disney nos EUA, ou ao Canadá ou a Cabo Verde, onde residem familiares, não constitui uma questão de particular importância e cabe ao progenitor que na altura tem o menor consigo decidir se vai ou não de férias com ele para o estrangeiro. - vd. Helena Gomes de Melo, João Vasconcelos Raposo, Luís Baptista Carvalho, Manuel do Carmo Bargado, Ana Teresa Leal e Felicidade d’Oliveira in “Poder Paternal e Responsabilidades Parentais”, 2ª. edição, Quid Juris, 2010, pág. 149.

XIII - Tomé d’Almeida Damião considera que a saída do menor para o estrangeiro, em viagem de turismo, acompanhado por um progenitor é um acto de vida corrente: “Assim, são questões de particular importância, nomeadamente, as intervenções cirúrgicas da qual possam correr riscos para a saúde do menor; a prática de actividades desportivas radicais ou outras que possam comportar perigos para a sua integridade física; a saída do menor para o estrangeiro sem ser em viagem de turismo e quando acompanhado com um dos progenitores, ou para países em conflito de que resultem riscos acrescidos para a sua segurança; a educação religiosa do menor; a frequência de actividades extracurriculares, como a música ou teatro; matrícula em colégio privado; mudança de residência do menor para local distinto da do progenitor a quem foi confiado; as decisões relativas à administração dos bens do filho que impliquem disposição ou oneração.” - op. cit..

XIV - “Afigura-se que a decisão de participação da criança numa viagem ao estrangeiro promovida pelo estabelecimento de ensino não constitui questão de particular importância.” - vd. António José Fialho, in “O papel e a intervenção da escola em situações de conflito parental” - 3º. Edição, Verbo Jurídico.

XV - Hugo Manuel Leite Rodrigues defende que a saída da criança para país estrangeiro em turismo ou em viagem de lazer ou de studo não constitui questão de particular importância, salvo se essa experiência implicar perigo para a saúde, segurança ou própria vida da criança, caso em que a autorização deve ser concedida por ambos os progenitores - in “Questões de Particular Importância no Exercício das Responsabilidades Parentais”, Centro de Direito da Família 22, Coimbra, Coimbra Editora, 2011.

XVI - Acresce salientar que a letra do artigo 23º. nº. 1 do Decreto-Lei 83/2000, de 11 de Maio - “os menores, quando não forem acompanhados por quem exerça o poder paternal, só podem sair do território nacional exibindo autorização para o efeito.” - reforça o ora exposto, pois não se exige autorização de saída quando o menor está acompanhado por quem exerça o poder paternal.

XVII - No caso vertente, a saída da menor B… para o estrangeiro, para passar férias, em viagens culturais e/ou de lazer, acompanhada pelo progenitor, não pode ser qualificada como uma questão de particular importância, devendo atender-se à especificidade do caso concreto.

XVIII - As deslocações ao estrangeiro da menor B… com o seu Pai são actos normais, habituais da vida familiar do Recorrente, não se assumindo como um acontecimento raro ou sequer como questão existencial, de suma importância.

XIX - O Recorrente costuma viajar, com o seu agregado familiar, composto pela sua Mulher, filho F… e a filha B…, para o estrangeiro, uma a duas vezes por ano, pelo que se trata de um acto comum e repetido, esclarecido pelo uso social e pelas circunstâncias do agregado familiar do Recorrente.

XX - É um acontecimento habitual do exercício do poder paternal, pelo que configura um acto
da vida corrente.

XXI - O critério que deve servir de referência ao julgador é o do superior interesse do menor, consagrado no artigo 3º. nº. 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança (adoptada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990) e no artigo 27º. nº. 1 do RGPTC, sendo em função dele que se deve decidir o caso sub judice.

XXII - A realização de viagens, no âmbito cultural e até de lazer contribuem, em larga medida, para a educação da menor B…, enriquecendo-a, pessoalmente, constituindo uma vantagem de aprendizagem e desenvolvimento para a B…, enquanto meio de conhecimento directo e de contacto cultural com o mundo, sendo uma forma de desenvolver e praticar as línguas que estuda na escola.

XXIII - A saída da menor B… de Portugal, para qualquer país estrangeiro, desde que acompanhada pelo seu Pai, aqui Recorrente, constitui um acto de vida corrente, pelo que deve ser revogada a decisão recorrida.

XXIV - Deve ser proferida decisão no sentido de esclarecer que, nos termos do acordo de responsabilidades actualmente em vigor, em que as responsabilidades parentais são exercidas por ambos os progenitores, e ao abrigo do disposto no artigo 1906º, nº. 3 do Cód. Civil, a saída da menor B… de Portugal, para qualquer país estrangeiro, desde que acompanhada pelo seu Pai, aqui Recorrente, constitui um acto de vida corrente, pelo que carece de autorização emitida pela Recorrida, de acordo com os formalismos prescritos no artigo 23º. do Decreto-Lei 83/2000.

XXV - A decisão proferida viola os princípios constantes das normas dos artigos 1902º., 1906º. nº.s 1 e 3 do Código Civil e artigo 23º. do Decreto-Lei 83/2000, porquanto os mesmos não foram interpretados e aplicados com o sentido versado nas considerações anteriores.

Termos em que o presente recurso deve merecer provimento e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, e deve ser proferida decisão no sentido de esclarecer que, nos termos do acordo de responsabilidades actualmente em vigor e no disposto no artigo 1906º. nº. 3 do Cód. Civil, a saída da menor B… de Portugal, para qualquer país estrangeiro, desde que acompanhada pelo seu Pai, aqui Recorrente, constitui um acto de vida corrente, pelo que carece de autorização emitida pela Recorrida, de acordo com os formalismos prescritos no artigo 23º. do Decreto-Lei 83/2000, com todas as consequências legais.
Assim se fará, inteira,
J U S T I Ç A

Também o MP alegou, assim concluindo:
I - O exercício conjunto das responsabilidades parentais está limitado por lei às “questões de particular importância para a vida do filho” – n.º 1 do artº 1906º do C. Civil. Sua intenção foi atribuir-lhe um âmbito restrito, de modo a não potenciar a conflituosidade entre os progenitores e a consequente paralisação da vida da criança no que toca à tomada de decisões, limitando-o apenas a questões existenciais graves e raras, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos que são reconhecidos as crianças.
III – Neste contexto, a saída de menor em férias para o estrangeiro só deve considerar-se como “questão de particular importância”, se estiver em causa a saída para países que possam pôr em causa a saúde ou a segurança da criança.
IV – No caso sub judice, em que esta em causa a saída da filha, acompanhada do progenitor, durante o período de férias, para …, no México, deve entender-se estar perante um acto da vida corrente da filha, devendo aquele progenitor, ora recorrente, poder decidir, nos termos do nº 3 do artº 1906º do Cód Civil, sem necessidade de autorização da recorrida mãe, ou de recorrer ao procedimento previsto no artº 44º do RGPTC (Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro).
Nestes termos, e nos demais de direito, V. EXªs dando provimento recurso, e revogando a decisão recorrida, farão JUSTIÇA.

3.Do mérito do recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC).

Pretende o apelante que seja proferida decisão no sentido de esclarecer que, nos termos do acordo de responsabilidades actualmente em vigor e no disposto no artigo 1906º, n.º 3, CC, a saída da menor B… de Portugal, para qualquer país estrangeiro, desde que acompanhada pelo seu pai, ora apelante, constitui um acto de vida corrente, pelo que carece de autorização emitida pela Recorrida, de acordo com os formalismos prescritos no artigo 23.º do Decreto-Lei 83/2000, de 11 de Maio, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 138/2006, de 26 de Julho, com todas as consequências legais.

A primeira observação que a pretensão do apelante suscita é a contradição que encerra: embora
na conclusão XVI reconheça que, nos termos da lei (artigo 23.º

n.º 1 do Decreto-Lei n.º 83/2000, de 11 de Maio) não se exige autorização de saída quando o menor está acompanhado por quem exerça o poder paternal, na conclusão XXIV afirma que a viagem do menor ao estrangeiro constitui um acto de vida corrente, pelo que carece de autorização emitida pela Recorrida, de acordo com os formalismos prescritos no artigo 23.º do Decreto-Lei 83/2000 (sublinhado nosso).

A justificação para esta contradição encontra-se na motivação do recurso: embora o artigo 23.°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 83/2000, de 11 de Maio, apenas exija autorização de saída quando os menores não forem acompanhados por quem exerça o poder paternal, as companhias aéreas, designadamente a TAP, ao arrepio das citadas normas legais e do acordo de regulação das responsabilidades parentais fixado, exigem sempre a autorização mencionada no citado artigo 23°. do Decreto-Lei 83/2000, mesmo quando a menor B… viaja acompanhada com o requerente (sublinhado nosso).

Do que se trata, afinal, é de “contornar” uma alegada exigência ilegal da transportadora aérea. O que passa, de acordo com o pretendido pelo apelante, pela declaração, pelo Tribunal da Relação do Porto, de que a saída da menor para o estrangeiro carece de uma autorização emitida pela apelada .., autorização que o artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 83/2000 não exige!!
Com efeito, é a seguinte a redacção do referido artigo 23.º, sob a epígrafe Passaporte para menores:
1 - Os menores, quando não forem acompanhados por quem exerça o poder paternal, só podem sair do território nacional exibindo autorização para o efeito.
2 - A autorização a que se refere o número anterior deve constar de documento escrito, datado e com a assinatura de quem exerce o poder paternal legalmente certificada, conferindo ainda poderes de acompanhamento por parte de terceiros, devidamente identificados. (sublinhado nosso).
3 - A autorização pode ser utilizada um número ilimitado de vezes dentro do prazo de validade que o documento mencionar, a qual, no entanto, não poderá exceder o período de um ano civil.
4 - Se não for mencionado outro prazo, a autorização é válida por seis meses, contados da respectiva data.

Deste artigo resulta claramente que o progenitor que exerça as responsabilidades parentais, como é o caso, não carece de qualquer autorização.

Não se vislumbra, aliás, qual o interesse da declaração - ilegal - sublinhe-se, da necessidade de autorização da progenitora, já que nunca lhe seria oponível pois nem sequer foi ouvida: o Tribunal, ainda que se tratasse de uma exigência legal, nunca poderia obrigar a apelada a assinar tal declaração. Além do mais, afirmação da necessidade de tal declaração pelo Tribunal apenas reforçaria uma alegada exigência ilegal da transportadora aérea, nada resolvendo.

Acresce que não é tarefa do Tribunal “esclarecer “ regimes legais: o Tribunal decide questões concretas, litígios efectivos.

O requerente não pretende a resolução de uma questão concreta, mas sim a definição de um regime abstracto, assente numa ilegalidade, sem que se perceba a sua utilidade.

Em síntese: o apelante, enquanto co-titular das responsabilidades parentais pode sair com sua filha para o estrangeiro, nos termos do artigo 23.º do Decreto-Lei 83/2000, de 11 de Maio, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 138/2006, de 26 de Julho; se a transportadora aérea exige uma autorização da progenitora à margem da lei o apelante deve reagir na sede própria, que não é, seguramente, o Tribunal de Família e Menores.

A pretensão do apelante não pode proceder, ainda que por razões distintas das invocadas pela 1.ª instância.

4. Decisão

Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida, ainda que com fundamento distinto.

Custas pelo apelante.

Porto, 11 de Outubro de 2017
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
José Igreja Matos