Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5865/15.0T8GMR-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITO
PRAZO
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
DIREITO DE RETENÇÃO
DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
PROMITENTE-COMPRADOR
Nº do Documento: RP201805105865/15.0T8GMR-G.P1
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º133, FLS.108-113)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo a promitente compradora sido declarada insolvente o direito à indemnização e o direito de retenção sobre a coisa prometida vender do promitente comprador constituem-se com a declaração de insolvência e não apenas com a recusa do cumprimento do contrato promessa por parte do administrador de insolvência, nos termos do art. 102º n.º 2 do CIRE.
II- Por isso, a ação de verificação ulterior de crédito tem de ser intentada no prazo de 6 meses subsequente trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência e não no prazo de 3 meses contado desde a data da recusa do cumprimento do contrato pelo administrador de insolvência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 5685/15.0T8GMR-G.P1
Relator - Leonel Serôdio (671)
Adjuntos - Amaral Ferreira
- Deolinda Varão

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
MASSA INSOLVENTE – B… e a credora C…, na ação de verificação ulterior de créditos, que corre por apenso, ao processo de insolvência n.º 5685/15.0T8GMR do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo de Comércio de Amarante - Juiz 3, em que é autora D…, recorreram do saneador, na parte em que julgou improcedente a exceção da intempestividade da presente ação.

A C…, terminou as suas alegações com as seguintes conclusões (em síntese):
(…)
g) Ora, com o devido respeito, tal não pode proceder, não tendo o douto Tribunal "a quo" respeitado as posições das partes desvalorizando o facto de a Acção para Verificação Ulterior de Créditos ter sido intentada fora do prazo, pelo que é obviamente intempestiva.
h) Na Petição inicial de Verificação Ulterior de Créditos, a autora pretende o reconhecimento de um direito de crédito, com direito de retençäo, no entanto, já há muito caducou o seu direito, para o efeito.
i) Note-se que a sociedade B…, Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida em LL de janeiro de 2016 (anúncio publicado no Portal Citius, em 13 de janeiro de 2016).
j) Foi fixado pelo Tribunal o prazo de 30 dias, acrescido de éditos de 5 dias, para que os Credores e demais interessados apresentassem as suas reclamações de créditos, bem como, as garantias reais de que beneficiassem.
k) A Autora não reclamou o seu alegado crédito, em conformidade com o disposto nos artigos 128º e seguintes do CIRE e deveria tê-lo feito, ainda que fosse sob condição conforme estatui o artigo 50º do CIRE, dentro do prazo fixado na douta Sentença.
l) A Autora apenas intenta a acção para verificação ulterior de créditos em 7 de abril de 2017
m)Não respeitando, assim, o prazo alusivo no artigo 128º do CIRE.
n) Mas, também, não intentou a referida acção dentro do prazo estatuído na primeira parte da alínea b) do nº 2 do art. 146 CIRE, ou seja, no prazo de 6 meses (seis meses) subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência.
o) Em 7 de abril de 2017, já havia ocorrido a caducidade do direito da Autora em propor a presente acção, pois já se encontravam ultrapassados os prazos legalmente fixados para o efeito, conforme alude a primeira parte do artigo 146 n.º 2, alínea b) do CIRE.
p) Neste sentido, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 01,/10/2013, Proc. 3415/14.3TCRLS-C.L1.S1 (disponível online em www.dgsi.pt): (….)
q) Assim, salvo melhor opinião, andou mal o douto Tribunal "a quo", quando considerou como tempestiva a acção sem sequer ter em consideração os fundamentos alegados pelas Rés, de que pelo disposto nos artigos 128 e 146º n.º 2 al.b) primeira parte do CIRE.
r) Mais o douto Tribunal "a quo" , entendeu que o direito à indeminização não se constitui com a declaração de insolvência, mas sim, quando a contraparte conhece a posição do administrador no sentido do cumprimento do contrato promessa, pelo que, a acção teria sido intentada dentro do prazo.
s) Ora, tal também, não pode proceder, pois, de acordo com o Acórdão proferido pelo Supremo
Tribunal de Justiça, de 21-06-2016, no âmbito do processo nº 3415/14.3TCRLS-C.L1.S1 (…)
t) Sentido, pelo qual, também, a Autora deveria ter reclamado os seus créditos de acordo com o disposto no art.128º do CIRE ou do art. 146 n.º 2, al.b) primeira parte do CIRE, uma vez que o alegado direito de retenção (que não se concede e foi devidamente impugnado), a ser constituído seria desde da declaração de insolvência e não desde tomada de posição do senhor administrador de insolvência para o cumprimento ou incumprimento do alegado contrato-promessa.
u) E, mais uma vez, se verifica que a presente Acção para Verificação Ulterior de Créditos deveria ter sido intentada no prazo de 6 (seis) meses após a declaração de insolvência e que o douto Tribunal "e quo", não considerou correctamente o disposto nos artigos artigo l28º e 146º do CIRE.
v) Pelo que, deveria ter concluído que o direito da autora de intentar uma acção para verificação ulterior de créditos há muito estava extemporâneo.”

MASSA INSOLVENTE, apresentou as seguintes conclusões (em síntese):
(…)
B) Ora, a sociedade B… Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida em 11 de Janeiro de 2016, tendo sido publicado o correspondente Anúncio no Portal Citius em 13 de Janeiro de 2016.
C) Na referida Sentença de declaração de insolvência foi fixado o prazo de 30 dias, acrescido de éditos de 5 dias, para que os Credores e demais interessados apresentassem as respectivas reclamações de créditos, ficando desde logo os Credores da sociedade lnsolvente advertidos de que deveriam comunicar prontamente ao Sr. Administrador de lnsolvência as garantias reais de que beneficiassem.
D) Assim, perspectiva a ora Recorrente que arrogando-se, a Requerida, um pretenso direito de crédito sempre deveria ter procedido à reclamação do mesmo no prazo fixado na aludida Sentença de declaração de insolvência, o que se supõe desde logo em respeito e obediência da natureza do próprio processo de insolvência, perspectivado enquanto "processo de execução universal" que tem lugar no interesse de todos os Credores e no âmbito do qual sempre deverá imperar, como é doutrina geral, a norma da 'par conditio creditorum'.
E) Todavia, melhor compulsados os autos, verifica a Recorrente que a Autora/ Recorrida não reclamou o seu pretenso crédito em conformidade com o consignado nos artigos 128º e ss do CIRE, ainda que sob condição, nos termos do artigo 50º do CIRE, no prazo fixado na douta Sentença proferida,
F) lntentando, de outro tanto, em 7 de Abril de 2017 a Acção de verificação ulterior de créditos.
G) Em face do exposto, sempre resultará mediano que à data da interposição da acção de verificação ulterior de créditos há muito que já havia ocorrido a caducidade do direito da Autora de propor a aludida acção, por se encontrarem ultrapassados os prazos legalmente fixados para o efeito.
H) Assim não o entendeu, todavia, o douto Tribunal a quo, perspectivando ao invés que o putativo direito de crédito da aqui Recorrida surgiu apenas após a interpelação concretizada ao Sr. Administrador de lnsolvência para cumprimento do contrato-promessa e da opção -tácita-do mesmo quanto ao não cumprimento do contrato, donde resultaria que, à data de interposição da acção de verificaçäo ulterior de créditos, ainda não havia decorrido o prazo de três meses a que alude o artigo 146ºº, n.2, alínea b), in fine do CIRE e resultando de tal premissa a tempestividade da acção.
l) Não obstante, e tal como expressamente se reconhece da douta decisão ora recorrida, o Contrato-Promessa celebrado entre a Autora e a sociedade lnsolvente apenas tem eficácia meramente obrigacional o que equivale por dizer que terá uma eficácia relativa, produzindo os seus efeitos unicamente inter partes e não sendo destarte oponível a terceiros.
J) A ser assim, e uma vez que, desde logo, não foi atribuída pelos contraentes eficácia real ao contrato promessa, o Sr. Administrador de lnsolvência não estava vinculado ao cumprimento do mesmo, podendo optar pelo seu não cumprimento, nos termos do artigo 102º do CIRE,
(….).
L) Contudo, o douto Tribunal o quo, acolhendo a tese quase malabarista expendida pela Recorrida, perspectivou que tal declaração, emanada pelo Sr. Administrador de lnsolvência nos termos do artigo 102º do CIRE, é requisito constitutivo do alegado direito de crédito daquela Autora !
M) Salvo o devido respeito, cuida a Recorrente que tal perspectiva é potencialmente falaciosa, perigando inclusivamente uma ostensiva violação do princípio da igualdade entre os Credores, ínsito no artigo 128º do CIRE, o qual exige que todos os Credores procedam à reclamação do seu crédito no processo de insolvência, acompanhado de todos os documentos comprovativos da sua existência, mesmo que tenham o seu crédito reconhecido por sentença!
(….)
O) Salvo o devido respeito, a letra da lei ou - para o que releve, o seu espírito- não faz depender a assunção da qualidade de Credor, pelo promitente-comprador, no âmbito da insolvência perspectivada enquanto processo de execução universal, da declaração de recusa de cumprimento, expressa ou tácita, a proferir pelo Sr. Administrador de lnsolvência nos termos do artigo 102º do CIRE, em moldes que pudessem eventualmente dispensar a Recorrida de proceder à reclamação dos seus créditos no prazo fixado na douta Sentença de declaração de insolvência e nos termos legalmente consignados no artigo 128º do CIRE.
(…)
Q) Assim permitindo a conclusão de que a declaração do Sr. Administrador de lnsolvência, expressa ou tácita, quando opte pelo não cumprimento do contrato-promessa não tem qualquer valor constitutivo.
R) Pelo exposto, cuida a Recorrente que o direito à indemnização constitui-se no momento da data da declaração de insolvência, e não na data da declaração de recusa do cumprimento do contrato-promessa pelo Sr. Administrador de lnsolvência, que não tem natureza constitutiva, pelo que sempre deveria a Recorrida ter procedido à apresentação da reclamação dos seus créditos, ainda que sob condição, em paridade com os demais Credores e nos termos consignados no artigo 128º do CIRE ou, in limine, no prazo a que alude o artigo 146º n.ºs1º n.º 2, alínea b), primeira parte, do CIRE.
S) Salvo o devido respeito, ao ter decidido como decidiu o douto Tribunal a quo faz errada aplicação do direito, violando o disposto nos artigos 36º, 102º, 128º e 146º, todos do Código da lnsolvência e da Recuperação das Empresas, e descurando, ademais, os primordiais princípios da boa e sã administração da Justiça.”

A A contra-alegou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida e terminou com as seguintes conclusões:
“I. A ação de verificação ulterior de créditos é tempestiva pois que foi proposta dentro dos três meses subsequentes à constituição do crédito cuja verificação se requer.
II. O crédito cuja verificação se requer constitui-se a 28-03-2017 por declaração tácita do administrador, pois que o silêncio do sr. Administrador vale como declaração negocial, nos termos do art. 218º do CC e e 102º nº 2 do ClRE o que configura recusa do cumprimento do contrato promessa.
III. Assim entende a melhor jurisprudência sobre a matéria de direito, nomeadamente o acórdäo do Tribunal da Relaçäo de Guimarães de 30-03-2017, processo 2506113.2TBGMR-G.G1."Ora, considerando que o cumprimento do contrato se suspende nos termos do artº 102º do CIRE até que o administrador tome uma posição, quer por sua iniciativa, quer na sequência de interpelação da contraparte, afigura-se-nos, com o devido respeito por posição contraria, que o direito à indemnizaçäo se constituiu quando a contraparte conhece a posição do administrador no sentido do incumprimento."
IV. o acórdão do supremo Tribunal de Justiça datado de 21-06-2016, proferido ao abrigo do processo com o n.º 3415/14.3TCRLS-C.L1.S1 não impõe a interpretação defendida no sentido de que o incumprimento do contrato-promessa pelo administrador de Insolvência não tem natureza constitutiva.
V. A doutrina exposta em sede de conclusões de recurso não é susceptível de impor decisão diversa à proferida pois que näo é instituída de argumentos suficientes e bastantes para fundamentar que o direito do promitente-comprador se constitui com a declaração de insolvência, tanto mais que tal doutrina, no trecho exposto, só é conclusiva na parte em qualifica esse crédito como uma divida da insolvência e não da massa.- o que por si só é discutível e desde já se refere rejeitada pela ora apelada.
VI - O Acórdão de 01-10-2013, proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ao abrigo do processo com o n.º 1368/12.1TBCBR.C1., não colide com o despacho saneador, bem pelo contrário, na medida em que estabelece ser com o incumprimento que o direito do promitente -comprador se constitui.”
*
Fundamentação
A questão a decidir é a de saber se a presente ação de verificação ulterior de créditos em processo de insolvência foi ou não intentada dentro do prazo legalmente fixado.
Factos provados:
- A B…, Lda,. foi declarada insolvente por sentença proferida em 11.02.2016 transitada em julgado a 02.02.2016.
- Na referida sentença foi fixado o prazo de 30 dias, com éditos de 5, para os credores e demais interessados apresentarem as respetivas reclamações de créditos.
- A presente ação de verificação ulterior de crédito foi intentada a 7 de abril de 2017, pedindo a A, o reconhecimento do seu crédito sobre a insolvente no montante de €122.205,48, com direito de retenção, decorrente do contrato-promessa celebrado com a insolvente e recusa do seu cumprimento por parte do Sr. Administrador da Insolvência e consequente incumprimento;
- A autora interpelou o Sr. Administrador da Insolvência para cumprir o prometido negócio por carta registada com a.r., cuja cópia consta de fls. 63 dos autos, por este rececionada em 17.03.2017, nela constando, de relevante, o seguinte “venho, nos termos e para os efeitos do art. 102.º do CIRE, de modo expresso, solicitar que V. Exa. se pronuncie no prazo de 10 dias, a contar da receção desta carta, quanto ao cumprimento do contrato- promessa (…) Mais informo que findo o referido prazo, nada dizendo, ter-se-á por incumprido definitivamente o referido contrato com as consequências legais que daí decorrem.”
- Decorrido prazo concedido de 10 (dez) dias, o Sr. Administrador da Insolvência não respondeu.
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Como é sabido, os credores da insolvência, incluindo o requerente da mesma, que pretendam valer os seus direitos de crédito no âmbito do processo de insolvência, têm que apresentar a competente reclamação dos seus créditos ( art.s 90º e 128º do CIRE).
Esse ónus recaí mesmo sobre o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado (n.º 3 do art. 128º do CIRE).
A reclamação de créditos deve ser apresentada no prazo fixado na sentença de declaração de insolvência (art. 128º) e, no caso, sabemos que esse prazo foi de 30 dias.
Importa, ter em consideração, que os créditos sob condição, podem ser reclamados.
O art. 50º do CIRE expressamente define para efeitos do processo de insolvência essa espécie de créditos estipulando:
“1 - Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.
2 - São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva:
a) Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de actos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução;
b) Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão;
c) Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.”
Esses créditos se reconhecidos, são considerados como os demais créditos, estando, no entanto, sujeitas a um regime especial de pagamento, atento o disposto nos arts. 180º n.º 1 e 181º do CIRE.

Assim sendo, nada impedia que a A, reclamasse o seu crédito emergente de um contrato-promessa, em que figura, como promitente-compradora e a Insolvente, como promitente vendedora, no prazo fixado na sentença para a reclamação de créditos.

No entanto, findo o prazo das reclamações, é possível a verificação ulterior de créditos, por meio da ação de verificação ulterior de créditos, nos termos dos art.s 146º a 148º do CIRE.
O artigo 146º estipula:
“1 - Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de ação proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, efetuando-se a citação dos credores por meio de edital eletrónico publicado no portal Citius, considerando-se aqueles citados decorridos cinco dias após a data da sua publicação.
2 - O direito à separação ou restituição de bens pode ser exercido a todo o tempo, mas a reclamação de outros créditos, nos termos do número anterior:
a) Não pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129.º, excepto tratando-se de créditos de constituição posterior;
b) Só pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respetiva constituição, caso termine posteriormente.”

A reclamação ulterior de créditos está, pois, sujeita a prazos, só pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respetiva constituição, caso termine posteriormente.

No caso, tendo a sentença de declaração de insolvência transitado em julgado em 02.02.2016, quando em 07.04.2017, foi intentada a presente ação de verificação ulterior de crédito, há muito tinha decorrido o prazo de 6 meses estabelecido na 1ª parte da b) do n.º 2 do art. 146º do CIRE.

A questão que se coloca é a de saber se é aplicável, a 2ª parte da citada al. b) do n.º 2 do art. 146º, ou seja, se o crédito reclamado pela A apenas se constituiu, depois de decorrido o prazo de 10 dias que esta fixou ao Administrador da Insolvência para este cumprir o prometido negócio por carta registada com a.r., por este recebida em 17.03.2017.

Sobre esta questão importa ter presente o dispostos nos arts. 102º e 106º do CIRE.
O art. 102º, (com a epígrafe -Princípio geral quanto a negócios ainda não cumpridos) estipula:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, em qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento.
2 - A outra parte pode, contudo, fixar um prazo razoável ao administrador da insolvência para este exercer a sua opção, findo o qual se considera que recusa o cumprimento.
3 - Recusado o cumprimento pelo administrador da insolvência, e sem prejuízo do direito à separação da coisa, se for o caso:
a) Nenhuma das partes tem direito à restituição do que prestou;
b) A massa insolvente tem o direito de exigir o valor da contraprestação correspondente à prestação já efectuada pelo devedor, na medida em que não tenha sido ainda realizada pela outra parte;
c) A outra parte tem direito a exigir, como crédito sobre a insolvência, o valor da prestação do devedor, na parte incumprida, deduzido do valor da contraprestação correspondente que ainda não tenha sido realizada;
d) O direito à indemnização dos prejuízos causados à outra parte pelo incumprimento:
i) Apenas existe até ao valor da obrigação eventualmente imposta nos termos da alínea b);
ii) É abatido do quantitativo a que a outra parte tenha direito, por aplicação da alínea c);
iii) Constitui crédito sobre a insolvência;
e) Qualquer das partes pode declarar a compensação das obrigações referidas nas alíneas c) e d) com a aludida na alínea b), até à concorrência dos respectivos montantes.
4 - A opção pela execução é abusiva se o cumprimento pontual das obrigações contratuais por parte da massa insolvente for manifestamente improvável.
E o art. 106º (com a epígrafe Promessa de contrato), estipula:
“1 - No caso de insolvência do promitente - vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato - promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente - comprador.
2 - À recusa de cumprimento de contrato - promessa de compra e venda pelo administrador da insolvência é aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 104.º, com as necessárias adaptações, quer a insolvência respeite ao promitente - comprador quer ao promitente - vendedor”

O n.º 5 do art. 104, por seu lado, remete para a aplicação do citado n.º 3 do art. 102º.

O citado art. 102º do CIRE estabelece quanto aos efeitos da insolvência que os negócios em curso à data da declaração de insolvência, ficam com o seu cumprimento suspenso, até que o administrador opte pela execução ou recuse o cumprimento.

O regime deste art. 102, epigrafado como regime geral, é complementado pelos artigos seguintes, que estabelecem efeitos especiais para determinados tipos de contrato.

Em matéria de contrato-promessa rege o citado art. 106º, cuja interpretação tem dado lugar a várias controversas, tendo, uma sido solucionada pelo AUJ n.º 4/2014.

Em primeiro lugar, importa referir, que o regime estabelecido nos citados art. 102º e 106.º para o contrato promessa é aplicável quando o contrato está em curso ou em fase de execução, em que não há ainda cumprimento total do contrato por qualquer uma das partes.
Como resulta expressamente do citado art.º 102.º, n.º1 o negócio tem que, à data da declaração de insolvência, não estar integralmente cumprido, nem pelo insolvente nem pela outra parte.
Basta, pois, que uma das partes o tenha cumprido na sua totalidade para que se deixe de a norma em causa.
A A na petição alega que o contrato-promessa celebrado em 30.11.1097 e antes de 06.07.1988, tinha efetuado o pagamento integral do preço da fração do prédio prometido vender pela insolvente, mas que não consegui notificar os representantes legais da Insolvente para que celebrassem a escritura de compra e venda.
Apesar da própria alegação da A resultar que a sua prestação estar cumprida, o que desde logo, podia suscitar reservas à admissibilidade dela recorrer à interpelação prevista no citado n.º 2 do art. 102º, não podemos deixar de considerar que, como decorre da própria definição legal, do contrato-promessa a obrigação primordial que dele decorre é a celebração do contrato definitivo.
Assim, e não resultando da petição e das contestações que antes da declaração de insolvência o contrato-promessa em causa tivesse sido extinto, designadamente por resolução, a A promitente compradora, podia interpelar o administrador de insolvência para cumprir o contrato-promessa, nos termos do citado art. 102º n.º 2, como fez.

A questão que, concretamente, se coloca é a de saber se foi com a recusa de cumprimento por parte do administrador de insolvência, que não respondeu à carta da A recebido em 17.03.2017, que o direito do promitente - comprador credor se constitui.
A sentença recorrida seguiu a posição do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3/30/2017, Proc. 2506/13.2TBGMR-G.G1, disponível em www.dgsi.p, com o sumário: “Não é pacífico se o direito do credor se constitui no momento da declaração da insolvência ou se se constitui apenas no momento em que o administrador da insolvência manifesta a recusa de cumprir. II- Considerando que o cumprimento fica suspenso até à comunicação do administrador da insolvência, altura em que fica definido se o AI vai ou não cumprir o acordado com a falida, afigura-se que o crédito da contra parte apenas se constitui quando o administrador manifesta expressa ou tacitamente a intenção de não cumprir. (…)
Na fundamentação acrescenta: “ Não é pacífico se o direito do credor se constitui no momento da declaração da insolvência ou se se constitui apenas no momento em que o administrador da insolvência manifesta a recusa de cumprir.
Não se desconhece posição doutrinária no primeiro sentido. Prof. Pinto de Oliveira (Efeitos da declaração de insolvência sobre os negócios em curso: em busca dos princípios perdidos, I Congresso de Direito da Insolvência coordenado por Catarina Serra, Almedina, Coimbra, 2013, pp. 201 e ss) (….) (cfr. no Ac. do STJ de 21.06.2016, proferido no processo 3415/14). Neste acórdão, de onde foi retirado o extracto transcrito, parece resultar do sumário do mesmo que se defende que o direito à indemnização resultará da declaração da insolvência.
No entanto, analisado o texto do acórdão, tal opção não resulta manifesta, afigurando-se-nos antes que se pretendeu dar a conhecer os entendimentos possíveis, mais do que tomar posição, até porque o objecto do recurso não o exigia.
Ora, considerando que o cumprimento do contrato se suspende nos termos do artº 102º do CIRE até que o administrador tome uma posição, quer por sua iniciativa quer na sequência de interpelação da contraparte, afigura-se-nos, com o devido respeito por posição contrária, que o direito à indemnização se constitui quando a contraparte conhece a posição do administrador no sentido do incumprimento.”

No entanto, ao contrário do que defende o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 03.30.2017, acima citado, entendemos, que o Ac. do STJ de 12.06.2016, proferido no processo n.º 3415/14.3TCLRS-C.L1.S1, relator Cons. Júlio Gomes, com o sumário: “I - O art. 106.º, n.º 2, do CIRE permite ao administrador de insolvência recusar o cumprimento de contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional e tradição da coisa. II - Neste caso, ao direito de indemnização do promitente-comprador aplica-se o disposto no art. 102.º, n.º 3, por força daquele art. e do art. 104.º, n.º5, todos do CIRE, e não o disposto no art. 442.º do CC. III - O direito de retenção da coisa pelo promitente-comprador existe, para efeitos de ser tomado em linha de conta na graduação dos créditos, desde o momento em que o direito à indemnização se constituiu, ou seja, desde a data da declaração de insolvência, e não desde a data da declaração de recusa do cumprimento do contrato pelo administrador, que não tem natureza constitutiva,” não pode deixar de ser interpretado, como tendo acolhido o entendimento que o direito à indemnização do promitente – comprador se constituiu desde a data da declaração de insolvência e não desde a data da declaração de recusa do cumprimento do contrato pelo administrador.

Como alega a Apelada o referido acórdão do STJ não decidiu questão idêntica a que está em apreço no presente recurso, ou seja, se o prazo para o credor intentar a ação de verificação ulterior do seu crédito apenas se iniciava com a recusa do incumprimento pelo administrador, no entanto, tomou posição sobre questão conexa com ela e determinante para a questão em apreço, que foi a de saber quando se constituiu o direito do promitente- comprador.
Sobre esta questão, adiantou a seguinte argumentação: “Em primeiro lugar, importa ter presente que há doutrina que defende, com uma argumentação meticulosa e coerente – referimo-nos a E… - que o direito à indemnização do promitente-comprador “parece resultar da declaração de insolvência, parece constituir-se ex lege, parece não ser uma “dívida [resultante] da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções”; - por isso é (só) uma dívida da insolvência [art. 102.º, n.º 3, als. c) e d), do CIRE]”, ao contrário do direito ao cumprimento que, esse sim, resultaria da declaração do administrador, constituindo-se ex voluntate e sendo, por conseguinte, uma dívida da massa. E daí que, nas palavras do Autor, a declaração do administrador pelo não cumprimento não tenha valor constitutivo. Nesta linha de pensamento, tendo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2014 de Uniformização de Jurisprudência reconhecido o direito de retenção ao promitente-comprador consumidor tal direito deve existir desde a data em que o direito à indemnização se constituiu, ou seja, desde a data da declaração de insolvência.
Mas mesmo que assim não se entenda e que se pretenda atribuir natureza constitutiva à declaração do administrador quando este opta pelo não cumprimento haverá que ponderar uma outra opção do legislador do CIRE.
Com efeito, importa ter presente que o CIRE no seu artigo 50.º n.º 2 alínea a) estabelece que “são havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva: a) Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração de insolvência, ou da resolução de atos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução (…)”.
Também aqui se vislumbra uma significativa diferença relativamente ao Código Civil em que dificilmente se poderá dizer que o promitente-comprador tem um direito a ser indemnizado sujeito á condição suspensiva do incumprimento do contrato imputável à contraparte.
Este reconhecimento de um crédito sob condição suspensiva visa reforçar a tutela do seu titular, como também resulta do artigo 181.º e do facto de a lei se preocupar expressamente com a hipótese de o rateio final ocorrer quando não está ainda sequer preenchida a condição suspensiva”

Como se constata o Ac. do STJ aderiu à posição do Prof. Nuno Pinto de Oliveira, «Efeitos da declaração de insolvência sobre os negócios em curso: em busca dos princípios perdidos?», I Congresso de Direito da Insolvência coordenado por Catarina Serra, Almedina, Coimbra, 2013, 201 e ss..
Importa, analisar e sintetizar a argumentação do Prof. Nuno Pinto de Oliveira, no citado estudo, para se aferir se é ou não de acolher o seu entendimento, que na nossa lei a posição do Administrador ao optar pelo não cumprimento é meramente declarativa.
O citado autor, começa por referir que em abstrato os efeitos da declaração de insolência sobre os contratos bilaterais em curso pode resolver-se partindo de um de dois modelos.
O primeiro apoia-se no princípio da conservação do contrato ou da continuidade das relações contratuais; o segundo no princípio da não conservação do contrato, ou da descontinuidade das relações contratuais.
De seguida esclarece que no primeiro modelo (conservação do contrato) a declaração de insolvência não atinge os direitos e deveres contratuais. Se o administrador nada dissesse o contrato conservar-se-ia.
A declaração do administrador de insolvência optando pelo cumprimento do contrato tinha um efeito declarativo e a declaração optando pelo não cumprimento teria efeito constitutivo.
No segundo modelo a declaração de insolvência extingue os direitos e deveres contratuais, extinguindo o direito de exigir o seu cumprimento específico ou, pelo menos, o direito de executar o património do devedor para conseguir o seu cumprimento específico.
Quanto à posição do administrador, a opção pelo cumprimento do contrato bilateral tinha um efeito constitutivo e a opção pelo não cumprimento teria efeito declarativo.
O silêncio do administrador teria um valor negativo, correspondendo a uma negação da eficácia ou vigência do contrato.
Concretamente sobre o art. 102º n.º 1 do CIRE refere que causa a impressão de que o direito de insolvência português adopta o regime da conservação do contrato:
- por um lado, o art. 102º n.º1, diz explicitamente que a declaração de insolvência suspende o poder de exigir o cumprimento especifico;
- por outro lado, (…) diz implicitamente que a declaração de insolvência não o extingue.

A sentença e o citado acórdão da Relação de Guimarães baseiam-se nesse elemento literal do citado art. 102º.
No entanto, Pinto Oliveira, no estudo citado, a pág. 205, afasta esse entendimento, adiantando a seguinte argumentação:
“ Embora os argumentos textuais do art. 102º do CIRE causem a impressão de que o direito português da insolvência adopta o principio da conservação do contrato, ou da continuidade das relações contratuais, os argumentos (contextuais) sistemáticos retirados (sobretudo) da relação entre os arts. 52º e 102º causam a dúvida sobre se essa impressão estará ou não correcta.
Em primeiro lugar, o art. 1º do CIRE, ao declarar que o processo de insolvência “ tem como finalidade a satisfação dos credores pelo plano de insolvência baseado (…) na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”, está a dizer duas coisas:
- que a declaração de insolvência tem como efeito a substituição do direito a uma prestação pelo direito ao valor de uma prestação;
- que a declaração de insolvência tem como efeito a substituição do direito ao valor da prestação pelo direito ao valor de uma parte da prestação.”

De seguida, invoca o art. 47º do CIRE e refere “que o seu texto confirma que a extinção do direito “natural” do credor ao cumprimento especifico de um contrato é tão só o afloramento da “ limitação generalizada dos direitos naturais dos credores” (…), ela é tao só um efeito normal da declaração de insolvência. Os credores contratuais do devedor/ do insolvente são tão (só) credores da insolvência.
Em segundo lugar, a declaração do administrador de insolvência optando pelo cumprimento do contrato tem, ou pelo menos, parece ter, um efeito constitutivo.
O texto do art. 102 n.º1, em ligação com o art. 51º n.º 1 als. d) e f) do CIRE atribui à opção do administrador de insolvência pelo cumprimento do contrato um efeito de “ conformar” ou “ re-conformar” as relações contratuais existentes:
Por um lado, dá uma fundamentação nova ou uma fundamentação renovada, ao poder de execução do património do devedor;
Por outro lado, ao dar uma fundamentação nova ou uma fundamentação renovada, ao poder de execução do património do devedor, faz com que o direito de crédito da outra parte se convole em divida da massa.”
(….)
Em terceiro lugar, a declaração do administrador de insolvência optando, pelo não cumprimento tem, ou pelo menos parece ter, (sò) efeito declarativo.
O art. 51º n,º 1 al. d), em ligação com o 102º n.º 3 als. c) e d) do CIRE sugere que a divida indemnizatória não é uma divida [resultante] da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções”. – As dívidas previstas no art. 102.º, n.º 3, als. c) e d), do CIRE são dividas da insolvência; as dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções (seriam) dividas da massa [art. 51º n.º 1 al, d) do CIRE].”
De seguida acrescenta, o direito ao cumprimento resulta da declaração do administrador, constitui-se ex voluntate, resulta da atuação do administrador no exercido das duas funções, é uma divida da massa.
Por outro lado, o direito à indemnização resulta da declaração de insolvência, constitui-se ex lege e, por isso, é uma dívida da insolvência.
Depois escreve: “ O argumento sistemático retirado da relação entre o art. 47º, o art. 52º n.º 1 al, d) e o art. 102º do CIRE sugere três coisas:
1º- que a declaração do administrador de insolvência atinge os deveres e direitos contratuais; -2º que a declaração do administrador de insolvência optando pelo cumprimento ou pela execução do contrato tem um valor constitutivo; e 3º - que a declaração de insolvência optando pelo não cumprimento tem um valor (meramente) declarativo.
O art. 102º, n.º 2 , ao dizer: “A outra parte pode (…), fixar um prazo razoável ao administrador da insolvência para este exercer a sua opção, findo o qual se considera que recusa o cumprimento. ”, só confirma que a não conservação ( extinção) do contrato é a regra e que a conservação do contrato é a excepção.”

Ora, o acórdão da Relação de Guimarães de 03.30.2017, não adianta, nem se descortina, qualquer argumento, que refute a posição atrás sintetizada de que a declaração de não cumprimento do contrato em curso pelo administrador tem efeito meramente declarativo.
Importa, ainda ter presente o art. 91º n.º 1 do CIRE, que estabelece que a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente.
Por outro lado, entendemos seguindo a maioria da jurisprudência que a recusa do administrador da insolvência em executar um contrato promessa de compra de venda em curso, em que era promitente - vendedor o ora insolvente, não exprime incumprimento de tal contrato mas “reconfiguração da relação”, tendo em vista a especificidade do processo insolvencial (cf. neste sentido Ac.do STJ de 14.6.2011, proc. 6132/08.OTBBRG-J.G1.S1, relator Cons. Fonseca Ramos, no sitio do ITIJ).
Assim sendo e independentemente da A, como promitente compradora ter o direito de interpelar o administrador da insolvência para cumprir o contrato-promessa, nos termos do art. 102º n.º 2 do CIRE, o direito à indemnização está constituído desde a declaração de insolvência, data em que a insolvente promitente vendedora, deixou de poder cumprir o contrato - promessa.

De referir ainda ser entendimento pacífico, não se conhecendo acórdão em sentido contrário, que o direito de indemnização do promitente - comprador no processo de insolvência, mesmo sendo consumidor e com direito de retenção e ao sinal em dobro, como decidiu o AUJ n.º 4/2014 de 20.03, é uma divida da insolvência [cf. art. 102º n.º 3 al. d) iii) do CIRE] e não da massa insolvente.
Entendemos, pois, que o direito à indemnização do promitente - comprador se constituiu desde a data do transito em julgado da sentença de declaração de insolvência e não desde a data da declaração de recusa do cumprimento do contrato pelo administrador.

O decurso do prazo de propositura da ação a que se refere o artigo 146º, nº 2, alínea b), do CIRE, quer se defenda ter cariz substantivo ou processual, que para o caso é irrelevante, faz precludir ou extinguir o especial direito a tal reclamação no âmbito do procedimento de insolvência, mas não depende da reclamação o nascimento do direito de crédito nem a sua subsistência, o crédito não nasce nem morre com a acão ou pelo facto de ela não ser interposta, pode é tornar-se inexequível por esgotamento, na insolvência, do património que o garanta.
Assim, em rigor, a procedência da exceção do decurso do prazo perentório de propositura da presente acão de verificação a que se refere o art. 146º n.º 2. al. b) do CIRE, não tem como consequência a que se julguem improcedente os pedidos formulados pela A, mas apenas a extinção da instância, por ter sido a ação intentada fora do prazo legalmente fixado.
Em resumo e conclusão:
Entendemos, pois, que assiste razão às Apelantes, não havendo fundamento legal para sustentar que o crédito da A se constituiu apenas com a recusa tácita do administrador ao cumprimento do contrato-promessa.
Por isso, não tem aplicação o prazo previsto na a 2ª parte da al. b) do n.º 2 do art. 146º e tendo a sentença de declaração de insolvência transitado em 02.02.2016, quando em 07.04.2017, foi intentada a presente ação de verificação ulterior de crédito, há muito tinha decorrido o prazo de 6 meses estabelecido na 1ª parte da al. b) do n.º 2 do art. 146º do CIRE.
Decisão
Julgam-se as apelações procedentes e revoga-se a decisão recorrida e julga-se a presente ação de verificação de créditos intempestiva e extinta a instância, ficando sem efeito todo o processado posterior ao saneador recorrido, incluindo a sentença entretanto proferida.

Custas pela A.

Porto, 10.05.2018
Leonel Serôdio
Amaral Ferreira
Deolinda Varão