Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
395/12.3TBVLC-I.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
ALTERAÇÃO DA ATRIBUIÇÃO FEITA POR ACORDO
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Nº do Documento: RP20170522395/12.3TBVLC-I.P1
Data do Acordão: 05/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 651, FLS 530-545)
Área Temática: .
Sumário: Pode revelar-se atendível o pedido unilateral de modificação do acordo sobre o destino da casa de morada de família homologado pelo tribunal, com fundamento em circunstâncias supervenientes, face ao disposto no n.º 3 do artigo 1793.º, exigindo-se o preenchimento dos requisitos enunciados no artigo 2012.º do Código Civil, ou seja, que o requerente alegue e prove: i) que se alteraram as circunstâncias que determinaram a sua aceitação do acordo; que tal alteração, tendo natureza substancial, evidencie sinais de permanência que permitam distingui-la de uma modificação meramente conjuntural ou transitória; que a referida alteração tenha modificado a “base negocial” ou dos pressupostos fácticos que determinaram a vontade negocial das partes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 395/12.3TBVLC-I.P1

Sumário da decisão:
Pode revelar-se atendível o pedido unilateral de modificação do acordo sobre o destino da casa de morada de família homologado pelo tribunal, com fundamento em circunstâncias supervenientes, face ao disposto no n.º 3 do artigo 1793.º, exigindo-se o preenchimento dos requisitos enunciados no artigo 2012.º do Código Civil, ou seja, que o requerente alegue e prove: i) que se alteraram as circunstâncias que determinaram a sua aceitação do acordo; que tal alteração, tendo natureza substancial, evidencie sinais de permanência que permitam distingui-la de uma modificação meramente conjuntural ou transitória; que a referida alteração tenha modificado a “base negocial” ou dos pressupostos fácticos que determinaram a vontade negocial das partes.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Em 17.03.2016, por apenso aos Autos de Divórcio Litigioso n.º 395/12.3TBVLC, que correm termos na 5.ª Secção de Família e Menores, J1, da Instância central de S. João da Madeira, comarca de Aveiro, B..., requereu contra C..., a alteração da atribuição da casa de morada de família, alegando alteração substancial e superveniente das circunstâncias que determinaram o acordo celebrado no âmbito da ação de divórcio.
O requerido foi citado, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 990º, n.º 2 do CPC, tendo-se realizado em 11.05.2016 uma tentativa de conciliação que se revelou infrutífera.
Na referida diligência, foi o requerido notificado para deduzir oposição, querendo, o que veio a fazer em 23.05.2016, impugnando a factualidade alegada pela requerente na petição inicial.
Em 28.11.2016 realizou-se a audiência final, com inquirição de testemunhas, após o que foi proferida sentença, em 5.12.2016, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente, mantendo-se o acordo de atribuição ao ex-cônjuge marido, aqui Requerido, da casa de morada de família celebrado entre as partes aquando do divórcio, homologado que foi por sentença transitada em julgado.
Custas a cargo da Requerente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza.».
Não se conformou a autora e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões[1]:
A. Por acordo de divórcio, devidamente homologado por sentença transitada em julgado a 30/10/2012, ficou acordado entre a recorrente e o recorrido que a casa de morada de família ficaria atribuída a este último, até à consubstanciação efetiva da partilha, segundo uma previsão temporal de tramitação normal e não morosa.
B. A recorrente foi vítima de violência doméstica durante muitos anos, o que levou a que, por uma questão de preservação e proteção física e moral, tivesse que sair apressadamente da casa de morada de família, com as duas filhas menores do ex-casal, não lhe restando outra alternativa que se ir refugiar e morar na casa dos seus pais.
C. A recorrente queria afastar-se o mais possível do recorrido, não querendo suscitar qualquer problema ou conflito impeditivo ou prejudicial à rápida procedência do processo de divórcio entre ambos.
D. O M.º Juiz a quo, apesar de ter dado como provado (ponto 3) que a recorrente efetivamente abandonou aquela casa na sequência de ter sido vítima de um crime de violência doméstica, na respetiva motivação não atribui qualquer relevância a tal ponto.
E. Acresce que, aquando da celebração do acordo em questão, a recorrente não imaginava os obstáculos e comportamentos que o recorrido viria e veio a interpor e a manifestar, caracterizando-se por uma total ausência de colaboração com a recorrente e com o Tribunal, impedindo um fluir normal na resolução da partilha do casal – volvidos 5 anos, a partilha ainda não está concluída.
F. Para qualquer pessoa normal, considerando a realidade da tramitação judicial e da relação de bens (essencialmente, uma única verba significativa a partilhar – casa-de-morada de família), existe uma expectativa e presunção bastante de que a referida partilha se iria processar e concluir mais celeremente.
G. Esta situação está comprovada pelo depoimento das testemunhas, todo ele recolhido no dia da audiência de discussão e julgamento: D..., no seu depoimento, com início às 10:58:24 e fim às 11:17:43 (primeira gravação), ao minuto 00.01.21 a 00.03.36; E..., no seu depoimento, com início às 11:18:51 e fim às 11:32:54, ao minuto 00.01.21 até 00.02.22; e F..., no seu depoimento, com início às 11:41:45 e fim às 11:55:16, ao minuto 00.03.20 até 00.05.52.
H. Estas circunstâncias, a não considerar-se como supervenientes, têm interesse e relevo para a decisão e para perceber exatamente a formação da vontade da recorrente e os termos em que o acordo de atribuição da casa de morada de família em crise foi celebrado.
I. Assim, ao contrário da posição que tomou, deveria o M.º Juiz a quo ter considerado para a sua motivação e decisão as circunstâncias descritas, dando como provado que, efetivamente, o acordo em causa valia e vale até à efetivação da partilha, partilha esta considerada (por parte da recorrente) simples e célere e que se veio a revelar justamente o contrário.
J. Ponto mais relevante para a requerida atribuição da casa de morada de família à recorrente, foi a circunstância de a mesma ter perdido supervenientemente o suporte emocional e financeiro do seu pai.
K. É facto assente que a recorrente saiu de casa de morada de família com as filhas a 01/05/2012 e foi morar com os pais, que lhe prestaram o devido apoio a vários níveis, sendo que, meses depois, a recorrente arrendou uma casa, onde passou a residir, nomeadamente, pagando uma renda mensal de € 200,00.
L. O M.º Juiz a quo, nos factos provados (ponto 5) refere que o locado é “(…) uma moradia simples, pequena, humilde, de tipologia T3, composta por 1 sala com copa, sem lareira, 1 wc e 3 quartos, reunindo todas as condições de habitabilidade, não obstante a existência de algumas humidades nas paredes”.
M. Na realidade, trata-se de uma pequena casa rural, construída há mais de sessenta anos, com 2 pequeníssimos quartos de 8,00m2 um e 14,00m2 outro, sem sequer espaço para acomodar um guarda-fatos ou armário nos primeiros, uma dispensa e copa que não ultrapassa os 14,00m2.
N. A afirmação de que tal corresponde à reunião “…de todas as condições de habitabilidade.” é a confirmação de um propósito que não o de prosseguir a verdade material mas sim o do aproveitamento sistematizado de informações dispersas e descontextualizadas (cuja origem o mesmo não indica ou refere) relevando-as de forma irreal e injusta.
O. O M.º Juiz a quo esquece-se completamente de referir a diferença entre ambas as habitações, pois a casa de morada de família tem, pelo menos, o dobro do espaço da outra, foi construída para albergar esta mesma família ao seu próprio gosto e apresenta características de construção absolutamente superiores, em todos os aspetos, relativamente àquela em que a recorrente reside com as suas filhas.
P. Desconhece-se com que termos e meios probatórios fundamentou o M.º Juiz aquela conclusão/facto, principalmente tendo em conta o alegado pela ali requerente e pelos depoimentos das testemunhas D..., no seu depoimento do min. 00:06:31 a 00:06:59 (segunda gravação); E..., no seu depoimento ao min. 00:07:56 a 00:08:52 e G... no seu depoimento, com início às 11:56:17 e fim às 12:03:45, ao minuto 00.02.40 até 00.04.06.
Q. É, no mínimo, sinal de parcialidade de raciocínio e duplicidade de critérios, em prejuízo claro da recorrente.
R. Tal como afirma o Exmo. Juiz no ponto 12 dos factos dados como provados, o pai da recorrente faleceu no dia 13/04/2015.
S. Aquele pai não só auxiliava na logística (ia buscar as netas à escola, ficava com elas e dava-lhes alimentos) como era de facto “uma pessoa presente e atenta às necessidades da filha e netas, dando sempre apoio afetivo às mesmas”.
T. O apoio prestado também tinha cariz económico, não só repercutido naquela ajuda do dia-a-dia, como também e desde logo, no facto de ter sido isso que permitiu à recorrente prescindir da casa de morada de família e arrendar a casa onde atualmente reside.
U. O pai da recorrente, inclusivamente, sabendo das suas dificuldades económicas, frequentemente emprestava-lhe dinheiro.
V. Tal foi profusamente afirmado e reiterado pelas testemunhas que, não só descreveram a relação afetiva como também a económica: D..., no seu depoimento aos min 00:00:00 a 00:04:21, 00:07:08 a 00:07:34, 00:12:55 a 00:14:28 e 00:16:06 a 00:17:38 (segunda gravação); E... ao min. 00:01:21 a 00:04:16, 00:05:05 a 00:07:56; e F... ao min. 00:06:48 a 00:07:47; 00:10:47 a 00:11:15; 00:11:59 a 00:12:51.
W. No ponto 12 dos factos dados como provados pelo M.º Juiz a quo deveria contar, para além do referido, o apoio económico prestado pelo pai da recorrente, e assim, resultar antes como provado “que a Requerente arrendou a casa supra referida em 4 contando com a ajuda financeira do seu pai e que este lhe entregava quantias em dinheiro”.
X. Deixando de ter este apoio inequívoco, passou a recorrente a viver com sérias e acrescidas dificuldades económicas que se refletem no seu dia-a-dia e no das filhas do ex-casal.
Y. Tendo em conta a análise e aproveitamento que o M.º Juiz a quo fez, no todo, da prova testemunhal, oferece-nos dizer que foi a mesma inequívoca e seletivamente aproveitada num único sentido, de modo a justificar a decisão proferida pelo mesmo.
Z. Primando assim pelo desprezo quase total da prova que sustenta a posição contrária à desta, ignorando partes dos depoimentos jurídico-materialmente relevantes em detrimento de outras, sem qualquer explicação lógica ou processualmente fundamentada.
AA. Ainda, o M.º Juiz isola um facto e considera de forma relevante a afirmação de uma menor de 12 anos de idade, com a qual apenas priva cerca de 5 minutos, não achando nada de anormal na génese do mesmo, desprezando todo e qualquer requerimento de prova solicitado pela recorrente cerca de um ano antes e reiterado posteriormente, em tal processo, nomeadamente quanto à eventual manipulação da menor pelo requerido e a maturidade desta.
BB. O uso de tal argumento, por uma questão de seriedade de análise e aferição e cumprimento do princípio do contraditório, deverá ser por esse Tribunal consultado.
CC. Mais considera e integra ostensiva e especificamente tal facto como relevante para tentar justificar algum risco quanto à continuidade e sustentabilidade do mesmo número de pessoas neste mesmo agregado familiar e, consequentemente a sua decisão de não reverter a situação da casa de morada de família,
DD. A recorrente reside com as duas filhas do ex-casal, é funcionária pública e aufere um vencimento líquido de € 745,21, com o qual faz face às várias despesas do quotidiano (renda, água, luz, gás, internet, deslocações, alimentação, vestuário, etc.).
EE. Com o importante pormenor de que, a filha mais velha, que se encontra a frequentar o ensino superior, desde os 18 anos, não recebe qualquer valor a título de pensão alimentícia por parte do recorrido, sendo a recorrente quem, desde tal momento, suporta integral e exclusivamente as despesas desta sua filha maior.
FF. Apenas fazendo um exercício puramente matemático e racional, a requerente paga € 200,00 de renda da casa que habita com as suas filhas, mais € 150,00 de pensão de alimentos à sua filha menor (o mesmo que o pai contribui vd. 15 dos factos dados como provados), considere-se, de forma depreciada, mais € 250,00 por mês para a filha maior, mais € 200,00 para os seus próprios alimentos e restantes despesas com a casa e vida e temos um total de € 800,00 contabilizados.
GG. Assim não era aquando do seu divórcio, agravando com a maioridade da filha mais velha e o imediato cancelamento do pagamento da prestação alimentícia a esta por parte do recorrido, justamente no ano de 2014 (Novembro).
HH. Com tal despesa, não seria possível à recorrente garantir a sua subsistência, a da filha menor e manter a filha maior a estudar no ensino superior, não fosse o contributo financeiro de terceiro e que, conforme proficuamente se pode verificar na prova testemunhal, coube ao seu falecido pai (Abril de 2015).
II. Falecimento, aliado aos alimentos da filha maior, só pode ser entendido como absoluta e negativamente impactante na sua existência e vivência, afetando as decisões que foram tidas em conta pelas partes.
JJ. Tal foi comprovado pelo testemunho de, inclusivamente, familiares com vida e residência independentes, e terá que se considerar normal que um pai não publicite a ajuda económica que proporciona a uma sua filha adulta, com mais de 40 anos, divorciada e mãe de duas filhas dependentes.
KK. Por fim, o recorrido habita a casa de morada de família, apenas aos fins-de-semana, sem pagar qualquer renda, já que, durante a semana, usufrui de um quarto na fábrica onde trabalha, o que constitui um efetivo acréscimo patrimonial e rendimento efetivo (tributável), que o tribunal não considera.
LL. Somando apenas os benefícios e as (não) despesas, rondará cerca de € 600,00 o total da mais valia que o tribunal considera “a contrário”, justamente o correspondente quase ao salário real líquido da recorrente, o que, na realidade, determina um rendimento mensal efetivo superior aos € 1.250,00.
MM. O CPC, no seu art. 988º/1, determina que, nos processos de jurisdição voluntária, como é o caso do presente, “(…) as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias que ocorram posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.”.
NN. Acresce sempre a consideração e os termos do disposto no art. 1793º do CC que determina que, para a atribuição da casa de morada de família, tem que se ter em conta, quer as necessidades de cada um dos cônjuges, quer o interesse dos filhos do casal.
OO. E os dois critérios devem complementar-se, ao contrário do referido pelo M.º Juiz a quo.
PP. Na sentença recorrida refere o Exmo. Juiz que, doutrinalmente, exige-se, nomeadamente, uma alteração ou transformação do “cenário” contemplado pelos cônjuges; que a alteração seja substancial, quer dizer, importante ou fundamental em relação às circunstâncias contempladas na determinação das medidas judiciais ou acordadas; e que evidencie sinais de permanência.
QQ. Assim, não restam assim dúvidas de que a recorrente, tendo em conta o supra vertido, e ao contrário do proferido na sentença recorrida, reúne os pressupostos legais necessários à determinação da alteração da atribuição da casa de morada de família para si.
Assim, Ao ter decidido como decidiu, o Tribunal a quo violou, nomeadamente, os artigos 987º, 988, nº 1 do CPC e 1798º do CC.
Pelo exposto, aguarda a recorrente que seja dado provimento ao recurso, como é de Direito e de JUSTIÇA!
O recorrido respondeu às alegações de recurso, pugnado pela sua total improcedência.

II. Do mérito dos recursos
1. Definição do objeto dos recursos
O objeto dos recursos delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se nas seguintes questões:
a) apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto;
b) reponderação do mérito jurídico da sentença, com base na factualidade definitivamente fixada.

2. Questão prévia
A recorrente ataca a honorabilidade do Mº Juiz, imputando-lhe “parcialidade”, “duplicidade de critérios” e “desprezo” pela prova.
Como fundamento das graves afirmações que faz, apresenta apenas a sua divergência quanto à decisão.
Vejamos o que diz:
«N. […] é a confirmação de um propósito que não o de prosseguir a verdade material mas sim o do aproveitamento sistematizado de informações dispersas e descontextualizadas (cuja origem o mesmo não indica ou refere) relevando-as de forma irreal e injusta. Q. É, no mínimo, sinal de parcialidade de raciocínio e duplicidade de critérios, em prejuízo claro da recorrente. Y. Tendo em conta a análise e aproveitamento que o M.º Juiz a quo fez, no todo, da prova testemunhal, oferece-nos dizer que foi a mesma inequívoca e seletivamente aproveitada num único sentido, de modo a justificar a decisão proferida pelo mesmo. Z. Primando assim pelo desprezo quase total da prova que sustenta a posição contrária à desta, ignorando partes dos depoimentos jurídico-materialmente relevantes em detrimento de outras, sem qualquer explicação lógica ou processualmente fundamentada.».
Lamentável.
A divergência é mais do que legítima, mas, ressalvando sempre todo o respeito devido pela divergência, não obter ganho de causa não confere direito à insinuação insultuosa.
Lidas as longas conclusões, fica-nos a dúvida sobre se a recorrente entendeu o alcance da decisão recorrida, em suma, se interpretou corretamente o que está em causa nestes autos.
Vejamos.
Está provado que:
6 – Requerente e Requerido encontram-se divorciados por sentença proferida no dia 30/10/2012 nos autos principais de divórcio sem consentimento convertido em divórcio por mútuo consentimento, transitada em julgado, que homologou os acordos dos cônjuges assinados pelas próprias partes e seus distintos mandatários na altura, ali apresentados no dia 23/10/2012, e decretou o divórcio entre ambos, declarando dissolvido o seu casamento.
7 – Foi ali também homologado o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais respeitantes às duas filhas, nos termos do qual ambas ficaram entregues à guarda e cuidados da mãe, junto da qual foi fixada a sua residência, com regime de visitas ao pai e fixação da prestação de alimentos a cargo deste a favor de cada uma das filhas no montante de €100, 00 mensais, a entregar à mãe até ao dia 08 do mês a que disser respeito, atualizada anualmente de acordo com o coeficiente de atualização das rendas, e ainda metade de todas as despesas médicas, medicamentosas não comparticipadas pelo Sistema de Saúde e pela ADSE, bem como as despesas escolares tidas com as filhas, desde que devidamente documentadas.
8 - Quanto ao destino da casa de morada de família acordaram ali as partes no seguinte:
“1 - A casa de morada de família, sita na Rua ..., nº .., ..., freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis, inscrito na respetiva matriz predial respetiva sob o artigo nº 1032, fica destinada à habitação do cônjuge marido.”
No âmbito da ação de divórcio, a ora recorrente aceitou que a casa de morada de família ficasse destinada à habitação do recorrido, pretendendo alterar o acordo neste incidente processual.
A lei permite tal alteração, contando que a requerente prove circunstâncias supervenientes que a justifiquem.
Refira-se a latere que, conforme se decidiu nesta Relação (acórdão de 5.0.2007, processo n.º 0657165, acessível no site da DGSI), tendo sido celebrado na pendência de divórcio acordo nos termos do qual o cônjuge marido ficaria a residir na casa de morada de família – bem comum do casal – até à partilha dos bens – sem a contrapartida de qualquer pagamento, pode a mulher requerer que o tribunal fixe em seu benefício uma quantia mensal por aquela ocupação se, entretanto, se alteraram em seu desfavor, as circunstâncias que estiveram na base da gratuitidade daquela consentida ocupação.
Ou seja, tendo a requerente aceitado expressamente que o requerido ficasse a residir na habitação (casa de morada de família), sem qualquer contrapartida, não tendo sido ainda feita a partilha e verificando-se uma alteração da sua situação económica, que o justifique, assiste-lhe a possibilidade de pedir ao tribunal a alteração do acordo no que respeita à referida contrapartida.
Para que se verifique a alteração do acordo, é absolutamente necessário que quem a requer alegue e prove “as circunstâncias existentes no momento em que aquela obrigação foi contraída e as circunstâncias presentes no momento em que requer a modificação dessa mesma obrigação. Se o juízo de relação mostrar uma variação de contexto, então deve autorizar-se a alteração da obrigação. No caso contrário, a alteração deve, naturalmente, recusar-se.”[2]
É em função da verificação (ou não) de factualidade integradora da alteração superveniente das circunstâncias em que a recorrente fundou a motivação do seu acordo quanto à ocupação da casa por parte do recorrido, que se deverá decidir pela alteração (ou não) do acordo.
O Mº Juiz entendeu que não se provaram tais circunstâncias.
A recorrente ataca a decisão da forma que já referimos.
Vejamos se lhe assiste razão.

3. Recurso da matéria de facto
3.1. Definição da factualidade sobre a qual incide a divergência
Interpretamos as longas e, salvo o devido respeito, confusas conclusões de recurso, no sentido da divergência quanto aos factos que o Mº Juiz considerou não provados:
1 - que tivesse ficado acordado entre as partes que o Requerido ficaria a habitar a casa de morada de família até à partilha dos bens comuns do casal;
2 - que tenha ficado pré-acordado que a correspondente partilha iria ser rápida e sem problema de maior; e,
3 - que a Requerente tenha arrendado a casa supra referida em 4 contando com a ajuda financeira do seu pai ou que este lhe entregasse quantias em dinheiro, fosse a que título fosse.

3.2. A fundamentação do Tribunal
O Mº Juiz fundamentou a sua convicção, nestes termos:
«A convicção quanto aos factos acima elencados e dados como provados adveio da livre apreciação do Tribunal do conjunto de toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, conjugado com o teor dos documentos juntos aos autos e processos apensos e da posição assumida pelas partes nas suas peças processuais – cfr. art.º 607º, nº 5 do C. P. Civil.
Assim, para a formação da sua convicção o Tribunal valorou os depoimentos das testemunhas D... e E..., ambos irmãos da Requerente, os quais referiram que a Requerente saiu de casa de morada de família para ir viver com os seus pais, onde permaneceu durante cerca de seis meses; referiram a decisão da mesma em arrendar uma casa porque também queria ter o seu espaço; referiram a ajuda logística e alimentar que o pai prestava à Requerente e às netas, descreveram a casa arrendada como “humilde e pequena”; a testemunha D... referiu o “pesadelo emocional” que é para a irmã voltar a habitar na casa de morada de família, onde a mesma foi vítima de violência doméstica; referiram que todos os fins de semana o Requerido vem à casa de morada de família; referiu a testemunha E... que o Requerido já trabalhava na zona de Viseu quando se deu o divórcio; o depoimento da testemunha I..., a qual na qualidade de vizinha do Requerido confirmou que o mesmo vem todos os fins-de-semana à casa de morada de família; o depoimento da testemunha F..., filha das partes, a qual referiu que o pai usa a casa de morada de família todos os fins de semana e que o avô materno “ajudava de uma forma geral, ia buscar à escola, amor, carinho e por vezes economicamente”; o depoimento da testemunha G..., a qual descreveu a casa arrendada como sendo “limpinha, mas de fracas condições, sem lareira, com humidades” e que a televisão lá existente foi oferecida pelo pai da Requerente; o depoimento da testemunha J..., companheira do Requerido, a qual referiu que ela e o companheiro vivem nas instalações da Fábrica onde aquele trabalha e que se deslocam à casa de morada de família todos os fins de semana à sexta-feira de manhã, referiu que atualmente possuem nessa casa três cabeças de gado; o depoimento da testemunha K..., vizinho do Requerido em ..., Oliveira de Azeméis, o qual ao longo da semana trata e cuida dos animais que este tem; testemunhas todas estas que depuseram de modo espontâneo e isento, revelando conhecimento direto dos factos, sendo o seu depoimento digno da nossa credibilidade; os documentos de fls. 28 a 31, 37 e 38 do processo apenso “A”; c. r. criminal de fls. 55 e 56 e relatório social de fls. 59 a 63 do processo apenso “G”, na parte respeitante à situação socioeconómica e habitacional de ambas as partes; fls. 25 a 29, 40 a 44 e 49 e 50 dos autos principais; fls. 1, 53, 54, 155, 173, 177 a 179 do processo apenso “F”; fls. 37, 46 a 48, 190, 192 e 193 do processo apenso “B”; de fls. 21 vs a 23, 42, 57 a 64 vs e 67 a 77 dos presentes autos; e dos factos dados como provados elencados de 5 a 12 do processo apenso “H”, e da alegação da Requerente que manteve-se a viver com os pais até ao dia 01/11/2012, tendo arrendado uma casa na freguesia ....
Motivação da matéria de facto não provada:
Adveio da ausência de meios de prova demonstrativa da mesma, sendo que quanto ao facto elencado em 3 embora as testemunhas D... e F... tenham falado genérica e evasivamente em “apoio económico e ajuda em termos monetários" por parte do avô materno, não esclareceram ou precisaram em que é que se consubstanciava tal apoio ou ajuda, quais as quantias de dinheiro e periodicidade de entrega, tendo a testemunha E... referido claramente o apoio logístico (ir buscar as netas à escola e ficar com elas) e a ajuda em alimentos, tendo ainda a testemunha G... referido que a televisão existente na casa arrendada tinha sido oferecida pelo pai da Requerente, o que não deixa de representar apoio económico.».

3.3. Reponderação da prova
Recapitulando, a recorrente impugna a decisão da matéria de facto, discordando neste segmento:
1 - que tivesse ficado acordado entre as partes que o Requerido ficaria a habitar a casa de morada de família até à partilha dos bens comuns do casal;
2 - que tenha ficado pré-acordado que a correspondente partilha iria ser rápida e sem problema de maior; e,
3 - que a Requerente tenha arrendado a casa supra referida em 4 contando com a ajuda financeira do seu pai ou que este lhe entregasse quantias em dinheiro, fosse a que título fosse.
No que se reporta à primeira questão, é irrelevante, considerando que ainda não foi feita a partilha – o processo de inventário corre termos mas ainda não se encontra findo.
Temos dúvidas quanto à relevância da 1.ª questão, considerando que ainda não foi realizada a partilha.
Revela-se pacífico o entendimento de que a impugnação da decisão da matéria de facto tem natureza instrumental, só se justificando o seu conhecimento quando do provimento da pretensão do recorrente possa também resultar alguma alteração ao nível dos fundamentos de direito.
Como refere Abrantes Geraldes[3], o juiz deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados.
No entanto, face à forma como se enuncia a 2.ª questão, apreciaremos na globalidade as questões enunciadas na impugnação da decisão da matéria de facto.
Começamos por referir que o que consta da ata quanto ao destino da casa de morada de família é apenas o seguinte:
«1 - A casa de morada de família, sita na Rua ..., nº .., ..., freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis, inscrito na respetiva matriz predial respetiva sob o artigo nº 1032, fica destinada à habitação do cônjuge marido.».
A recorrente alicerça a sua divergência nos depoimentos das testemunhas D..., E..., F..., G....
A testemunha D... é irmão da recorrente e afirmou que esta foi viver para casa dos seus pais após o divórcio, onde esteve “à volta de mio ano” (02:04) e que depois “ela achou que era importante alugar uma casa” (02:14), tendo tomado de arrendamento “uma casa humilde”.
Mais declarou que “ela ganha à volta de seiscentos euros” e que, perante as despesas, “torna-se exíguo o salário que ela tem” (03:00).
Esclareceu a testemunha: “o meu pai podia ajudar em termos monetários” (3:22); “o meu pai era um apoio muito grande para ela … faleceu há uma no e pouco, em 13 de abril de 2015” (03:45), “sempre que fosse necessário qualquer despesa que não estivesse prevista, ela tinha ali um apoio” (04:10); “a casa no processo de divórcio ficou definido que ficava para o pai das crianças” (04:39).
Afirmou a testemunha que o recorrido trabalhou em ... e em ..., e que, segundo diz a L... (sobrinha da testemunha e filha da recorrente), “vem passar em casa os fins de semana” (05:06).
A testemunha afirmou desconhecer “as condições de salariais e de trabalho” do recorrido (06:00), afirmando que a casa onde ficou a viver (casa de morada de família) tem 3 quartos, sala, cozinha e casa de banho, sendo muito superior àquela em que habita a recorrente, que tem apenas dois quartos (02:34).
Na versão desta testemunha, no momento do acordo a recorrente estava convencida de que “as coisas chegariam a bom porto mais rapidamente” (07:33).
Questionada sobre a razão pela qual ficou acordada a atribuição da casa de morada de família ao recorrido, declarou não saber dizer, apenas sabendo que foi por acordo (10:00 e 10:22), afirmando mais tarde que a saída da irmã da casa “foi muito complicada em termos psicológicos” (11:13), e que “o pesadelo económico sobrepôs-se ao pesadelo emocional” (11:39).
A testemunha fez uma afirmação que consideramos particularmente relevante: quando a recorrente e o recorrido eram casados, já o recorrido trabalhava fora durante a semana e só vinha a casa aos fins de semana (10:38).
Ou seja, quando celebraram o acordo de atribuição da casa de morada de família já se verificava a atual situação profissional do recorrido.
Quanto às tentativas de acordo, declarou: “não são factos… é o que eu ouço… o que eu ouvi é que ele ofereceu vinte e dois mil euros pela casa” (12:22), considerando a testemunha que se trata de um valor irrisório.
Afirmou também que o recorrido “fica com a L... (filha) todos os fins de semana” (15:14) e que “ele não merecia isto” (15:43), havendo fins de semana em que ele vem buscar a filha (L...) e depois “vão para o interior”, não sabendo para onde.
No que se reporta às ajudas da mãe da recorrente, declarou que “não ajuda os filhos com tanta acuidade” como acontecia com o pai, é reformada, tem 250 euros de reforma e recebe parte da pensão do falecido marido, que era de mil euros (17:10 e 17:34).
Esta testemunha pareceu-nos séria e isenta e, como se referiu, consideramos com particular relevância o segmento do seu depoimento no qual refere que, quando a recorrente e o recorrido eram casados, já o recorrido trabalhava fora durante a semana e só vinha a casa aos fins de semana (10:38).
No que concerne ás ajudas do pai de ambos (da recorrida e da testemunha), não as soube quantificar.
A testemunha E... é irmã da recorrente e também ela, tal como o irmão, prestou um depoimento que nos pareceu sério e isento.
Afirmou que as partes “fizeram um acordo em que ficaria a aguardar que mais tarde se resolvesse a partilha de bens” (01:40), e que a irmã era vítima de violência doméstica e “abandonou o lar porque era a única alternativa que tinha (02:40), “ficou ela e morar lá” (02:37), “ela não teve outro remédio… era vítima de violência doméstica e teve que sair” (02:46), foi para casa dos pais onde permaneceu à volta de seis meses” (03:37), porque “queria o espaço dela… como é normal… e acabou por sair” (03:30).
Quanto às ajudas do pai da recorrente afirmou que ele “ajudava muito… ajudava monetariamente e com alimentos.
Afirmou que a irmã saiu de casa com a esperança de que tudo se resolvesse na partilha (04:10), que o cunhado não paga qualquer contrapartida à irmã, e que “trabalha em Viseu, onde já trabalhava na altura” (04:40).
Quanto à mãe da recorrente, “está um bocado confusa … vai ajudando no que pode… mas os rendimentos são diferentes” (05:25).
Afirmou a testemunha, que a recorrente “contou com a colaboração do meu pai… e estava sempre na esperança que se resolvesse a partilha dos bens” (05:51), acrescentando que a situação da irmã “agravou-se um pouco por ter a filha a estudar” (06:30).
Na comparação das casas – a casa arrendada pela irmã e a casa de morada de família – declarou que esta última é a mais espaçosa e tem 3 quartos (08:09).
Insistiu a testemunha que “ela esperava que tudo se resolvesse rapidamente” (08:49), confirmando o depoimento da testemunha anterior: já antes, quando a recorrente e o recorrido se encontravam casados “ele trabalhava fora e vinha só ais fins de semana” (12:10).
Finalmente, confirmou também o depoimento da testemunha anterior, quando afirmou: “ele propôs dar-lhe vinte mil euros … ela respondeu: assim faço eu o mesmo, dou-te vinte mil euros a ti” (11:32).
A testemunha F... é filha da recorrente e do recorrido, e declarou não ter qualquer relacionamento com o pai.
Declarou que eram vítimas de violência doméstica (ela, a mãe e a irmã) e chegou a “um ponto que não dava para aguentar mais” (02:12).
Quanto ao acordo de atribuição da casa de morada de família, afirmou: “a gente sabia que a casa era dos dois e pensávamos que era uma coisa rápida”, declarando que nunca pensou que a partilha fosse tão demorada (04:32), tendo consciência de que houve acordo (05:27).
Quanto à mudança para a atual habitação, declarou que a sua mãe “achou que nós éramos uma família e devíamos ter o nosso espaço” (07:15), afirmando, no entanto, que a casa onde vivem é mais pequena do que a outra, tem humidades, é muito fria no inverno e muito quente no verão (08:36).
No que respeita á ajuda do avô, afirmou que ele ajudava e ia buscar as netas á escola, esclarecendo: “ajudava sempre que podia, com alguma regularidade” (12:48).
Esta testemunha prestou um depoimento emocionado, o que se compreende, dada a sua situação no conflito que opõe os pais.
A testemunha G..., amiga da recorrente, declarou apenas conhecer “de vista” o recorrido, prestando um depoimento centrado nas condições de habitabilidade das duas casas: aquela que habita a recorrente e a casa de morada de família atribuída ao recorrido, afirmando que “não tem comparação nenhuma… uma casa com a outra” (05:37), já que a casa de morada de família é bem melhor.
No que respeita às ajudas do pai da recorrente, afirmou que “era o pai dela que monetariamente a ajudava muito” (04:50), mas nunca presenciou e não sabe quanto (05:00).
Análise crítica da prova produzida:
Face à síntese que antecede, salvo todo o respeito devido, subscrevemos a decisão da primeira instância, concluindo que não se provou: que tivesse ficado acordado entre as partes que o requerido ficaria a habitar a casa de morada de família até à partilha dos bens comuns do casal; que tivesse ficado pré-acordado que a correspondente partilha iria ser rápida e sem problema de maior; que a requerente tenha arrendado a casa contando com a ajuda financeira do seu pai.
No que respeita à primeira questão, parece-nos óbvia a falta de prova, face ao teor da ata de 30.10.2012, na qual se consignou o acordo e se homologou por sentença:
«1 - A casa de morada de família, sita na Rua ..., nº .., ..., freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis, inscrito na respetiva matriz predial respetiva sob o artigo nº 1032, fica destinada à habitação do cônjuge marido.».
Tal acordo foi apresentado nos precisos termos que se consignaram na ata, através de requerimento de ambas as partes, de 23.10.2012 (fls. 42 do apenso).
Nenhuma prova segura foi produzida no sentido de que as partes tenham omitido por lapso ou outra razão, que a destinação acordada vigoraria apenas até à partilha dos bens comuns do casal.
Também não se provou de forma segura “que tivesse ficado pré-acordado que a correspondente partilha iria ser rápida e sem problema de maior”, não se vislumbrando mesmo, face ás regras da experiência comum, como poderia ter sido negociada uma cláusula com esse teor.
Finalmente, nenhuma prova foi produzida no sentido de que a requerente tenha arrendado a casa contando com a ajuda financeira do seu pai.
Nenhuma testemunha o afirmou.
Quanto à ajuda financeira do pai da requerente, entendemos, face aos depoimentos que se sintetizaram, que se provou que o pai da requerente chegou a ajudá-la com quantias monetárias, não se tendo provado, nem o quantitativo nem a periodicidade.
Face ao exposto, deverá proceder parcialmente o recurso neste segmento, alterando-se o facto n.º 12, que passa a ter a seguinte redação:
12 – O pai da Requerente faleceu no dia 13/04/2015, por vezes ia buscar as netas à escola, ficava com elas e dava alimentos, tendo sido uma pessoa presente e atenta às necessidades da filha e netas, dando sempre grande apoio afetivo às mesmas, chegando a ajudar a requerente com quantias monetárias, não se tendo provado, nem o quantitativo nem a periodicidade.
3.4. A inexistência de razões que justifiquem a totalidade da alteração pretendida
Considerámos que a decisão não merece reparo que justifique as alterações pretendidas pela recorrente, para além dos pormenores que se referiram.
Já na vigência do novo regime processual[4], que permite uma maior indagação da prova em sede de recurso (art. 662.º), refere o Conselheiro Abrantes Geraldes[5]: “Para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, postura no depoimento, etc.) insuscetíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. A Relação poderá modificar a decisão da matéria de facto se puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado”.
Constata, no entanto, o autor citado, que a gravação dos depoimentos por registo áudio ou por meio que permita a fixação da imagem (vídeo) nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo, dado que, como a experiência o demonstra, “tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reações perante as objeções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de perceção das referidas reações que porventura influenciaram o juiz da 1.ª instância”.
Na conclusão enunciada enfatiza-se o facto de existirem “aspetos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas são percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”[6].
Em conclusão, refere o autor citado, que, não garantindo o sistema de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1.ª instância a perceção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os fatores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo, ainda assim, “se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão”.
O Mº Juiz do Tribunal a quo fundamentou corretamente a sua decisão, não contornando as questões que se colocavam, com ponderação, de acordo com as regras da experiência comum e o juízo lógico-dedutivo.
Apreciámos exaustivamente as razões que motivaram a decisão, bem como as que motivaram a impugnação e, conscientes do facto de o juiz de 1.ª instância ser um observador privilegiado da prova, porque para além do que as testemunhas diziam podia apreciar o modo como o faziam, não vislumbramos erro ou incoerência, ou mesmo a desconsideração da relevância de qualquer meio probatório, que nos permita resposta diversa às questões em análise, para além da pequena alteração que se enunciou.
Em conclusão, procede parcialmente o recurso sobre a decisão da matéria de facto, apenas no ponto que se referiu.

4. Fundamentos de facto
Face à decisão que antecede, é a seguinte a factualidade relevante provada nos autos:
1 – Requerente e Requerido, ambos na altura 23 anos de idade, celebraram casamento católico entre si no dia 09/10/1993, com precedência de convenção antenupcial celebrada no dia 17/09/1993, nos termos da qual convencionaram o regime de comunhão geral de bens.
2 – Deste casamento nasceram duas filhas, F... e L..., nascidas, respetivamente a 30/11/2015 e 27/10/2003.
3 - Porque era vítima de violência doméstica, no dia 01/05/2012 a Requerente decidiu abandonar a casa de morada de família levando consigo as filhas e foi morar juntamente com os seus pais para a casa destes.
4 – Mas porque entendeu que também era importante ter o seu espaço, no dia 01/11/2012 a Requerente passou a residir numa casa sita na Rua ..., nº ..., da freguesia ..., do concelho de Oliveira de Azeméis, localidade em cuja qual se situa a escola onde a mesma trabalha como assistente operacional e onde também se situa a escola onde estuda a filha L..., pagando mensalmente a título de renda a quantia de €200,00 mensais.
5 – Trata-se de uma moradia simples, pequena, humilde, de tipologia T3, composta por 1 sala com copa, sem lareira, 1 wc e 3 quartos, reunindo todas as condições de habitabilidade, não obstante a existência de algumas humidades nas paredes.
6 – Requerente e Requerido encontram-se divorciados por sentença proferida no dia 30/10/2012 nos autos principais de divórcio sem consentimento convertido em divórcio por mútuo consentimento, transitada em julgado, que homologou os acordos dos cônjuges assinados pelas próprias partes e seus distintos mandatários na altura, ali apresentados no dia 23/10/2012, e decretou o divórcio entre ambos, declarando dissolvido o seu casamento.
7 – Foi ali também homologado o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais respeitantes às duas filhas, nos termos do qual ambas ficaram entregues à guarda e cuidados da mãe, junto da qual foi fixada a sua residência, com regime de visitas ao pai e fixação da prestação de alimentos a cargo deste a favor de cada uma das filhas no montante de €100, 00 mensais, a entregar à mãe até ao dia 08 do mês a que disser respeito, atualizada anualmente de acordo com o coeficiente de atualização das rendas, e ainda metade de todas as despesas médicas, medicamentosas não comparticipadas pelo Sistema de Saúde e pela ADSE, bem como as despesas escolares tidas com as filhas, desde que devidamente documentadas.
8 - Quanto ao destino da casa de morada de família acordaram ali as partes no seguinte:
“1 - A casa de morada de família, sita na Rua ..., nº .., ..., freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis, inscrito na respetiva matriz predial respetiva sob o artigo nº 1032, fica destinada à habitação do cônjuge marido.”
9 – Na relação especificada dos bens comuns do casal ali apresentada, além de outros bens, elencaram sob a Verba nº 1 o seguinte crédito: “Crédito sobre o interessado M..., relativo às benfeitorias efetuadas por ambos os interessados na constância do matrimónio, consubstanciadas na edificação, construção e beneficiação da casa de habitação sita na Rua ..., nº .., no ..., freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis, casa essa que atualmente se acha inscrita na matriz predial urbana respetiva sob o artigo 1032, com o valor patrimonial de €30.872, 00, e que foi implantada no prédio rustico então inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 2067, o qual foi doado ao interessado M... (por escritura de doação de N..., de 11/08/1992, de fs. 97 vº a 98 vº, livro 727, Cartório Notarial de Oliveira de Azeméis), sendo este (solo), portanto, bem próprio do mesmo interessado.”
10 – Trata-se de uma moradia unifamiliar, formada por um único piso (rés-do-chão), com a área coberta de 143 m2 e descoberta de 1326 m2, com a área habitável de 130, 445 m2 e área total de 198, 325 m2, com cozinha, sala comum, 3 quartos, 2 quartos de banho, e um telheiro de 21 m2, com o valor patrimonial total de €53.570, 00, determinado no ano de 2015.
11 – Pela controvérsia gerada sobre o que é que foi concretamente construído pelo casal, com dinheiros de quem e qual a medida de comparticipação de cada um deles na edificação ou melhoramentos da moradia que foi a casa de morada de família, porque a complexidade da matéria de facto subjacente a tal questão não se compadecer com a brevidade inerente ao processo de inventário, salientando-se que uma decisão incidental sobre tal matéria em processo de inventário implicaria uma redução das garantias das partes, por despacho proferido no dia 04/12/2015 no processo inventário para separação de meações subsequente ao divórcio proposto pela Requerente no dia 23/01/2013 e no qual a mesma é a cabeça-de-casal, a correr seus termos no processo apenso “B”, foi decidido remeter as partes para os meios processuais comuns, para adequada indagação probatória, quanto à matéria do “direito de crédito emergente das benfeitorias”, encontrando-se tal matéria a ser discutida em ação pendente no tribunal competente.
12 – O pai da Requerente faleceu no dia 13/04/2015, por vezes ia buscar as netas à escola, ficava com elas e dava alimentos, tendo sido uma pessoa presente e atenta às necessidades da filha e netas, dando sempre grande apoio afetivo às mesmas, chegando a ajudar a requerente com quantias monetárias, não se tendo provado, nem o quantitativo nem a periodicidade.
13 – Tendo estado já a trabalhar, atualmente a filha F... é sustentada apenas pela mãe, está inscrita no ano letivo 2016/2017 no ciclo de estudos .... – Licenciatura em ..., no 2º ano curricular, a 2 unidades curriculares do 1º ano e 3 unidades curriculares do 2º ano, sendo o Curso lecionado pela O..., situada no ... da Universidade ..., não tem despesas com alojamento, beneficia de uma bolsa de estudo, a qual no ano letivo 2015/2016 foi do valor anual de €1.842, 00, paga em 10 meses, sendo o primeiro mês da bolsa referente a Setembro de 2015, e o montante total da taxa de inscrição e a propina anual devida pela frequência do referido Curso é de €1.084, 74.
14 – Ambas as filhas vivem com a sua mãe, aqui Requerente, a qual é funcionária pública, exercendo a sua atividade profissional como assistente operacional numa escola em ..., auferindo o vencimento base de €683,13 mensais e líquidos de €745,21, paga €200,00 mensais de renda de casa, €40,00 de eletricidade, €25,00 de gás, €15,00 de água, €15,00 de internet.
15 - O Requerido é engenheiro alimentar, sendo chefe de secção na empresa “P..., Lda”, empresa onde já trabalhava aquando do divórcio, localizada em ..., freguesia ..., do concelho de ..., distrito de Viseu, abrangendo trabalho noturno, auferindo o salário ilíquido mensal de €1.214,30, sujeito aos legais descontos mensais de €188,00 para IRS e €133,57 para a Segurança Social; é-lhe descontado diretamente no salário a quantia de €180,00 mensais para pagamento de alimentos à filha menor L... [sendo €150,00 a título de prestações alimentares vincendas e €30, 00 para amortização das prestações vencidas], reside durante a semana no distrito de Viseu e regressa todas as sextas-feiras para a sua residência oficial em ..., Oliveira de Azeméis, à casa que foi a morada de família, a fim de nela estar com a filha L... todos os fins de semana em cumprimento do regime de visitas acordado; não tem encargos com a habitação a não ser as normais mensais de consumo de água, eletricidade, gás e seguros, suportando ainda o custo de comunicações; paga €250,00 mensais de prestação de amortização de um empréstimo pessoal contraído em Agosto de 2014 a ser pago em 48 prestações mensais e sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira no dia 19/09/2014; vive com a sua companheira, atualmente desempregada, natural de ...; despende cerca de €300,00 mensais em combustível e utilização de SCUT’s nas deslocações entre Viseu/Oliveira de Azeméis/...; possui a despesa normal de alimentação do seu agregado, incluindo da filha L... aos fins-de semana; e é titular de licença de exploração de atividade pecuária, em ..., Oliveira de Azeméis, no terreno no qual está edificada a casa de morada de família, atualmente com três cabras e 3 ou 4 galinhas.
16 – O Requerido foi condenado por violência doméstica por sentença transitada em julgado proferida a 15/11/2013 na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova.
17 – A filha F... está incompatibilizada com o pai, não tendo com ele qualquer tipo de relação ou contacto.
18 – Na “Conferência de pais” que se realizou no dia 11/05/2016 no processo apenso “F” a filha L... afirmou e reiterou perante os magistrados desta Secção e na presença dos distintos mandatários das partes ser sua vontade passar a residir com o pai, encontrando-se tal processo pendente a aguardar o resultado da avaliação psicológica a ambos os pais e à criança, solicitada ao INMLCF.
19 – Nos anos fiscais de 2013, 2014 e 2015 a Requerente declarou rendimentos no montante de, respetivamente, €11.863,85, €11.079,80 e €14.815,58.
20 – O Requerido por sua vez declarou nos anos fiscais de 2012, 2013, 2014 e 2015 rendimentos no montante de, respetivamente, €11.379,08, €17.038,30, €17.006,55 e €17.025,60.
21 - A presente ação deu entrada no dia 17/03/2016.
Factos não provados:
Não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa, designadamente:
1 - que tivesse ficado acordado entre as partes que o Requerido ficaria a habitar a casa de morada de família até à partilha dos bens comuns do casal;
2 - que tenha ficado pré-acordado que a correspondente partilha iria ser rápida e sem problema de maior; e,
3 - que a Requerente tenha arrendado a casa supra referida em 4 contando com a ajuda financeira do seu pai.

5. Fundamentos de direito
5.1. A atribuição da casa de morada de família
Não se discute nestes autos a atribuição da casa de morada de família, mas apenas a alteração da atribuição já efetuada por acordo.
Esta distinção é essencial para percebermos os contornos específicos da questão recursória.
Conforme se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7.04. 2011 (processo n.º 9079/10.6TBCSC.L1-2, acessível no site da DGSI), “(…) para que uma obrigação parental seja modificável, com base na alteração das circunstâncias, aquele que pretende a alteração deve alegar as circunstâncias existentes no momento em que aquela obrigação foi contraída e as circunstâncias presentes no momento em que requer a modificação dessa mesma obrigação. Se o juízo de relação mostrar uma variação de contexto, então deve autorizar-se a alteração da obrigação. No caso contrário, a alteração deve, naturalmente, recusar-se.”
Pode revelar-se atendível o pedido unilateral de modificação do acordo sobre o destino da casa de morada de família homologado pelo Tribunal, com fundamento em circunstâncias supervenientes, face ao disposto no n.º 3 do artigo 1793.º, que, sob a epígrafe “casa de morada de família, dispõe: «O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária.», havendo que buscar os requisitos de tal alteração à regra geral enunciada no artigo 2012.º do Código Civil[7], no qual se preceitua: «Se, depois de fixados os alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas ser obrigadas a prestá-los.»
A lei permite tal alteração, contando que a requerente prove circunstâncias supervenientes que a justifiquem, o que ocorre se, perante a verificação de tais circunstâncias, concluirmos que o acordo celebrado e judicialmente homologado não acautelou, devidamente, os seus interesses, como se decidiu no acórdão desta Relação e Secção, de 25.02.2013 (processo n.º 2891/11.0TBVNG.P1, acessível no site da DGSI).
Colhe-se do citado aresto, a posição de Salter Cid (A Protecção da Casa de Morada da Família no Direito Português, págs. 314/316), no sentido de que é necessário:
«a) Que se tenha produzido uma alteração no conjunto de circunstâncias ou de representações consideradas ao tempo da adopção das medidas, o mesmo é dizer, uma alteração ou transformação do “cenário” contemplado pelos cônjuges ou pelo juiz na convenção, aprovação ou determinação das medidas cuja modificação se postula. (...);
b) Que a alteração seja substancial, quer dizer, importante ou fundamental em relação às circunstâncias contempladas na determinação das medidas judiciais ou acordadas, ainda que em si mesma ou isoladamente considerada a novidade não resulte tão extraordinária ou transcendental. (...);
c) Que a alteração ou mudança evidencie sinais de permanência que permitam distingui-la de uma modificação meramente conjuntural ou transitória das circunstâncias determinantes das medidas em questão e considerá-la, em princípio, como definitiva. (...);
d) E, finalmente, que a alteração ou variação afecte as circunstâncias que foram tidas em conta pelas partes ou pelo juiz na adopção das medidas e influíram essencial e decisivamente no seu conteúdo, constituindo pressuposto fundamental da sua determinação. (...).»
Feitas estas considerações, reportemo-nos ao caso concreto.
Não nos restam dúvidas de que se provaram circunstâncias que justificariam a atribuição da casa de morada de família à ora recorrente, ab initio, isto é, logo na ação de divórcio[8].
No entanto, como se referiu, consta da ata de 30.10.2012, o seguinte acordo, na mesma data homologado por sentença:
«1 - A casa de morada de família, sita na Rua ..., nº .., ..., freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis, inscrito na respetiva matriz predial respetiva sob o artigo nº 1032, fica destinada à habitação do cônjuge marido.».
Tal acordo foi apresentado nos precisos termos que se consignaram na ata, através de requerimento de ambas as partes, de 23.10.2012 (fls. 42 do apenso).
E a questão primordial que se coloca, é a de saber se a recorrente logrou provar factos supervenientes que justifiquem a alteração do acordo que celebraram.
Tal como se refere na síntese da prova produzida, ambos os irmãos da recorrente - testemunhas D... e E... – declararam que, quando a recorrente e o recorrido eram casados, já o recorrido trabalhava fora durante a semana e só vinha a casa aos fins de semana (minuto 10:38 do depoimento da 1.ª testemunha e 12:10 do depoimento da 2.ª).
Acresce que não se provou qualquer alteração substancial dos rendimentos: 19 – Nos anos fiscais de 2013, 2014 e 2015 a Requerente declarou rendimentos no montante de, respetivamente, €11.863,85, €11.079,80 e €14.815,58. 20 – O Requerido por sua vez declarou nos anos fiscais de 2012, 2013, 2014 e 2015 rendimentos no montante de, respetivamente, €11.379,08, €17.038,30, €17.006,55 e €17.025,60.
A casa de morada de família não foi atribuída à ora recorrente, porque esta acordou na sua atribuição sem contrapartidas ao recorrido.
No entanto, como já se disse, acrescendo mais despesas com as menores, filhas do casal, o que é inevitável, nomeadamente face à evolução nos estudos, poderia a recorrente requerer: ou o aumento da prestação do progenitor; ou a fixação de uma contrapartida pela utilização exclusiva da casa[9].
No que respeita à atribuição da casa de morada de família, com a qual a recorrente esteve de acordo (a convenção homologada por sentença foi proposta ao tribunal por ambas as partes), seria possível alterá-la, desde que se provasse uma alteração substancial das concretas circunstâncias que se verificavam no momento da celebração da convenção.
Ora, salvo todo o respeito devido, não se provaram tais factos.
Não somos indiferentes, ninguém o poderá ser, relativamente ao sofrimento da recorrente e das suas filhas (veja-se o depoimento de F...), decorrente da violência doméstica que lhes era infligida.
No entanto, tal circunstância é anterior à data da celebração do acordo.
Registe-se que o acordo foi homologado por sentença de 30.10.2012 e que o contrato de arrendamento celebrado pela ora recorrente passou a vigorar em 1.11.2012[10].
Em suma: verificavam-se, à data da celebração do acordo, todas as circunstâncias justificadoras da atribuição da casa de morada de família à requerente; no entanto, as partes acordaram que a habitação era atribuída ao requerido; após tal acordo, não se verificou (não ficou provada) uma alteração das circunstâncias que legitime a alteração do acordo celebrado.
O critério, é o que se consignou no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Abril de 2011 anteriormente citado (processo n.º 9079/10.6TBCSC.L1-2, acessível no site da DGSI), “(…) para que uma obrigação parental seja modificável, com base na alteração das circunstâncias, aquele que pretende a alteração deve alegar as circunstâncias existentes no momento em que aquela obrigação foi contraída e as circunstâncias presentes no momento em que requer a modificação dessa mesma obrigação. Se o juízo de relação mostrar uma variação de contexto, então deve autorizar-se a alteração da obrigação. No caso contrário, a alteração deve, naturalmente, recusar-se.”.
Não se verificando a exigida alteração superveniente das circunstâncias, deverá naufragar a pretensão recursória, mantendo-se a sentença recorrida.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso, ao qual negam provimento e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente.
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O presente acórdão compõe-se de trinta e uma páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.
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Porto, 22 de maio de 2017
Carlos Querido
Alberto Ruço
Correia Pinto
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[1] Dispõe o n.º 1 do artigo 639.º do CPC: «O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão
O que se verifica in casu, salvo o devido respeito, é o incumprimento por parte da recorrente, do ditame enunciado, traduzido na falta de síntese, que torna as conclusões longas, fastidiosas e repetitivas, não fazendo um mínimo de esforço de cumprimento da exigência legal de “forma sintética”, enunciada na norma citada, o que dificulta o entendimento da sua pretensão recursória.
No entanto, por razões de economia e celeridade processual abstemo-nos de convidar a recorrente a aperfeiçoar as suas conclusões, passando-se à fase de apreciação do mérito do recurso.
[2] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7.04. 2011 (processo n.º 9079/10.6TBCSC.L1-2, acessível no site da DGSI.
[3] Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2.ª edição, pág. 298.
[4] NCPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
[5] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 233 a 236.
[6] Como afirmou Eurico Lopes Cardoso, in BMJ, n.º 80, pág. 220/221, «(…) os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe».
[7] Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, Almedina, 2016, 5.ª edição, pág. 538.
[8] Vejam-se os pressupostos enunciados no artigo 1793.º do Código Civil e o que sobre eles escreve o Professor Pereira Coelho (In Revista de Legislação e de Jurisprudência, Coimbra Editora, n.º 122, Ano 1989 – 1990, páginas 137, 138, 207 e 208.):
«[…] a lei quererá que a casa de morada da família, decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, possa ser utilizada pelo cônjuge ou ex-cônjuge a quem for mais justo atribuí-la, tendo em conta, designadamente, as necessidades de um e de outro […]. Ora, este critério geral, segundo nos quer parecer, não pode ser outro senão o de que o direito ao arrendamento da casa de morada da família deve ser atribuído ao cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela. […] A necessidade da casa (ou a «premência», como vem a dizer a jurisprudência; melhor se diria a premência da necessidade) parece-nos ser, assim, o factor principal a atender. […] Na avaliação da premência da necessidade da casa deve o tribunal ter em conta, em primeiro lugar, justamente estes dois elementos, que mais expressivamente a revelam […]. Trata-se, quanto à «situação patrimonial» dos cônjuges ou ex-cônjuges, de saber quais os rendimentos e proventos de um e de outro […]. No que se refere ao «interesse dos filhos», há que saber a qual dos cônjuges ou ex-cônjuges ficou a pertencer a guarda dos filhos menores […]».
[9] Veja-se o acórdão desta relação, anteriormente citado, de 5.0.2007, proferido no processo n.º 0657165: «Tendo sido celebrado na pendência de divórcio acordo nos termos do qual o cônjuge marido ficaria a residir na casa de morada de família – bem comum do casal – até à partilha dos bens – sem a contrapartida de qualquer pagamento, pode a mulher requerer que o tribunal fixe em seu benefício uma quantia mensal por aquela ocupação se, entretanto, se alteraram em seu desfavor, as circunstâncias que estiveram na base da gratuitidade daquela consentida ocupação».
[10] Facto 4: «Mas porque entendeu que também era importante ter o seu espaço, no dia 01/11/2012 a Requerente passou a residir numa casa sita na Rua ..., nº ..., da freguesia ..., do concelho de Oliveira de Azeméis, localidade em cuja qual se situa a escola onde a mesma trabalha como assistente operacional e onde também se situa a escola onde estuda a filha L..., pagando mensalmente a título de renda a quantia de €200,00 mensais.».