Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
73/1988.P1
Nº Convencional: JTRP00044142
Relator: GUERRA BANHA
Descritores: DECLARAÇÃO AMIGÁVEL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
VALOR PROBATÓRIO
ACÇÃO
SEGURADORA
DOCUMENTO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA
TRADUÇÃO DE DOCUMENTOS
DEPÓSITO
Nº do Documento: RP2010062973/1988.P1
Data do Acordão: 06/26/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTS. 373º A376º DO CÓDIGO CIVIL.
140º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E ART. 365º, Nº 1, DO CÓDIGO CIVIL
ARTº 805º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - A declaração amigável de acidente automóvel, quando preenchida e assinado pelos condutores dos veículos intervenientes no mesmo acidente, fica sujeita às regras probatórias constantes dos arts. 373.° a 376.° do Código Civil, e, por isso, faz prova plena contra os dois condutores que a subscreveram em relação às circunstâncias nela descritas sobre a forma como decorreu o acidente.
II - Sendo apresentada em acção instaurada contra a seguradora, o condutor e o proprietário do veículo, todos demandados em litisconsórcio necessário, o valor probatório da referida declaração é livremente apreciada pelo tribunal em relação ao conjunto dos demandados.
III - A lei portuguesa permite a junção a processo judicial (art. 140.° do Código de Processo Civil) e confere eficácia probatória (art. 365.°, n.° 1, do Código Civil) a documentos, autênticos ou particulares, passados em língua estrangeira, desacompanhados da sua tradução, deixando ao critério do juiz de, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordenar que seja apresentada a respectiva tradução.
IV - O condutor que permitiu que, numa curva, o veículo que conduzia transpusesse a linha longitudinal continua existente sobre o meio da faixa de rodagem a delimitar os sentidos de trânsito e circulasse pela hemifaixa destinada ao trânsito de sentido contrário e, em consequência dessa manobra, foi embater de frente com outro veículo que circulava nessa hemifaixa de rodagem, é culpado exclusivo pelo embate.
V - O depósito feito pela seguradora à ordem do Juiz do processo do montante do capital do seguro, sem a sua entrega efectiva ao lesado, não equivale ao cumprimento da prestação para efeitos de por termo à mora iniciada com a citação, nos termos previstos no n.° 3 do art. 805.° do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 73/1988.P1
Recurso de Apelação
Distribuído em 04-03-2010
Relator: Guerra Banha
Adjuntos: Des. Anabela Dias da Silva e Des. Sílvia Maria Pires

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.



I – RELATÓRIO
1. B………., residente em ………., concelho de Vila Nova de Gaia, instaurou, no Tribunal Judicial da comarca de Peso da Régua, acção declarativa de condenação, destinada a exigir a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, com processo comum sumário, nos termos do art. 462.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, então vigente (foi eliminado pela Lei n.º 3/99, de 13-01), contra C………., residente em ………., Santa Marta de Penaguião, D………., residente em ………., Santa Marta de Penaguião, e E………., E.P., com sede na cidade do Porto.
Alegou que, no dia 20-08-1985, conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula …GKC.., de que era proprietário, na E.N. n.º 2, no sentido Vila Real/Peso da Régua, o qual foi embatido de frente pelo veículo pesado de mercadorias com a matrícula NO-..-.., conduzido pelo réu C………., que transitava em sentido contrário, pela metade esquerda da faixa de rodagem, a cerca de 80 km/hora, e, em consequência desse embate, sofreu danos pessoais e materiais, que à data computou em 422.267$00 + 392.275,10 francos franceses, cuja responsabilidade atribuiu aos três réus: o primeiro na qualidade de condutor/lesante, o segundo na qualidade de proprietário do veículo (art. 503.º, n.º 1, do Código Civil) e a terceira ré na qualidade de seguradora, para a qual havia sido transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com o veículo NO-..-.., através da apólice de seguro com o n.º ……/0.
Pediu a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe as quantias de 422.267$00 + 392.275,10 francos franceses ou o seu contravalor em escudos, acrescidas dos juros legais, a contar da citação até efectivamente pagamento.
Os Réus C………. e D………. contestaram por excepção e por impugnação: por excepção, invocaram a prescrição do direito que o autor se propõe exercer nesta acção; por impugnação, apresentaram uma diferente versão do factos que levaram ao embate entre os dois veículos, em que atribuíram ao autor a culpa exclusiva por esse embate.
A ré E………. invocou que o limite do seguro era de 1.500.000$00 e que a seguradora do autor também tinha reclamado o reembolso do montante da indemnização por ela pago a título de prejuízos sofridos no veículo do autor. Pelo que requereu a intervenção principal provocada dessa seguradora, F………., representada em Portugal pela G………., S.A.
Admitida a intervenção activa da G………., S.A. (fls. 83), esta veio ao processo formular pretensão autónoma, pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe a quantia de 1.092.898$00, ou a quantia necessária em escudos para adquirir 40.100 francos franceses, mais a quantia de 98.418$00 (fls. 85-86).
A requerimento da E………., esta foi autorizada a depositar à ordem do processo o valor do capital seguro, no montante de 1.500.000$00, depósito que efectuou por guia que consta a fls. 113.
No despacho saneador foi decidida a excepção da prescrição, que foi julgada improcedente em relação ao autor e procedente em relação à chamada, com a consequente absolvição dos réus do pedido por esta deduzido (fls. 104v-107, 132-133, e 150v).
Por requerimento a fls. 684-687, o autor requereu a ampliação e a actualização do pedido inicialmente formulado, nos seguintes termos:
a) a importância global indemnizatória que era de 422.267$00, hoje correspondente a 2.106,26€, deverá ser actualizada para a quantia global de 40.000,00€;
b) esta actualização justifica que se renuncie ao pedido de juros legais que, segundo o peticionado inicialmente, deveriam incidir sobre a aludida indemnização formulada em escudos e deveriam ser contados desde a citação do R. e até efectivo pagamento;
c) em função da actualização requerida na al. a), o pedido de juros legais é correspondentemente alterado, devendo incidir sobre a importância indemnizatória que vier a ser fixada a favor do A. com base nos factos em referência neste ponto, mas serem contados somente desde hoje e até efectivo pagamento da indemnização aqui em causa.
d) Requereu ainda que o valor da indemnização pedida em francos franceses fosse convertida para 59.801,96€.
Este requerimento foi deferido por despacho a fls. 694 e transitou em julgado.
Realizada a audiência de julgamento e decidida a matéria de facto controvertida que constava do questionário, foi proferida sentença, a fls. 703-727, que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu:
a) condenar a ré E………., E.P. a pagar ao Autor a quantia de 997,60€, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento (tomando-se em conta o montante já depositado pela seguradora);
b) absolver do pedido os Réus C………. e D………. .

2. Desta sentença apelaram o autor e subordinadamente a ré H………., COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. (sucessora da E………., E.P.).
2.1. O autor extraiu das suas alegações, a fls. 771-784, as conclusões seguintes:
1.ª - Com base exclusivamente nos depoimentos de três testemunhas, o Tribunal "a quo" decidiu que nenhum deles foi só por si suficiente para formar a convicção positiva do acidente quanto a uma ou outra das versões contraditórias apresentadas em julgamento.
2.ª - Entendeu a M.ma Juíz "a quo" que não existia nos autos mais nenhuma prova que pudesse determinar ou esclarecer quem foi o responsável pela produção do acidente (A. ou R. C……….), pelo que decidiu o caso com base na "teoria do risco", inerente à circulação rodoviária dos veículos.
3.ª - A excepção de ter dado como provado que o Réu C………. assinou pelo seu punho a declaração de fls. 10 (que, de resto, já constava dos factos assentes), nada mais exprime sobre a mesma na sentença recorrida, nem se pronuncia tão pouco sobre o seu valor probatório.
4.ª - O documento de fls. 10 (cuja tradução certificada para língua portuguesa foi junta aos autos em 17/Dez/08, encontrando-se a fls…), foi assinado conjuntamente pelo Autor e pelo Réu C………., e do mesmo colhe-se o seguinte sobre a factualidade relativa ao acidente: a) que o acidente ocorreu no dia 20/08/85, pelas 11h, na EN2, no ……….; b) que houve feridos; c) que o veículo B (conduzido pelo réu C……….) circulava na parte da faixa de rodagem reservada à circulação em sentido contrário (v.g. quadricula 15 do ponto 12 da declaração); d) que o embate entre os veículos se dá na hemi-faixa direita, atento o sentido de marcha do veículo do Autor (v.g. ponto 13 da declaração – "esquema/desenho" do acidente no momento do embate); e) que o Réu C………. assinou esta declaração, onde reconheceu todos estes factos e ainda acrescentou a expressão "reconheço a minha culpa", como ele próprio confessou no art. 23.º da sua contestação.
5.ª - O Réu C………. assinou livremente esta declaração, reconhecendo na mesma a realidade de um facto (do modo de produção do acidente) que lhe era desfavorável e que, pelo contrário, favorecia o ora Autor.
6.ª - Esta declaração/documento constitui pois uma verdadeira e inequívoca confissão dos factos em discussão nestes autos, feita por pessoa com capacidade e legitimidade para tal, de forma admissível, por escrito em documento particular apresentado à parte contrária, fora de qualquer processo judicial, com uma única interpretação, insusceptível de criar dúvidas a quem a lê, pelo que o mesmo cumpre todos os requisitos de uma confissão extrajudicial previstos nos arts 352.º e ss. do CC.
7.ª - Uma vez que esta confissão foi efectuada em documento particular que por sua vez foi apresentado directamente à parte contrária (neste caso, ao Autor), aquele documento tem força probatória plena, nos termos do disposto no art. 358.º, n.º 2, do CC.
8.ª - Sem prescindir, subsidiariamente, por mera cautela do dever de patrocínio, caso não se entenda que a "declaração amigável" constitui uma confissão plena dos factos que da mesma constam, então, no mínimo, tal documento constitui um reconhecimento expresso dos mesmos factos por parte do Réu C………., o que deve ser analisado para efeitos probatórios com força suficiente para suprir as dúvidas que ficaram ao Tribunal sobre o modo como efectivamente ocorreu o acidente e sobre quem foi o seu responsável.
9.ª - Com esta força probatória que lhe é dada por lei, a "declaração amigável" é pois um documento que impõe uma decisão diversa sobre a que foi tomada quanto à matéria contida nos n.ºs 1 a 6 do questionário e determina seja julgada provada uma factualidade que é insusceptível ser destruída por quaisquer outras provas, designadamente testemunhal (art. 712.º, n.º 1, al. b), do CPC).
10.ª - Assim sendo, considerando este documento, impõe-se que se modifique a decisão de facto tomada sobre os quesitos n.º 1, 2, 3, 5 e 6 do questionário, passando a considerar-se provado que:
- o Réu C………. fazia circular o veículo NO pela metade esquerda da faixa de rodagem considerando o sentido Peso da Régua/Vila Real (quesito 1º da base instrutória);
- o Réu C………. o fazia cortando por dentro a curva referida na al. F da matéria assente (local onde se deu o embate) (quesito 2º);
- indo, por isso, embater com a parte da frente do NO na parte da frente do veículo conduzido pelo Autor (quesito 3º);
- o Réu C………. seguia desatento (quesito 5º);
- o Réu C………. não previu que podia surgir na estrada um automóvel a circular em sentido contrário (quesito 6º).
11.ª - Com esta conduta o Réu C………. infringiu assim e pelo menos o disposto no n.º 2 do art. 5.º, o n.º 1 do art. 7º e o n.º 4 do art. 58.º, todos do CE em vigor ao tempo do acidente.
12.ª - Perante a factualidade descrita impõe-se pois concluir e decidir que, sem margem para dúvidas, a culpa pela produção deste acidente ficou a dever-se exclusivamente a uma conduta, no mínimo negligente, do Réu C………. .
13.ª - Assim se decidindo impõe-se se reformule toda a sentença, na parte em que seguiu a "teoria do risco", porquanto a mesma deve seguir a via da "culpa do lesante", neste caso, do Réu C………. .
14.ª - No que respeita a danos patrimoniais, a M.ma Juiz "a quo" decidiu que nenhuma prova foi apresentada em juízo, pelo que nada teve de decidir sobre esta matéria, nem mesmo com recurso a juízo de equidade. Ora,
15.ª - O recorrente não se pode conformar com esta decisão, pois, com a petição inicial, juntou os documentos com os n.ºs 4 a 32, comprovativos dos factos e das despesas vertidos nos quesitos 26 a 38 da base instrutória, que totalizam a importância que hoje corresponde a € 3.462,11.
16.ª - Estes documentos, por se tratarem de simples recibos, de fácil compreensão, deveriam ter sido atendidos pelo Tribunal "a quo" e os factos referidos nos respectivos quesitos deveriam ter sido julgados provados.
17.ª- Por outro lado, para prova da matéria constante no quesito n.º 52 o A. juntou aos autos uma declaração comprovativa dos rendimentos que auferiu em termos fiscais no ano de 1986 – 477.103 FF, hoje correspondentes a € 72.733,88 (v.g. doc. n.º 40 com a p.i.).
18.ª - Nestas condições, deve considerar-se provada a matéria constante dos quesitos 26 a 38 e 52 do questionário, por ter suporte em documentos oficiais insusceptíveis de serem contrariados com qualquer outra prova, documentos estes a que o Tribunal não atendeu.
19.ª - Consequentemente, a título de danos patrimoniais, devem os RR., solidariamente, serem condenados a pagar ao A. as seguintes quantias: a) € 3.462,11 (resultante dos recibos atrás identificados, quesitos 26 a 38 do questionário); b) e ainda um montante nunca inferior a € 19.186,01, a título de indemnização por prejuízo decorrente da sua incapacidade para o trabalho invocada no art. 48.º da p.i., uma vez que se nos afigura possível o recurso a um juízo de equidade para calcular este valor, conjugando os rendimentos fiscais declarados por este em 1986 e os dias de incapacidade absoluta que este teve para o seu trabalho (319 dias).
20.ª - Quanto a danos não patrimoniais, o pedido do A. cifra-se actualmente em € 40.000,00, acrescidos de juros legais contados desde 21/Jul/08 e até efectivo e integral pagamento e, pela incapacidade geral permanente de que o A. ficou a padecer (15%) peticiona-se a importância de 244.442,24 FF, hoje correspondentes a € 37.264,98.
21.ª - Neste capítulo decidiu o Tribunal arbitrar a favor do A. somente a uma indemnização global no valor de € 7.500,00 reportada à data do acidente, a que deverão acrescer os respectivos juros legais.
22.ª - Com o devido respeito, o recorrente também não se conforma com a fixação deste montante. É que,
23.ª - O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais ressarcíveis, desde que "merecedores da tutela do direito", deve ser fixado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e às demais circunstâncias do caso que o justifiquem, não devendo esquecer-se, ainda, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjectivismo, os padrões geralmente adoptados na jurisprudência.
24.ª - A reparação dos danos morais não reveste puro carácter indemnizatório, reveste também, de certo modo, carácter punitivo, sendo que, no caso dos autos, verifica-se que o "quantum doloris" determinado reveste-se de elevada gravidade (grau 4 na escala de 1 a 7), tal como é igualmente grave o prejuízo de afirmação pessoal do A. quando ainda sofre com a "sensação de se ver diminuído fisicamente" e com a "locomoção difícil que passou a ter".
25.ª - Por outro lado não se pode ignorar que à data do acidente o A. tinha somente 34 anos de idade, era pois um jovem adulto, com uma vida promissora pela sua frente, que sofreu um duro revés com as sequelas que este acidente lhe determinaram.
26.ª - Da mesma forma, não se pode descurar o "prejuízo para a saúde em geral", decorrente de todas as substâncias médicas e medicamentosas que lhe foram ministradas, assim como a operação a que o mesmo foi sujeito, sofrendo todos os seus efeitos.
27.ª - São ainda de levar em consideração todos os incómodos que o A. sofreu com os tratamentos e sessões de fisioterapia a que foi sujeito, bem como o longo período de recuperação das lesões (319 dias com incapacidade total para o trabalho), agravados pelas dores constantes até à data da propositura da acção (3 anos depois do acidente), que ainda hoje se fazem sentir.
28.ª - Todos os factos descritos nas anteriores conclusões 23.ª a 28.ª, conjugados com: a) a ausência de culpa do A. na produção do acidente e, ao invés, a culpa grave do R. C………. (que circulava numa curva, em contra-mão); b) a dimensão e gravidade das lesões sofridas; c) a intensidade, extensão e localização das dores que suportou, suporta e suportará para o futuro; d) o tempo que demorou a restabelecer-se para o trabalho; e) a diminuição física de que passou a padecer; f) as dificuldades de locomoção; g) a tristeza, incerteza, angústia, sofrimento e diminuição física próprias do estado que vivenciou e ainda conserva, permitem concluir que é actualizada e equitativa uma compensação, a título de danos não patrimoniais, em montante nunca inferior a € 40.000,00.
29.ª - Por tudo o descrito, e sem olvidar todo o martírio passado pelo A. e as repercussões futuras das sequelas, estamos em crer que uma indemnização inferior ao referido montante não é justa nem ajustada à realidade sofrida pelo A. e que muito o atormentará vida fora, como o vem atormentando nestes 24 anos que já passaram desde o acidente.
30.ª - Por outro lado, não obstante não se terem apurado quais os rendimentos do A. à data do acidente e em que medida é que os mesmos poderão ter sido afectados, a verdade é que a incapacidade permanente geral em vitima de acidente de viação deve também merecer a tutela do direito e constitui um dano indemnizável, por recurso a critérios de equidade, aferido em função dos elementos disponíveis nos autos que nos ajudem a alcançar a justiça do caso concreto. Assim,
31.ª - Para aferir este valor temos nos autos, pelo menos, os seguintes elementos: a) as conclusões da perícia médica legal, onde se fixou uma IPG de 15%; b) a idade do A. à data do acidente – 34 anos; c) a sua profissão – industrial de pastelaria e padaria em França; c) todas as lesões sofridas, descritas nas als. a) a t) do presente ponto III destas alegações; e) as sequelas permanentes de que o A. ficou a padecer, designadamente marcha claudicante, ligeiro desvio em valgo do joelho, atrofia muscular na perna de 2 cms, pé plano, limitação da mobilidade dos movimentos do tornozelo, ausência de flexão dorsal, limitação na flexão plantar e ausência dos movimentos de inversão e eversão do pé (v.g. relatório de fls 586 e 587); f) o reflexo das sequelas na sua saúde e e no equilíbrio físico, psíquico e relacional – o A. sofreu um trauma psicológico ao ver-se diminuído fisicamente; g) a maior penosidade no exercício da sua profissão, uma vez que, exemplificativamente, o A. deixou de ter uma locomoção equilibrada para passar a claudicar.
32.ª - Estes factos permitem que, com recurso a um juízo de equidade, se fixe a indemnização pela IPG de que o A. passou a sofrer numa quantia nunca inferior a € 37.264,98 que, em nosso entender, nesta altura já peca por escassa atenta a jurisprudência que tem sido produzida em casos similares.
33.ª - Não tem aplicação ao caso a restrição do art. 508.º do CC, em referência na sentença recorrida.
34.ª - A sentença recorrida violou assim, designadamente, o art. 562.º, o n.º 2 do art. 566.º, o n.º 3 do art. 496.º e o art. 508.º todos do CC.
2.2. Por sua vez, a ré H………. concluiu as suas alegações dizendo:
1.ª - O autor não pode ampliar o seu pedido na conclusão final da sua alegação (art. 273.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil);
2.ª - Os documentos particulares cuja assinatura estiver reconhecida faz prova dos factos constantes da declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.
3.ª - Os co-réus foram estranhos, não lhe podendo ser opostas, as declarações prestadas pelo réu C………. na altura do acidente (declarações que os condutores muitas vezes fazem apenas para evitar a intervenção das autoridades policiais).
4.ª - A responsabilidade da ré segurador está limitada ao valor do capital seguro, que era de 1.500.000$ (dita apólice e alínea I da especificação);
5.ª - Não é responsável por juros (e menos ainda desde a citação), por ela ter depositado essa quantia em 05-01-1990 à ordem do tribunal e do processo, depois de o tribunal ter tentado, inutilmente, o seu pagamento directo aos dois interessados;
6.ª - O autor terá apenas direito aos juros que a quantia que lhe couber tiver produzida enquanto depósito bancário.
7.ª - Se a ré fosse responsável por juros, eles seriam devidos apenas a contar da data do requerimento de fls. 684/687.
8.ª - Deve ser ordenada a restituição à ré Seguradora o capital depositado que exceder o montante da indemnização a favor do autor, com os respectivos juros bancários.
2.3. Os réus C.......... e D.......... contra-alegaram ao recurso do autor, concluindo pela sua total improcedência e pela confirmação da sentença recorrida.
Foram cumpridos os vistos legais.

II – FACTOS PROVADOS
3. Na primeira instância foram julgados provados os factos seguintes:
a) No dia 20/08/1985, cerca das 11h00, circulava na E.N. n.º 2, no ………., no sentido Vila Real/Peso da Régua, o automóvel ligeiro de passageiros, marca Ford, modelo ………., com o número de matrícula … GKC .., conduzido pelo A., seu proprietário – [als. A) e B) da Especificação].
b) A estrada tinha o piso alcatroado e seco e a faixa de rodagem tinha a largura de 8,30 metros – [als. C), D) e E) da Especificação].
c) Ao aproximar-se de uma curva para a sua direita surgiu a circular em sentido contrário o automóvel pesado de mercadorias, marca Toyota, com o número de matrícula NO-..-.., conduzido pelo Réu C………., pertencente ao Réu D………. – [als. G) e H) da Especificação].
d) O veículo referido em c) tinha a sua responsabilidade civil, derivada de acidentes provocados pelo veículo NO, transferida para a Ré E………., E.P. até ao montante de 1.500.000$00, através da apólice 09-../……. – [al. I) da Especificação].
e) O Réu C………. após o acidente assinou pelo seu punho a declaração de fls. 10 – [al. J) da Especificação].
f) O Autor nasceu no dia 16 de Outubro de 1950 – [al. L) da Especificação].
g) Os veículos NO e GKC embateram com a parte da frente de um na parte da frente do outro – [resp. ao quesito n.º 3).
h) O Réu C………. transitava com o veículo NO no sentido ascendente da via e o autor circulava no sentido descendente – [resp. aos quesitos n.º 7 e 10).
i) A meia faixa de rodagem por onde circulava o NO ficou assinalada com água vertida pelo radiador do veículo do A. – [resp. ao quesito n.º 15).
j) Em consequência do choque a que se alude em g), o Autor sofreu traumatismo torácico e traumatismo do pé direito com fractura do cubóide – [resp. aos quesitos n.ºs 18 e 19).
k) Foi feita ao Autor imobilização do pé direito, em Viseu, com tala posterior gessada, a qual foi retirada um mês e meio a dois meses depois e posteriormente, o A. esteve com canadianas por um período aproximado de dois meses – [resp. aos quesitos n.ºs 20, 21 e 22).
l) O Autor teve de sujeitar-se a sessões de fisioterapia e só veio a ter alta para o trabalho em 5 de Julho de 1986 – [resp. aos quesitos n.º 23 e 24).
m) Por causa destas lesões, o autor consultou o cirurgião Dr. I………. [resp. ao quesito n.º25) e o Dr. J………. – [resp. ao quesito n.º 31).
n) Em resultado do acidente o Autor ficou com rigidez da articulação sub-astragalina, a qual é acompanhada de dores nos movimentos de lateralidade – [resp. aos quesitos n.º 40 e 41).
o) O Autor ficou limitado nos movimentos de lateralidade do pé (adução e abdução), bem como nos movimentos de rotação (pronação e supinação) – [resp. aos quesitos n.º 45 e 45-A).
p) O Autor ficou com uma incapacidade permanente geral de 15% – [resp. ao quesito n.º 46).
q) Ao tempo do acidente o Autor era industrial de padaria e pastelaria em Paris – [resp. ao quesito n.º 47).
r) O Autor esteve incapacitado para o trabalho durante 319 dias – [resp. ao quesito n.º 48).
s) Desde o acidente até hoje, o Autor sentiu sofrimento e dores devido às lesões sofridas, padeceu dores com a operação de colocação e extracção da tala engessada, sentiu sofrimento com a imobilização a que foi obrigado para cura das lesões, com a locomoção difícil que passou a fazer e ficou com a sensação de se ver diminuído fisicamente pelas lesões sofridas – [resp. aos quesitos n.º 55, 56, 57, 58 e 59).

III – AS QUESTÕES DO RECURSO
4. À tramitação e julgamento destes recursos é ainda aplicável o regime processual anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto respeita a acção instaurada antes de 1 de Janeiro de 2008. E por força do disposto no n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, o regime introduzido por este diploma legal não se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2008 (art. 12.º do mesmo decreto-lei). Inclusive, em alguns aspectos, é-lhe ainda aplicável o regime anterior à revisão introduzida pelos Decretos-Lei n.º 329-A/05, de 12-12, e 180/96, de 25/09, em face do disposto no art. 16.º daquele primeiro decreto-lei, na redacção dada pelo segundo.
De harmonia com as disposições contidas nos arts. 676.º, n.º 1, 684.º, n.ºs 2 e 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o apelante extrai das suas alegações, desde que reportadas à decisão recorrida, sem prejuízo das questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, in fine, do CPC). Pelo que, dentro desse âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (art. 660.º, n.º 2, do CPC). Com a ressalva de que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, a que alude o n.º 2 do art. 660.º do Código de Processo Civil, não se confunde nem compreende o dever de responder a todos os “argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes”, os quais, por muito respeitáveis que sejam, nenhum vínculo comportam para o tribunal, como flui do disposto no art. 664.º do Código de Processo Civil (cfr., entre outros, ANTUNES VARELA, em Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 677-688; Ac. do TC n.º 371/2008, em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/; acs. do STJ de 11-10-2001 e 10-04-2008 em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 01A2507 e 08B877; e ac. desta Relação de 15-12-2005, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 0535648).
Nas conclusões formuladas pelos apelantes compreendem-se as questões a seguir enunciadas, que incidem quer sobre a decisão proferida sobre a matéria de facto, quer sobre a decisão de direito:
a) Na apelação do autor:
1) reapreciação das respostas dadas aos quesitos n.ºs 1, 2, 3, 5, 6, 26 a 38 e 52;
2) fixação de indemnização por danos patrimoniais sofridos;
3) insuficiência do valor da indemnização fixada por danos não patrimoniais.
b) Na apelação da ré H……….:
1) inadmissibilidade da ampliação do pedido formulada pelo autor nas suas alegações de recurso;
2) inoponibilidade da declaração assinada pelo réu C……….;
3) inexigibilidade de juros de mora.
A regra que se convenciona no n.º 1 do art. 710.º do Código de Processo Civil é que o julgamento dos recursos deve ser feito pela ordem da sua interposição. Trata-se, porém de uma regra com carácter meramente indicativo, não obstando a que, por razões de lógica processual, de conexão ou interdependência entre as diversas questões expostas nos diferentes recursos, se justifique que as questões de ordem processual e todas aquelas que possam influir na apreciação e decisão de outras, como as que se referem à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, devam ser decididas com prioridade, independentemente de quem as alega. O que decorre, aliás, do segmento final da norma do n.º 2 do art. 660.º do Código de Processo Civil.
É dentro desta lógica e contexto que começaremos por apreciar todas as questões relacionadas com a decisão sobre a matéria de facto.

A – Apelação do autor:
5. Em primeiro lugar, o autor pretende a reapreciação das respostas dadas aos quesitos n.ºs 1, 2, 3, 5, 6, 26 a 38 e 52, por entender que existem nos autos provas documentais que impõem decisão diferente da proferida quanto aos factos aí quesitados.
Assim, no que respeita aos quesitos n.º 1, 2, 3, 5 e 6, o apelante alega que a declaração constante de fls. 10 e 691, assinada pelos condutores dos dois veículos imediatamente após o embate, impõe que se dêem como provados os factos aí quesitados.
No tocante aos factos dos quesitos 26 a 38, o apelante remete para o teor dos documentos que juntou sob os n.ºs 4 a 32, a fls. 15 a 43, dizendo que esses documentos comprovam as despesas que gastou com o tratamento das lesões sofridas no acidente e mencionadas nesses quesitos.
E quanto ao facto constante do quesito n.º 52, diz que está provado pelo documento que juntou com o n.º 40, a fls. 51, que diz ser uma declaração comprovativa dos rendimentos que auferiu, em termos fiscais, no ano de 1986 (477.103 FF, que agora correspondem a 72.733,88€).
Os réus responderam que o primeiro daqueles documentos, a fls. 10, é inoponível à ré seguradora e ao réu D………., que dizem ser totalmente alheios à elaboração e assinatura de tal documento e não ter os efeitos probatórios que o autor lhe atribui; e que os demais documentos foram impugnados pelos réus, ficando, assim, posto em causa o seu valor probatório.
Apreciemos em separado cada um destes grupos de factos.

5.1. Os quesitos n.º 1, 2, 3, 5 e 6 respeitam à matéria do acidente narrada pelo autor sob os arts. 9.º, 11.º e 12.º da p.i. e continham os seguintes factos:
Quesito n.º 1 – O Réu C………. fazia circular o (veículo) NO pela metade esquerda da faixa de rodagem considerando o sentido em que seguia?
Quesito n.º 2 – Cortando por dentro a curva referida na al. F) da especificação?
Quesito n.º 3 – E indo, por isso, embater com a parte da frente do (veículo) NO na parte da frente do veículo conduzido pelo Autor?
Quesito n.º 5 – (O Réu C……….) seguia desatento?
Quesito n.º 6 – Não previu que podia surgir na estrada um automóvel a circular em sentido contrário?
O tribunal de 1.ª instância julgou totalmente não provados os factos dos quesitos n.º 1, 2, 5 e 6 e respondeu restritivamente ao quesito n.º 3, considerando apenas provado que "o embate se deu entre a parte da frente do (veículo) NO e a parte da frente do veiculo conduzido pelo Autor" e, por exclusão, considerou não provado que o embate fosse causado pela manobra descrita nos quesitos n.º 1 e 2.
Fundamentou esta sua decisão nos seguintes termos:
«… quanto aos factos não provados atinentes às versões apresentadas para o acidente subjacente aos autos, (quesitos) 1 a 6 e 8, 9 e 11 a 14 do questionário, diga-se que se nos deparamos com duas versões distintas e dispares do acidente.
Se, por um lado, as testemunhas K………. e L………., no depoimento que prestaram relataram, da forma lacónica constante da carta rogatória junta aos autos e referindo-se ao acidente sub Júdice, apenas e tão só que havia um traço branco que separava as duas faixas e o veiculo de mercadorias (que o R. C………. conduzia) atravessou essa linha e veio chocar com a parte da frente lateral esquerda com o ligeiro Ford ……….; já as testemunhas M………. (que seguia no veiculo de mercadorias conduzido pelo R. D……….), e N………. (este afirmou chegar depois de se ter dado o acidente) asseguraram ambos que pelo contrario foi o A. quem, circulando a velocidade superior a 80 Km por hora, não soube entrar na curva, nem dominar o veiculo, pelo que se despistou e foi embater de frente com o veiculo de mercadorias tripulado pelo R. D………., e na hemifaixa de rodagem por onde este circulava.
O depoimento da testemunha N……….s não nos merece grande credibilidade. Em primeiro lugar porque a testemunha não assistiu ao acidente (disse ter chegado já depois), não podendo assim relatar quem invadiu que faixa e de que maneira a invadiu. Em segundo lugar, porque o seu relato foi por demais pormenorizado quanto às exactas posições do veiculo após o acidente, quanto à localização dos despojos do acidente (agua, terra vidros), quanto aos presentes no local, e quanto a demais pequenos pormenores, que ultrapassam a atenção de qualquer um, que assista sem mais, a uma colisão entre dois veículos, da qual alias resultou um ferido (o autor) e que ultrapassam os limites da memoria humana, tendo em consideração que o acidente ocorreu há mais de 23 anos, e a testemunha ao mesmo era alheia. De resto não podemos deixar de referir que a memória da testemunha falhou em pormenores mais simples tais como a cor dos veículos intervenientes.
Assim, temos apenas a versão do interveniente M………. por oposição ao relato simplista de K………. e L………., que não são assim por si suficientes para formar a convicção positiva do acidente quanto a uma ou outra das versões aqui trazida.
Razão pela qual o tribunal as deu ambas como não provadas.»
Como se vê, o tribunal de 1.ª instância não valorou nem fez qualquer referência ao teor do documento que consta a fls. 10 e 691. O qual mais não é do que a "declaração amigável de acidente automóvel" assinada pelos condutores dos dois veículos que embateram entre si. É quanto à omissão desta declaração que o apelante manifesta discordância com a decisão do tribunal recorrido, por entender que contém uma "declaração confessória" por parte do réu C………., enquanto condutor do veículo pesado interveniente no acidente, no que respeita às circunstâncias em que se deu o embate.
E em nossa opinião, cremos que assiste alguma razão ao apelante. Pelos fundamentos seguintes:
A "declaração amigável de acidente automóvel" foi criada no âmbito da Convenção IDS (Indemnização Directa ao Segurado) para permitir a regularização extrajudicial, de forma mais rápida e simples, de sinistros do ramo automóvel de menor gravidade, que se caracterizem por embate entre dois veículos com seguro válido numa das seguradoras Aderentes à Convenção IDS, em que não haja feridos e cujos danos previsíveis não ultrapassem determinado montante. E como se adverte no cabeçalho da dita declaração, "não constitui um reconhecimento de responsabilidade, mas uma declaração sobre as identidades e os factos, destinada a abreviar o processo de regularização do sinistro".
Trata-se, aliás, de um modelo uniforme de declaração, que é disponibilizado a todos os segurados cujas seguradoras são aderentes à Convenção IDS e cujos dizeres são os mesmos em todas as línguas. O que é confirmado pelos dois modelos que constam a fls. 691 e 692, um em português e outro em francês.
Mas como documento particular que é, desde que assinado pelos condutores dos veículos intervenientes no acidente, fica sujeito às regras dos arts. 373.º a 376.º do Código Civil.
No caso, consta provado, por confissão do próprio réu C………. (art. 23.º da contestação), que este réu assinou a declaração amigável que consta a fls. 10 e 692, na qualidade de condutor do "veículo B" aí identificado, ou seja, o veículo da marca Toyota, com a matrícula NO-..-... O que também consta dos factos provados, sob a al. e).
Prescreve o n.º 1 do art. 376.º do Código Civil que "o documento particular cuja autoria seja reconhecida … faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento". E o n.º 2 acrescenta que: "Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão".
Ora, a dita declaração, que foi preenchida e assinada, imediatamente após o embate, pelos condutores dos dois veículos que colidiram entre si, descreve, por duas formas exactamente idênticas e compatíveis entre si, as circunstâncias em que se deu a colisão: uma, através do desenho de um croquis, perfeitamente perceptível, onde estão bem assinaladas a configuração da estrada no local do embate, a manobra executada por cada um dos dois veículos até ao local do embate e o posicionamento dos dois veículos após o embate; outra, através de indicação da manobra que foi causal do embate, assinalada no lugar das circunstâncias do acidente.
O croquis assinala que os dois veículos circulavam em sentidos contrários, o que é verdade face ao que consta provado sob as als. c) e h); assinala que a estrada, no local do embate, descrevia uma curva para a direita relativamente ao sentido seguido pelo veículo do autor e para a esquerda atento o sentido seguido pelo veículo dos réus, o que também se conforma com o que consta provado sob a al. c); assinala ainda que sobre o eixo da faixa de rodagem existia uma linha contínua a demarcar os dois sentidos de trânsito, o que também é confirmado pelas testemunhas K………. e L………., que seguiam no veículo do autor, e não é desmentido pelos réus nem pelas testemunhas destes; assinala, através de sequência ordenada de setas, que foi o "veículo B", ou seja, o veículo pesado de mercadorias da marca Toyota, com a matrícula NO-..-.., conduzido pelo réu C………., que invadiu e ultrapassou a linha continua existente sobre o eixo da via e foi embater de frente no veículo do autor, dentro da hemifaixa de rodagem do lado direito atento o sentido que este seguia, e, portanto, dentro da mão de trânsito do veículo do autor; assinala ainda, também através de sequência ordenada de setas, o percurso seguido pelo veículo do autor, indicando que este se manteve sempre dentro da sua hemifaixa de rodagem e foi aí embatido pelo veículo NO-..-...
Em consonância com aquelas indicações assinaladas no croquis, sob o n.º 12 da declaração, com o subtítulo "circunstâncias" do acidente, consta assinalado, em relação ao "veículo B", o seguinte: "circulava na parte da faixa de rodagem reservada à circulação em sentido contrário".
Ora, em relação à descrição de todas estas circunstâncias, a declaração faz prova plena apenas contra o réu C………. (art. 376.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil). E é livremente apreciado pelo tribunal em relação ao conjunto dos réus demandados em litisconsórcio necessário (cfr. o ac. do STJ de 12-02-2009, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 07B4125). De modo que, quando a ré H………. alega que esta declaração não lhe é oponível, tal não é de todo exacto. O que é exacto é que em relação a si não faz prova plena. Mas é-lhe aplicável segundo o princípio da livre apreciação, nos termos dos arts. 361.º e 366.º do Código Civil, e 655.º do Código de Processo Civil.
Neste âmbito, importa notar que o único réu que interveio no acidente e conhece as circunstâncias em que se deu o embate é o réu C……….., condutor do veículo pesado que assinou aquela declaração imediatamente após o embate ter ocorrido. E assim, da conjugação dos elementos constantes da declaração assinada pelos dois condutores com os depoimentos complementares e concordantes das testemunhas K………. e L………., que, aliás, constam reduzidos a escrito no processo e traduzidos a fls. 255 e 256, não pode deixar de se considerar provado, "num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança", que o embate se deu na hemifaixa de rodagem por onde circulava o veículo do autor e que a causa do embate foi a manobra realizada pelo veículo conduzido pelo réu C………., que invadiu e transpôs o eixo da faixa de rodagem e entrou a circular na hemifaixa de rodagem por onde circulava o veículo do autor.
Faz-se notar que, no tocante ao ponto da faixa de rodagem onde se deu o embate, as duas e únicas versões que as partes colocaram em confronto nos articulados são: de um lado a versão do autor, que alegou que o embate se deu na sua hemifaixa de rodagem porque o veículo dos réus invadiu e transpôs o meio da faixa de rodagem; de outro lado a versão dos réus, que dizem que foi o veículo do autor que invadiu e transpôs o eixo da faixa de rodagem e foi embater no seu veículo dentro da faixa de rodagem deste. Nenhuma das partes colocou, sequer, a hipótese de o embate ter ocorrido sobre o meio da faixa de rodagem. E perante essas duas versões, a convicção transmitida pelo conjunto das provas aponta claramente no sentido da versão do autor.
Em matéria de valoração das provas e formação da convicção do julgador, o Prof. ANTUNES VARELA esclarece que "a demonstração da realidade a que tende a prova não é uma operação lógica, visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente), como é, por exemplo, o desenvolvimento de um teorema nas ciências matemáticas. (…). A prova visa, apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto" (em Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, p. 419-420). Também o Prof. LEBRE DE FREITAS escreve que, no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, "ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as sua conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que forem aplicáveis". E acrescenta que "não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma absoluta certeza, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança" (em Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 1996, p. 157 e 160-161).
Os elementos de prova anteriormente referidos conferem um juízo de convicção segura, de elevada probabilidade, de certeza relativa, de que o embate ocorreu dentro da hemifaixa de rodagem do lado direito atento o sentido seguido pelo veículo do autor, e, portanto, dentro da mão de trânsito deste, e que foi provocado pelo facto de o veículo conduzido pelo réu C………. ter ultrapassado a linha contínua que delimitava o eixo da via e entrado a circular naquela hemifaixa de rodagem.
E assim, as respostas dadas aos quesitos n.º 1, 2 e 3 devem ser alteradas para:
Quesito n.º 1 – Provado que o veículo NO-..-.., conduzido pelo réu C………., entrou a circular na metade esquerda da faixa de rodagem, considerando o sentido em que seguia.
Quesito n.º 2 – Provado.
Quesito n.º 3 – Provado.
Porém, das mesmas provas não decorre minimamente que o réu C………. fosse desatento e que fosse por desatenção sua que o veículo entrou a circular na hemifaixa de sentido contrário. O documento de fls. 10 não descreve a causa ou o motivo porque o condutor C………. deixou que o veículo que conduzia entrasse na hemifaixa de sentido contrário. E essa causa também não se pode presumir do conteúdo de tal documento. Pelo que as respostas negativas dadas aos quesitos n.º 5 e 6 devem manter-se.

5.2. A matéria dos quesitos 26 a 38 diz respeito a prejuízos patrimoniais que o autor diz ter sofrido em consequência deste acidente, inerentes a gastos efectuados no tratamento das lesões corporais sofridas.
Esses quesitos estão formulados nos seguintes termos:
Quesito n.º 26 – Despendendo (o autor) na consulta (ao cirurgião referido no quesito n.º 25) 450 francos franceses?
Quesito n.º 27 – Consultou ainda o reumatologista Dra. O……….?
Quesito n.º 28 – Despendendo nessa consulta 587 francos franceses?
Quesito n.º 29 – Despendeu em consultas com o Dr. P………. 2.390 francos franceses, devido às mesmas lesões?
Quesito n.º 30 – Pela mesma causa consultou o médico Dr. Q………., despendendo 250 francos franceses?
Quesito n.º 31 – E ainda o cirurgião Dr. J………., despendendo 500 francos franceses?
Quesito n.º 32 – Com o médico de reeducação Dr. S………. despendeu 300 francos franceses?
Quesito n.º 33 – E com o electrocardiologista Dr. T………. (despendeu) a importância de 676,20 francos franceses?
Quesito n.º 34 – No massagista U………. despendeu 4.117,75 francos franceses?
Quesito n.º 35 – Em remédios despendeu 12.530 francos franceses?
Quesito n.º 36 – Em duas deslocações à consulta de ortopédica da Clínica V………. despendeu em transportes 180 francos franceses?
Quesito n.º 37 – Em virtude do acidente, o autor gastou 18.840$00 em deslocações de táxi em Portugal?
Quesito n.º 38 – Num telefonema feito para França, por causa do acidente, gastou 3.427$00?
Deste conjunto de factos, o tribunal recorrido apenas considerou provado, em resposta restritiva dada ao quesito n.º 31, que "o Autor consultou o Dr. J……….". Todos os demais quesitos foram respondidos "não provado".
Na fundamentação dessas respostas foi dito que: "Quanto aos factos (dos quesitos n.º) 25 e 31, a convicção do tribunal resultou do teor dos elementos clínicos do A. juntos aos autos a fls. 606 a 608 (tradução)". "Quanto aos factos não provados (dos quesitos n.º) 26 a 30 e 32 a 38, a convicção do tribunal resultou da ausência de prova que apontasse nesse sentido, já que a única (prova) produzida … é a consistente nos documentos juntos a fls. 12 a 51, que para alem de não estarem traduzidos para a língua portuguesa, não foram confirmados por qualquer outro meio de prova".
A discordância do apelante com estas respostas funda-se exclusivamente no teor dos documentos que juntou sob os n.ºs 4 a 32 e constam de fls. 15 a 43. Dizendo que esses documentos comprovam as despesas que gastou com o tratamento das lesões sofridas no acidente.
Efectivamente, todos os documentos que constam de fls. 15 a 34 são fotocópias de recibos emitidos pelos médicos identificados nos quesitos n.º 25 a 33, de modelo único, dos quais consta a identificação, o endereço profissional e a especialidade do médico, o nome da pessoa assistida (o autor), a descrição do acto médico prestado, a data, o preço pago pelo utente e a assinatura supostamente do respectivo médico.
Os documentos de fls. 35 a 39 são fotocópias de recibos do mesmo formato dos anteriores, emitidos pelo monsieur U………., pela prestação de serviços de fisioterapia ao autor, a que alude o quesito n.º 34, deles constando a data da prestação dos serviços clínicos (desde 22-10-1985 a 27-05-1986) e o preço pago, cuja soma perfaz 4.117,75 francos franceses.
E perante estes elementos descritivos, a questão a por, em termos de valor probatório, é essencialmente esta: como se prova a ida a uma consulta médica ou a realização de um determinado tratamento clínico e respectivo custo? A resposta parece óbvia: prova-se com a exibição do respectivo recibo que identifique o prestador do serviço, a pessoa assistida, o acto clínico efectivamente prestado, a data, e o preço pago e que contenha a assinatura. É assim para justificar uma falta ao trabalho por esse motivo, ou para ser reembolsado pelo respectivo sistema de saúde, ou para receber abono da segurança social, ou ainda para efeitos fiscais. Então, porque é que não há-de ser também assim para efeitos judiciais, se o sistema de prova que vigora neste domínio é livre?...
É certo que se trata de documentos emitidos em língua francesa. O que também é compreensível, pela razão de que foram emitidos em França, onde então residia o autor, por médicos franceses, por serviços prestados em França e pagos em moeda francesa. Mas a lei processual portuguesa permite a junção e valoração de documentos em língua estrangeira. E só impõe a tradução quando "o juiz, oficiosamente, ou a requerimento de alguma das partes" entenda que os documentos "careçam de tradução" e "ordena que o apresentante a junte" (art. 140.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Este regime já vem do Código de Processo Civil de 1939 e o Prof. ALBERTO DOS REIS já dizia que "fica ao prudente arbítrio do Juiz mandar ou não fazer a tradução", porque "a língua do documento pode ser de tal modo familiar às partes e ao tribunal que a tradução se torne absolutamente desnecessária" (em Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2.º, Coimbra Editora, 1945, p. 41). É também essa a opinião actualizada do Prof. LEBRE DE FREITAS, em Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 256.
E a verdade é que a lei portuguesa confere eficácia probatória aos documentos autênticos ou particulares passados em língua estrangeira (art. 365.º, n.º 1, do Código Civil), dizendo que tais documentos, "na conformidade da respectiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal". E se dúvidas se colocarem quanto à autenticidade do documento, o n.º 2 do mesmo artigo dispõe que "pode ser exigida a sua legalização".
Ora, em relação aos documentos aqui em causa, as partes limitaram-se à impugnação genérica do seu conteúdo por desconhecimento (cfr. arts. 27.º e 28.º da contestação, a fls. 72 e 72v). Quanto à tradução, limitaram-se a dizer que "teriam obrigatoriamente de ser acompanhados de tradução" (cfr. art. 34.º da contestação, a fls. 73). O que não é exacto, como acabámos de dizer. O que é exacto é que as partes podiam ter requerido que fosse apresentada a tradução, mas não requereram. E também não encontrámos no processo nenhum despacho a ordenar ao autor a apresentação da tradução de todos esses documentos. O despacho que consta a fls. 591 não se refere a estes documentos e foi corrigido a fls. 597, que o passou a reportar aos réus, e não ao autor. E a tradução que consta a fls. 606-607 foi apresentada pelos réus, na sequência desse despacho, e não pelo autor, e teve em vista completar o exame ao autor, requerido pelos réus, nos termos que consta a fls. 587 e 616-622.
Donde se conclui que, não tendo sido exigida ou solicitada ao autor a apresentação da tradução dos documentos em língua francesa de fls. 15-43, e não se levantando dúvidas sobre a sua autenticidade, não se vê motivo para não os valorar segundo o princípio da livre apreciação que é aplicável aos documentos particulares emitidos em Portugal nas mesmas condições destes, atento o disposto nos arts. 140.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 365.º, n.º 1, do Código Civil. E o seu conteúdo é perfeitamente entendível por qualquer pessoa com aprendizagem da língua francesa do nível do ensino secundário, que é suposto terem os juízes e os advogados.
Em matéria de valoração dos ditos documentos, releva dizer que os factos provados, em relação aos quais nenhuma impugnação foi apresentada pelas partes, mostram que o acidente ocorreu em 20-08-1985 [cfr. al. a) dos factos provados]; que, em consequência do choque entre os veículos, o autor sofreu traumatismo torácico e traumatismo do pé direito com fractura do cubóide [cfr. al. j) dos factos provados]; que o autor ficou com o pé direito imobilizado, com tala posterior gessada, a qual foi retirada um mês e meio a dois meses depois; que andou com canadianas por um período aproximado de dois meses; que teve de sujeitar-se a sessões de fisioterapia e só veio a ter alta para o trabalho em 5 de Julho de 1986 [cfr. als. j) a l) dos factos provados]. O que quer dizer que, perante este quadro clínico confirmado pelos factos provados, configura-se como normal, razoável e adequado que, no decurso desse período, ou seja, desde o acidente até à data da alta, o autor tivesse necessidade de se submeter em França a consultas médicas e a tratamentos clínicos, nos termos que referem os documentos aqui em causa, tendo em vista a cura das lesões que sofreu.
Acresce que nenhuma dúvida foi suscitada, nem pelas partes nem pelo tribunal, pelo facto de se tratar de fotocópias, em vez dos próprios originais. Pelo que cabe aplicar aqui o critério previsto no art. 368.º do Código Civil, que diz que "as reproduções fotográficas … e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão".
De que resulta que devem considerar-se provados os factos constantes dos quesitos n.º 25 a 34, nos exactos termos que deles consta.
Quanto aos quesitos subsequentes (35 a 38) cabe dizer o seguinte:
Sobre os gastos com os medicamentos a que alude o quesito n.º 35, inexiste qualquer documento que se refira a esses gastos. Pelo que a resposta a este quesito deve manter-se como "não provado".
Os documentos de fls. 41 e 42 são fotocópias de recibos de táxis relativos às deslocações referidas no quesito n.º 36, cuja soma perfaz o valor aí indicado. Aplicando-se-lhes as mesmas regras anteriormente referidas para os documentos em língua estrangeira, a este quesito deve responder-se como "provado".
Os documentos de fls. 43 são quatro fotocópias de recibos de táxis emitidos em Portugal por deslocações aqui efectuadas em 20, 21 e 22 de Agosto de 1985, ou seja, no dia do acidente e nos dois dias subsequentes, a que se refere o quesito n.º 37, cuja soma perfaz o montante aí referido. Configura-se como normal que, nesses dias, o autor tenha tido necessidade de recorrer ao transporte de táxi, visto que ficou sem a disponibilidade do seu veículo e não lhe foi disponibilizado veículo de substituição. E assim a resposta ao quesito deve ser "provado".
O quinto documento reproduzido a fls. 43 refere-se a um telefonema para França, no dia 22-08-1985, cujo custo foi de 3.427$50, mas não se sabe a que título e para que fim foi feito esse telefonema. A dúvida sobre o nexo de causalidade do telefonema com o acidente deverá reverter contra o autor (art. 516.º do Código de Processo Civil). O que implica responder como "não provado" ao quesito n.º 38.
Em resumo do que ficou exposto, alteram-se as respostas dadas aos quesitos n.º 26 a 34, 36 e 37, os quais se julgam provados, e mantêm-se as respostas dadas aos quesitos n.º 35 e 38 como não provados.

5.3. Quanto ao quesito n.º 52, o facto aí quesitado era o seguinte:
- "No ano de 1986, o autor declarou ao fisco um rendimento líquido, relativo a esse ano, de 477.103 francos franceses?".
O tribunal de 1.ª instância respondeu "não provado", com a seguinte justificação: "… a convicção negativa do tribunal resultou da ausência total de prova produzida nesse sentido".
O autor contrapõe com o teor do documento que juntou sob o n.º 40, a fls. 51, a que atribui o valor de "declaração comprovativa dos rendimentos que auferiu em termos fiscais no ano de 1986 (477.103 FF, que agora correspondem a € 72.733,88)".
Em termos de conteúdo, é verdade que o referido documento contém aquela declaração. Mas trata-se de um documento emitido por um particular (monsieur W……….), na qualidade de "commissaire aux comptes inscril", de quem o autor é cliente, e não de uma entidade pública com competência para confirmar o rendimento para efeitos fiscais.
Sobre este quesito, depuseram as testemunhas L………. e K………., nos termos que consta a fls. 255v e 256. O que as duas testemunhas declararam foi tão só que "o senhor B………. era padeiro-pasteleiro em Paris". Quanto ao rendimento que auferia no exercício dessa actividade, nenhuma delas soube dizer.
Perante esta insuficiência de prova, não pode considerar-se provado o facto constante deste quesito.

5.4. Em conclusão do que ficou dito acerca da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, há que aditar aos factos provados acima descritos os seguintes factos:
1) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas nas als. a) e c), o veículo NO-..-.., conduzido pelo réu C………., entrou a circular na metade esquerda da faixa de rodagem, considerando o sentido em que seguia [resposta ao quesito n.º 1].
2) Cortando por dentro a curva referida na al. c) [resposta ao quesito n.º 2].
3) E foi, por isso, embater com a parte da frente na frente do veículo conduzido pelo autor [resposta ao quesito n.º 3].
4) Com a consulta ao cirurgião referido na al. m), o autor pagou 450 francos franceses [resposta ao quesito n.º 26].
5) Consultou ainda a reumatologista Dra. O………. [resposta ao quesito n.º 27].
6) Despendendo nessa consulta 587 francos franceses [resposta ao quesito n.º 28].
7) Devido às mesmas lesões, despendeu em várias consultas com o Dr. P………. a quantia de 2.390 francos franceses [resposta ao quesito n.º 29].
8) Pela mesma causa, consultou o médico Dr. Q………., despendendo 250 francos franceses [resposta ao quesito n.º 30].
9) E ainda o cirurgião Dr. J………., despendendo 500 francos franceses [resposta ao quesito n.º 31].
10) Com o médico de reeducação Dr. S………. despendeu 300 francos franceses [resposta ao quesito n.º 32].
11) E com o electrocardiologista Dr. T………. (despendeu) a importância de 676,20 francos franceses [resposta ao quesito n.º 33].
12) No massagista U………. despendeu 4.117,75 francos franceses [resposta ao quesito n.º 34].
13) Em duas deslocações à consulta de ortopedia da Clínica V………. despendeu em transportes 180 francos franceses [resposta ao quesito n.º 36].
14) Em virtude do acidente, o autor gastou 18.840$00 em deslocações de táxi em Portugal [resposta ao quesito n.º 37].

6. Das alterações agora realizadas na matéria de facto provada decorre que o embate entre os dois veículos foi causado pela manobra do condutor do veículo pesado NO-..-.., pertencente ao réu D………. e segurado na ré E………. (agora H……….), que permitiu que esse veículo transpusesse a linha existente sobre o meio da faixa de rodagem a delimitar os sentidos de trânsito e circulasse pela hemifaixa destinada ao trânsito de sentido contrário ao seu, no momento em que ali vinha a circular o veículo do autor.
Tal manobra constitui uma dupla infracção às normas reguladoras do trânsito rodoviário então em vigor: uma infracção ao art. 5.º, n.º 2, do Código da Estrada então vigente, que determinava que "o trânsito de veículos é feito pela direita da faixa de rodagem"; e uma infracção ao art. 6.º, n.º 3, al. a), do Regulamento do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39.987, de 22-12-1954, que dispunha que a linha longitudinal contínua (marca M1) aposta na faixa de rodagem a separar sentidos de trânsito "significa para o condutor proibição de a pisar ou transpor e, bem assim, o dever de transitar à sua direita quando aquela fizer separação de sentidos de trânsito".
Não se provando que o autor tenha cometido alguma infracção na condução do seu veículo no momento do embate e não provando os réus causa justificativa da manobra infractora realizada pelo condutor do seu veículo, só a este pode ser imputada a culpa pelo embate. Na medida em que se lhe exigia que, nas circunstâncias concretas aqui provadas (condução de veículo pesado de mercadorias em estrada nacional com dois sentidos de trânsito, em lugar onde forma uma curva e onde apresenta linha longitudinal contínua a separar os sentidos de trânsito), não deixasse que o veículo que conduzia transpusesse a linha delimitadora dos dois sentidos de trânsito e passasse a circular na hemifaixa destinada ao trânsito em sentido contrário. Que era, nas mesmas circunstâncias concretas, o grau de diligência exigível de um condutor médio, com perícia de condução de nível médio e com capacidade de previsão inerente ao homem médio, enquanto critério de aferição da culpa previsto no n.º 2 do art. 487.º do Código Civil (cfr. o ac. do STJ de 07-07-2009, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 858/05.7TCGMR.S1).
E assim, os réus respondem pelos danos causados ao autor a título de culpa exclusiva, e não a título de risco, como foi decidido na 1.ª instância: o réu C………. enquanto condutor culpado pelo acidente, nos termos do art. 483.º, n.º 1, do Código Civil; o réu D………. enquanto proprietário do veículo e detentor da direcção efectiva, nos termos do art. 503.º, n.º 1, do Código Civil; a ré seguradora por força e nos limites do contrato de seguro e nos termos da lei do seguro obrigatório automóvel então vigente, que ainda era o Decreto-Lei n.º 408/79, de 25-09.
Resta, pois, apreciar as questões suscitadas quanto à fixação da indemnização pelos danos sofridos pelo autor, em face do que consta dos factos provados.

7. Em matéria de danos patrimoniais, o autor pediu na petição inicial:
a) o valor dos gastos que despendeu com o tratamento das lesões corporais sofridos, no montante de 21.980,95 francos franceses, que corresponde em euros a 3.350,97€ (a conversão do franco francês para euros foi fixada em "1 euro = 6,55957 FF" pelo Regulamento CEE n.º 2866/98, de 31-12-1998, do Conselho);
b) o valor correspondente aos 319 dias de incapacidade absoluta para o trabalho, que computou em 125.852 francos franceses (lucros cessantes), que corresponde em euros a 19.186,01€;
c) a quantia de 244.442,24 francos franceses a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho inerente à IPP de que ficou definitivamente afectado, que corresponde em euros a 37.264,98€;
d) outras despesas realizadas em escudos no montante de 22.267$00, que corresponde em euros a 111,07€.
O tribunal recorrido não atribuiu ao autor qualquer indemnização a título de danos patrimoniais, nuns casos porque não considerou provada a existência dos danos e quanto à IPP considerou que daí não resultava perda da capacidade de ganho para o autor.
Não comungamos minimamente da apreciação feita pelo tribunal de 1.ª instância, nem quanto às considerações teóricas desenvolvidas, nem, sobretudo, quanto à apreciação concreta dos factos perante as normas da lei civil aplicáveis.
A obrigação de indemnizar por responsabilidade civil emergente de acidente de viação, a que aludem os arts. 483.º, n.º 1, e 503.º, n.º 1, do Código Civil, abrange os danos de natureza patrimonial e os danos de natureza não patrimonial sofridos pelo lesado em consequência do acidente (arts. 562.º, 563.º e 496.º do Código Civil). O que quer dizer que todos os danos produzidos pelo embate do veículo dos réus no veículo do autor, ou que surgiram por causa desse embate, são abrangidos pela obrigação de indemnizar, como flui, inequivocamente, das normas constantes dos artigos anteriormente citados.
No que respeita à obrigação de indemnizar os danos patrimoniais, dispõe o art. 562.º do Código Civil que "quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação". É a consagração legal do princípio da reconstituição in natura ou da reposição natural. Só excepcionalmente a indemnização deve ser fixada em dinheiro, o que sucede quando se verifica uma destas três situações previstas no n.º 1 do 566.º do Código Civil: 1) quando não for possível a reconstituição natural; 2) quanto a reconstituição natural não repara integralmente os danos; 3) ou quando a reconstituição natural for excessivamente onerosa para o devedor.
Os danos sofridos em consequência de acidente de viação não são, em geral, susceptíveis de reparação natural. Como sucede com os danos aqui alegados pelo autor. E, por isso, terão de ser indemnizados em dinheiro.
A indemnização em dinheiro visa repor a situação patrimonial em que o lesado se encontraria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação. Compreende o prejuízo causado (danos emergentes) e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes), incluindo os danos futuros previsíveis (art. 564.º do Código Civil), e tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (art. 566.º, n.º 2, do Código Civil e ac. do STJ de 07-07-1999, na CJ-STJ/1999/III/16).
Partindo destes pressupostos legais, há que determinar e quantificar os danos de natureza patrimonial a indemnizar, alegados e provados pelo autor. Assim:

7.1. Quanto aos gastos suportados em consulta médicas e com os tratamentos de fisioterapia às lesões corporais sofridos, da quantia pedida de 21.980,95 francos franceses (3.350,97€), o autor provou os que constam das als. l) e m) e dos itens 4) a 13) agora aditados, cuja soma perfaz 9.450,95 francos franceses ou 1.440,79€.

7.2. E também provou que esteve incapacitado para o trabalho durante 319 dias, desde a data do acidente até 05-07-1986 [cfr. als. l) e r) dos factos provados]. Tem o autor direito a ser indemnizado, a título de lucros cessantes, pelo rendimento que teria auferido se estivesse a trabalhar durante esses 319 dias e deixou de auferir. Sucede que o autor não provou qual o montante da sua retribuição diária, mensal ou anual no decurso do ano de 1986. A este respeito, apenas se conseguiu provar que "ao tempo do acidente, era industrial de padaria e pastelaria em Paris" [cfr. al. q) dos factos provados].
Provando-se a existência do dano (que é indiscutível), materializado na perda de rendimentos que teria auferido do normal exercício da sua actividade industrial durante o período de incapacidade (319 dias), mas não se provando qual o valor da retribuição ou rendimento que o autor podia ter auferido nesse período de tempo — elemento que é essencial para se quantificar o valor do dano — a lei deixa duas vias para determinar o respectivo montante: 1) recorrer à equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do Código Civil; 2) ou remeter a sua liquidação para o respectivo incidente em execução de sentença (art. 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Como assinala o acórdão do STJ de 13-04-2010 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 109/2002.C1.S1), a lei não dá resposta quanto a saber em que circunstâncias deve o julgador fixar o quantum recorrendo à equidade, ou relegá-lo para incidente de liquidação ulterior; pelo que, reconhecendo-se que a situação ideal é aquela que sem maiores delongas dê resposta à pretensão do credor — então eleito seria o critério da equidade — mas, não menos certo é que a natureza da prestação em causa e o melindre na sua fixação, mormente, em casos em que esteja em causa a indemnização de danos que implicam uma apreciação rigorosa, com base em elementos diversos da prestação, podem aconselhar a segunda via. O Supremo Tribunal de Justiça tem adoptado um critério que implica a ponderação casuística para optar por este ou aqueloutro "caminho".
Por sua vez, os acórdãos do mesmo Supremo Tribunal de 11-09-2008 e 21-04-2010 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 08B2013 e 9673/04.4TBVNG.P1.S1) apontam um critério que nos parece mais preciso e mais ajustado às finalidades da justiça concreta: só é possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais se prove a sua existência e não haja elementos indispensáveis, nem sequer recorrendo à equidade, para fixar o seu quantitativo. O mesmo critério foi seguido no acórdão do STJ de 30-10-2008 (proc. n.º 08B2675), ao concluir que "não estando provado o montante efectivo dos danos, a indemnização tem de ser fixada segundo critérios de equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil".
É também dentro deste critério que, segundo nos parece, se tem orientado a jurisprudência desta Relação, de que é exemplo o acórdão de 29-09-2008 (em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 0854677), que concluiu: "Face à incerteza do valor dos danos que ficaram efectivamente demonstrados, o Tribunal deve relegar a sua liquidação para execução de sentença, mas só no caso de não puder fixar logo o seu montante, ainda que com recurso à equidade".
Efectivamente, o recurso à equidade, desde que possível em face das circunstâncias concretamente apuradas nos factos provados, tem a vantagem de decidir de imediato a questão, em vez de a protelar através das demoras de um outro, e por vezes demorado, processo. E como também refere o acórdão desta Relação de 07-07-2009 (proc. n.º 1267/06.6TBVNG.P1), o recurso à equidade é possível desde que esteja apurado um mínimo de elementos sobre a natureza dos danos e a sua extensão, que permita ao julgador determinar os seus limites mínimo e máximo.
Neste caso, estamos perante um processo que se arrasta desde 1988, relativo a um acidente de viação ocorrido em 1985. O autor está emigrado em França e a obtenção de prova tem-se revelado difícil e demorada. Como a presente acção demonstra. Nestas circunstâncias, parece adequado recorrer, para efeitos de quantificação deste tipo de dano patrimonial segundo a equidade, ao salário mínimo que vigorava em França no período desde 20-08-1985 até 05-07-1986.
Segundo os dados obtidos através do site do INSEE – INSTITUT NATIONAL DE LA STATISQUE ET DES ETUDES ECONOMIQUES][1], nesse período de tempo o montante do salário mínimo (SMIC) teve as seguintes variações
- De 01-07-1985 a 31-05-1986 – 4.400,76 Francos/mês (670,89€s) ou 26,04 Francos/hora (3,97€);
- De 01-06-1986 a 06-07-1986 – 4.493,71 Francos/mês (685,06€) ou 26,59 Francos/hora (4,05€)
- De 07-07-1986 a 31-12-1986 – 4.549,48 Francos/mês (693,56€) ou 26,92 Francos/hora (4,10€).
Assim, aplicando estes valores ao período de incapacidade para o trabalho sofrido pelo autor, o valor do prejuízo mínimo sofrido foi de 7.149,64€, ou seja:
- 670,89€ : 30 dias = 22,36€ x 284 dias = 6.350,24€
- 685,06€ : 30 dias = 22,84€ x 35 dias = 799,40€

7.3. O mesmo valor deverá também servir de referência à fixação da indemnização pela IPP de que o autor ficou afectado.
Com efeito, os factos provados revelam, a este respeito, que o autor ficou afectado de uma incapacidade permanente geral de 15% [cfr. al. p) dos factos provados].
A sentença recorrida começou por dizer que "a afectação que a IPP, do ponto de vista funcional, traduz, determina, no âmbito do que vem sendo denominado dano biológico, consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado". Porém, decidiu não atribuir qualquer indemnização ao autor porque "pese embora a incapacidade geral que (o) afectou, não se sabe se o A. auferia quaisquer proventos decorrentes da actividade de industrial que desempenhava, dado que sendo um industrial de padaria e de pastelaria se depreende que não exerce uma actividade por conta de outrem, podendo limitar-se a receber dividendos. Assim, não tendo ficado demonstrada qualquer perda de capacidade de ganho e, bem assim, danos de natureza profissional, … não se atribui qualquer indemnização a título de danos patrimoniais".
Para além de partir de pressupostos que não se contêm na matéria de facto provada — como é a ilação de que o autor pode limitar-se a receber dividendos da sua actividade industrial de padaria e pastelaria — não concordamos com esta visão tão redutora acerca do prejuízo resultante da perda de capacidades biológicas e funcionais inerentes a qualquer IPG, e também não é essa a perspectiva que tem sido acolhida pela generalidade da jurisprudência conhecida.
Citando apenas as decisões do STJ mais recentes, em acórdão de 20-05-2010 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 103/2002.L1.S1) é dito que: "O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial".
Reforçando a mesma doutrina, em acórdão de 15-04-2010 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 355/2002.E1.S1), foi dito que: "Constitui entendimento corrente deste Tribunal que o lesado que fica a padecer de determinada incapacidade parcial permanente — sendo a força de trabalho um bem patrimonial que propicia rendimentos, a incapacidade parcial permanente é, consequentemente, um dano patrimonial — tem direito a indemnização por danos futuros, danos estes a que a lei manda expressamente atender, desde que sejam previsíveis. Sendo a incapacidade permanente, de per si, um dano patrimonial, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral (presente ou previsivelmente futuro), quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais (actuais ou previsivelmente futuros)".
E no acórdão de 16-09-2008 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 08B939) também foi dito que: "Mesmo que a vítima não exerça ou não exerça ainda qualquer actividade remunerada nem por isso o dano deixará de ser ressarcido, já que nesta última hipótese foi precisamente o evento danoso a frustrar a aquisição futura de ganhos. Mas como o cálculo do valor deste tipo de danos se reveste sempre de alguma incerteza, deverá o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por apurados, em conformidade com o disposto no n.° 3 do art. 566.° C.Civil".
Como se constata, o prejuízo a reparar, inerente a esta incapacidade, não é apenas o que se reflecte na perda efectiva de rendimentos que o lesado estava a auferir. É também o "dano futuro previsível", a que alude o n.º 2 do art. 564.º do Código Civil, e que tanto se pode traduzir na diminuição efectiva de ganhos como na frustração de ganhos futuros ou ainda no maior esforço que o lesado tem que desenvolver para poder manter os mesmos rendimentos que auferia.
Não existem, pois, dúvidas de que o autor tem direito a indemnização por esta incapacidade biológica e funcional que o afectará para toda a vida.
Como também decorre dos acórdãos anteriormente citados, a fixação do quantitativo desta indemnização deverá fazer-se por recurso à equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do Código Civil, tendo em conta as circunstâncias concretas do caso, retratadas na matéria de facto provada, designadamente a idade do lesado, o grau de incapacidade de que ficou afectado, o rendimento que auferia, o tempo de vida activa e física e a taxa de juro que serve de referência às operações de depósitos a médio-longo prazo. E deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado previsivelmente iria auferir durante o período provável de vida activa e que se extinguirá no final desse período (cfr. entre outros, os acórdãos do STJ de 05-07-2007 e 03-03-2009, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 07A1734 e 09A0009).
No caso, os factos provados revelam que o autor nasceu no dia 16 de Outubro de 1950 [cfr. al. f)]. Tinha à data da alta, em 05-07-1986, 35 anos de idade (ia fazer 36 anos dentro de 3 meses e alguns dias).
Pelos motivos atrás referidos — ou seja, apenas se sabe que exercia a actividade industrial de padaria e pastelaria, mas desconhece-se qual o rendimento que então auferia—, o rendimento que deverá servir de referência ao cálculo desta indemnização é também o salário mínimo vigente em França à data da alta, ou seja, 4.493,71 Francos/mês ou 685,06€.
Sendo de 15% o coeficiente da IPG de que ficou afectado, o valor da indemnização, reportada à data da alta, deverá fixar-se em 31.900€.

7.4. Finalmente, ainda quanto a danos patrimoniais provados, acresce a quantia de 18.840$00 ou 93,97€, relativa às deslocações em táxi referidas no item 14) dos factos provados.

7.5. Resumindo, a indemnização por danos patrimoniais a indemnizar perfaz a soma de 40.584,58 (1.440,79€ + 7.149,64€ + 31.900,00€ + 93,97). Que se arredonda para 40.585.00€.

8. Quanto à indemnização por danos não patrimoniais, na petição inicial o autor pediu a quantia de 400.000$00. Posteriormente, actualizou esse pedido para o montante de 40.000€, através do requerimento a fls. 686, que foi deferido por despacho transitado em julgado.
Na sentença recorrida, o tribunal de 1.ª instância fixou a quantia de 7.500€ para compensar estes danos sofridos pelo autor.
Salvo melhor opinião, parece-nos que o montante de 40.000€ pedido pelo autor é algo excessivo, mas o montante fixado pela 1.ª instância é inequivocamente insuficiente para compensar o autor dos danos não patrimoniais sofridos com este acidente.
A indemnização por danos não patrimoniais está prevista no art. 496.º do Código Civil. Que a limita aos danos "que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito". O que quer dizer que há-de tratar-se de ofensa a bens jurídicos imateriais tutelados pelo direito, como são a vida e a integridade física e moral das pessoas, a liberdade, a saúde e a qualidade de vida, entre outros, tutelados pela Constituição (arts. 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 64.º e 66.º) e pela lei (art. 70.º do Código Civil), e ainda que essa ofensa ou lesão revele, em concreto e objectivamente, gravidade merecedora de reparação.
Segundo o Prof. GALVÃO TELLES (em Direito das Obrigações, 3.ª edição, p. 331) “por danos não patrimoniais entendem-se os prejuízos que … ofendem bens de carácter imaterial, desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro (tais como as dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação). A ofensa objectiva desses bens tem em regra um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral” (cfr. ainda na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 133.º, p. 66, em anotação ao ac. do STJ de 16-05-2000).
Também o Prof. ANTUNES VARELA (em Das Obrigações em Geral, vol. 1.º, 2.ª edição, Almedina, 1973, p. 486) escreve que "a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (…) e não à luz de factores subjectivos (…); por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado".
Entre os danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito inclui-se, necessariamente, o prejuízo corporal, materializado nas lesões causadas na integridade física das pessoas, em todas as suas vertentes ou dimensões: a extensão e gravidade dos ferimentos; as dores físicas e morais (quantum doloris) decorrentes desses ferimentos e da complexidade e duração do seu tratamento clínico; e as sequelas que ficaram a permanecer após a cura e que compreendem, designadamente: o prejuízo estético caracterizado por cicatrizes, deformações, mutilações, com diminuição da aparência ou beleza física; o prejuízo juvenil (pretium juventutis); o prejuízo de auto-estima e de afirmação social; o prejuízo da saúde e da longevidade, resultante de lesões com incidência na duração normal da esperança de vida; o prejuízo sexual; e o prejuízo de auto-suficiência, caracterizado pelo estado de dependência da assistência de terceira pessoa para os actos correntes da vida diária.
No caso, com interesse para a apreciação dos danos não patrimoniais, apurou-se o seguinte quadro lesivo para o autor:
1) Quanto a lesões corporais, sofreu traumatismo torácico e traumatismo do pé direito com fractura do cubóide.
2) Quanto a tratamentos, foi-lhe imobilizado o pé direito, com tala posterior gessada, situação que manteve durante mês e meio a dois meses e, depois, teve que usar canadianas pelo período aproximado de dois meses; teve de sujeitar-se a sessões de fisioterapia durante vários meses, até à data da alta em 05-07-1986.
3) Quanto a sequelas, ficou com rigidez da articulação sub-astragalina, acompanhada de dores nos movimentos de lateralidade do pé (adução e abdução), bem como nos movimentos de rotação (pronação e supinação); e ficou com uma incapacidade permanente geral de 15%.
4) Em termos de prejuízo doloroso ou quantum doloris, teve dores físicas causadas pelas lesões sofridas e pelos tratamentos a que foi sujeito, designadamente com a operação de colocação e extracção da tala engessada, com a imobilização do pé e com as dificuldades de locomoção, e psiquicamente ficou com a sensação de se ver diminuído fisicamente. Tendo este quadro doloroso sido graduado no nível 4 de uma escala crescente de sete graus (cfr. relatório médico a fls. 621).
São, pois, estas concretas lesões corporais sofridas pelo autor, com o quadro doloroso a que deram causa e com as sequelas físicas e funcionais que produziram, que no seu conjunto determinam a dimensão concreta do prejuízo moral a compensar.
Nos termos do disposto no n.º 3 do art. 496.º do Código Civil, a fixação desta compensação deve ser feita equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do lesante e as demais circunstâncias concretas do caso que possam relevar, por forma a "encontrar um quantum que, de alguma forma, possa proporcionar ao lesado momentos de prazer que contribuam para atenuar a dor sofrida" (cfr. ac. do STJ de 07-07-2009, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 858/05.7TCGMR.S1). Sem deixar de também ter em conta que esta indemnização tem natureza mista, porque visa reparar o dano e também sancionar a conduta do lesante (cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, em Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, p. 501).
O Supremo Tribunal de Justiça vem dizendo, desde há muitos anos, que "a indemnização por danos não patrimoniais, para responder, actualizadamente, ao comando do art. 496.º do Código Civil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa" (cfr. os acs. de 11-10-94, na CJ-STJ/1995/ III/89), e de 23-04-98, na CJ-STJ/1998/II/49).
E no seguimento dessa orientação, a título de exemplo, o ac. do STJ de 21-04-2010 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 691/06.9TBAMT.P1.S1) considerou justo o montante de 30.000€ para compensar os danos não patrimoniais sofridos por uma criança de 9 anos, que sofreu "fractura complexa do rim direito, com atrofia renal, diminuição da função renal e lesões corticais, sem reversibilidade e com probabilidade futura de cólicas renais de repetição, infecções renais e hipertensão arterial e, bem assim, com possível necessidade de futura extracção do órgão, tudo com inerentes dores, angústia, tristeza, revolta e incómodos", e ficou a padecer de uma IPP de 12%.
Também esta Relação, por acórdão de 02-06-2009 desta mesma Secção, proferido no proc. n.º 11/06.2TBLSD.P1, considerou ajustado "fixar em € 35.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a um jovem de 18 anos que ficou a padecer … de IPG de 20%, e que foi submetido a 4 intervenções cirúrgicas e a tratamentos e internamentos, durante os quais suportou dores e sofrimentos consideráveis”.
Tanto o quadro lesivo e doloroso sofrido pelo autor como quadro de sequelas de que ficou a padecer é de menor intensidade relativamente aos dois casos anteriormente citados. Cujas idades dos lesados também eram bem menores do que a que tinha o autor à data do acidente.
Por conseguinte, tentando situar-nos dentro do mesmo critério e em face do quadro lesivo de menor gravidade do autor, tem-se por ajustada a quantia de 20.000€, reportada ao momento da sentença da 1.ª instância, para o compensar dos danos não patrimoniais sofridos.

9. Concluindo a apreciação do recurso do autor, há que revogar a sentença recorrida e condenar solidariamente os réus a pagarem ao autor a quantia global de 60.585,00€, sendo 40.585,00€ a título de danos patrimoniais e 20.000,00€ a título de danos não patrimoniais, mas com a ressalva de que a responsabilidade da ré seguradora fica limitada ao montante do capital do seguro de 7.482,00€ (1.500.000$00).
Nos termos peticionados pelo autor e de acordo com o disposto nos arts. 804.º, 805.º, n.º 2, al. b), e n.º 3, 806.º, nºs 1 e 2, e 559,º todos do Código Civil, sobre o valor global da indemnização a pagar ao autor são devidos juros de mora, às taxas legais em vigor no período da mora, a contar:
a) sobre a quantia de 40.585,00€ (indemnização por danos patrimoniais), reportada à data do pedido, desde a data da citação dos réus até integral pagamento;
b) sobre a quantia de 20.000,00€ (indemnização por danos não patrimoniais), reportada à data da sentença da 1.ª instância, a contar dessa data até integral pagamento.

B – Apelação da ré H……….:
10. Alega a recorrente H………. que o autor, na sua petição, peticionava apenas a condenação da ré E………. até ao montante do respectivo seguro; que este pedido veio a ser ampliado e alterado a fls. 684/687, mas sem se tocar naquele limite da condenação da seguradora ao capital seguro; que, porém, na parte final da sua alegação de recurso, o autor pede agora a condenação de todos os réus, solidariamente, ao pagamento das quantias invocadas na conclusões 19.ª, 28.ª e 32.ª. O que diz ser inadmissível e constituir violação do art. 273.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Verdadeiramente, esta questão não pode constituir objecto de recurso, ainda que subordinado, na medida em que não visa impugnar uma decisão judicial desfavorável ao recorrente (arts. 676.º, n.º 1, e 682.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Tem, sim, o âmbito de uma contra-alegação às alegações do recurso do autor. A que já se respondeu, implicitamente, no número anterior.
Não obstante, sempre se dirá que:
É verdade que o autor terminou as conclusões da sua alegação de recurso dizendo que, no provimento do presente recurso, seja revogada a sentença recorrida e, "ao invés do que nesta se decidiu, deve julgar-se a acção totalmente procedente e, em consequência, declarar-se que o acidente foi causado por culpa exclusiva do R. C………. e condenarem-se os todos os RR., solidariamente, ao pagamento ao A. das quantias invocadas nas conclusões n.ºs 19, 28 e 32, acrescidas dos respectivos juros".
Porém, tal conclusão tem que ser entendida no contexto do pedido formulado na petição inicial. E aí o autor distinguiu, com clareza e precisão, que o pedido de condenação da ré E………. era limitado "apenas até ao montante do respectivo seguro".
Esta delimitação do pedido do autor não foi alterada nem afectada pelo requerimento de ampliação e alteração do pedido formulado a fls. 684-687. O qual, no essencial, se consubstancia na conversão dos valores de escudos e francos franceses para euros e na actualização do valor da indemnização inicialmente peticionado a título de danos não patrimoniais, claramente justificada pela invulgarmente excessiva demora desta acção, pendente desde 12-08-1988, o que quer dizer que, com referência à data da sentença da 1.ª instância, em Julho de 2009, perdurava há cerca de 21 anos.
De qualquer modo, essas ampliação e alteração do pedido foram admitidas por despacho judicial proferido a fls. 694. Sem que tenha havido recurso. De modo que, tendo transitado em julgado, a questão deixa de poder ser reapreciada e modificada (art. 672.º do Código de Processo Civil). Sem prejuízo, obviamente, de, em relação à ré seguradora se manter o limite do capital seguro, que é o limite da sua responsabilidade. O que também sempre decorreria da aplicação das pertinentes normas sobre o seguro obrigatório do ramo automóvel então em vigor (cfr. arts. 8.º, n.º 1, e 22.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 408/79, de 25/09, então vigente, dado que o Decreto-Lei n.º 522/85, de 31/12, foi publicado e entrou em vigor depois do acidente).

10. As questões que a ré H………. suscita nas conclusões 5.ª a 8.ª, sobre a inexigibilidade de juros de mora e sobre a restituição do excesso de depósito estão prejudicadas pela solução dada ao recurso do autor.
Cabe tão só acrescentar, quanto à mora da ré H………. o seguinte:
Nos termos do disposto no art. 805.º, n.º 2, al. b), e n.º 3, do Código Civil, tratando-se de obrigação emergente de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação. A lei presume que, a partir dessa interpelação judicial, o devedor está em condições de poder cumprir. E se não cumprir, fá-lo incorrer em mora.
Como é que o devedor pode pôr termo à mora? Satisfazendo o direito do credor, mediante a entrega da prestação devida (cfr. M. J. ALMEIDA COSTA, em Direito das Obrigações, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1984, p. 742).
Foi o que aconteceu neste caso?
Parece que não foi. O que a ré seguradora fez foi depositar o montante do capital seguro à ordem do Juiz do processo (fls. 113). E não à ordem do autor. Uma coisa é a entrega da prestação devida ao credor, que dela pode dispor como entender. Outra coisa diferente é colocá-la à ordem de uma entidade terceira, mesmo que seja o tribunal, para que seja entrega ao credor se e quando lhe for atribuída.
Assim, o retardamento da prestação manteve-se durante todo deste tempo que demorou a decidir a acção e manter-se-á até que a respectiva quantia seja entrega ao autor e este possa dispor dela em seu proveito, como coisa sua. O que ainda não aconteceu.
E de tal modo se manteve, mesmo perante a ré seguradora, a convicção de incumprimento que a própria ré termina este seu recurso pedindo a devolução do montante desse depósito na parte que excede a condenação proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
Donde se conclui que o depósito feito pela ré seguradora não pôs termo à mora e esta terá que responder por essa mora em relação ao montante da indemnização por que lhe cabe responder, desde a data da citação até efectivo pagamento ao autor dessa quantia.

11. Sumariando:
i) A declaração amigável de acidente automóvel, quando preenchida e assinado pelos condutores dos veículos intervenientes no mesmo acidente, fica sujeita às regras probatórias constantes dos arts. 373.º a 376.º do Código Civil, e, por isso, faz prova plena contra os dois condutores que a subscreveram em relação às circunstâncias nela descritas sobre a forma como decorreu o acidente.
ii) Sendo apresentada em acção instaurada contra a seguradora, o condutor e o proprietário do veículo, todos demandados em litisconsórcio necessário, o valor probatório da referida declaração é livremente apreciada pelo tribunal em relação ao conjunto dos demandados.
iii) A lei portuguesa permite a junção a processo judicial (art. 140.º do Código de Processo Civil) e confere eficácia probatória (art. 365.º, n.º 1, do Código Civil) a documentos, autênticos ou particulares, passados em língua estrangeira, desacompanhados da sua tradução, deixando ao critério do juiz de, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordenar que seja apresentada a respectiva tradução.
iv) O condutor que permitiu que, numa curva, o veículo que conduzia transpusesse a linha longitudinal continua existente sobre o meio da faixa de rodagem a delimitar os sentidos de trânsito e circulasse pela hemifaixa destinada ao trânsito de sentido contrário e, em consequência dessa manobra, foi embater de frente com outro veículo que circulava nessa hemifaixa de rodagem, é culpado exclusivo pelo embate.
v) O prejuízo a reparar inerente à IPG de que o lesado ficou afectado não é apenas o que se reflecte na perda efectiva de rendimentos que o lesado estava a auferir, é também o "dano futuro previsível", a que alude o n.º 2 do art. 564.º do Código Civil, e que tanto se pode traduzir na diminuição efectiva de ganhos como na frustração de ganhos futuros ou ainda no maior esforço que o lesado tem que desenvolver para poder manter os mesmos rendimentos que auferia.
vi) A fixação do quantitativo desta indemnização deverá fazer-se por recurso à equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do Código Civil, tendo em conta as circunstâncias concretas do caso, retratadas na matéria de facto provada, designadamente a idade do lesado, o grau de incapacidade de que ficou afectado, o rendimento que auferia, o tempo de vida activa e física e a taxa de juro que serve de referência às operações de depósitos a médio-longo prazo, e deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado previsivelmente iria auferir durante o período provável de vida activa e que se extinguirá no final desse período.
vii) O depósito feito pela seguradora à ordem do Juiz do processo do montante do capital do seguro, sem a sua entrega efectiva ao lesado, não equivale ao cumprimento da prestação para efeitos de por termo à mora iniciada com a citação, nos termos previstos no n.º 3 do art. 805.º do Código Civil.

IV – DECISÃO
Por tudo o exposto, julgando parcialmente procedente a apelação do autor e totalmente improcedente a apelação da ré seguradora, decide-se:
1) Revogar a sentença recorrida e condenar solidariamente os réus a pagar à autora a quantia de 60.585,00€ (sessenta mil quinhentos e oitenta e cinco euros), acrescida de juros de mora, às taxas legais em vigor no período da mora, a contar desde a data da citação sobre a quantia de 40.585,00€ (indemnização por danos patrimoniais) e desde a data da sentença da 1.ª instância sobre a quantia de 20.000,00€ (indemnização por danos não patrimoniais), mas com a ressalva de que a condenação da ré H………. fica limitada ao pagamento do montante do capital do seguro obrigatório em vigor à data do acidente, que era de 7.482,00€ (1.500.000$00), acrescida dos respectivos juros de mora a contar da data da sua citação.
2) Custas da acção e dos recursos na proporção do decaimento de cada uma das partes (art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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Relação do Porto, 29-06-2010
António Guerra Banha
Anabela Dias da Silva
Sílvia Maria Pereira Pires


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[1] - Também constam dos sites: http://juristprudence.online.fr/smic%20anciens.htm ou http://pagesperso-orange.fr/oster/smic.htm ou http://www.mysalaire.fr/fr/insee_smic_1980.php