Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2690/14.8T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
REGIME TRANSITÓRIO
Nº do Documento: RP201609262690/14.8T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 245, FLS.348-353)
Área Temática: .
Sumário: I - Por força do regime transitório estabelecido na Portaria n.º 291/2000, de 25 de Maio, dispondo o seu art.º 3.º, que o FAT, no que respeita aos acidentes de trabalho ocorridos até 31 de Dezembro de 1999, passou a assumir as responsabilidades que recaíam sobre o anterior fundo nos precisos termos das “obrigações legais e regulamentares” que para este se encontravam definidas, nesses casos a responsabilidade daquela entidade não é aferida à luz do disposto no art.º 39.º 1, da LAT, nem tão pouco do art.º 1.º al .a), do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 185/2007 de 10 de maio, como foi entendido pelo Tribunal a quo.
II - Dispondo o art.º 6.º, do anexo à Portaria n° 642/83, de 1 de Janeiro, na parte que regula o funcionamento e o regime do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, que «[O] Fundo de Garantia não responde pelas eventuais prestações a que o trabalhador possa ter direito na situação de incapacidade temporária” e estando aqui em causa um acidente de trabalho ocorrido 13-09-97, cabendo ao FAT assumir as responsabilidades do FGAP nos precisos termos das “obrigações legais e regulamentares” que para este se encontravam definidas, não deveria o Tribunal a quo ter responsabilizado esta entidade pelo pagamento ao sinistrado da “quantia de € 7.159,64 a título de indemnização por incapacidade temporária”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 2690/14.8T8PRT.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Porto - Inst. Central - 1ª Sec. Trabalho – J1, B… intentou a presente acção especial, emergente de acidente de trabalho, contra C…, LIMITADA, pedindo que julgada a acção procedente, seja as Ré condenadas no seguinte:
- a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia no valor de € 1.278,94, a quantia de € 5.821,79 a título de indemnização por incapacidades temporárias e a quantia de € 20,00 a título de despesas com transporte obrigatórios.
Para sustentar os pedidos alegou, no essencial, ter sofrido um acidente de trabalho no dia 13 de Setembro de 1997, quando se encontrava a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da sociedade “C…, Lda.”, como pedreiro, numa obra em …, Alemanha, o qual consistiu em ter caído de uma abertura existente na parede da obra onde exercia a sua actividade, o que lhe provocou lesões e de que resultaram sequelas que lhe determinaram uma IPP de 15%. À data do acidente auferia salário no montante de € 1.396,63/mês x 14.
Em consequência de tais lesões, sofreu período de incapacidade temporária, não lhe tendo sido paga a indemnização devida.
Alega, ainda, que na tentativa de conciliação, a R. reconheceu o acidente dos autos como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, bem como o salário mensal auferido pelo A. de Esc.: 280.000$00 / 1.396,63€, mas que não concordou com o grau de desvalorização então atribuído ao A. pelo perito médico do Tribunal.
Para além disso, considerou ter transferido a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a Companhia de Seguros D…, acrescentando ter sido feita, atempadamente,
a devida participação à mesma.
Sucede no entanto que dos autos não resulta inequívoca tal transferência de responsabilidade para a Seguradora indicada, ao menos no que especificamente diz respeito ao sinistro aqui em causa.
Notificado para o efeito, veio o Instituto da Segurança Social, I.P., pedir a condenação da entidade responsável a reembolsá-lo dos montantes pagos ao autor a título de subsídio de doença em consequência da Incapacidade temporária de que padeceu após o acidente de trabalho, no valor de € 5.537,38. Juntou certidão de dívida.
Regularmente citada a Ré contestou, vindo alegar que se encontra extinta por escritura de dissolução e liquidação registada na CRC Valongo, nessa consideração requerendo a suspensão da instância.
Invocou, ainda, que a responsabilidade pela reparação de danos causados por acidente de trabalho, se encontrava transferida para a Companhia de Seguros “D…” através da apólice com o n.º ..-……../…. ...
E, requereu que o A. fosse submetido a exame por junta médica.
O A. respondeu, pedindo o prosseguimento da acção contra a generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, ao abrigo do disposto no artº 162º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais.
O Tribunal a quo procedeu à apreciação dessa questão - por despacho de fls. 279 – e, tendo concluído confirmar-se a extinção da primitiva ré, ordenou o prosseguimento da acção contra os sócios liquidatários no lugar daquela, nomeadamente, contra as rés:
- E…, F… e G….
Foi proferido despacho saneador.
Após a realização de várias diligências, veio a citar-se a sociedade “H…”, a qual apresentou Contestação a fls. 666 e ss., onde excepcionou, além do mais, a sua ilegitimidade (passiva), a inexistência de contrato de seguro contra acidentes de trabalho entre a seguradora e a primitiva sociedade “C…”, a prescrição e, por fim, a falta de Participação do Acidente de Trabalho.
Por seu turno, as antigas sócias E…, G… e F…, em resposta pronunciaram-se sobre as excepções supra mencionadas e invocaram a sua irresponsabilidade pelos danos, com fundamento na inexistência de qualquer bem ou importâncias que tenham recebido da sociedade dissolvida “C…”, aquando da partilha e liquidação, efectuadas.
Concluíram pela absolvição.
O autor respondeu.
Em 17.09.2015 realizou-se audiência preliminar.
Por despacho de fls. 959/962, proferido em 16.10.2015, concluiu-se pela absolvição da instância da Seguradora “H…”, com base na falta de contrato de seguro válido e eficaz, ordenando-se a prossecução dos autos para apreciação da responsabilidade das rés “liquidatárias”.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
«Nestes termos e com tais fundamentos decide-se:
1. Absolver as rés E…, F… e G… dos pedidos formulados pelo sinistrado e pelo Instituto da Segurança Social, I.P...
2. Reconhecer que o autor B… sofreu um acidente de trabalho e, nessa conformidade:
2.1. Atribuir-lhe o montante de € 1.474,46 a título de pensão anual e vitalícia devida desde o dia seguinte ao da alta, e ainda a pagar-lhe a quantia de € 7.159,64 a título de indemnização por incapacidade temporária.
2.1.1. O montante da pensão ora fixado deverá ser actualizado em conformidade com os regimes legais sucessivamente em vigor.
2.2. Atribuir-lhe o montante de € 27,13 a título de deslocações.
Mais se decide que:
Face à ausência/desaparecimento da entidade responsável, seja o Fundo de Acidentes de Trabalho a garantir o pagamento das quantias elencadas em 2.1. e 2.2., nos termos supra ordenados.
O FAT não suportará qualquer quantia devida a título de juros por força do disposto no art. 1º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 142/99 de 30.04, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 185/2007 de 10.05.
Sem custas.
Registe e notifique.
Valor da acção: € 28.466,17.
Cumpra o disposto no art. 149º e 148º, nºs 3 e 4, do CPT. (..)».
I.3 Proferida a sentença a secção de processos procedeu ao cálculo do capital de remição e remeteu os autos aos Serviços do Ministério Público Ministério Público, para os efeitos do disposto no artº 148º nº4 do CPT.
Recebidos os autos nesses serviços, o Digno Magistrado do Ministério Público designou dia para a entrega do capital de remição e ordenou a notificação do Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) com cópia da sentença.
Discordando parcialmente da sentença e do cálculo realizado, pelas razões que adiante constarão, o FAT interpôs recurso de apelação.
Em face da interposição do recurso, o Digno magistrado do Ministério Público deu sem efeito a data designada para a entrega do capital de remição e ordenou a remessa dos autos à secção de processos do Tribunal a quo.
Conclusos os autos, pelo Tribunal a quo foi proferido o despacho determinando a notificação do FAT e das partes (..) para informarem da disponibilidade de todos para chegarem a entendimento nos autos (..)” , mencionando o propósito “(..) de não atrasar, ainda mais, o direito que assiste ao sinistrado em receber o capital de remição, tendo em conta todas as vicissitudes que ditaram a tramitação dos autos (..)”.
O Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), respondeu manifestando a sua indisponibilidade na consideração de não ter sido interveniente nos autos e de ter interposto recurso da sentença.
Por seu turno, o sinistrado manifestou a sua disponibilidade, porentender assistir razão ao FAT nos fundamentos que exprime no recurso por si interposto”.
O Tribunal a quo pronunciou-se sobre os requerimentos, constando do respectivo despacho o seguinte:
-«Reflectindo sobre a argumentação apresentada pelo FAT em sede de alegações, já o dissemos, não podemos deixar de a considerar pertinente e, aparentemente, assertiva, razão pela qual proferimos o teor do despacho que antecede, a que o FAT não anuiu.
Todavia, não tendo o FAT invocado expressamente a nulidade da sentença, é mister concluir que se encontra esgotado o poder jurisdicional e, desse modo, legalmente impedidos de a alterar.
Ainda assim, sempre se diga que, assistindo razão ao FAT quanto á omissão da sua notificação do teor da sentença, a sua intervenção apenas se mostrou tempestiva a partir do momento que, em sede de sentença, se concluiu pela inexistência de entidade responsável».
E, prosseguiu proferindo despacho de admissibilidade do recurso.
I.4 O recurso de apelação interposto pelo FAT foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações de recurso foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
1. Através de sentença proferida nos autos em 16-03-2016, foi o Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) condenado no pagamento das prestações (pensão anual, indemnização por incapacidades temporárias e despesas de transportes) arbitradas ao sinistrado B….
2. O acidente sofrido pelo sinistrado ocorreu em 13-09-1997.
3. Acontece que a responsabilidade do FAT pelo pagamento de prestações emergentes de acidentes de trabalho ocorridos antes de 01-01-2000, corresponde, nos exatos termos, àquela que cabia ao ex-FGAP, ou seja, de acordo com o estipulado no Anexo à Portaria n.º 642/83, de 01-06.
4. Dispõe o artigo 6º do Anexo à Portaria n.º 642/83 que o ex-FGAP, não responde por eventuais prestações a que o trabalhador possa ter direito na situação de incapacidade temporária.
5. Nestes termos, tendo o acidente sofrido pelo sinistrado ocorrido em 1997, não responde o FAT pelo pagamento da indemnização por incapacidades temporárias devida ao sinistrado.
6. Por outro lado, resulta do cálculo do capital de remição que foi aplicada ao mesmo a Tabela constante da Portaria n.º 11/2000, de 13-01.
7. Contudo, atendendo quer à data do sinistro (13-09-1997) quer à legislação ao mesmo aplicável (Lei n.º 2127, de 03-08-1965 e D.L. 360/71, de 21-08) a tabela que deveria ter sido aplicada era a constante da Portaria n.º 760/85, de 04-10.
8. Pelo que, o capital de remição devido ao sinistrado será mais exatamente no montante de 20 215,44€ (1 474,46€ x 14,432 x 95%).
Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se parcialmente a sentença recorrida e, em consequência, ser o Fundo de Acidentes de Trabalho absolvido do pagamento da indemnização por incapacidades temporárias devendo ainda ser retificado o cálculo do capital de remição.
I.5 O Recorrido autor não apresentou contra alegações.
I.6 A Digna Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da procedência do recurso no que respeita à indemnização por incapacidades temporárias e assinalando, quanto à questão da rectificação do cálculo do capital de remição, que se trata de acto da secretaria sobre o qual não recaiu qualquer decisão judicial.
I.7 Foram cumpridos os vistos legais, apresentado o projecto de acórdão aos excelentíssimos adjuntos e determinado que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas pelo recorrente para apreciação consistem em saber se o tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i)Ao condenar o FAT no pagamento da indemnização por incapacidades temporárias devida ao sinistrado.
ii) Na aplicação da Tabela constante da Portaria n.º 11/2000, de 13-01, para efeitos do cálculo do capital de remição.
I.9 Questão prévia: admissibilidade do recurso quanto à questão de erro na aplicação da Tabela constante da Portaria n.º 11/2000, de 13-01, para efeitos do cálculo do capital de remição.
O FAT vem recorrer do cálculo do capital de remição efectuado, sustentando que foi aplicada no mesmo a Tabela constante da Portaria n.º 11/2000, de 13 de Janeiro, nesse pressuposto considerando-se a taxa de reserva 14,470, quando atendendo à data do sinistro (13-09-1997) e à legislação ao mesmo aplicável (Lei n.º 2127, de 03-08-1965 e D.L. 360/71, de 21-08) a tabela que deveria ter sido aplicada era a constante da Portaria n.º 760/85 de 04-10, por remissão da Portaria 946/93, de 28-09.
Defende, assim, que a taxa de reserva a aplicar será de 14,432, pelo que o capital de remição devido ao sinistrado será mais exatamente no montante de 20.215,44€ (1.474,46€ x 14,432 x95%1), e não € 21.335,44.
Coloca-se, porém, a questão de saber se o recurso pode ser admitido e apreciado quanto a essa questão.
O recurso constitui um instrumento de impugnação de decisões judiciais, permitindo a sua reapreciação por um tribunal hierarquicamente superior.
Mas para que possa ser suscitada essa intervenção do Tribunal superior, é condição essencial que esteja em causa uma decisão judicial. Só as decisões judiciais são susceptíveis de serem impugnadas por via recursiva, como decorre do n.º1 do art.º 627.º do CPC, ao dispor: “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recurso”.
Ora, nos procedimentos para o cálculo do capital de remição não há qualquer intervenção do Juiz, cabendo o respectivo cálculo à secretaria, para em seguida o processo ir ao Ministério Público, que após verificação do cálculo, ordena as diligências necessárias à entrega de capital (n.ºs 3 e 4, do art.º 148.º, ex vi art.º 149.º, do CPT).
Note-se que do dispositivo da sentença recorrida nada consta sobre quais as normas legais a considerar pela secretaria na realização do cálculo do capital de remição, nem tão pouco sequer é determinado que se proceda ao cálculo do capital de remição.
Assim, sendo certo que a realização do cálculo do capital de remição não implicou qualquer intervenção do Juiz, nem foi realizada em conformidade com qualquer determinação sobre as normas legais a aplicar, é forçoso concluir que não existe qualquer decisão judicial que possa e deva ser atacada por via de recurso. Com efeito, o cálculo do capital de uma pensão a realizar pela secretaria oficiosamente e a entrega do mesmo sob a égide do Ministério Público não constituem decisões judiciais.
Mais, para que fique claro, nem tão pouco se pode entender que há qualquer decisão judicial implícita, pelo facto do cálculo do capital de remição pela secretaria surgir na sequência da prolação da sentença. Aliás, repete-se, no caso em apreço da sentença nem sequer consta seja o que for sobre as normas legais a observar no cálculo do capital de remição, nem mesmo a determinar que se proceda ao mesmo.
Nesta consideração, contrariamente ao entendido pelo tribunal a quo, sobre esta questão não se encontrava esgotado o seu poder jurisdicional, na medida em que nada decidiu no que respeita ao cálculo do capital de remição. Confrontado com a argumentação da recorrente, o Tribunal a quo poderia, pois, ter-se debruçado sobre esta questão e, conforme fosse o seu entendimento, determinar a realização do cálculo nos termos pretendidos pelo FAT ou manter o cálculo efectuado.
Nesse caso, já estaríamos perante uma decisão judicial e, se porventura dela discordasse, poderia então o FAT dela recorrer.
Mas o certo é que o Tribunal a quo não emitiu qualquer pronúncia sobre esta questão, convindo ter presente que o FAT também não a suscitou, em requerimento autónomo e independentemente do recurso, como seria adequado, para provocar a necessidade de intervenção do Juiz e a prolação de decisão judicial, apreciando e tomando posição quanto a esse ponto.
Por conseguinte, não existindo decisão judicial sobre o cálculo do capital de remição, não pode a recorrente impugnar o mesmo por via de recurso.
E, consequentemente, quanto a essa questão está este tribunal ad quem impedido de se pronunciar, cabendo rejeitar a sua apreciação.
Por outro lado, tal conduta processual consubstancia um incidente anómalo, devendo ser tributado.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
Não tendo havido impugnação da matéria de facto nem havendo lugar a qualquer alteração por iniciativa deste Tribunal ad quem, não se procede à transcrição dos factos provados, antes se remetendo para a decisão da 1.ª instância, nos termos permitidos pelo art.º 663.º n.º 6, do CPC.
Ademais, os factos relevantes para apreciação do recurso são exclusivamente os que resultam do relatório.
II.2 MOTIVAÇÃO de DIREITO
Importa começar por determinar a lei aplicável, para tanto relevando o facto do acidente do acidente de trabalho ter ocorrido no dia 13 de Setembro de 1997, em plena vigência da Lei n.º 2127/65 de 3 de Agosto, que veio a ser revogada pela Lei 100/97, de 13 de Agosto (art.º 42.º), a qual, por seu turno, também foi entretanto revogada pela actual Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro (art.º 186.º).
Qualquer destes dois diplomas que sucederam àquela primitiva lei dos acidentes de trabalho contém normas reguladoras de aplicação da lei no tempo, nas quais o legislador acolheu o princípio de aplicação da Lei no tempo contido no art.º 12.º do CC, dai que ambas disponham que a nova lei apenas é aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos após o início da respectiva vigência: na Lei 100/97, o art.º 41.º n.º 1 al. a); na Lei 98/2009, o art.º 187.º n.º 1.
Cabe referir que a produção de efeitos da Lei n.º 100/97 ficou dependente da entrada em vigor do decreto-lei que a viria a regulamentar (art.º 41.º n.º1), o que veio a ocorrer em 1 de Janeiro de 2000, data de início da vigência do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (ar.º 71.º).
Em suma, de resto como bem considerou o tribunal a quo, no caso vertente aplica-se a Lei n.º 2127/65 de 3 de Agosto, diploma que veio a ser regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 360 /71.
Por outro lado, importa ter presente que à data do acidente não existia ainda o Fundo de Acidentes de Trabalho, antes cabendo ao Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, previsto na base XLV da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, no que aqui releva, assegurar o pagamento das prestações por incapacidade permanente ou morte em caso de acidente de trabalho, da responsabilidade de entidades insolventes.
Foi com a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, usualmente designada por LAT, que se estabeleceu a criação de um novo fundo, a criar por lei, dotado de autonomia financeira e administrativa, no âmbito dos acidentes de trabalho, dispondo o art.º 39.º, no seu n.º 1, o seguinte:
A garantia do pagamento das pensões por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária estabelecidas nos termos da presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, serão assumidas e suportadas por fundo dotado de autonomia administrativa e financeira, a criar por lei, no âmbito dos acidentes de trabalho, nos termos a regulamentar».
Contudo, deve notar-se que o art.º 41º nº2 al. b) da LAT, logo preveniu a necessidade de estabelecer um regime transitório para os casos anteriores à entrada em vigor da nova lei, dispondo que o diploma regulamentar estabelecerá o regime transitório, a aplicar ao fundo previsto no art. 39º.
Dado consecução ao estabelecido na LAT, a criação do FAT veio a ser concretizada pelo Decreto-Lei n.º 142/99 de 30 de Abril, diploma que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2000 (artigo 16.º), logo, na mesma data em que se iniciou a vigência da Lei 100/97. No preâmbulo daquele diploma, no que aqui interessa, menciona-se o seguinte:
-«(..)
Para prevenir que, em caso algum, os pensionistas de acidentes de trabalho deixem de receber as pensões que lhe são devidas, prevê-se que o FAT garantirá o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável.
No exercício desta competência o FAT substitui o Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, previsto na base XLV da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, destinado a assegurar o pagamento das prestações por incapacidade permanente ou morte em caso de acidente de trabalho, da responsabilidade de entidades insolventes».
Dispondo o artigo 1.º, desse diploma, com a epígrafe “Criação e competências do Fundo de Acidentes de Trabalho”, o seguinte:
- «[1] É criado o Fundo de Acidentes de Trabalho, dotado de personalidade judiciária e de autonomia administrativa e financeira, adiante designado abreviadamente por FAT, ao qual compete:
a) Garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável;
(..)».
E, no artigo 15.º - “Extinção do FUNDAP e do FGAP”, dispondo o n.º 2: “O Fundo de Garantia e Actualização de Pensões (FGAP) será extinto, transitando as respectivas responsabilidades e saldos para o FAT, nos termos e condições a definir por portaria dos Ministros das Finanças e do Trabalho e da Solidariedade”.
Entretanto, o DL 142/2009, veio a ser alterado pelo DL n.º 185/2007, de 10 de Maio, mas sem que as normas citadas tivessem sido objecto de alteração.
A extinção do FGAP, nos termos previstos naquele art.º 15.º, do DL 142/99, de 30 de Abril, veio a ser operada pela Portaria n.º 291/2000, de 25 de Maio, relevando aqui atentar nas disposições seguintes:
- [1.º] «O Fundo de Garantia e Actualização de Pensões considera-se extinto a parir de 15 de Junho de 2000, continuando a assegurar, até essa data, o pagamento das pensões por incapacidade permanente ou morte em caso de acidente de trabalho da responsabilidade de entidades insolventes ou equiparadas».
- [3.º] «As responsabilidades do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, que transitam para o Fundo de Acidentes de Trabalho, correspondentes a acidentes de trabalho ocorridos até 31 de Dezembro de 1999, ficam limitadas às obrigações legais e regulamentares do anterior fundo».
II.2.1 Na sentença recorrida, no que respeita à medida da intervenção do FAT assegurando o pagamento das prestações devidas ao sinistrado, consta a fundamentação seguinte:
-«(..)
Em harmonia com todo o exposto e, não tendo as sócias, ora rés, recebido qualquer bem, rendimento ou quantia monetária, decorrente da partilha da primitiva ré, nenhuma responsabilidade lhes pode ser assacada para efeitos de ressarcimento dos danos sofridos pelo autor.
Posto isto, impõe-se aferir da possibilidade de o Fundo de Acidentes de Trabalho assumir esses pagamentos, em substituição da entidade responsável.
Estabelece o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 185/2007 de 10 de maio, que são competências do FAT, além do mais “Garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objetivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável”.
Manifestamente, nos presentes autos não se provou a capacidade económica de nenhuma das entidades responsáveis pelo pagamento das prestações, seja por via da extinção da ré sociedade, seja pela insuficiência do seu activo no que diz respeito às suas antigas sócias.
Pelo que, por força do regime jurídico ínsito no referido Decreto-Lei, deve o Fundo de Acidentes de Trabalho suportar o pagamento, ao sinistrado, das prestações que se venham a apurar, com excepção dos juros de mora.
(..)
Como acima dissemos, na sequência do acidente, para além das lesões corporais descritas, o autor também sofreu perda e diminuição da capacidade de ganho, analisados tais critérios à luz da verificação dos pressupostos necessários ao seu ressarcimento.
Há, assim, que proceder ao cálculo do valor das indemnizações e da pensão anual e vitalícia a que o autor tem direito, sendo certo que, para apuramento de todos os montantes que integram a indemnização a receber, é preciso aferir do valor efectivamente recebido a título de salário mensal, o qual se cifra em € 1.396,63, num total anual de € 19.552,82 por ano.
Assim sendo e, em relação ao primeiro dos pedidos concretamente formulados pelo autor: a atribuição de pensão anual e vitalícia correspondente a uma IPP de 15%, a contar do dia seguinte ao da alta.
Há, pois, que apurar o montante da pensão anual e vitalícia que terá de lhe ser paga.
Efectuado o devido cálculo, (cfr. Base XVII da Lei 2127/65 de 03.08), conclui-se que o autor passará a auferir a pensão anual e vitalícia no montante de € 1.474,46, devida desde o dia seguinte ao da alta.
Por seu turno, a título de indemnização por Incapacidade Temporária, tendo o autor estado nessa situação entre 14/09/1997 e 01/11/1998, concretamente, com ITA entre 14/09/1997 e 13/03/1998, ITP de 50% entre 14/03/1998 e 13/05/1998, ITP de 30% entre 14/05/1998 e 13/07/1998 e ITP de 20% entre 14/07/1998 e 02/11/1998, tem o direito a receber o valor global de € 7.159,64.
Estando, igualmente, demonstrado um custo com deslocações obrigatórias – Base XIV, n.º 1 – no valor de € 27,13 (facto provado n.º 5), tem o autor igual direito ao seu recebimento.
(..)».
II.2.3 O fundamento invocado pelo recorrente FAT para pôr em causa a sentença, consiste na invocação de o tribunal a quo errou ao condenar no pagamento da indemnização por incapacidade temporária devida ao autor (conclusões 1 a 5).
No essencial, alega que tendo o acidente ocorrido em 13-09-1997, a responsabilidade do FAT pelo pagamento de prestações emergentes de acidentes de trabalho ocorridos antes de 01-01-2000, corresponde, nos exatos termos, àquela que cabia ao ex-FGAP, ou seja, de acordo com o estipulado no Anexo à Portaria n.º 642/83, de 01-06, no art.º 6º, não respondia por eventuais prestações a que o trabalhador pudesse ter direito na situação de incapacidade temporária.
Antecipa-se já que lhe assiste inteira razão.
O percurso feito acima sobre a legislação aplicável evidencia que à data em que o acidente ocorreu – 13-09-97- cabia ao Fundo de Garantia e Actualização de Pensões assegurar o pagamento das pensões por incapacidade permanente ou morte em caso de acidente de trabalho da responsabilidade de entidades insolventes ou equiparadas.
Como se explicou, o FGAP veio a ser extinto, sucedendo-lhe o actual FAT, entidade para quem transitaram as responsabilidades daquela “nos termos e condições a definir por portaria dos Ministros das Finanças e do Trabalho e da Solidariedade” (art.º 15.º 2, do DL 142/99).
A extinção do FGAP, bem como os termos e condições do trânsito das respectivas responsabilidades para a nova entidade levou-nos à Portaria n.º 291/2000, de 25 de Maio, decorrendo do seu art.º 3.º, acima transcrito, que o FAT, no que respeita aos acidentes de trabalho ocorridos até 31 de Dezembro de 1999, passou a assumir as que recaíam sobre o anterior fundo, nos precisos termos das “obrigações legais e regulamentares” que para este se encontravam definidas.
Assim, por força deste regime transitório, a responsabilidade do FAT quanto aos acidentes ocorridos até 31 de Dezembro de 1999, é definida pela lei que regia o FGAP e que vigorava à data desses acidentes, e não pela lei vigente à data em que se decide da sua responsabilidade de garantia ou subsidiária [Cfr, entre outros, os acórdãos –disponíveis em www.dgsi.pt - seguintes: do STJ, de 21-11-2003, proc.º 02S4680, Conselheiro Vítor Mesquita, e de 5-11-2006, proc.º 06S3408, Conselheiro Mário Pereira; do TRE, de 25-03-2008, proc.º 476/08-3, Desembargador Chambel Mourisco; e, do TRP, de 17 -01-2011, proc.º 179/1991.P1, Desembargador Machado da Silva].
Significa isso, pois, que nesses casos a responsabilidade do FAT não é aferida à luz do disposto no art.º 39.º 1, da LAT, nem tão pouco do art.º 1.º al .a), do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 185/2007 de 10 de maio, como foi entendido pelo Tribunal a quo.
A Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, na sua Base XLV, a que já nos referimos, dispunha que para assegurar o pagamento das prestações por incapacidade permanente ou morte, da responsabilidade de entidades insolventes, era constituído na Caixa Nacional de Seguros e Doenças Profissionais um fundo, gerido em conta especial, denominado Fundo de Garantia de Actualização de Pensões.
O regulamento daquela Caixa Nacional, bem como do funcionamento e regime do FGAP, constam em anexo à Portaria n° 642/83, de 1 de Janeiro. Ora, no respeita ao FGAP, o art.º 6.º, com a epígrafe “Incapacidade temporária”, dispõe o seguinte:
O Fundo de Garantia não responde pelas eventuais prestações a que o trabalhador possa ter direito na situação de incapacidade temporária”.
Por conseguinte, como bem assinala a recorrente, no âmbito da legislação revogada com a entrada em vigor da Lei 100/97, de 13 de Setembro, o Fundo de Garantia de Actualização de Pensões não respondia pelas prestações resultantes de incapacidades temporárias.
Consequentemente, estando aqui em causa um acidente de trabalho ocorrido 13-09-97 e cabendo ao FAT assumir as responsabilidades do FGAP nos precisos termos das “obrigações legais e regulamentares” que para este se encontravam definidas, não deveria o Tribunal a quo ter responsabilizado esta entidade pelo pagamento ao sinistrado da “quantia de € 7.159,64 a título de indemnização por incapacidade temporária”, nessa parte devendo ser alterada a sentença.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso nos termos seguintes:
i) Rejeitar a apreciação da questão relativa a erro na aplicação da Tabela constante da Portaria n.º 11/2000, de 13-01, para efeitos do cálculo do capital de remição.
ii) Julgar o recurso procedente na parte apreciada, alterando-se a sentença recorrida, na parte final do ponto 2.1, do dispositivo, onde se lê “(..) e ainda a pagar-lhe a quantia de € 7.159,64 a título de indemnização por incapacidade temporária”, que se revoga, em consequência absolvendo-se a Ré do pagamento dessa quantia.
Custas do recurso: Sem custas, no que respeita à parte apreciada; mas condenando-se a recorrente nas custas do incidente anómalo, que se fixam em 1 UC (art.º 7.º n.º8, do RCP e Tabela 2 anexa).

Porto, 26 de Setembro de 2016
Jerónimo Freitas
Fernanda Soares
Nelson Fernandes
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SUMÁRIO
1. Por força do regime transitório estabelecido na Portaria n.º 291/2000, de 25 de Maio, dispondo o seu art.º 3.º, que o FAT, no que respeita aos acidentes de trabalho ocorridos até 31 de Dezembro de 1999, passou a assumir as responsabilidades que recaíam sobre o anterior fundo nos precisos termos das “obrigações legais e regulamentares” que para este se encontravam definidas, nesses casos a responsabilidade daquela entidade não é aferida à luz do disposto no art.º 39.º 1, da LAT, nem tão pouco do art.º 1.º al .a), do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 185/2007 de 10 de maio, como foi entendido pelo Tribunal a quo.
2. Dispondo o art.º 6.º, do anexo à Portaria n° 642/83, de 1 de Janeiro, na parte que regula o funcionamento e o regime do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, que «[O] Fundo de Garantia não responde pelas eventuais prestações a que o trabalhador possa ter direito na situação de incapacidade temporária” e estando aqui em causa um acidente de trabalho ocorrido 13-09-97, cabendo ao FAT assumir as responsabilidades do FGAP nos precisos termos das “obrigações legais e regulamentares” que para este se encontravam definidas, não deveria o Tribunal a quo ter responsabilizado esta entidade pelo pagamento ao sinistrado da “quantia de € 7.159,64 a título de indemnização por incapacidade temporária”.

Jerónimo Freitas