Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA | ||
| Descritores: | EMPREITADA CULPA CLÁUSULA PENAL MORA | ||
| Nº do Documento: | RP2013110791046/11.0YIPRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/07/2013 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A presunção de culpa do artigo 799.º do Código Civil tem como fundamento material a posição do contraente em relação ao objecto da sua obrigação, a maior facilidade que ele tem em provar porque não foi cumprida a obrigação, a necessidade de incentivar o seu cumprimento e levar o obrigado a cuidar de reunir as razões que permitam afastar a sua própria culpa. II - Essa presunção aplica-se em todas as acções em que a propósito do incumprimento contratual se torne necessário demonstrar que o devedor incumpriu culposamente a sua obrigação, independentemente da configuração processual da acção. III - A cláusula penal, independentemente de ter natureza indemnizatória ou antes compulsória, é, em princípio, absolutamente válida, no primeiro caso por ser admitida expressamente pelo artigo 810.º do Código Civil e no segundo por ser consentida pelo princípio da liberdade negocial e por constituir um óptimo mecanismo para se alcançar o cumprimento das obrigações livremente assumidas nos contratos. IV - A exigibilidade da cláusula penal pressupõe sempre que a situação para que está prevista seja imputável ao devedor a título de culpa. V - Na dúvida sobre a sua natureza, a cláusula penal deve ser qualificada como cláusula de fixação antecipada do valor da indemnização, por ser essa a figura expressamente prevista na lei e, como tal, a não ser quando de forma segura ou inequívoca as partes acordem diferentemente, a figura supletivamente tida em mente pelas partes e que mais preserva o equilíbrio contratual. VI - Não havendo convenção em contrário, a estipulação de uma cláusula de fixação antecipada do valor da indemnização impede o credor de exigir além do valor da cláusula penal (moratória) a indemnização dos danos (moratórios) decorrentes do mesmo ilícito contratual que desencadeia a aplicação da cláusula penal. VII - Se o empreiteiro aplica na obra materiais diferentes dos previstos no contrato, incumpre o contrato, não tendo o dono da obra, para poder exercer os direitos decorrentes desse incumprimento, de provar que a desconformidade lhe causa uma menos valia. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação Processo n.º 91046/11.0YIPRT.P1 [Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. B…, S. A., com sede em …, Vila Nova de Gaia, apresentou no Balcão Nacional de Injunções requerimento de injunção pedindo a notificação da requerida C…, Lda., com sede em Espinho, para lhe pagar a quantia de €265.356,36, acrescida de juros de mora vencidos no montante de €64.173,85 e vincendos à taxa legal. Para o efeito, alegou que em 21.06.2004 celebrou com a requerida, pelo preço de € 430.000,00, um contrato de empreitada para construção de uma unidade fabril, e executou a obra na totalidade, nas devidas condições e sem reclamações da requerida, a qual, todavia, pagou parte do valor total da empreitada mas não pagou o valor restante de €265.356,36, titulado pelas facturas e notas de crédito que junta, apesar de diversas vezes a requerente lhe ter solicitado o pagamento. A requerida deduziu oposição à injunção, referindo que o contrato estipulava o prazo até 21 de Novembro de 2004 para a conclusão das obras, o qual não foi cumprido pela requerente, gerando a aplicação da penalidade prevista no contrato para esse incumprimento que se traduziu em 320 dias de atraso. O preço total da empreitada, contratada por série de preços, ascendeu €512.732,15, e ao valor em divida reclamado pela requerente haverá que descontar o valor daquela penalidade que ascende a €307.634,26. Esse atraso na execução da obra causou à requerida diversos prejuízos que descrimina e que geraram um dano de €65.966,73. Quando a requerente lhe comunicou que iria concluir os trabalhos, a obra apresentava diversos defeitos visíveis que a requerida denunciou e cuja reparação solicitou para que pudesse ser feita a recepção provisória da obra. A requerente não procedeu à sua reparação, perdurando os defeitos até hoje, com excepção apenas daqueles que por ser urgente reparar para evitar o agravamento dos defeitos ou novos prejuízos a própria requerida se viu obrigada a reparar no que despendeu a quantia de €38.589,37 (sendo que através da garantia bancária prestada pela requerente e accionada para esse efeito pela requerida, esta recebeu do banco a quantia de €37.726,95). Em resultado disso, a requerida é credora da requerente do montante de €412.190,36 que deverá ser objecto de compensação com o crédito da requerente, condenando-se esta a pagar o excesso. Termina pedindo que se julgue a acção improcedente, se declare extinto por compensação o crédito da requerente no valor de €265.356,36, se julgue procedente o pedido reconvencional e a requerente condenada a pagar a quantia de €412.190,36, acrescida de juros, deduzida do valor do crédito da requerente e do montante recebido pela requerida através da garantia bancária, se condene a requerente a reparar os defeitos que subsistem na obra. Mais pede a condenação da requerente como litigante de má-fé. A injunção foi remetida à distribuição como acção. Notificada da oposição, a autora replicou defendendo que a obra foi entregue em 7 de Outubro de 2005 tendo sido aceite pela ré sem quaisquer reservas, que o prazo para a sua execução foi alargado graciosamente pela ré, que o direito de denunciar a existência de defeitos caducou, que a ré só accionou a garantia bancária quando lhe foi pedido o pagamento, que as despesas alegadas pela ré não são da responsabilidade da autora. Terminou pedindo a absolvição do pedido reconvencional e a condenação da ré como litigante de má-fé. A ré ainda treplicou, respondendo à excepção da caducidade do direito à reparação dos defeitos. A acção prosseguiu depois até julgamento, findo o qual foi proferida sentença julgando: 1) a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar à autora a quantia de €265.356,34, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento; 2) a reconvenção parcialmente procedente, condenando a autora a reparar os defeitos referentes à entrada de águas pluviais que não provenham da cobertura, reparar fechos partidos das portas e janelas de alumínio, substituir rodapé e soalho, nivelar pavimento e soalho e envernizar madeira debaixo de escadaria. Do assim decidido, a ré interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: A) O processo de cuja sentença ora se recorre contém, no entender da Recorrente, diversos erros de avaliação, quer jurídica quer factual, erros esses que não se restringem apenas à sentença proferida, antes decorrendo desde logo da elaboração do despacho saneador e daquele que indeferiu parcialmente as reclamações apresentadas, bem como constam ainda do despacho relativo à matéria factual considerada provada e até de despachos proferidos após a sentença, ela também inquinada do vício de ter sido proferida antes do tempo, quando estava ainda a decorrer o prazo para apresentação das alegações relativas ao aspecto jurídico do diferendo. B) O despacho proferido sobre a reclamação apresentada pela Recorrente quanto à selecção da matéria assente violou o disposto nos artigos 264.º, 511.º e 515.º do Código de Processo Civil. C) Como melhor explicado nas alegações, a redacção da alínea C) dos Factos Assentes deve ser alterada por forma a respeitar o que consta do contrato de empreitada celebrado entre as partes e dos demais documentos que o integram (fls., para o que se sugere a seguinte redacção: «Entre Autora (2ª contratante) e Ré (1ª contratante) foi celebrado em 21/06/04 um contrato que denominaram de “contrato de empreitada” através do qual a Autora se obrigou perante a Ré à construção de uma unidade industrial no prédio sito na Rua …, Espinho, …, nos termos de folhas 54 a 93 (ou 184 a 224), tratando-se de uma empreitada por série de preços e sendo o preço previsto de € 430.000, acrescido de I.V.A., a pagar em prestações mediante facturas da Autora correspondentes aos custos mensais de obra realizada, construção essa a realizar no prazo de cinco meses, que, caso incumprido, faz com que a aqui Autora tenha de pagar a título de cláusula penal 1% do valor total da empreitada por cada dia de atraso, não podendo, porém, o período de multa exceder os sessenta dias, tudo conforme fls. 54 a 93 (ou 184 a 224) cujo teor se dá por reproduzido.» D)Pela sua relevância, e não obstante o contrato e documentos que o integrem fiquem dados por reproduzidos, dever-se-á aditar uma alínea C’), com o teor parcial das Cláusulas 6ª e 9ª do contrato de empreitada (fls. 56), cuja redacção se sugere seja a seguinte: Alínea C’): As Partes acordaram ainda no seguinte: 6 – São, ainda, obrigações da segunda contratante: a) Cumprir o presente contrato pontualmente, para o que declara conhecer o conteúdo dos documentos anexos ao presente, assumindo, em consequência uma obrigação de bom resultado; b) Durante o decurso do prazo de execução da empreitada, a executá-la de acordo com um ritmo de laboração adequado ao cumprimento do prazo previsto para a sua conclusão, adoptando as medidas convenientes, nomeadamente mantendo o pessoal necessário e praticando um horário e trabalho ajustado para que não comprometa aquele prazo; c) (...)» 9 – O presente contrato poderá ser resolvido no caso de incumprimento das obrigações assumidas pelos contratantes, mediante comunicação prévia de uma parte à outra e sem prejuízo da indemnização devida que nos termos convencionais e gerais tal incumprimento implique. (…) [sublinhados acrescentados] E) A redacção da alínea R) dos Factos Assentes deve também ser alterada por forma a que nela seja transcrito o conteúdo essencial do documento de fls. 486 a 488, nos termos supra indicados, de onde decorre que foi assumida a culpa da Recorrida pelo atraso e incumprimento do prazo e o direito da Recorrente a accionar a cláusula penal prevista contratualmente, passando a incluir a redacção indicada nas alegações. F) Finalmente, deve ser aditada uma alínea, que se sugere ser a alínea T) com o seguinte conteúdo: “D… …”enviou à Ré/Reconvinte carta datada de 05/03/08 onde, entre outras, refere: “Naturalmente, como referi na anterior comunicação, existirá um encontro de contas, tendo em consideração o direito que vos assiste de aplicação de multas”, tudo conforma consta de fls. 496 e 497 cujo teor se dá por reproduzido. G) As respostas aos artigos 8.º, 11.º, 12º a 17.º, da Base Instrutória devem ser alteradas, a primeira (art. 8º) para “Não Provado” e as restantes para “Provado”, com excepção da 17ª, que deverá ficar “provado que entre Março de 2005 e Setembro de 2005, por não estar concluída a obra em causa, a Ré não pôde produzir, com a máquina referida em 12)», tudo conforme acima exposto, tendo em conta os documentos que foram juntos aos autos e os depoimentos das testemunhas Eng. E…, F…, G…, Dr. H…, I…, J…, K…, L… e Arq. M… indicados nas alegações. H) A douta sentença recorrida julgou parcialmente procedente o pedido formulado pela Autora, e em consequência condenou a Ré/Reconvinte, ora Recorrente, a pagar-lhe o montante correspondente ao preço em falta de um contrato de empreitada, em virtude de ter desconsiderado os créditos, de valor muito superior, que esta tem sobre a primeira, resultantes do incumprimento do mesmo contrato. I) No essencial, a decisão em crise procedeu a uma redução unilateral do valor da Reconvenção, sem que os textos dos contratos celebrados, a posição das partes sobre os mesmos e a prova produzida o permitissem, e transformando irregularmente uma «Reconvenção já admitida como tal no despacho saneador, a folhas 528, em uma defesa por excepção, com alterações relevantes (no entendimento do Magistrado) no ónus de alegação e prova, quando um eventual decaimento de um pedido reconvencional, ou de parte dele, na sentença final, não pode obviamente ter essa consequência, pois o momento de definição do ónus da prova, para o que aqui interessa, é o do Despacho Saneador, onde a Reconvenção já tinha sido admitida, e não o da sentença final. J) No requerimento de injunção, a ora Recorrida alegou que “executou a obra, objecto de empreitada, na sua totalidade e nas devidas condições” sem nunca ter a Recorrente reclamado o que quer que fosse. K) Resulta, no entanto, cabalmente de abundante documentação do processo (nomeadamente junta com a contestação e reconvenção (de folhas 5 a 35 e 39 a 399), mas também com a réplica e a tréplica (respectivamente, folhas 417 a 465 e folhas 470 a 527) que tudo isto era falso e bastante incompleto. L) Não obstante considerar que efectivamente o prazo previsto para finalização da obra foi em muito ultrapassado pela Autora (em 320 dias), tendo em conta os factos 3) e 8) da sentença, o Tribunal a quo, começando por reduzir o valor da multa para € 258.000,00, e, com isso, pretendeu transformar a Reconvenção da Recorrente em defesa por excepção, que julgou improcedente “por falta de prova da culpa da Autora no incumprimento de execução da obra no prazo acordada”. M) Ora, para além de parecer manifesto que a presunção de culpa se tem de aplicar ao incumprimento, por parte da Autora/empreiteira, do prazo fixado no contrato, o certo é que, ainda que assim não fosse, o mesmo foi invocado em Reconvenção, não parecendo admissível que o Tribunal a quo pudesse transformá-lo em excepção, por via de uma redução do valor do respectivo pedido, efectuada a posteriori, e, pior ainda, em contradição com o contrato celebrado entre as partes e o anteriormente decidido no processo. N) Com efeito, a Reconvenção já tinha sido admitida como tal no despacho saneador (fls. 528), transitado em julgado, e isso não é alterável na sentença final, muito menos se invertendo, com essa irregularidade, no final, o ónus de alegação e prova, a que tudo acresce a circunstância de ter sido feita tábua rasa da culpa da Autora que resulta inelutavelmente dos autos. O) Aliás, e como é bom de ver face à colocação do quesito 8º, de responsabilidade da Autora/empreiteira, na Base Instrutória, aquando da elaboração do Despacho Saneador entendia-se claramente que, por força da admissão da Reconvenção, a prova da prorrogação do prazo e suposta inexistência de culpa da empreiteira cabia, e bem, à Autora B…. P) Para aplicação das disposições substantivas relativas à presunção de culpa do devedor no incumprimento da obrigação são irrelevantes as posições processuais das partes, tendo apenas de atender-se à relação material existente entre as partes, que, obviamente e na quase totalidade dos casos, é sinalagmática. Q) O contrato de empreitada é aquele pelo qual o devedor se obriga a construir uma obra, mediante um preço. R) Do que não há dúvidas, de entre a melhor doutrina, é de que, no contrato de empreitada, relativamente à obrigação de realização da obra, o empreiteiro figura como devedor, pelo que é sobre ele, empreiteiro, que recai a presunção da culpa do artigo 799º, e não sobre o dono da obra, independentemente da posição que assumam num qualquer processo judicial. S) O Meritíssimo Juiz a quo considerou que não, defendendo que o que interessa é a posição processual das partes, que autor equivaleria a credor e réu a devedor, o que não tem qualquer cabimento na letra ou no espírito das normas em causa, como melhor explicado e evidenciado nas alegações. T) Fosse como fosse, ainda que se entendesse que o funcionamento de uma presunção de direito material dependeria da posição das partes em determinado processo, tal seria indiferente para o caso em apreço, porquanto a dona da obra, Recorrente, não apenas é Ré no processo como também, e essencialmente, Reconvinte: e é por via do pedido reconvencional que a Reconvinte [assumindo a veste de autora] pretende ver declarada a compensação feita e o seu crédito satisfeito. U) E, tratando-se aqui de um pedido reconvencional, relativo a um contrato de empreitada, funciona a favor da Reconvinte C… a presunção de culpa que se abate sobre a empreiteira B…: seria à empreiteira B… que caberia alegar e demonstrar que o incumprimento (demonstradíssimo nos autos no que diz respeito ao incumprimento do prazo) não se deveu a culpa sua, como é pacífico na Jurisprudência. V) O Meritíssimo Juiz a quo, não obstante admitir a aludida tese, segundo a qual ao abrigo de um pedido reconvencional funcionaria a presunção de culpa e seria a Autora, ora Recorrida, quem teria de alegar e demonstrar que o incumprimento do prazo não era culpa sua, negou, ainda assim, à Recorrente o seu direito, sustentando na sentença final que no caso sub judice não está em causa uma reconvenção mas uma exceção, “pois o valor máximo da cláusula é de 258 000 EUR, inferior ao valor em dívida”, “e não é reconvenção mesmo que a parte assim a tenha denominado pois só no valor superior a uma compensação é que existe essa contra-ação”. W) Em primeiro lugar, a redução do valor da cláusula penal feita unilateralmente na sentença é ilícita por contrariar os elementos dos autos, mormente os documentos que foram juntos, a resposta aos artigos da Base Instrutória e a posição das partes quanto à interpretação dos contratos celebrados e ao montante da cláusula penal que seria devido por força da sua aplicação. X) Por outro lado, o Despacho que admitiu a Reconvenção, proferido a fls. 528, transitou em julgado. Y) E no momento em que no Despacho Saneador se admitiu a Reconvenção ficaram fixadas as regras do ónus de alegação e de prova, as quais não podem, no final, vir a ser alteradas em função dum suposto decaimento. Z) Em suma, o ónus de alegação e prova de modo algum pode variar e alterar-se em função do que, a final, venha a ser o provimento ou decaimento da pretensão das partes. Ou alguém pode defender a situação em que, se se viesse a confirmar que os cálculos do reconvinte estiveram bem efectuados, o ónus de alegação e de prova era da Autora, e se se viesse a demonstrar que estavam errados, era da Ré?!? AA) Veja-se que, na Base Instrutória, foi incluído e bem (artigo 8.º) o facto alegado pela Autora na Réplica, de que “o prazo de entrega da obra foi alargado por acordo com a Ré”, o que pressupõe necessariamente o entendimento de que o ónus da prova quanto à falta de culpa no incumprimento do prazo cabia exclusivamente à B…. BB) Na verdade, se, como defende a sentença, o ónus da prova quanto à culpa competisse à Ré, este quesito não faria qualquer sentido, tendo antes de ter sido incluído na Base Instrutória o facto inverso, alegado na Tréplica (artigo 33.º), a saber, se “a Ré nunca prorrogou o prazo de conclusão da empreitada”, e o de que “a Autora atrasou a construção da obra em cerca de 320 dias”. CC) Cumpre também dizer que, ao valor da cláusula penal atrás referido, acrescem no pedido reconvencional os prejuízos causados pela Autora e sofridos pela Ré, acrescentando-se desde já que o decaimento de parte de um pedido reconvencional de um reconvinte, e ainda que por hipótese viesse eventualmente a redundar no deferimento de montante inferior ao pedido pelo autor, não transforma um pedido reconvencional numa defesa por excepção. Tal raciocínio não tem qualquer sustento na legislação processual ou substantiva. DD) Em suma, nem o valor do pedido reconvencional formulado pela Recorrente, quanto à cláusula penal, podia ter sido reduzido, nem a sua alteração é de molde a ter o efeito pretendido na sentença, de conversão daquele em exceção e de alteração do ónus da prova. EE) Sem prescindir do acima exposto quanto à presunção de culpa que necessariamente impende sobre a Autora, como empreiteira, dir-se-á que, contrariamente ao entendido pelo Meritíssimo Juiz a quo, foi alegada e plenamente demonstrada a culpa da Autora no incumprimento do prazo da execução do contrato. FF) O motivo (de a obra ter perdurado para além do prazo), que o Meritíssimo Juiz a quo referiu que seria necessário demonstrar, foi o de que a Autora se atrasou, o que foi plenamente demonstrado. GG) A Autora alegou, para tentar afastar a “culpa”, que não se atrasou, porque “o prazo de entrega da obra foi alargado por acordo com a Ré”. HH) Mas tal facto, incluído no artigo 8.º da Base Instrutória, não foi considerado provado pelo Tribunal a quo, mesmo com a resposta ao mesmo anteriormente dada. II) Note-se, por outro lado, que não se compreende que, se o entendimento do Tribunal era o de que o ónus da prova neste âmbito competia à Ré/Reconvinte (no que não se concede), em vez de quesitar se “a Autora se atrasou na conclusão da obra” e se “a Ré nunca prorrogou o prazo de conclusão da empreitada”, como a Ré invocava, optou antes por incluir na Base Instrutória o aludido facto exceptivo alegado pela Autora. JJ) De todo o modo, entende a Recorrente que a culpa da Autora no incumprimento do prazo está cristalinamente assente nos autos, com a resposta dada ao aludido quesito, que se baseou na abundante documentação existente no processo e nos atinentes depoimentos das testemunhas, acima transcritos aquando da impugnação da matéria de facto. KK) Na verdade, parece evidente que o único facto que afastaria a culpa da Autora na conclusão da obra posterior ao prazo fixado seria a existência de um acordo entre as partes que o tivesse prorrogado, o que está demonstrado que não ocorreu. LL) Não tendo havido esse acordo, como ficou demonstrado, o que houve foi um atraso da Autora, injustificável, como aliás vem expressamente reconhecido nos documentos juntos aos autos a fls. 487 e 497, e bem assim em muitos outros. MM) No que toca à indemnização pelos prejuízos do atraso, mais uma vez, o Meritíssimo Juiz desconsiderou a presunção de culpa que recai sobre a empreiteira e o acordado entre as partes. Na verdade, quanto a este ponto, de acordo com a Cláusula 9, parte final, do Contrato de Empreitada (ver fls. 56), as Contraentes estabeleceram que, para lá da cláusula penal devido à mora, as partes deveriam ser indemnizadas pela parte incumpridora nos termos convencionais e gerais. NN) A Recorrida deve ainda ser condenada a reparar todos os defeitos verificados, e a proceder ao pagamento das reparações efectuadas pela Ré OO) Resulta evidente dos autos, nomeadamente da documentação junta, que, durante anos, a B… e, posteriormente, a D…, não conseguiram ou não quiseram corrigir esses defeitos, e que nunca se conseguiu chegar a acordo para o fazerem. PP) E é natural que o dono da obra não possa (nem deva) estar indefinidamente à espera de que o empreiteiro se digne ou disponha e consiga resolver os defeitos a que deu azo. QQ) Foram violadas, por errada interpretação ou aplicação, as disposições dos artigos 342.º, 762.º, 798.º, 799.º, 811.º, 1208.º e 1221.º, do Código Civil, e 657.º, n.º 1, 658.º, 659.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Civil. A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado. Após os vistos legais, cumpre decidir. II. Questões a resolver: Devidamente interpretadas e colocadas na correcta sequência lógica, as alegações de recurso colocam este Tribunal perante o dever de resolver as seguintes questões: i) Se a sentença é nula por ter sido proferida antes do fim do prazo para apresentação de alegações escritas sobre o aspecto jurídico. ii) Se a matéria de facto deve ser alterada para se ajustar correctamente ao teor dos documentos não impugnados e atendidos na selecção da matéria de facto. iii) Se a decisão da matéria de facto deve ser modificada nos pontos concretos cuja decisão a recorrente impugna. iv) Para que situação prevê o contrato a aplicação de uma penalidade ao empreiteiro e se essa previsão foi preenchida. v) Se a penalidade exige a demonstração da culpa da parte incumpridora pela verificação daquela previsão. vi) Sobre quem recai o ónus da prova dessa culpa e se nos autos esse ónus foi satisfeito. vii) Qual a natureza da cláusula penal e se a mesma, estando prevista para o mero atraso na conclusão da obra, pode ser cumulada com a indemnização de danos moratórios decorrentes desse atraso. viii) Se a autora deve ser condenada a substituir materiais que aplicou na obra em desconformidade com o que o contrato previa a esse respeito ou era necessário ao dono da obra demonstrar que os materiais aplicados não são aptos para a sua função ou desvalorizam a obra. ix) Se as reparações realizadas pela ré e cujo custo pretende que a autora lhe pague são resultantes da necessidade de reparar defeitos imputáveis aos trabalhos executados pela autora. III. Da nulidade da sentença: Na primeira das suas conclusões das alegações de recurso, a recorrente começa por se insurgir contra o facto de a sentença recorrida ter sido proferida antes de esgotado o prazo de que dispunha para apresentar as suas alegações escritas sobre o aspecto jurídico da causa, pretendendo com isso que foi cometida uma nulidade. Independentemente da natureza que o vício acusado, a existir, possa assumir, não cremos que a recorrente tenha razão nesta visão do processado. Como sabemos o artigo 657.º do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, passou a dispor o seguinte quanto à “discussão do aspecto jurídico da causa”: “Se as partes não tiverem acordado na discussão oral do aspecto jurídico da causa, a secretaria, uma vez concluído o julgamento da matéria de facto, facultará o processo para exame ao advogado do autor e depois ao do réu, pelo prazo de 10 dias a cada um deles, a fim de alegarem por escrito, interpretando e aplicando a lei aos factos que tiverem ficado assentes.” Este normativo vinha na sequência do disposto no artigo 653.º, n.º 5, do mesmo diploma, segundo o qual, após a decisão das reclamações à decisão da matéria de facto, “as partes podem acordar na discussão oral do aspecto jurídico da causa; nesse caso, a discussão realiza-se logo perante o juiz … procurando os advogados interpretar e aplicar a lei aos factos que tenham ficado assentes”. O que daqui resultava era claro. Decidida a matéria de facto e as respectivas reclamações, se as houvesse, os mandatários podiam acordar na discussão oral do aspecto jurídico da causa; se esse acordo fosse obtido, as alegações de direito eram produzidas imediatamente de modo oral; se, pelo contrário, esse acordo não fosse obtido, a secretaria devia aguardar 20 dias pela eventual apresentação de alegações de direito por escrito e só depois concluir os autos para ser proferida sentença. Sucede, contudo, que essa forma de proceder foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro. Com efeito esse diploma alterou o artigo 657.º do Código de Processo Civil que passou a ter o seguinte conteúdo: “Se as partes não prescindirem da discussão por escrito do aspecto jurídico da causa, a secretaria, uma vez concluído o julgamento da matéria de facto, facultará o processo para exame ao advogado do autor e depois ao do réu, pelo prazo de 10 dias a cada um deles, a fim de alegarem, interpretando e aplicando a lei aos factos que tiverem ficado assentes.” E no preâmbulo do diploma explicitou-se assim a alteração: “Estabelece-se que a discussão por escrito do aspecto jurídico da causa apenas terá lugar se as partes dela não prescindirem.” E isto porque se reconheceu que quando os mandatários não manifestam qualquer intenção de alegar de direito por escrito, não se justifica que o processo aguarde 20 dias antes de ser concluso para sentença por ser altamente provável (e muito frequente, na prática) que de facto não sejam apresentadas alegações por escrito pelo que aquele compasso de espera é desnecessário. A partir desta alteração o procedimento passou a ser, portanto, o seguinte: Decidida a matéria de facto e as respectivas reclamações, se as houver, os mandatários podem acordar na discussão oral do aspecto jurídico da causa; obtido esse acordo as alegações de direito são produzidas imediatamente e de modo oral; se, pelo contrário, esse acordo não for obtido, abrem-se duas possibilidades: se os mandatários nada disserem quanto à intenção de alegar por escrito a secretaria conclui imediatamente os autos para ser proferida sentença; se pelo menos um dos mandatário declarar que não prescinde de alegar por escrito – independentemente de vir a exercer mesmo essa faculdade; por isso a lei fala em declarar que não prescinde de alegar em vez de declarar que vai alegar –a secretaria aguarda 20 dias e só depois abrirá conclusão para aquele fim. Ora, no caso concreto, uma vez que depois de o tribunal ter decidido a matéria de facto e apresentado a respectiva motivação as partes se limitaram a afirmar “que nada têm a requerer ou a reclamar” [acta de 25.02.2013, Ref. 17184871], isto é, não apenas não acordaram na discussão oral, motivo pelo qual ela não se realizou, como não manifestaram qualquer vontade de não prescindir de alegar por escrito, o processo podia e devia ter sido imediatamente concluso para sentença. Daí decorre que quando a sentença foi proferida, não estava a decorrer nos autos qualquer prazo para as partes alegarem de direito por escrito que impedisse ou tornasse irregular a prolação da sentença na data em que o foi, pelo que a mesma é, quanto a esse aspecto, perfeitamente válida. IV. Da matéria de facto: a] das incorrecções da redacção da matéria de facto assente: Nas conclusões das alegações de recurso seguintes, a recorrente insurge-se contra a redacção escolhida no despacho de selecção da matéria de facto para alguns segmentos da matéria de facto considerada assente, reclamando a sua alteração no que concerne às alíneas C) e R) e o aditamento de mais alíneas que reflictam outros factos assentes e relevantes. No despacho de selecção da matéria de facto e quanto aos factos que resultam do teor literal de documentos escritos extensos o Mmo. Juiz “a quo” adoptou um critério que merece o nosso acolhimento por se mostrar equilibrado e suficientemente capaz de servir os objectivos da selecção da matéria de facto. Entre o critério formal e rigoroso de levar à selecção apenas os factos em si mesmos, ainda que para isso seja necessário repetir ipsis verbis o teor dos documentos, o que tornaria a selecção da matéria de facto uma peça pesada (ainda que do ponto de vista puramente técnico este seja de facto o critério correcto), e um critério simplista e redutor de apenas dar como reproduzido o documento remetendo para a página do processo onde ele se encontra, o que não estabelece a devida distinção entre facto e meio de prova documental e permite levar à selecção não factos mas meios de prova, pode seguir-se antes o critério intermédio de isolar do documento os factos mais relevantes para o julgamento da acção, incluindo-os especificadamente na selecção da matéria de facto, e no restante dar como reproduzido o documento. O que é fundamental, em qualquer circunstância, é que se respeite o facto que o documento revela, que a redacção dada ao que se seleccionou tenha correspondência exacta com o que resulta do documento e não se traduza numa desvirtuação deste que possa depois induzir em erro quem houver de interpretar os factos para lhes aplicar o direito. Olhando agora para a redacção da alínea C) dos factos assentes não podemos deixar de concordar com a recorrente em como a redacção escolhida pelo Mmo. Juiz “a quo” pode ser melhorada, uma vez que tem um conteúdo que em parte não respeita o teor exacto do documento e, em parte também, não manifesta a totalidade do que, com pertinência, se pretendeu levar à selecção. No entanto, não há como evitar deixar de dizer que também a leitura da recorrente se mostra parcial já que anota aspectos do contrato propriamente dito sem anotar os aspectos divergentes que constam nomeadamente do caderno de encargos, ignorando o eventual significado dessas desconformidades. O que o contrato junto a folhas 54 a 105 (contrato e suas partes integrantes) permite trazer para a matéria de facto e deve como tal passar a constituir a redacção do ponto 3 do elenco dos factos provados é o seguinte: 3.1. Entre Autora (2ª contratante) e Ré (1ª contratante) foi celebrado em 21.06.04 um contrato cuja cópia consta a folhas 54 a 105 dos autos e aqui se dá por reproduzida e que denominaram de “contrato de empreitada” através do qual a Autora se obrigou perante a Ré a construir uma unidade industrial no prédio sito na Rua …, Espinho, …. 3.2. Nos termos do considerando C) do contrato, faz parte integrante deste a proposta n.º 199/B/2004, de 21.Maio.2004, e o mapa de medições e caderno de encargos, que constituem as folhas 58 a 105 dos autos. 3.3. Nos termos da cláusula 2, tratava-se de uma “empreitada por série de preços”, com o “preço previsto” de € 430.000, mais I.V.A., a pagar em prestações mediante facturas da Autora correspondentes aos custos mensais de obra realizada. 3.4. Nos termos da cláusula 4, a construção deveria ser realizada no prazo de cinco meses a contar da data de assinatura do contrato, sob pena de a aqui autora ter de pagar, a título de cláusula penal, por cada dia de atraso, o “equivalente a 1% sobre o valor da empreitada, previsto na cláusula 2”. 3.5. Nos termos da cláusula 1.15 do capítulo II do “Caderno de Encargos – Condições Gerais” a multa a pagar pela aqui autora por cada dia que a execução da obra “exceder o prazo indicado ou a sua prorrogação, será de 1% do valor total da empreitada, não podendo, porém, o período da multa exceder sessenta dias (60), findo o qual o contrato será rescindido automaticamente”. 3.6. Nos termos da cláusula 1.2 do capítulo II do “Caderno de Encargos – Condições Gerais”, “a empreitada é «à forfait», isto é, por preço global, sendo portanto o adjudicatário obrigado a executar pelo preço apresentado na sua proposta, além de todos os trabalhos constantes do projecto, todos os trabalhos subsidiários que sejam consequentes daqueles ou necessários para a perfeita execução dos trabalhos”. 3.7. Na proposta n.º 199/B/2004, de 21.Maio.2004, a aqui autora informou que a sua proposta era “por série de preços, tendo como base apenas o mapa de medição”. 3.8. Nos termos da cláusula 6 do contrato, a aqui autora obrigou-se a: “a) Cumprir o presente contrato pontualmente, para o que declara conhecer o conteúdo dos documentos anexos ao presente, assumindo, em consequência uma obrigação de bom resultado; b) Durante o decurso do prazo de execução da empreitada, a executá-la de acordo com um ritmo de laboração adequado ao cumprimento do prazo previsto para a sua conclusão, adoptando as medidas convenientes (…)”. 3.9. Nos termos da cláusula 9 do contrato, “o presente contrato poderá ser resolvido no caso de incumprimento das obrigações assumidas pelos contratantes, mediante comunicação prévia de uma parte à outra e sem prejuízo da indemnização devida que nos termos convencionais e gerais tal incumprimento implique”. 3.10. Nos termos da cláusula 1.13 do capítulo II do “Caderno de Encargos – Condições Gerais”, “a requerimento do adjudicatário, devidamente fundamentado e por escrito, poderá ser concedida prorrogação do prazo de conclusão da obra”. 3.11. Nos pontos seguintes estabeleceu-se que se houver trabalhos a mais e o adjudicatário o “requerer” o prazo “será” prorrogado em função do tempo necessário à execução desses trabalhos (1.13.1), devendo o pedido de prorrogação ser apresentado 30 dias antes de expirado o prazo de execução (1.13.2). 3.12. Nos termos da cláusula 12 do contrato, “o contrato não é passível de alteração, aditamento ou anulação, excepto por escrito, assinado pelas partes, sendo ineficazes quaisquer comunicações, declarações ou acordos verbais”. Esta é, portanto, a matéria de facto que, por resultar provada através do texto do próprio contrato e suas partes integrantes não impugnados, deverá ser atendida na acção em substituição do ponto 3 do elenco da sentença recorrida. No que respeita à alínea R) dos factos assentes (ponto 17 do elenco da sentença) e, em simultâneo, à alínea T) que a recorrente pretende que seja aditada à matéria de facto, existem duas circunstâncias que justificam perfeitamente que essa matéria não seja considerada. A primeira advém de os factos em questão se restringirem ao teor de duas cartas que foram enviadas à ré, a propósito é certo da obra em questão, mas não pela autora, antes por outra sociedade comercial, cuja personalidade jurídica se não confunde com a da autora. Ainda que na primeira dessas cartas a remetente afirme que “adquiriu a B…”, este facto (que a recorrente não aceita de modo válido já que continua a questioná-lo, embora pretenda servir-se do teor das cartas que a beneficia) não só não foi demonstrado nos autos através da necessária certidão do registo comercial (a de folhas 177 e seguintes apenas revela alterações da composição dos órgãos sociais), como é juridicamente incerto e, como tal inócuo, porquanto não revela nem o que foi exactamente adquirido (as instalações, as acções ou só parte delas como se sugere no documento de folhas 491), nem de que forma essa aquisição fez extinguir a personalidade jurídica da B…, se é que o fez, de modo que a adquirente passasse a dispor em nome próprio dos interesses e direitos daquela. A segunda razão resulta da natureza puramente instrumental destes factos. O que releva à economia da acção será sempre apenas a materialidade relativa à execução dos trabalhos que justifique a aplicação da penalidade pelo atraso, não a posição que alguma das partes (e nem é o caso, como vimos) possa ter emitido a esse propósito num contexto de tentativa de resolução do impasse ou litígio entretanto eclodido. Em circunstância alguma poderá o tribunal concluir que a penalidade é devida com fundamento apenas na circunstância de num determinado momento uma das partes ter admitido que ela seria devida. Para fundamentar uma tal decisão o que é indispensável é que se provem os factos atinentes ao contratado e à execução das obrigações do contrato necessários para justificar que a penalidade é contratualmente exigível. Por ambas estas razões a alínea R) dos factos assentes não possuía as características necessárias para ser incluída na selecção da matéria de facto. O mesmo sucedendo com a proposta alínea T). Todavia, uma vez que as alíneas seguintes, relativamente às quais nada é observado pela recorrente, têm um encadeado cuja compreensão só é possível no pressuposto do envio da carta mencionada na alínea R) – quanto à parte em que a remetente alega ter adquirido a autora e para explicar que esta carta haja gerado diálogo sobre o contrato com um terceiro -, entendemos que a correcção a introduzir deve consistir na redução do facto ao puro envio da carta (e já que se menciona a primeira, mencionar-se-á também a segunda) em ordem a preservar essa compreensão da matéria de facto. Assim, altera-se a redacção do ponto 17 do elenco da matéria de facto da sentença recorrida para o seguinte: 17. A D…, S.A. enviou à ré as cartas datadas de 01.02.08 e 05.03.2008 cujas cópias constam de fls. 486 a 488 e 496 e 497 cujo teor aqui se dá por reproduzido, na primeira das quais referia ter “adquirido” a autora (R). b] da impugnação da decisão da matéria de facto: Entrando agora na impugnação da decisão da matéria de facto, reclama a recorrente a alteração da decisão respeitante aos factos controvertidos n.os 8.º, 11.º e 12.º a 17.º da base instrutória. A recorrente especificou os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, especificou os motivos pelos quais não deve ser atribuído valor probatório decisivo aos meios de prova considerados pelo julgador e os meios de prova que no seu entendimento justificam decisão diversa, indicou, com transcrição de partes dos mesmos, os depoimentos que constituem tais meios de prova e concretizou ainda o sentido da decisão que deve ser proferida quanto a tais pontos da matéria de facto. Assim, mostram-se preenchidos todos os requisitos de que depende a impugnação da matéria de facto, sendo certo que constam dos autos todos os elementos de prova que serviram de base à decisão e, como tal, a decisão sobre a matéria de facto pode ser modificada por este Tribunal da Relação (artigos 640.º e 662.º do Código de Processo Civil, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável aos autos por força do estatuído nos artigos 5.º e 7.º desta Lei). No facto controvertido n.º 8 perguntava-se o seguinte: O prazo de entrega da obra foi alargado por acordo com a Ré? Estando já assente que o prazo fixado no contrato pelas partes para a execução da obra era de 5 meses a contar da data de assinatura do contrato (21.06.2004), através deste facto controvertido pretendia-se apurar se posteriormente ao contrato as partes acordaram entre si alargar esse prazo, ou seja, se fixaram um novo e diferente prazo para a execução da obra. O Mmo. Juiz a quo respondeu a este facto controvertido julgando provado o seguinte: A Ré aceitou que a Autora prosseguisse os trabalhos referentes à construção do armazém como estabelecido no contrato referido em 3) para além do prazo aí estipulado. E para motivar a sua decisão o Mmo. Juiz afirmou que “As Brás [certamente: As obras] findaram em 07/10/05, sem a Autora ter visto ser resolvido o contrato ou colocada «fora» da obra, pelo que a Ré aceitou que os trabalhos prosseguissem como referiu a testemunha M….” Com todo o devido respeito, cremos que o tribunal respondeu a coisa diversa do que era perguntado. O que se inquiria era se tinha havido um acordo para prorrogar o prazo do contrato, se o prazo cuja observância manteria a autora numa situação de cumprimento do contrato foi alargado, deixou de ser de 5 meses e passou a ser superior. O que se respondeu foi que no fim do prazo estipulado no contrato a ré não resolveu o contrato, antes continuou a manter interesse na execução da obra, permitindo que a autora prosseguisse com os trabalhos. Ora uma coisa é saber se o prazo contratado foi alargado, circunstância que releva para efeitos de determinação do cumprimento ou incumprimento do contrato pela empreiteira, e outra coisa é saber que comportamento adoptou a dona da obra perante a ultrapassagem daquele prazo, se resolveu o contrato ou continuou à espera da conclusão dos trabalhos. Em rigor, a testemunha M…, arquitecto autor do projecto de arquitectura da obra, mencionada na motivação da matéria de facto para fundamentar a resposta dada, apenas se pronunciou sobre este outro aspecto. O que afirmou em juízo é uma evidência: como a ré queria a obra feita, uma vez ultrapassado o prazo para a sua conclusão viu-se obrigado a aceitar o prosseguimento dos trabalhos para além desse prazo e até à ambicionada conclusão dos mesmos. Nem esta nem nenhuma outra testemunha (aliás não indicada na motivação da matéria de facto) afirmaram ter conhecimento de qualquer acordo estabelecido entre as partes para a prorrogação do prazo de 5 meses estipulado por escrito no contrato. Também não se encontra nos autos nenhum documento que evidencie a existência de um acordo com esse conteúdo ou finalidade. Constata-se sim que logo em 02.02.2005, através do fax que constitui o documento de folhas 629, quanto estavam decorridos cerca de 60 dias sobre o termo do prazo, a ré já se queixava da ultrapassagem do prazo e anunciava que iria debitar a penalidade prevista no contrato. A autora não apenas não juntou qualquer outro documento que tivesse servido de resposta a este documento e para invocar de imediato a existência de um acordo quanto à prorrogação do prazo, como o documento junto aos autos com data mais próxima daquele é o documento de folhas 631, no qual a ré refuta anteriores comunicações da autora onde viria alegado que o atraso se deveria a indefinições ou alterações do dono da obra e não a qualquer acordo de prorrogação do prazo que a ter existido não deixaria de ser mencionado nas comunicações (ainda que a propósito dele pudessem ter surgido divergências). Por outro lado, nos termos da alínea C) dos considerandos do contrato o caderno de encargos faz parte integrante do contrato. Ora no ponto 1.13 das condições gerais do caderno de encargos consignou-se que “a requerimento do adjudicatário, devidamente fundamentado e por escrito, poderá ser concedida prorrogação do prazo de conclusão da obra”. No ponto seguinte (1.13.1) estabeleceu-se que se houver trabalhos a mais e o adjudicatário o requerer o prazo será prorrogado em função do tempo necessário à execução desses trabalhos. E no ponto 1.13.2 estabeleceu-se que o pedido de prorrogação deverá ser apresentado 30 dias antes de expirado o prazo de execução. Em consonância, o artigo 12.º do contrato menciona também que o contrato não é passível de alteração, aditamento ou anulação, excepto por escrito, assinado pelas partes, sendo ineficazes quaisquer comunicações, declarações ou acordos verbais. É evidente que as partes, tal como convencionaram no contrato a redução obrigatória a escrito dos actos contratuais e a ineficácia dos actos meramente verbais, continuavam a poder convencionar a alteração deste regime e o estabelecimento de um novo consenso, pelo que estas disposições contratuais não impediam a demonstração de um novo mutuo consenso a respeito daqueles assuntos. Todavia, exigem que a prova de qualquer novo acordo sobre o prazo de execução dos trabalhos, que o próprio contrato exige que fosse feita por escrito e consabidamente não existe documento com tal conteúdo, fosse particularmente segura, densa e firme (se é que não teria de ser mesmo prova documental por também ter sido vertida a escrito a cláusula negocial que exigia que qualquer alteração fosse feita por essa forma). Nessa medida, em virtude da absoluta ausência de prova – sequer de natureza testemunhal - desse facto e porque aquilo que se levou à resposta explicativa responde afinal a coisa diversa do que era perguntado, a resposta ao facto controvertido n.º 8 não podia ter deixado de ser “não provado”, o que irá ser decidido, procedendo nesta parte o recurso. No facto controvertido n.º 11 perguntava-se: “por a obra não ter sido concluída em 21/11/04, a Ré teve de pagar a «N… …», engenheiro fiscal da obra os honorários excedentes de €5.260?” O Mmo. Juiz “a quo” respondeu provado que “A Ré pagou a «N…, Lda.» pelo menos a quantia de 5.260 EUR pela realização de trabalhos de coordenação, assessorias, vistorias e elaboração de aditamento a projecto entre Janeiro e Novembro de 2005”. Deduz-se da resposta dada pelo Mmo. Juiz que este entendeu não ter sido produzida prova de que o pagamento de €5.260 correspondeu a honorários devidos ao fiscal da obra em virtude de esta não ter sido terminada no prazo previsto no contrato. É necessário perceber o verdadeiro sentido e objecto deste facto. Nele não está em causa somente se a ré efectuou o pagamento desses valores (isso em si mesmo foi demonstrado), está em causa a relação de causa efeito entre a necessidade de pagar esses valores e o atraso da obra. Por outras palavras, está em causa saber se este custo foi gerado pelo atraso da obra, se é um custo novo e distinto do custo da fiscalização inerente à obra, o qual, naturalmente, não constitui encargo do empreiteiro, mas do dono da obra que o contrata em seu proveito e para cumprimento do seu direito contratual de fiscalizar a obra). Pretende a recorrente que este facto seja julgado totalmente provado com fundamento nas facturas juntas que efectivamente respeitam ao aludido pagamento e no depoimento da testemunha J…, que trabalhou para a ré durante cerca de 30 anos, primeiro como funcionário administrativo e nos últimos cinco anos, até 2011, como técnico de contas. Ouvida a gravação do depoimento e lidos e analisados os documentos mencionados, cremos bem que a resposta dada pela 1.ª instância deve ser confirmada uma vez que o esforço probatório produzido é insuficiente. Para esse efeito, com efeito, não basta juntar documentos que comprovem pagamentos posteriores à data em que a obra deveria ter terminado, uma vez que era ainda necessário juntar ou fazer prova do contrato entre a ré e a empresa de fiscalização para o tribunal verificar como foram contratados esses serviços, isto é, se a remuneração pelos trabalhos de fiscalização foi fixada à razão do número de horas afecto à fiscalização (o que as facturas não evidenciam mas pode resultar dos documentos de suporte à elaboração das mesmas) ou antes por referência ao volume/custo da obra a fiscalizar. Se no primeiro caso o atraso podia gerar para o dono da obra um agravamento do custo com a remuneração da fiscalização, no segundo caso, essa remuneração mantinha-se a mesma, independentemente da duração da obra. Por conseguinte, a mera demonstração que se fizeram pagamentos em datas posteriores ao momento em que a obra deveria estar concluída não prova que esse pagamento só foi feito por causa desse atraso, sendo certo que 1) a testemunha nada acrescentou aos documentos e não evidenciou conhecimento do contrato do serviço de fiscalização (mas afirmou que a empresa em questão só fazia a fiscalização, quando os documentos juntos mostram que isso não é verdade; também fez projectos e um “relatório de peritagem” da obra), 2) não estão juntos documentos que comprovem o pagamento em data anterior, 3) as facturas juntas têm data de emissão mas não discriminam exactamente em que data ou datas foram prestados os serviços facturados em cada uma delas, 4) a soma dos seus valores não corresponde ao valor alegado, 5) os valores das facturas não coincidem sempre sem que se explique porquê, 6) e algumas delas reportam-se a serviços que não se inserem na fiscalização (como o aditamento ao projecto da rede de águas), revelando, portanto, uma relação contratual com a empresa de fiscalização que ultrapassa o âmbito da fiscalização propriamente dita e que, como tal, carecia de ser demonstrada e explicada a fim de se apurar o facto controvertido. Por essas razões deve considerar-se que a ré não logrou satisfazer o ónus da prova deste facto, subsistindo dúvidas quanto à realidade do mesmo que justificam a resposta restritiva dada. Nos factos controvertidos n.os 12 a 17 perguntava-se o seguinte: Por ter confiado que a obra se concluiria em 21/11/04, a Ré celebrou um contrato de locação financeira para aquisição de máquina de fabrico de etiquetas conforme fls. 293 a 300? (12). Tendo conseguido a Ré adiar a entrega da máquina até 24/03/05? (13). Data em que teve de arrendar um armazém para depositar a máquina? (14). Pagando € 640/mês até 28/09/05? (15). E pagou em Setembro de 2005 € 123,75 acrescido de I. V. A. para o transporte dessa máquina para a unidade industrial construída pela Autora? (16). Entre Março de 2005 a Setembro de 205, por não estar concluída a obra em causa, a Ré não pôde produzir, com a máquina referida em 12), em seis meses, o correspondente a €269.262 de vendas? (17). O Mmo. Juiz “ a quo” julgou não provado este último facto e no tocante aos anteriores provado apenas o seguinte: A Ré celebrou com «O…, S.A.» um contrato denominado de «contrato de locação financeira mobiliária» conforme fls. 293 a 300 relativo a uma máquina. (12) A Ré celebrou um contrato de arrendamento de um armazém para guardar uma máquina de impressão fotográfica de Março a Setembro de 2005 pela renda mensal de 640 EUR/mês. (13 a 15) Em 28/09/05 foi efectuado o transporte de uma máquina com destino às instalações da Ré sitas em Espinho. (16) Na fundamentação da sua decisão, o Mmo. Juiz “a quo” tece judiciosas reservas ao teor dos documentos de folhas 293 a 305 e à sua suficiência para provar os factos em questão, não sendo ousado anotar que também aqui o esforço probatório da parte deveria ter ido mais longe. Apesar disso, parece-nos, com todo o devido respeito, que existem circunstâncias que permitem desprezar essas reservas ou considerá-las superadas pelo teor dos depoimentos das testemunhas I…, J…, K…. Repare-se que estamos perante um unidade industrial nova e um equipamento industrial cujo custo de aquisição ascendeu em 2004 a quase €320.000,00. É de esperar que um investimento desta natureza exija calendarização e programação, nomeadamente financeira e designadamente com o fornecedor do equipamento que necessita de o produzir e fazer transportar para o local de entrega. Depois é necessário atentar que estamos perante um contrato de locação financeira em que o banco apenas financia a aquisição mas esta é normalmente acertada directamente entre fornecedor e adquirente, sendo esse o motivo pelo qual o contrato de locação financeira menciona apenas o “prazo de entrega previsto”, sendo necessário contratar a locação financeira antes da entrega para o adquirente assegurar que tem meios para pagar o equipamento que lhe vai ser fornecido, quando não é mesmo o fornecedor a exigir que o pagamento seja garantido (no caso, o contrato de locação) antes de diligenciar pelo fornecimento. Neste contexto não é nada estranho que o contrato de locação financeira não tenha data e se reporte a uma data de entrega que acaba por não se concretizar, vindo a ocorrer apenas mais tarde que o inicialmente previsto. Refira-se que a testemunha K… explicou no seu depoimento (em trecho que não foi transcrito pela recorrente mas que tem interesse incontornável e que aqui pode ser levado em consideração) que o fornecedor do equipamento era uma empresa canadiana e que a partir de certo momento ela passou a insistir pela entrega do equipamento porque necessitava de libertar o espaço que o equipamento lhe estava a ocupar. E que a testemunha J… explicou que um dos responsáveis da ré tentou retardar a chegada do equipamento porque a unidade industrial ainda não estava pronta, tendo conseguido atrasar a entrega 3 ou 4 meses. Ora consignando o contrato de locação financeira que a locação entrará em vigor na data da entrega do equipamento (cláusula terceira; folhas 297) e estando junto aos autos um documento bancário comprovativo de que o contrato teve o seu início em 2 de Maio de 2005, não custa aceitar ter sido produzida prova bastante de que a máquina foi entregue seguramente antes desta data. Face ao documento de folhas 301, datado de 11 de Abril de 2005, onde já se dá conta de que “a máquina gráfica … entretanto chegou” e que “já estamos a pagar armazenagem” da máquina, e ao depoimento da testemunha K… que contou ter andado a ajudar a descarregar a máquina dos camiões e recordar-se que isso ocorreu na 5.ª Feira de Páscoa de 2005, a qual correspondeu ao dia 24 de Março, devemos aceitar ter sido produzida prova bastante de que a máquina foi entregue nesta data. No que concerne ao arrendamento do armazém para a colocação da máquina o documento de folhas 302 parece bastante. E quanto ao transporte da mesma desse armazém para as novas instalações, para além de isso ser uma necessidade óbvia a partir do momento em que a máquina chegou, foi colocada provisoriamente num armazém arrendado e necessitava de ser instalada definitivamente onde iria funcionar para permitir a rentabilização do investimento na sua aquisição, afiguram-se-nos igualmente bastantes os meios de prova constituídos pelos documentos de folhas 303 e 304 e os depoimentos de I… (a autora sabia que as instalações a construir eram para receber uma máquina nova que não cabia na fábrica antiga), J… (transportaram a máquina e pagaram o custo do transporte). No que respeita ao facto controvertido n.º 17 a recorrente aceita que não fez prova do valor de vendas que teria obtido com a produção da máquina, pelo que esse segmento da decisão do Mmo. Juiz “a quo” não foi impugnado. Todavia, pretende que fez prova de que esteve impedido de produzir com a máquina enquanto a obra não ficou concluída. Trata-se de uma evidência a que não se pode fugir: se a máquina estava colocada num armazém arrendado e não numa unidade industrial onde pudesse funcionar e se era necessário construir uma nova unidade onde ela iria laborar, a autora não podia naturalmente produzir com ela até que esta unidade ficasse pronta. A resposta deverá, portanto, ser alterada de modo a reflectir este segmento do facto que resultou provado. Em suma: o recurso procede no tocante à alteração da decisão sobre os factos controvertidos n.os 12 a 17, julgando-se agora provado o seguinte: Por ter confiado que a obra se concluiria em 21/11/04, a Ré celebrou o contrato cuja cópia consta a folhas 293 a 300, intitulado “contrato de locação financeira” para aquisição de máquina de fabrico de etiquetas. (12). A ré conseguiu retardar a entrega da máquina até 24/03/05. (13). Data em que teve de arrendar um armazém para depositar a máquina. (14). Pagando € 640/mês até 28/09/05. (15). E pagou em Setembro de 2005 € 123,75 acrescido de I.V.A. para o transporte dessa máquina para a unidade industrial construída pela Autora. (16). Entre 24/03/2005 e 28/09/2005, por não estar concluída a obra em causa, a Ré esteve impedida de produzir com essa máquina. (17). c]redacção final da matéria de facto julgada provada. Feitas as correcções e alterações acima mencionadas, a matéria de facto provada para efeitos da presente acção é, assim, a seguinte[1]: 1). A Autora tem por objecto a indústria de construção civil e obras públicas incluindo pavimentações, obras acessórias, construção de parques e zonas verdes. (A) 2). A Ré tem por objecto o comércio e indústria de etiquetas, importação de papéis e outras matérias-primas, máquinas e acessórios e exportação de etiquetas. (B) 3.1). Entre Autora (2ª contratante) e Ré (1ª contratante) foi celebrado em 21.06.04 um contrato cuja cópia consta a folhas 54 a 105 dos autos e aqui se dá por reproduzida e que denominaram de “contrato de empreitada” através do qual a Autora se obrigou perante a Ré a construir uma unidade industrial no prédio sito na Rua …, Espinho, …. 3.2). Nos termos do considerando C) do contrato, faz parte integrante deste a proposta n.º 199/B/2004, de 21.Maio.2004, e o mapa de medições e caderno de encargos, que constituem as folhas 58 a 105 dos autos. 3.3). Nos termos da cláusula 2, tratava-se de uma “empreitada por série de preços”, com o “preço previsto” de € 430.000, mais I.V.A., a pagar em prestações mediante facturas da Autora correspondentes aos custos mensais de obra realizada. 3.4). Nos termos da cláusula 4, a construção deveria ser realizada no prazo de cinco meses a contar da data de assinatura do contrato, sob pena de a aqui autora ter de pagar, a título de cláusula penal, por cada dia de atraso, o “equivalente a 1% sobre o valor da empreitada, previsto na cláusula 2”. 3.5). Nos termos da cláusula 1.15 do capítulo II do “Caderno de Encargos – Condições Gerais” a multa a pagar pela aqui autora por cada dia que a execução da obra “exceder o prazo indicado ou a sua prorrogação, será de 1% do valor total da empreitada, não podendo, porém, o período da multa exceder sessenta dias (60), findo o qual o contrato será rescindido automaticamente”. 3.6). Nos termos da cláusula 1.2 do capítulo II do “Caderno de Encargos – Condições Gerais”, “a empreitada é «à forfait», isto é, por preço global, sendo portanto o adjudicatário obrigado a executar pelo preço apresentado na sua proposta, além de todos os trabalhos constantes do projecto, todos os trabalhos subsidiários que sejam consequentes daqueles ou necessários para a perfeita execução dos trabalhos”. 3.7). Na proposta n.º 199/B/2004, de 21.Maio.2004, a aqui autora informou que a sua proposta era “por série de preços, tendo como base apenas o mapa de medição”. 3.8). Nos termos da cláusula 6 do contrato, a aqui autora obrigou-se a: “a) Cumprir o presente contrato pontualmente, para o que declara conhecer o conteúdo dos documentos anexos ao presente, assumindo, em consequência uma obrigação de bom resultado; b) Durante o decurso do prazo de execução da empreitada, a executá-la de acordo com um ritmo de laboração adequado ao cumprimento do prazo previsto para a sua conclusão, adoptando as medidas convenientes (…)”. 3.9). Nos termos da cláusula 9 do contrato, “o presente contrato poderá ser resolvido no caso de incumprimento das obrigações assumidas pelos contratantes, mediante comunicação prévia de uma parte à outra e sem prejuízo da indemnização devida que nos termos convencionais e gerais tal incumprimento implique”. 3.10). Nos termos da cláusula 1.13 do capítulo II do “Caderno de Encargos – Condições Gerais”, “a requerimento do adjudicatário, devidamente fundamentado e por escrito, poderá ser concedida prorrogação do prazo de conclusão da obra”. 3.11). Nos pontos seguintes estabeleceu-se que se houver trabalhos a mais e o adjudicatário o “requerer” o prazo “será” prorrogado em função do tempo necessário à execução desses trabalhos (1.13.1), devendo o pedido de prorrogação ser apresentado 30 dias antes de expirado o prazo de execução (1.13.2). 3.12). Nos termos da cláusula 12 do contrato, “o contrato não é passível de alteração, aditamento ou anulação, excepto por escrito, assinado pelas partes, sendo ineficazes quaisquer comunicações, declarações ou acordos verbais”. 4). A Ré pagou à Autora, por conta do contrato referido em 3) pelo menos a quantia de 164.643,64 EUR não tendo pago 265.356,34 EUR. (D) 5). P…, em nome e a pedido da Autora, prestou em 13/07/04, garantia bancária incondicional à Ré, pelo valor de 43.000 EUR, 10% do valor de adjudicação do contrato referido em 3) destinada a garantir o cumprimento das obrigações assumidas nesse contrato, ao primeiro pedido da beneficiária, conforme fls. 236 cujo teor se dá por reproduzido. (E) 6). P…, em nome e a pedido da Autora, prestou em 01/02/05, garantia bancária incondicional à Ré, pelo valor de 50.000 EUR, destinado a caução de 10% do valor de adjudicação do contrato referido em 3) destinada a garantir o cumprimento das obrigações assumidas nesse contrato, ao primeiro pedido da beneficiária, conforme fls. 237 cujo teor se dá por reproduzido. (F) 7). A garantia referida em 5) foi accionada em 29/04/2011 pela Ré para pagamento de obras no edifício que esta entende ser da responsabilidade da Autora, pelo valor de 37.766,19 EUR conforme fls. 441 cujo teor se dá por reproduzido. (G) 8). As obras em causa terminaram em 07/10/05. (H) 9). A Ré enviou à Autora carta de 02/02/05 onde menciona que está excedido em mais de 60 dias o prazo para conclusão das obras e que passará a debitar a partir de 21/02/05 a clausula penal prevista no ponto 4.1) do contrato em causa tudo conforme fls. 238 cujo teor se dá por reproduzido. (I) 10). A Ré enviou à Autora enviou à Autora notas de débito nºs. 729, 730 e 731, nos valores respectivos de 50.000 EUR, 25.000 EUR e 50.000 EUR, devolvidas pela Autora e novamente enviadas à Autora relativas a penalizações por atraso na conclusão da obra conforme fls. 263 a 272 cujo teor se dá por reproduzido. (J) 11). Em Setembro de 2005 existia infiltração de água na cobertura e caleiras. (L) 12). A Autora reconheceu a existência do referido em 11. (M) 13). A Ré comunicou à Autora, em 15/11/05 que esta não lhe tinha fornecido amostras de caixilharia antes da sua aplicação conforme consta de fls. 376 cujo teor se dá por reproduzido. (N) 14). A Autora respondeu em 17/11/05 afirmando que a amostra da caixilharia estava em poder da Ré há meses conforme fls. 377 cujo teor se dá por reproduzido. (O) 15). Por escrito de 10/02/06 a Ré enviou à Autora uma relação de anomalias com o edifício em causa conforme fls. 385 e 386 e alegado nos artigos 85.º a 95.º da contestação. (P) 16). Dá-se por reproduzido o teor de fls. 396 de 02/12/2010 (onde a Ré responde a mail anteriormente enviado pela mandatária da Autora e, entre outras situações, faz referência a vícios no edifício e à proposta de uma solução global dos problemas). (Q) 17). A D…, S.A. enviou à ré as cartas datadas de 01.02.08 e 05.03.2008 cujas cópias constam de fls. 486 a 488 e 496 e 497 cujo teor aqui se dá por reproduzido, na primeira das quais referia ter “adquirido” a autora. (R) 18). Na sequência de conversações entre «D… …» e Ré, aquela apresentou proposta datada de 27/05/2010 de resolução de determinados problemas (impermeabilizações de caleiras, muretes de caleiras, cumeeira, pala, colocação de lamelas, reparação de danos causados por infiltrações, conforme fls. 523 cujo teor se dá por reproduzido). (S) 19). A garantia referida em 5) foi constituída pela Autora, por ter acordado com a Ré que a mesma substituiria a retenção de 10% do valor de cada fatura emitida por aquela como previsto no ponto 1.14.1 das condições gerais do caderno geral de encargos anexo ao contrato referido em 3). (1.º, 2.º) 20). A garantia referida em 5) foi constituída para garantir o cumprimento de obrigações assumidas no âmbito do contrato referido em 3) e a garantia referida em 6) foi destinada a caução de 10% do valor do mesmo contrato. (4.º a 6.º) 21). O preço total da construção em causa foi de 516.200,40 EUR, sem I.V.A. (9.º), com dedução de 3.468,25 EUR. (10.º) 22). A Ré pagou a «N…, Lda.» pelo menos a quantia de 5.260 EUR pela realização de trabalhos de coordenação, assessorias, vistorias e elaboração de aditamento a projecto entre Janeiro e Novembro de 2005. (11.º) 23). Por ter confiado que a obra se concluiria em 21/11/04, a Ré celebrou o contrato cuja cópia consta a folhas 293 a 300, intitulado “contrato de locação financeira” para aquisição de máquina de fabrico de etiquetas. (12) 24). A ré conseguiu retardar a entrega da máquina até 24/03/05. (13) 25). Data em que teve de arrendar um armazém para depositar a máquina. (14) 26). Pagando € 640/mês até 28/09/05. (15) 27). E pagou em Setembro de 2005 € 123,75 acrescido de I.V.A. para o transporte dessa máquina para a unidade industrial construída pela Autora. (16) 28). Entre 24/03/2005 e 28/09/2005, por não estar concluída a obra em causa, a Ré esteve impedida de produzir com essa máquina. (17) 29). Em Setembro de 2005 entrava água pelas paredes do edifício em questão. (20.º) 30). A Ré referiu à Autora que a marca de lamelas colocadas não correspondiam ao previsto no projecto. (24.º) 31). Os fechos das portas e janelas de alumínio estavam partidos (25.º), tendo a Ré pedido à Autora a sua rectificação. (26.º) 32). As águas pluviais que entraram no edifício danificaram o rodapé e soalho (27.º), tendo a Ré pedido à Autora a sua substituição. (28.º) 33). A Ré pediu à Autora a substituição dos pavimentos e soalho flutuante no escritório e sala de espera por o chão não estar nivelado. (29.º) 34). A Autora não tinha envernizado a madeira colocada debaixo de uma escadaria. (30.º) 35). A Autora aplicou lamelas na caixilharia de marca diferente da constante no projeto e orçamento sem ter fornecido previamente amostras à Ré. (31.º, 32.º) 36). Os portões a certa altura, por volta de Novembro de 2005, não funcionavam de modo a permitir a entrada e saída pelos mesmos. (33.º) 37). A Ré solicitou a reparação do referido em 34) e 36). (34.º) 38). Em 2007 e 2008 a Ré substituiu molas de uma porta no valor de 300,50 EUR. (35.º, 35.º-A) 39). Em Fevereiro de 2007 a Ré fez vedar uma caleira das suas instalações pelo valor de 561,92 EUR. (36.º, 37.º) 40). A Ré, em Fevereiro de 2011, por entender que era necessária a sua realização para evitar danos em máquinas, mandou reparar a entrada de águas pluviais pela cobertura, pelo valor de 37 726,95, tendo as obras terminado por volta de 31/03/11. (38.º, 39.º) V. Da matéria de direito: As partes e o Mmo. Juiz “a quo” convergem na qualificação jurídica do contrato celebrado por aqueles e que faz parte da causa de pedir da acção como contrato de empreitada. Trata-se de uma conclusão absolutamente líquida. O contrato de empreitada é, com efeito, um contrato oneroso ou comutativo, através do qual o empreiteiro se obriga a executar uma determinada obra e o dono da obra se obriga, como contrapartida, a pagar-lhe o preço correspondente – artigo 1207.º do Código Civil -. Foi precisamente a isso que as partes se obrigaram reciprocamente: a autora a executar uma obra de construção civil de uma unidade industrial; a ré a pagar à autora o preço acertado para esse trabalho. As partes também estão de acordo que a autora é ainda credora de parte do preço devido pela execução da obra contratada, uma vez que tendo esse preço ascendido a €512.732,15 (€516.200,40 – €3.468,25) a ré não efectuou o pagamento desse montante total, tendo deixado por pagar a quantia de €265.356,34. Por regra o preço deve ser pago no acto de aceitação da obra – nº 2 do artigo 1211.º do Código Civil – mas nada obsta que as partes estipulem ou seja uso proceder de modo diverso. No caso foi isso que sucedeu: as partes acordaram que o pagamento seria efectuado em prestações, mediantes facturas correspondente ao custo mensal da obra realizada. Não tendo sido suscitada nos autos qualquer objecção relativamente às facturas emitidas que totalizam o valor em divida e quanto à sua correspondência com o custo da obra realizada, esse pagamento é devido desde o 30.º dia posterior à data de emissão de cada factura, conforme prevê a cláusula 2.1. do contrato. Até aqui não diverge a recorrente da decisão de 1.ª instância. A sua discordância situa-se ao nível do que foi decidido quanto à intenção de compensar esse valor com o seu crédito resultante da aplicação da penalidade prevista no contrato para a situação de atraso na conclusão da obra. O Mmo. Juiz “a quo” entendeu que a penalidade está realmente prevista no contrato para a situação que veio a ocorrer, que o seu valor se afere em função do preço da empreitada de €430.000 e não de €516.200,40 e ainda, apoiando-se em jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que no caso teria de ser a ré a demonstrar que o atraso na conclusão da obra que poderia desencadear essa penalidade se deveu a culpa da autora não funcionando a presunção de culpa do artigo 799.º do Código Civil. As partes fixaram no contrato que a execução dos trabalhos deveria estar concluída no prazo de cinco meses a contar da data de assinatura do contrato. Tendo o contrato data de 21.06.2004, a obra deveria, portanto, estar concluída em 21.11.2004. Todavia só foi concluída em 07.10.2005, quase onze meses depois da data estipulada pelas partes. O que significa que a empreiteira incumpriu uma das obrigações a que se comprometeu com a celebração do contrato: concluir a obra até 21.11.2004. Para essa eventualidade o contrato previa uma penalidade a pagar pela empreiteira à dona da obra. Segundo a cláusula 4 do contrato, aquela teria de pagar, “por cada dia de atraso” na conclusão da obra, “a título de cláusula penal”, o equivalente a “1% sobre o valor da empreitada, previsto na cláusula 2”. No dizer de Vaz Serra, in Pena Convencional, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 67, pág. 240, “há cláusula penal ou pena convencional quando o devedor promete ao seu credor uma prestação para o caso de não cumprir ou de não cumprir perfeitamente a obrigação”. Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, pág. 247, define a cláusula penal, na acepção de cláusula penal indemnizatória, como “a estipulação negocial segundo a qual o devedor, se não cumprir a obrigação ou não cumprir exactamente nos termos devidos, maxime no tempo fixado, será obrigado, a título de indemnização sancionatória, ao pagamento ao credor de uma quantia pecuniária. (…) Dada a sua simplicidade e comodidade, a cláusula penal é instrumento de fixação antecipada, em princípio ne varietur, da indemnização a prestar pelo devedor no caso de não cumprimento ou mora, e pode ser eficaz meio de pressão ao próprio cumprimento da obrigação. (…) a cláusula penal prevê antecipadamente um forfait que ressarcirá o dano resultante de eventual não cumprimento ou cumprimento inexacto”. É algo diversa a definição de cláusula penal sustentada por Pinto Monteiro. Para este autor, in Cláusula penal e comportamento abusivo do credor, Estudos de Homenagem ao Prof. Dr. António Castanheira Neves, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 2008, vol. II, pág. 504, a cláusula penal é a “estipulação em que qualquer das partes ou uma delas apenas, se obriga antecipadamente, perante a outra, a efectuar certa prestação, normalmente em dinheiro, em caso de não cumprimento ou de não cumprimento perfeito (maxime, em tempo) de determinada obrigação, a fim de proceder à liquidação do dano ou para compelir o devedor ao cumprimento”. Enquanto o primeiro autor acentua a correspondência da cláusula penal à definição que dela fornece o artigo 810.º do Código Civil – fixação por acordo do montante da indemnização exigível -, o segundo autor alarga o âmbito da figura a fins puramente compulsórios – compelir a parte a cumprir -. No entanto, quer se entenda que a cláusula penal tem natureza indemnizatória ou antes compulsória, parece dever aceitar-se que a mesma é, em princípio, absolutamente válida. No primeiro caso porque se encontra expressamente prevista e admitida pelo artigo 810.º do Código Civil (cf. Pinto Monteiro, in Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, pág. 577). No segundo porque a sua consagração é permitida pelo princípio da liberdade negocial que preside ao nosso sistema jurídico[2] e uma cláusula dessa natureza constitui um óptimo mecanismo para criar condições para se alcançar aquilo que os contraentes e o sistema jurídico intentam com a regulação dos interesses opostos mas convergentes: que as partes cumpram[3] aquilo a que voluntariamente se obrigaram, pacta sunt servanda. Qual o montante que resulta da previsão desta cláusula? A disposição contratual fixa a pena, por cada dia de atraso, em “1% sobre o valor da empreitada previsto na cláusula 2”. Esta estabelece que a empreitada é celebrada “por série de preços” com o “preço previsto” de €430.000,00 mais IVA. No âmbito das obras públicas e no tocante ao modo de remuneração do empreiteiro, a lei costuma distinguir as seguintes modalidades: a) a empreitada por preço global (por vezes designada por preço único e fixo, a corpo, à forfait ou per avisionem) que é quando a remuneração é fixada adiantadamente numa soma certa, correspondente à realização de todos os trabalhos necessários para a execução da obra, objecto do contrato; b) a empreitada por série de preços (também designada por medição) quando a remuneração resulta da aplicação dos preços unitários previstos no contrato para cada espécie de trabalho a realizar, às quantidades desse trabalho realmente executadas, segundo se comprovar por medição periódica; c) a empreitada por percentagem quando o empreiteiro assume a obrigação de executar a obra por preço correspondente ao seu custo, acrescido de uma percentagem destinada a cobrir os encargos de administração e a sua remuneração (cf. artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 48.871, artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 235/86, de 18 de Agosto, artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro, ou artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março). O contrato em análise sendo embora um contrato de empreitada de obras particulares contém expressões próprias das empreitadas de obras públicas. Por isso, na falta de elementos interpretativos próprios do contrato, pode ir-se procurar no regime jurídico das empreitadas de obras públicas ajuda para encontrar o significado daquelas expressões. No contrato, o preço foi fixado “por série de preços”, o que significa que o preço não é afinal o de €430.000,00, ali mencionado mas apenas como “preço previsto”, mas sim aquele que no final se viesse a apurar por aplicação às quantidades de trabalho realmente executadas dos preços unitários previstos no contrato para cada espécie de trabalho a realizar, a comprovar por medição periódica. Também por isso as facturas a emitir pela empreiteira deviam corresponder aos “custos mensais da obra realizada” e não a uma qualquer percentagem do preço previsto. Por conseguinte, quando a cláusula 4 remete para o preço da empreitada previsto na cláusula 2, está a remeter não para o preço de €430.000, mas para o preço final a determinar por série de preços, pois é este o valor da empreitada e não apenas uma previsão desse valor. A expressão “valor da empreitada, previsto na cláusula 2” não tem, neste contexto, o significado de remeter para a previsão de valor (para o valor previsto de €430.000) constante desta cláusula; o seu sentido parece corresponder a “mencionado”, “indicado” ou “referido” na cláusula 2. Se assim não fosse, uma vez que o valor previsto era perfeitamente liquido não se justificava que a cláusula contivesse ainda a mera fórmula de cálculo (1% de X) quando podia mencionar imediatamente o produto desse cálculo, ou seja, o valor diário exacto da penalidade (€4.300), que seguramente teria sobre a empreiteira maior impacto compulsório. A ser assim, como propugnamos, o valor que resulta da aplicação da cláusula penal é afinal de €307.639,29 e não de €285.000,00 como defendido na sentença recorrida. A ré pediu um valor menor, certamente por erro de cálculo, pelo que atento o limite que o pedido fixa à possível condenação (artigo 609.º do Código de Processo Civil, antigo artigo 661.º), será esse o valor a atender no presente processo: €307.634,26. Refira-se, no entanto, que existem no contrato elementos dissonantes quanto ao preço da empreitada. Embora o texto do contrato propriamente dito estipule que a empreitada é por série de preços, a verdade é que o caderno de encargos, que as partes consagraram como fazendo parte integrante do contrato, refere coisa diversa. Segundo a cláusula 1.2 do “Caderno de Encargos – Condições Gerais”, “a empreitada é «à forfait», isto é, por preço global, sendo portanto o adjudicatário obrigado a executar pelo preço apresentado na sua proposta, além de todos os trabalhos constantes do projecto, todos os trabalhos subsidiários que sejam consequentes daqueles ou necessários para a perfeita execução dos trabalhos”. Se tivéssemos apenas estes dados estaríamos perante um contrato em que um dos seus elementos essenciais estava definido em termos contraditórios que se excluem mutuamente, com forte risco de nulidade do próprio contrato, atenta a essencialidade deste seu elemento. Sucede que do contrato faz ainda parte a proposta n.º 199/B/2004, de 21.Maio.2004, apresentada pela empreiteira. Nesta proposta a aqui autora informou que a sua proposta era “por série de preços, tendo como base apenas o mapa de medição”. Assim, uma vez que a proposta teve de ser aceite pela dona da obra para dar origem à celebração do contrato (que a inclui como parte integrante) e que esta é a alternativa que menor risco acarreta para a empreiteira, deve entender-se aquilo que corresponde à vontade real das partes é o que consta do contrato propriamente dito (que por ser a parte principal da redacção contratual se presume ser mais conforme com as particularidades da negociação) em correspondência com a proposta da parte contrária (que é expressa nesse ponto). Entendeu-se na decisão recorrida que, de todo o modo, o valor da penalidade estipulada nas mencionadas cláusulas não pode ser atribuído à ré uma vez que para fazer funcionar a cláusula penal não basta o atraso na execução da obra mas é ainda necessário demonstrar que o atraso se deveu a culpa da empreiteira e que essa prova cabia à ré, a qual a não fez. A previsão da cláusula que comina a penalidade é a de a empreiteira “não cumprir o prazo” para a execução dos trabalhos, sendo a penalidade calculada “por cada dia de atraso”. Trata-se, portanto, de uma penalidade prevista para a mora na conclusão dos trabalhos, não para o incumprimento definitivo da obrigação de executar os trabalhos. No entanto, para desencadear a aplicação da penalidade a mora terá de ser, sempre, imputável à empreiteira a título de culpa. Conforme resulta do disposto no artigo 804.º, n.º 2, do Código Civil, se o atraso não for imputável ao empreiteiro, nomeadamente se for imputável ao dono da obra, porque este, por exemplo, exigiu trabalhos a mais que tornaram o prazo insuficiente (artigo 1216.º, n.º 2, parte final), o empreiteiro não pode ser juridicamente responsabilizado pelas consequências da mora. Por isso, excepto se a cláusula do contrato que prevê a penalidade estipulasse coisa diversa, isto é, que a mesma se aplicaria mesmo que o atraso na execução da obra não fosse imputável ao empreiteiro (caso em que estaríamos perante uma cláusula penal com funções de garantia[4]) tem de se entender que a aplicação da penalidade pressupõe a culpa da autora pelo atraso verificado. Essa mesma solução resultaria, no caso, do confronto com a cláusula 4.2 do contrato. Segundo esta cláusula, se a empreiteira não puder proceder à execução dos trabalhos na sequência do plano de trabalho, por responsabilidade imputável ao dono da obra, o prazo será alargado na duração em que a paragem ocorrer. O que daqui resulta é que as partes equacionaram os atrasos na obra e definiram regimes diferentes consoante a parte à qual se ficasse a dever o atraso: se fosse imputável à empreiteira haveria aplicação de uma penalidade; se fosse imputável ao dono da obra o prazo seria alargado na medida do que o comportamento desta justificasse. A coerência e o equilíbrio contratual apontam assim no sentido de que em ambos os casos a culpa é pressuposto da responsabilização da parte causadora da frustração do plano contratual. Como escreve Pinto Monteiro, in Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, pág. 683/684. “Estipulada validamente uma cláusula penal, a pena, seu objecto, será exigível quando se verifique a situação para que foi prevista. Haverá, pois, que apurar a falta que os contraentes, por seu intermédio, quiseram sancionar, se a simples mora, o inadimplemento definitivo, o incumprimento propriamente dito ou qualquer outra irregularidade da prestação. Assim como haverá que determinar o interesse que concretamente se quis proteger com a estipulação da pena, a fim de saber se o facto ilícito ocorrido é o que ela cobre. Não basta, porém, para que a pena se torne exigível, que ela haja sido aceite validamente e venha a ocorrer a situação por si prevenida. O devedor só incorre na pena caso tenha procedido com culpa. A nosso ver, trata-se de um requisito indispensável, e isto quer se esteja perante uma simples fixação antecipada do montante da indemnização, quer a pena haja sido estipulada com finalidade coercitiva. No primeiro caso, tal como o credor, na ausência da cláusula penal, não teria direito a ser indemnizado, provando o devedor a sua falta de culpa, igualmente não terá direito, pelo mesmo motivo, à indemnização previamente liquidada através do estabelecimento da pena. Esta destina-se a prefixar o quantum respondeatur, não a consagrar uma responsabilidade independente de culpa. No segundo caso, seja ela uma cláusula penal stricto sensu ou uma cláusula penal destinada exclusivamente a compelir o devedor ao cumprimento, a sua natureza sancionatória exige, de igual modo, uma censura ético-jurídica, que o requisito da culpa envolve” (sublinhados nossos)[5]. Deve, portanto, averiguar-se se o atraso na conclusão da obra se deveu a culpa da autora ou, não revelando os autos nenhum facto a esse respeito, contra quem decidir a dúvida. Uma vez que nos encontramos no domínio da responsabilidade pelo incumprimento de obrigações contratuais, é inevitável encarar o disposto no artigo 799.º do Código Civil. Esta norma dispõe que “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”. Deparamo-nos aqui, portanto, com uma presunção de culpa do devedor: verificado o incumprimento da obrigação, o devedor responde pelas consequências desse incumprimento a título de culpa, excepto se demonstrar que o incumprimento não se deveu a culpa sua. Por via dessa norma, nas acções de responsabilidade civil contratual, o credor apenas tem de alegar e fazer a prova dos factos que constituem o facto ilícito do incumprimento e os danos dele resultantes, incidindo sobre o devedor o ónus de alegar e demonstrar que o incumprimento não procede de culpa sua. Mas para afastar essa presunção de culpa, não basta ao devedor sustentar a inexistência de culpa, é necessário que alegue e demonstre factos concretos que evidenciem que actuou diligentemente, usando o cuidado e o zelo que um bom pai de família usaria nas concretas circunstâncias do caso, e que o incumprimento se deveu antes a factores alheios à sua vontade e capacidade de controle. Esta norma tem duas razões de ser que ressaltam com facilidade. A primeira é a de que sendo o objectivo dos sujeitos e da ordem jurídica que as obrigações assumidas sejam cumpridas por quem a isso está vinculado (pacta sunt servanda), a oneração do obrigado com uma presunção de culpa pelo incumprimento funciona como um estímulo ao cumprimento, na medida em que facilita a sua responsabilização pelas consequências do incumprimento. A segunda é a de que é o obrigado que se encontra em melhores condições para demonstrar os motivos pelos quais não cumpriu com a sua obrigação. Entendeu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.04.2011, relatado por Lopes do Rego, in www.dgsi.pt, e assim foi também decidido pelo Mmo. Juiz “a quo”, que “a presunção de culpa do devedor, afirmada pelo art. 799º do CC, é privativa das acções (ou pedidos reconvencionais) de incumprimento, desencadeadas pelo credor contra o devedor inadimplente, - não funcionando nos casos em que o devedor pretenda opor ao credor, por via de excepção peremptória, um contra-crédito, susceptível de determinar a extinção da obrigação que lhe era exigida, cabendo-lhe, neste caso, provar inteiramente os elementos constitutivos da excepção peremptória que deduz ( incluindo a culpa do A. no despoletar da cláusula penal que está na base daquele contra-crédito) ...”. Este Acórdão cita em seu apoio o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.09.2004, in www.gdsi.pt, em cujo sumário consta o seguinte: “Demandado o dono da obra pela empreiteira para pagamento de parte do preço não solvida, e excepcionando o réu em compensação um crédito sobre a autora devido a multa que lhe aplicara por incumprimento de prazo - prazo este cuja aplicabilidade dependia de não serem introduzidas alterações à obra no período considerado -, incumbe ao réu, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º, a prova dos factos genéticos ou constitutivos do aludido contra-crédito, quiçá extintivo do direito ao preço, maxime o facto da inexistência das questionadas alterações.” Com todo o devido respeito pelos ilustres Conselheiros que subscrevem estes arestos, ousamos discordar desta interpretação e queremos crer que a mesma se ficou a dever à “peculiar situação dos autos” reconhecida pelo Sr. Conselheiro Lopes do Rego no Acórdão por si relatado[6]. A primeira razão pela qual não concordamos advém da falta de fundamento material para distinguir consoante a compensação é alegada como excepção ou apenas como reconvenção. A compensação é uma forma de extinção da obrigação que opera por decisão do devedor e se torna eficaz mediante declaração de uma das partes (artigos 847.º e 848.º do Código Civil). O que significa que uma vez preenchidos os requisitos de que a lei faz depender o direito de o devedor compensar a dívida com um crédito seu, cabe ao devedor a faculdade de decidir se exerce ou não a compensação. Ele não é obrigado a compensar os créditos, goza apenas do direito potestativo de o fazer preenchidos que estejam os requisitos legais. Por conseguinte, ao ser confrontado com a acção instaurada pelo credor com vista a obter a satisfação do crédito, o devedor pode optar livremente por não deduzir a excepção de compensação e limitar-se antes a formular pedido reconvencional pedindo a condenação do autor a pagar, por sua vez, o crédito do demandado, ou mesmo optar por instaurar uma acção autónoma com este fim específico. Ora não parece haver razão substancial para permitir que a aplicação da presunção oscile em função da mera opção processual do devedor. A presunção de culpa não tem por fundamento material qualquer razão de natureza processual, de configuração da acção ou da posição das partes[7]. O que constitui o fundamento material da presunção é a posição do contratante em relação ao objecto da sua obrigação, a maior facilidade que ele tem em provar o contexto em que a obrigação não foi cumprida, a necessidade, que corresponde a um imperativo de justiça e a um objectivo da ordem jurídica, de por essa via incentivar o cumprimento da obrigação e, em simultâneo, levar o obrigado, quando confrontado com a possibilidade de incumprir, a cuidar de reunir as razões que permitam afastar a sua própria culpa. Fazer depender a aplicação da presunção de culpa de aspectos processuais é afastarmo-nos deste fundamento material da presunção e, como tal, do fim social da norma que a prevê, o que evidentemente não deve ser caminho para a aplicação do artigo 799.º do Código Civil. O que pode consentir a aplicação da presunção, e basta para a sua aplicação, é somente a verificação da sua previsão legal e o respeito pelo fim social da norma, não aspectos processuais relativos à configuração da lide. Repare-se, aliás, que a solução preconizada pelos aludidos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça se defronta com uma enorme dificuldade a que não dá resposta cabal. Se o valor do contra-crédito for inferior ao crédito do autor e isso só permitir a dedução da excepção peremptória da compensação, a solução quanto ao ónus da prova da culpa ou da sua falta seria uma (o réu demandado, querendo efectuar a compensação teria de demonstrar a culpa do autor pelo atraso na execução da obra por ser elemento integrante da excepção). Todavia, se esse valor exceder o crédito do autor e, como sucede nos autos, o réu tiver em simultâneo deduzido a excepção peremptória da compensação do seu crédito até ao limite daquele[8] e reconvenção para obter o pagamento da parte excedente do seu crédito, não é possível argumentar, em relação à parte do crédito objecto da reconvenção, que os factos alusivos à culpa integram a excepção (pois aí não há excepção), e, sobretudo, não há como justificar que uma parte do crédito possa estar sujeita a uma regra de prova e a outra parte do crédito a outra(!). É verdade que o mesmo facto pode numa acção assumir a natureza de facto constitutivo do direito do autor e noutra acção assumir a natureza de facto impeditivo do direito que o autor pretende exercer. Nessa perspectiva as regras do ónus da prova acabam por depender da configuração da acção. Todavia, tratar-se-á sempre e apenas da configuração da acção que resulta da respectiva relação material controvertida, não da sua configuração processual. De todo o modo o problema que nos ocupa só aparentemente é uma questão de definição das regras do ónus da prova aplicáveis aos autos, o que reportaria à problemática do artigo 342.º do Código Civil. O problema que está em discussão é apenas o da determinação do âmbito de aplicação do artigo 799.º do Código Civil, uma vez que definido este a questão do ónus da prova fica arrumada por efeito do disposto no artigo 344.º do Código Civil. Isto conduz-nos à segunda grande razão pela qual não concordamos com a aludida tese. Refere o Sr. Conselheiro Lopes do Rego “que – como decorre da sequência normativa dos arts 798º e 799º do CC (prevendo o primeiro a responsabilidade do devedor e estabelecendo o segundo uma presunção legal quanto a um dos elementos da causa de pedir complexa em que se estrutura tal responsabilidade) - a presunção de culpa do devedor está normativamente estruturada para funcionar no âmbito de uma acção de incumprimento, proposta pelo credor, que tem como elemento da causa de pedir complexa invocada precisamente o incumprimento do devedor /demandado…”. A nosso ver, o artigo 799.º surge integrado na secção do Código Civil relativa às consequências da falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor por ser esse o seu lugar, digamos, natural. Prescrevendo o artigo 798.º que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelo prejuízo que causa ao credor, a disposição relativa à presunção de culpa do devedor só podia mesmo situar-se imediatamente após aquela. Mas daí não se extrai com a necessária segurança que esta presunção só esteja prevista para a hipótese de estarmos perante uma acção de incumprimento, ela está sim prevista para todas as acções em que a propósito do incumprimento contratual se torne necessário demonstrar que o devedor incumpriu culposamente a sua obrigação pois é a essa questão jurídica que o artigo 799.º quer dar resposta. Existe ainda uma terceira razão, esta relativa à posição das partes nos respectivos articulados, que justifica a adopção de solução divergente da do Sr. Conselheiro Lopes do Rego. A ré alegou na sua contestação que a autora não cumpriu o prazo do contrato e que por via disso estava obrigada a pagar a penalidade prevista no contrato para tal situação. Confrontada com esta alegação, a autora não alegou que esse atraso fosse imputável à ré, devido a qualquer alteração da obra, a qualquer modificação determinada pela ré, a qualquer facto alheio à sua vontade ou insusceptível de ser controlado por si. A autora apenas alegou que o prazo do contrato foi prorrogado por acordo das partes, ou seja, a autora confessou que o prazo (inicial) não foi cumprido e não avançou nenhuma explicação para esse atraso. Limitou-se a defender que o prazo passou a ser outro por acordo das partes. Todavia, não logrou sequer fazer a prova desse acordo, tendo-se conformado com essa decisão pois nem na resposta às alegações de recurso impugnou a decisão relativa a esse facto como poderia fazer ao abrigo do disposto no artigo 684.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil. Neste contexto, em que não existe qualquer discussão entre as partes sobre a qual delas é imputável o não cumprimento do prazo, mas apenas discussão sobre a extensão do prazo (o inicial ou prorrogado), não parece ser aceitável afastar a aplicação do artigo 799.º do Código de Processo Civil com o argumento de que não se fez prova de algo, quando esse algo nem sequer foi suscitado por nenhuma das partes. Dir-se-á que se não estava onerada com a presunção a autora não tinha de alegar o que quer que fosse para afastar a sua culpa. Mas isso é esquecer que ela sentiu necessidade de afastar a responsabilidade pelo atraso, e que para esse efeito apenas alegou, com o objectivo de afastar as consequências do atraso que lhe estava a ser imputado, a existência de um acordo de prorrogação do prazo. Que não demonstrou. A nosso ver, portanto, na presente acção tem aplicação a presunção de culpa do devedor, estabelecida no artigo 799º do Código Civil, e, consequentemente, no tocante à pretensão da ré de ser credora do valor da penalidade pelo incumprimento da obrigação de execução da obra dentro do prazo contratado, recaía sobre a ré o ónus de alegar e demonstrar o preenchimento da previsão contratual que gera a aplicação da penalidade, e recaía sobre a autora, na qualidade de devedora da obrigação de executar a obra dentro do prazo contratado, o ónus de alegar e provar, através de factos susceptíveis de ilidir a presunção de culpa que a onera, que a mora não procede de culpa sua[9]. Não tendo essa prova sido feita nos autos, nada impede o funcionamento da cláusula penal e o direito do direito da ré ao pagamento do correspondente valor. Em resultado desse reconhecimento impõe-se, portanto, julgar improcedente o pedido da autora por efeito da compensação com o crédito da ré resultante dessa penalidade (€265.356,34) e julgar procedente o pedido reconvencional em relação ao valor remanescente desse crédito da ré (€42.277,92)[10]. Avançando na apreciação dos demais fundamentos do recurso, insurge-se a recorrente contra a decisão da 1.ª instância na parte relativa ao pedido de indemnização pelos prejuízos decorrentes do atraso na conclusão da obra, incluído na reconvenção. Na sentença recorrida entendeu-se que essa indemnização seria sempre de rejeitar (i) porque nos termos do n.º 2 do artigo 811.º do Código Civil a existência da cláusula penal obsta ao ressarcimento de qualquer dano excedente ao valor da cláusula, (ii) e porque a eventual indemnização, na medida em que por efeito da compensação reduziria o valor do preço a pagar à autora, exigia que a ré tivesse provado a culpa da autora no surgimento destas despesas. No tocante à questão da prova da culpa da autora pelo atraso na conclusão da obra, já tivemos oportunidade para justificar a divergência em relação à posição sustentada pelo Mmo. Juiz “a quo” com o apoio de dois Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça. O mais que aqui é necessário acrescentar é que sem excepção de compensação poderemos ter matematicamente a redução de um crédito, mas juridicamente não, o que temos são dois créditos distintos. Por isso a redução da quantia a pagar à autora a título de preço da empreitada, de que fala a sentença recorrida, só operaria juridicamente se a ré tivesse deduzido a excepção de compensação desse crédito da autora com o seu crédito indemnizatório. Ora não é isso que sucede nos autos. A compensação pretendida pela ré é entre aquele crédito da autora e o crédito da ré resultante da penalidade contratual pelo não cumprimento do prazo, não com o crédito da ré emergente da indemnização dos danos moratórios. Este só é incluído pela ré no seu pedido reconvencional. Seguramente não é possível modificar a posição da ré, atribuindo à sua excepção de compensação concretamente deduzida no exercício de um direito potestativo, um objecto que ela não tem e pretender aproveitar, em sede de ónus da prova, a consequência jurídica da dedução de uma excepção peremptória, para afastar um dos requisitos da responsabilidade pelos danos do incumprimento. Resta a outra questão que merece uma atenção mais detalhada. Ao contrário do que sustenta a recorrente não nos parece que a cláusula 9.ª do contrato permita a cumulação da pena pela mora na conclusão da obra com a indemnização dos danos moratórios excedentes. Lendo a cláusula vê-se facilmente que a mesma não se refere a essa situação. O que esta cláusula prevê é que “o presente contrato poderá ser resolvido no caso de incumprimento das obrigações assumidas pelos contratantes, mediante comunicação prévia de uma parte à outra e sem prejuízo da indemnização devida que nos termos convencionais e gerais tal incumprimento implique”. Trata-se a nosso ver de uma cláusula que apenas repete a solução que resultaria da lei: que havendo incumprimento (não diz se incumprimento provisório ou definitivo ou apenas cumprimento defeituoso) de uma das partes, a outra pode resolver o contrato (não diz em que condições) e exigir as indemnizações que decorram do incumprimento nos termos da lei ou do contrato. Não há na cláusula, por conseguinte, qualquer referência à possibilidade de cumular entre si indemnizações de diversa natureza ou de cumular indemnizações com sanções contratuais, o que há é somente a possibilidade de cumular a resolução do contrato com o direito de indemnização, o que, repete-se, sempre resultaria da lei. E a impertinência desta cláusula para dar resposta, no caso, ao problema da cumulação entre pena e indemnização acentua-se quando se observa que apesar do atraso na conclusão da obra a dona da obra não resolveu o contrato de empreitada, que seria a situação em que a cláusula poderia ser invocada. Torna-se, portanto, necessário interpretar a cláusula penal em si mesma e descortinar a sua relação com a indemnização. Como já vimos, a cláusula penal está prevista para a mora na conclusão da obra, aquilo que ela visa evitar que aconteça é o retardamento da conclusão da obra e o interesse que ela visa acautelar é o de que a obra esteja na disponibilidade do dono da obra na data prevista por este e em função da qual deverá ter programado a ocupação da obra. Nessa medida, estamos claramente perante uma cláusula penal moratória, isto é, uma previsão de uma pena para os casos de simples mora no cumprimento da obrigação, não para as situações de incumprimento definitivo. A questão da cumulação pretendida pela recorrente ganha acuidade no processo precisamente porque a indemnização que a recorrente reclama é também a indemnização dos danos moratórios, dos danos que a dona da obra sofreu causados pelo atraso na conclusão da obra, causados pela circunstância de a obra não ter ficado concluída na data contratada mas apenas mais tarde. Depois de definir a cláusula penal como a estipulação através da qual as partes “fixam por acordo o montante da indemnização exigível” (artigo 810.º), o Código Civil estabelece condicionantes ao funcionamento desta cláusula. E assim, segundo o n.º 1 do artigo 811.º, “o credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário”. Por sua vez o n.º 2 do mesmo preceito prescreve que “o estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes”. Resulta destes normativos, por um lado, que tendo a cláusula penal sido prevista para a situação de mora o credor pode cumular a pena (moratória) com o cumprimento coercivo ou a indemnização pelo incumprimento definitivo, e, por outro lado, que tendo as partes acordado uma cláusula penal o credor apenas pode exigir o valor da cláusula penal e não também a indemnização do dano que supere o valor da cláusula, excepto se as partes convencionarem regime diferente. Pode, no entanto, questionar-se se este regime vale para todas as modalidades de cláusula penal ou apenas para algumas delas e quais. É comum a doutrina (cf. Nuno Pinto de Oliveira, in Cláusulas Acessórias ao Contrato, Almedina, 2.ª edição, págs. 63 e seguintes) e a jurisprudência (de que é exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.09.2011, relatado por Nuno Cameira, com o aplauso de Pinto Monteiro na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 141.º, n.º 3972, pág. 177 e seguintes), distinguirem as cláusulas penais em três modalidades: i) a cláusula penal indemnizatória dirigida à reparação de danos mediante a fixação antecipada e ne varietur da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor (figura expressamente prevista no artigo 810.º do Código Civil); ii) a cláusula penal exclusivamente compulsória, que tem por objectivo compelir o devedor a cumprir e em que a pena acresce ao cumprimento ou à indemnização pelo incumprimento; iii) e a cláusula penal em sentido estrito ou propriamente dita, cuja estipulação visa ainda compelir o devedor ao cumprimento mas em que a pena substitui o cumprimento ou a indemnização pelo não cumprimento, não acrescendo a nenhuma delas. Não se encontrando na redacção da cláusula do contrato que prevê a penalidade uma única referência a danos ou à indemnização por danos, podemos tender para qualificar a cláusula como uma cláusula penal compulsória, ou seja, como não visando propriamente a fixação à forfait do valor da indemnização pela ruptura culposa do contrato, mas antes o estabelecimento de uma pena ou sanção para a empreiteira pelo não cumprimento do prazo, pretendendo-se com isso, estritamente, compeli-la a respeitar e cumprir o contrato, conforme era intenção inicial comum às partes. Todavia, como já vimos, existe no contrato uma cláusula relativa ao incumprimento das obrigações do contrato e ao direito de indemnização decorrente desse incumprimento. Trata-se da mencionada cláusula 9.º na qual se prevê a resolução do contrato por incumprimento das obrigações assumidas pelos contratantes, e na qual se ressalva o direito de indemnização, mas em momento algum se menciona que o direito de indemnização acresça ou não prejudique a pena prevista no contrato[11]. Por outro lado, a cláusula 1.15 do capítulo II do “Caderno de Encargos – Condições Gerais” que também faz parte do contrato dispõe que a multa a pagar pela empreiteira por cada dia que a execução da obra exceder o prazo, será de 1% do valor total da empreitada, “não podendo, porém, o período da multa exceder 60 dias, findo o qual o contrato será rescindido automaticamente”. De acordo com esta redacção, não é o atraso que não pode exceder 60 dias, o que não pode ultrapassar o (valor correspondente à ultrapassagem do) prazo é a multa. Parece, portanto, que ao redigirem esta cláusula, as partes equacionaram não propriamente o prazo em si mesmo mas o valor a que a pena ascenderia em resultado do aumento do atraso, ou seja, as partes tiveram em mente a relação da pena com os eventuais prejuízos que o atraso pudesse causar. Por outro lado, a consequência da ultrapassagem desse limite era, nos termos expressos da cláusula, a rescisão automática do contrato, o que parece querer, dizer do ponto de vista técnico-jurídico, a resolução do contrato independentemente de qualquer formalidade. Estamos pois perante uma cláusula resolutiva do contrato de funcionamento automático, no sentido de que não carecia da correspondente manifestação da vontade da parte. Ora resulta dos autos que isso não sucedeu assim. Pese embora se haja ultrapassado o limite de 60 dias a obra continuou a ser executada, sem oposição da dona da obra e, uma vez concluída, esta, embora afirme que nunca a aceitou, passou a dispor da construção. Tal facto, parece indiciar claramente que a dona da obra manteve interesse na obra e naturalmente a considerar que a aplicação da pena satisfaria plenamente o seu direito de indemnização (só isso, aliás, pode justificar que entre a conclusão da obra e o surgimento do litígio em tribunal hajam decorrido praticamente 6 anos (!), o que é estranho na empreiteira face ao valor da obra realizada ainda por receber, mas não o é menos na dona da obra face ao valor do excesso a que se julga com direito). Refira-se finalmente que não foi alegado nenhum contexto relativo à celebração do contrato que torne verosímil que a dona da obra tivesse motivos para descrer da capacidade ou vontade da empreiteira de cumprir o prazo estipulado no contrato. E que, como já vimos, pelo teor contraditório de algumas cláusulas do contrato propriamente dito e dos anexos que dele fazem parte (v.g. preço da empreitada), podem colocar-se algumas reservas sobre a especificidade da contratação que subjaz ao contrato. Perante estas dúvidas, entendemos que a cláusula penal em questão deve ser qualificada como cláusula de fixação antecipada do valor da indemnização. Trata-se da interpretação que se apoia no conceito de cláusula penal eleito expressamente pelo legislador do Código Civil e, como tal, no conceito que, a não ser quando, de forma segura ou inequívoca, as partes acordem diferentemente, se deverá considerar natural à estatuição de uma cláusula penal ou supletivamente tido em mente pelas partes. Essa interpretação é ainda a que mais preserva o equilíbrio contratual[12] e, sobretudo, quando o valor da penalidade supera o valor da indemnização (moratória), melhor conjuga a defesa dos interesses do credor (que à partida aceitou sancionar o atraso com uma pena assim calculada e, como tal, a suficiência da mesma para forçar o devedor a cumprir e, ao não acautelar o cúmulo com a indemnização, também para satisfazer o seu interesse ressarcitório) com os interesses do devedor (que para assumir determinadas obrigações contratuais necessita, naturalmente, de ter um horizonte de risco pouco compatível com uma solução de cumulação não expressamente prevista). A interpretar-se como defendemos a cláusula penal prevista no contrato, devemos concluir, por aplicação dos n.os 1 e 2 do artigo 811.º do Código Civil, tratando-se num caso (pena) e no outro (indemnização) de consequências do mesmo ilícito contratual (mora), que não havendo convenção contrária das partes, o estabelecimento da pena para o atraso na conclusão da obra, impede a dona de obra de exigir além da pena a indemnização dos danos moratórios. Nessa medida, improcede a reconvenção no tocante ao pedido de pagamento, para além do valor da pena, da indemnização pelos danos moratórios. Insurge-se, por fim, a recorrente com a decisão de 1.ª instância sobre o pedido reconvencional de condenação da requerente a reparar os defeitos que subsistem na obra e a pagar o custo das reparações de defeitos já efectuadas pela dona da obra. Mais especificamente, pois no restante aquela decisão é-lhe favorável (afastamento da excepção da caducidade, condenação da empreiteira a reparar certos defeitos), a discordância da requerente é apenas com o segmento da decisão que desatendeu o pedido de pagamento das reparações já feitas pelo dono da obra e o pedido de substituição das lamelas. Refira-se que a ré se tinha oposto a este pedido com a arguição da excepção da caducidade do direito da reconvinte, mas essa excepção foi julgada improcedente e essa parte da decisão transitou em julgado porquanto a autora não recorreu da mesma e agora, na resposta às alegações de recurso, também não fez uso do disposto no artigo 684.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil (hoje o artigo 636.º). Constitui obrigação do empreiteiro cumprir pontualmente o contrato, isto é, cumprir as obrigações a que se vinculou ponto por ponto, ou como refere o artigo 1208.º do Código Civil, executar a obra “em conformidade com o que foi convencionado”. Correspondentemente a lei consente ao dono da obra que recuse a sua aceitação se ela não se “encontrar nas condições convencionadas” (artigo 1218.º, n.º 1, do Código Civil). Assim, se do contrato resulta que o empreiteiro devia executar a obra com um determinado material e se prova que ele a executou com um material diverso, existe uma desconformidade em relação ao convencionado e, como tal, necessariamente um cumprimento defeituoso da prestação. Ora conforme resulta do disposto no artigo 1221.º do Código Civil, face ao cumprimento defeituoso do contrato o direito primário do dono da obra é o de exigir a eliminação dos defeitos se os mesmos puderem ser suprimidos ou, no caso contrário, exigir nova construção. Estes direitos cessam, no entanto, se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito. Por sua vez o artigo 1222.º do mesmo diploma estabelece que se não forem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode então exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina. O que daqui decorre é que perante a demonstração de que existe uma desconformidade dos materiais aplicados face aos convencionados, é o empreiteiro que para evitar a necessidade de substituir os materiais colocados pelos convencionados, tem de alegar e demonstrar que as despesas que essa substituição geraria serão desproporcionadas em relação ao proveito do dono da obra. E, feita essa demonstração, para evitar o direito alternativo do dono da obra à redução do preço, demonstrar também que os materiais aplicados em vez de diminuírem o valor, a qualidade e a aptidão da obra, a incrementaram. Por outras palavras, não é o dono da obra que tem de demonstrar que a desconformidade gera uma menos valia para a obra, é o empreiteiro que tem de demonstrar que a substituição dos materiais colocados ao arrepio do contratado é desproporcionadamente onerosa e/ou, de qualquer modo, se traduz numa valorização da obra. Ora, na réplica, a empreiteira, confrontada com o pedido reconvencional nada referiu com esse objectivo ou com essa virtualidade, nem se encontra, como tal, provado qualquer facto que consinta essa conclusão e assim impedir, por excepção, o direito do dono da obra ao cumprimento pontual, leia-se, à eliminação da desconformidade. No tocante ao pagamento do custo das reparações realizadas pela própria dona da obra, convém ter em conta que o valor em causa é de apenas €862,42. Para chegar a este valor a reconvinte somou o custo de três reparações distintas (substituição das molas de uma porta no valor de €300,50, vedação de uma caleira no valor de €561,92, eliminação da entrada de águas pluviais pela cobertura, pelo valor de €37.726,95) e descontou-lhe o valor que recebeu do banco que tinha prestado as garantias bancárias, pretendendo receber agora a diferença não reembolsada através de tais garantias. Ora fazendo contas simples a estas verbas, vê-se que o valor em falta corresponde somente às duas primeiras reparações referidas. E isso é assim pela simples razão de que quando aquelas foram realizadas (2007/2008) as garantias não foram accionados, tendo-o sido apenas na sequência da última reparação (realizada em Fevereiro de 2011 com as garantias a serem accionadas no mês de Abril seguinte). Por conseguinte, o que está aqui em causa é somente se a empreiteira deve ser condenada a pagar aquelas primeiras reparações. Ora a verdade é que tal como ficou provada a matéria de facto em causa (e recorde-se que a mesma foi objecto de uma resposta restritiva e a recorrente não impugnou a decisão da matéria de factos nesses pontos concretos) é de todo impossível sequer que esses custos são respeitantes à reparação de defeitos imputáveis à empreiteira. Está provado que a ré substituiu molas de uma porta, mas não está provado nem o motivo porque as substituiu, nem a ligação dessa necessidade à actuação da empreiteira em vez, por exemplo, de ao uso ou mau uso da mesma porta. E está ainda provado a ré mandou vedar uma caleira das suas instalações, mas não está provado nem o motivo porque o mandou fazer, nem a ligação dessa necessidade ou interesse à actuação da empreiteira. Desse modo, não sendo sequer possível concluir da matéria de facto que esses trabalhos foram feitos para reparar defeitos da responsabilidade da empreiteira, é evidente que não é possível condenar a autora a reembolsar essa despesa com base no contrato de empreitada. Pelo que nesta parte o recurso também improcede. VI. Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, dando provimento parcial à apelação, alteram a matéria de factos nos termos acima assinalados e alteram a decisão recorrida do seguinte modo: a) no tocante ao pedido formulado pela autora, julgam procedente a excepção da compensação invocada pela ré e por isso improcedente o pedido da autora, absolvendo a ré deste pedido; b) no tocante ao pedido reconvencional pecuniário, julgam-no parcialmente procedente e, em consequência, condenam a autora a pagar à ré a quantia de €42.277,92 (quarenta e dois mil, duzentos e setenta e sete euros e noventa e dois cêntimos), acrescida de juros de mora a contar da notificação da reconvenção à autora; c) no tocante ao pedido reconvencional de reparação de defeitos, acrescentam à decisão recorrida (que, nesta parte, confirmam no mais) a condenação da autora a substituir as lamelas que aplicou na obra em desconformidade com o que o contrato previa quanto a esse material. Custas da acção e do recurso por ambas as partes, na proporção do decaimento respectivo. * Porto, 7 de Novembro de 2013.Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto 95) José Amaral Pinto de Almeida ________________ [1] Em comparação com a sentença recorrida, a numeração respectiva é alterada a partir do primeiro facto eliminado e também no facto que remete para outros factos. [2] Afirma Pinto Monteiro, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 141.º, pág. 193, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.09.2011, in www.dgsi.pt, aplaudindo a decisão de considerar válida a cláusula penal exclusivamente compulsória, que “o artigo 405.º constitui «fundamento legal bastante» para permitir às partes estipularem outras modalidades de cláusulas penais, para lá daquela que o legislador defeniu no artigo 810.º e regulou nas normas seguintes”. No mesmo sentido, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.04.1998, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 476, pág. 400. [3] Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 67 e segs., refere-se a esse respeito ao “interesse existencial do cumprimento “ referindo que “o credor acredita no normal desenvolvimento da relação, segundo a vontade das partes e a função económica tida em vista no momento inicial, a culminar no cumprimento. Nesta conformidade, o cumprimento, actuação ou realização da prestação devida, constitui o termo do desenvolvimento normal da obrigação, o seu fim natural (…). O cumprimento é o momento capital e decisivo, verdadeiro centro de gravidade da relação obrigacional”. [4] Expressão de Pinto Monteiro, loc. cit. pág. 685. [5] Ideia que o mesmo autor repete in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 132.º, pág. 53 e seguintes (onde acrescenta tratar-se de uma posição pacífica e que corresponde à doutrina comum), Ano 141, pág. 192, nota 10 (“a cláusula penal não afasta as regras gerais relativas à culpa, pois o devedor só incorre na pena se tiver procedido com culpa”) e Ano 142, pág. 72, nota 35 (“se o devedor provar que não teve culpa fica afastado o direito do credor à pena”). [6] Impressiona de facto que no citado Acórdão a posição da empreiteira credora do preço seja ocupada não por esta mas pela respectiva massa falida, sendo impossível não admitir de imediato a particular dificuldade que a massa falida propriamente dita terá em apurar, alegar e fazer a prova das circunstâncias que rodearam a execução de obras anteriores à declaração de insolvência do empreiteiro e que nessas circunstâncias será afinal bem mais fácil e acessível ao devedor do preço alegar e demonstrar as razões a que se deveu o atraso. No outro Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça citado impressiona também o rol de alterações à obra adjudicada, o facto de a multa ter sido acordada apenas já depois da existência de conflito quanto à conclusão da obra e finalmente que a multa haja sido estipulada a partir de uma determinada data mas apenas para a eventualidade de os trabalhos não virem a ser concluídos até outra data (ou seja, a sanção dependia não da verificação de uma previsão mas de uma condição). [7] Isso mesmo foi afirmado por diversos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça a propósito do ónus da prova da responsabilidade pelos danos emergentes de acidentes de viação nas acções executivas instauradas contra as seguradoras pelos hospitais que prestaram assistência médica aos sinistrados e apresentando como título executivo a certidão de dívida ao Serviço Nacional de Saúde prevista no Decreto-Lei n.º 194/92 (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.10.1998, in Boletim do Ministério da Justiça 480.º, pág. 352, que cita diversos outros). [8] Ou escolhido mesmo para operar a compensação outro crédito que possa ter sobre a devedora, guardando o crédito da cláusula penal apenas para a causa de pedir da reconvenção. [9] Embora eventualmente se ter em mente a situação específica que aqui nos ocupa, é sempre assim que Pinto Monteiro, locs. cits., a propósito da cláusula penal se refere à questão da demonstração da culpa, ou seja, à necessidade de o devedor demonstrar que a circunstância desencadeadora da aplicação da cláusula penal não se deve a culpa sua. [10] Refira-se que nestes valores não se consideram quaisquer juros uma vez que a autora só reclamou juros sobre o preço em dívida a contar de 04.07.2008 quando a ré, em conformidade com o que consentia a cláusula 4.1. do contrato, comunicou à autora, logo em 02.02.2005, que iria compensar o valor do preço em dívida com a penalidade pelo atraso a partir de 21.02.2005. [11] Quando a recorrente recorre a esta cláusula para defender que a penalidade se encontra abrangida nas “indemnizações previstas no contrato” está a argumentar contra si mesma, uma vez que a ser assim então a pena é indemnização, ou seja, a pena foi estipulada pelas partes como fixação à forfait da indemnização pelos danos, quando é isso precisamente que se procura averiguar. [12] Cremos interpretar correctamente Pinto Monteiro, in Cláusula Penal e Indemnização, pág. 646, nota 1512, encontrando nele um apoio para esta nossa interpretação tendencial, quando afirma que “em caso de dúvida sobre a espécie concretamente estipulada, deverá partir-se do princípio de que se trata de uma fixação antecipada do montante da indemnização – não de uma cláusula penal propriamente dita -, o que constituirá a solução mais favorável para o devedor”. |