Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1167/15.9T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
HIPOTECA
REGISTO PROVISÓRIO
RECUSA
Nº do Documento: RP201512161167/15.9T8PVZ.P1
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A lei confere ao condomínio personalidade judiciária, não lhe reconhecendo personalidade jurídica, pelo que o mesmo apenas se poderá definir como centro de imputação das situações jurídicas processuais, e nunca como centro de imputação de situações jurídicas materiais.
II - Decorre do n.º 1 do artigo 686.° do Código Civil a natureza jurídica da hipoteca como direito real de garantia, apresentando, em consequência, as notas características deste - a sequela e a prevalência -, e conferindo ao credor o direito de se pagar do seu crédito, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
III - A penhora não constitui, em rigor, um direito real de garantia real, resumindo-se a um ato processual que visa criar a indisponibilidade dos bens adstritos à execução, mediante a produção dos mesmos efeitos substantivos das garantias reais: a preferência e a sequela.
IV - Mesmo que se considere a penhora como garantia real, a mesma não tem a eficácia erga omnes da hipoteca, tendo os seus efeitos estritamente limitados ao processo no âmbito do qual é registada.
V - Nada obsta a que, no âmbito de uma execução, seja registada uma penhora a favor do condomínio (exequente), sendo a mesma um instrumento absolutamente indispensável à realização do objetivo visado pela execução, não se revelando tal ato similar à hipoteca, a qual constituiu um direito real de garantia, cuja titularidade pressupõe a personalidade jurídica que a lei nega ao condomínio.
VI - Em suma: não merece censura a decisão do Conservador do Registo Predial que recusou o registo de uma hipoteca proposta pela executada, no âmbito de uma execução instaurada pelo condomínio, visando prestar caução com efeito suspensivo dos termos da execução (art.º 733.º, n.º 1, a) do CPC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1167/15.9T8PVZ.P1

Sumário do acórdão:
I. A lei confere ao condomínio personalidade judiciária, não lhe reconhecendo personalidade jurídica, pelo que o mesmo apenas se poderá definir como centro de imputação das situações jurídicas processuais, e nunca como centro de imputação de situações jurídicas materiais.
II. Decorre do n.º 1 do artigo 686.° do Código Civil a natureza jurídica da hipoteca como direito real de garantia, apresentando, em consequência, as notas características deste - a sequela e a prevalência -, e conferindo ao credor o direito de se pagar do seu crédito, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
III. A penhora não constitui, em rigor, um direito real de garantia real, resumindo-se a um ato processual que visa criar a indisponibilidade dos bens adstritos à execução, mediante a produção dos mesmos efeitos substantivos das garantias reais: a preferência e a sequela.
IV. Mesmo que se considere a penhora como garantia real, a mesma não tem a eficácia erga omnes da hipoteca, tendo os seus efeitos estritamente limitados ao processo no âmbito do qual é registada.
V. Nada obsta a que, no âmbito de uma execução, seja registada uma penhora a favor do condomínio (exequente), sendo a mesma um instrumento absolutamente indispensável à realização do objetivo visado pela execução, não se revelando tal ato similar à hipoteca, a qual constituiu um direito real de garantia, cuja titularidade pressupõe a personalidade jurídica que a lei nega ao condomínio.
VI. Em suma: não merece censura a decisão do Conservador do Registo Predial que recusou o registo de uma hipoteca proposta pela executada, no âmbito de uma execução instaurada pelo condomínio, visando prestar caução com efeito suspensivo dos termos da execução (art.º 733.º, n.º 1, a) do CPC).

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
O Condomínio do B…, representado pelo seu administrador C…, instaurou execução com processo comum (processo executivo n.º 4931/12.7TBGDM-A), contra D… e E…, com vista à cobrança de quotas.
Na sequência da dedução de embargos, a executada D… requereu a suspensão dos termos da execução, propondo-se prestar garantia de caução no montante global de € 6.288,51.
A mesma executada requereu na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde, registo provisório de hipoteca a favor do exequente - Condomínio do B…, sobre a fracção autónoma “..”, do prédio descrito sob o n.º …., da freguesia de …, concelho de Gondomar.
Em 13.8.2015, o Exmo. Senhor Conservador do Registo Predial exarou o seguinte despacho: “Recusado o registo provisório de hipoteca a favor do Condomínio do B…, por o mesmo não ter personalidade jurídica. Fundamentação legal: artigos 66º e 158º do Código Civil e artigos 68º e 69º, n.º 1, al. b), do Código de Registo Predial”.
D… impugnou judicialmente a decisão do Exmo. Senhor Conservador, tendo a impugnação sido remetida, nos termos do artigo 142º do Código de Registo Predial, à Instância Local, Secção Cível, da Póvoa do Varzim (comarca do Porto), onde foi distribuída ao 3.º Juízo, em 9.09.2015.
Na sequência da apresentação da aludida impugnação, o Exmo. Senhor Conservador do Registo Predial, em despacho de sustentação, proferido nos termos do art. 142º-A, n.º 1 do Código de Registo Predial, manteve a sua decisão.
Foram os autos com vista à Digna Magistrada do Ministério Público, nos termos do art.º 146º, n.º 1 do Código de Registo Predial, a qual se pronunciou no sentido de ser julgada improcedente a impugnação judicial, fazendo seus os argumentos do Exmo. Senhor Conservador do Registo Predial.
Em 21.09.2015 foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Nesta conformidade, e por tudo quanto fica exposto, julgo a presente impugnação judicial apresentada por D… procedente, por provada e, em consequência, revoga-se a decisão proferida pelo Sr. Conservador do Registo Predial de Vila do Conde, exarada na Ap. 1802, de 11.8.2015, determinando seja efectuado o registo da hipoteca nos termos peticionados na aludida apresentação.».
Não se conformou o Exmo. Senhor Conservador do Registo Predial, e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações que termina com as seguintes conclusões:
1 - O condomínio resultante da propriedade horizontal não tem personalidade jurídica, não sendo, por isso, apto para ser titular autónomo de relações jurídicas.
2 - A constituição de hipoteca voluntária por contrato ou declaração unilateral, nos termos do art.º 712° do Código Civil e respetivo registo, nos termos do art.º 687° do Código Civil, implicam, necessariamente, a existência de personalidade jurídica.
3 - A extensão da personalidade judiciária ao condomínio resultante da propriedade horizontal, ao abrigo da alínea e) do art.º 12° do Código de Processo Civil, não implicou a atribuição de personalidade jurídica.
4 - O condomínio resultante da propriedade horizontal não gozando de personalidade jurídica, não pode ser titular de direitos e de obrigações, não podendo, em consequência, serem constituídas e registadas hipotecas voluntárias a seu favor.
5 - A decisão do Tribunal ‘a quo violou, designadamente, os arts. 66°, 158°, 686°, 687° e 712° do Código Civil, arts. 11° e al. e) do art.º 12° do C PC e arts. 68° e al. b) do n° 1 do 69° do Código do Registo Predial.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a decisão recorrida e, em consequência, manter-se a decisão de recusa do pedido de registo de hipoteca provisório, nos precisos termos do constante no despacho datado de 2015/08/13
A impugnante – D…, respondeu às alegações de recurso, preconizando a sua total improcedência.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 690º nºs 1 e 4, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso, consubstancia-se numa única questão: saber se o condomínio pode ser titular do registo de uma hipoteca voluntária a seu favor.

2. Fundamentos de facto
É a seguinte a factualidade relevante provada, consignada na sentença:
1. Pela Ap. 1802 de 11.8.2015, D… requereu na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde, registo provisório de hipoteca a favor do Condomínio do B…, sobre a fracção autónoma “..”, do prédio descrito sob o n.º …., da freguesia de …, concelho de Gondomar.
2. Para garantia de caução do valor de €3.750,56, juros de mora, custas, honorários e despesas prováveis com o agente de execução, no montante global de €6.288,51.
3. O pedido referido em 1 surgiu no âmbito do processo executivo n.º 4931/12.7TBGDM-A, em que são exequente o Condomínio do B…, representado pelo seu administrador C…, e executados D… e E…, pretendendo aquele cobrar quotas do condomínio por estes devidas.
4. Em 13.8.2015, o Sr. Conservador do Registo Predial exarou o seguinte despacho: “Recusado o registo provisório de hipoteca a favor do Condomínio do B…, por o mesmo não ter personalidade jurídica. Fundamentação legal: artigos 66º e 158º do Código Civil e artigos 68º e 69º, n.º 1, al. b), do Código de Registo Predial”.

3. Fundamentos de direito
3.1. A falta de personalidade jurídica do condomínio
O artigo 11.º do Código de Processo Civil define no seu n.º 1 a personalidade judiciária como suscetibilidade de ser parte na ação, afirmando o n.º 2 o princípio segundo o qual quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária.
Soba a epígrafe “Extensão da personalidade judiciária”, estipula o artigo 12.º do citado diploma legal que têm ainda personalidade judiciária:
a) A herança jacente e os patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não estiver determinado;
b) As associações sem personalidade jurídica e as comissões especiais;
c) As sociedades civis;
d) As sociedades comerciais, até à data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, nos termos do artigo 5.º do Código das Sociedades Comerciais;
e) O condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador;
f) Os navios, nos casos previstos em legislação especial.
A lei concede assim, expressamente, personalidade judiciária ao condomínio resultante da propriedade horizontal, limitando-a, no entanto, às ações que se inserem no âmbito dos poderes e da legitimidade do administrador: artigo 1433.º, n.º 6 do Código Civil (como réu) e artigo 1437.º do mesmo diploma legal (como autor ou como réu).
Por força do disposto no n.º 3 do artigo 1437.º do citado Código Civil, excetuam-se do âmbito da personalidade judiciária atribuída ao condomínio as causas relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, salvo se forem atribuídos poderes especiais ao administrador.
Como claramente decorre das normas que se enunciaram, a lei confere ao condomínio personalidade judiciária, não lhe reconhecendo personalidade jurídica. Dito de outra forma: é exatamente por não lhe reconhecer personalidade jurídica, que o legislador integra o condomínio no elenco do artigo 12.º do CPC, onde se preveem as exceções à regra geral da coincidência entre personalidade jurídica e judiciária.
A atribuição de personalidade judiciária às entidades enunciadas no artigo 12.º do Código de Processo Civil correspondeu à “necessidade dum centro de imputação das situações jurídicas processuais quando não há um centro de imputação de situações jurídicas materiais”[1].
Como ensinava o Professor Antunes Varela[2] a lei enuncia critérios de atribuição da personalidade judiciária tendentes à sua extensão, a quem não goza de personalidade jurídica, traduzindo-se “numa forma expedita de acautelar a defesa judiciária de legítimos interesses em crise, nos casos em que haja qualquer situação de carência em relação à titularidade dos respectivos direitos (ou dos deveres correlativos).”
Não se suscitam dúvidas, quer na doutrina, quer na jurisprudência, sobre esta conclusão: o condomínio tem apenas personalidade judiciária, não sendo dotado de personalidade jurídica[3].
3.2. Consequências da falta de personalidade jurídica, no que respeita ao registo da hipoteca
Começamos por definir a natureza jurídica da hipoteca.
A hipoteca é direito real de garantia, apresentando, em consequência, as notas características deste - a sequela e a prevalência, e conferindo ao credor o direito de se pagar do seu crédito, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo – artigo 686.°, n.º 1 do Código Civil[4].
Como ensinava o Professor Mota Pinto[5], “[s]ujeitos de direito são os entes suscetíveis de serem titulares de direitos e obrigações, de serem titulares de relações jurídicas. São sujeitos de direito as pessoas, singulares e coletivas”.
A personalidade jurídica traduz-se precisamente, na aptidão para a titularidade de relações jurídicas. Como enfatiza o autor citado, “[e]sta aptidão é nas pessoas singulares - nos homens - uma exigência do direito ao respeito e da dignidade que se deve reconhecer a todos os seres humanos. Nas pessoas colectivas trata-se de um processo técnico de organização das relações jurídicas conexionadas com um dado empreendimento colectivo. Todo o sujeito de direito é necessariamente titular de facto de relações jurídicas. Para além de um círculo mínimo de direitos patrimoniais, que pode ser extremamente reduzido, mas que só teoricamente pode faltar de todo em todo, o sujeito de direito é necessariamente titular, pelo facto de ser pessoa, de um círculo de direitos de personalidade”.
Ora, constatando-se que o condomínio não tem personalidade jurídica, mas apenas judiciária, constituindo apenas “centro de imputação das situações jurídicas processuais”, não sendo “centro de imputação de situações jurídicas materiais”[6], salvo todo o respeito devido, não vislumbramos como possa ser titular de um direito real (in casu, de garantia).
Refere a Mª Juíza na fundamentação da decisão recorrida:
«Aqui chegados, temos por certo que o condomínio resultante da propriedade horizontal não é uma pessoa singular e também não é uma pessoa colectiva, razão pela qual não se lhe aplica o disposto nos artigos 66º e 158º do Código Civil. Daí que, salvo o devido respeito pela alegação da impugnante, concordando-se antes com o Sr. Conservador do Registo Predial, o condomínio não tem personalidade jurídica, não sendo possível, por isso, afirmar-se que está apto para ser titular autónomo de relações jurídicas.
Não obstante o exposto, certo é que o art. 12º do Código de Processo Civil, estende a personalidade judiciária ao condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador (al. e).
Ora, entre as funções do administrador, conta-se a de cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns, bem como exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas (art. 1436º do Código Civil); tal significa que pode propor contra os condóminos incumpridores acções judiciais, sendo que nestas acções tem personalidade judiciária o condomínio.
Ao estender-se a personalidade judiciária ao condomínio, tal necessariamente acarreta tudo o que é inerente à demanda judicial, à susceptibilidade de ser parte numa acção. E isso significa que, pretendendo a executada prestar caução a favor do exequente, eventualmente para suspender a execução (enquanto discute a dívida, em embargos de executado), através de hipoteca, esta tem de ser registada, pois constitui requisito da sua constituição (art. 687º do Código Civil). Não faz sentido admitir o condomínio como parte numa acção judicial e depois impedi-lo de ver registada hipoteca a seu favor, para suspender a acção executiva, por exemplo (note-se que a caução que permite a suspensão da execução há-de ser efectuada a favor do exequente – art. 733º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil). Note-se, ademais, que parte na acção é o condomínio, ainda que representado pelo seu administrador, naturalmente, sendo este um mero órgão administrativo daquele e não um sujeito com direito, para o que ora interessa, a receber, para si, quotas dos condóminos.
A entender-se como entende o Sr. Conservador do Registo Predial, também não seria admissível registar a favor do condomínio uma penhora, caso prosseguisse a execução contra os executados, sem que estes pagassem os seus débitos, para venda posterior do imóvel e pagamento da quantia exequenda, o que não se concebe. A entender-se como entende o Sr. Conservador do Registo Predial, apenas o administrador do condomínio poderia ser parte na acção, assim esvaziando de conteúdo o art. 12º, al. e) do Código de Processo Civil; e nesse caso, qualquer hipoteca ou penhora que ocorresse num processo executivo haveria de ser registada a favor do administrador (exequente), sendo certo que não é este o titular do direito às quotas dos condóminos, antes o condomínio constituído pela propriedade horizontal, ainda que representa por um dos seus órgãos, o administrador.
Em face do exposto, e independentemente de se preceituar no art. 1437º, n.º 1 do Código Civil, que o administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia, temos como correcto o entendimento de que, possuindo o condomínio personalidade judiciária para as mesmas acções, não pode esta personalidade judiciária deixar de se estender a tudo o que se relaciona com as demandas judiciais, nomeadamente podendo ver registadas a seu favor, nas competentes conservatórias, penhoras e hipotecas sobre imóveis dos executados.».
Salvo todo o respeito devido, a argumentação que se transcreveu não pode proceder.
Vejamos porquê.
A Mª Juíza considera a aptidão da titularidade da hipoteca (por parte do condomínio/exequente), como instrumento necessário à plena realização da ‘competência’ do administrador, prevista no artigo 1437.º do Código Civil, equiparando a hipoteca à penhora.
Porém, emerge do normativo invocado (artigo 1437.º do CC), um argumento incompatível com o juízo formulado na sentença.
Com efeito, dispõe a norma em apreço:
1. O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.
2. O administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.
3. Exceptuam-se as acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, salvo se a assembleia atribuir para o efeito poderes especiais ao administrador.
Escrevem Pires de Lima e Antunes Varela[7], em anotação ao normativo transcrito:
“A capacidade judiciária passiva do administrador, relativamente às partes comuns do edifício, cessa no caso das acções que põem em causa, directa ou indirectamente, o direito dos condóminos a essas partes. A intervenção do administrador, como o próprio nome deste órgão dá desde logo a entender, só se justifica em relação aos actos de conservação e de fruição das coisas comuns, aos actos conservatórios dos respectivos direitos ou à prestação dos serviços comuns. Logo que se entra no domínio das questões de propriedade ou de posse dos bens comuns, está ultrapassado o círculo dentro do qual se contêm os actos do administrador. Ressalva-se, entretanto, a hipótese de a assembleia conferir poderes especiais ao administrador para representar os condóminos em juízo.”.
Ou seja, não sendo o condomínio suscetível de titularidade de quaisquer direitos reais, já que legalmente constitui apenas “centro de imputação das situações jurídicas processuais”, não sendo “centro de imputação de situações jurídicas materiais”, nas ações relativas a direitos reais, o administrador do condomínio apenas pode agir, desde que munido de poderes especiais de representação dos condóminos (esses sim, dotados de personalidade jurídica, “sujeitos de direito” suscetíveis de serem titulares de relações jurídicas.
Permanece ainda uma questão: a invocada similitude entre a penhora e a hipoteca.
Ressalvando sempre o devido respeito, também quanto a esta matéria não colhe a argumentação motivadora da sentença.
A penhora, instrumento indispensável à realização coerciva do direito na ação executiva, ainda que se considere que constitui uma garantia real[8], não tem a eficácia erga omnes da hipoteca, tendo os seus efeitos limitados ao processo ao abrigo do qual é registada[9].
A maioria da doutrina não considera a penhora um verdadeiro direito real, porque se trata de uma garantia circunscrita ao processo em que é decretada.
Nesse sentido, Almeida Costa define lapidarmente a penhora nestes termos[10]: “Em rigor não se trata de uma garantia real, mas de um acto processual que visa criar a indisponibilidade dos bens adstritos à execução, mediante a produção dos mesmos efeitos substantivos das garantias reais: a preferência e a sequela.”[11]
Em suma, nada obsta a que, no âmbito de uma execução, seja registada uma penhora a favor do exequente (condomínio), sendo a mesma um instrumento absolutamente indispensável à realização do objetivo visado pela execução, não se revelando tal ato similar à hipoteca, a qual constituiu um direito real de garantia, cuja titularidade pressupõe a personalidade jurídica que a lei nega ao condomínio.
Decorre do exposto a procedência do recurso.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso, ao qual concedem provimento, e, em consequência: i) em revogar a decisão de 1.ª instância recorrida; ii) em manter a decisão do Conservador do Registo Predial.
Custas do recurso pela recorrida.
*
O presente acórdão compõe-se de onze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.

Porto, 16 de dezembro de 2015
Carlos Querido
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
______________
[1] José Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume 1.º, 2.ª edição, 2008, pág. 16.
[2] Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 110 e 111.
[3] Vide, por todos: acórdão STJ de 16/12/1999, BMJ, 492,406; acórdão do STJ, de 4.10.2007, Proc. 07B1875; acórdão da Relação de Lisboa, de 12.02.2009, Proc. 271/2009-6; acórdão da Relação de Lisboa, de 20.06.2013, Proc. 6942/04.7TJLSB-B.L1-2; acórdão da Relação do Porto, de 18.10.2001, Proc. 0130667 (com exceção do 1.º, todos disponíveis no site da DGSI).
[4] Vide acórdão do STJ, de 30.06.2011, 91-G/1990.P1.S1, acessível no site da DGSI, e Maria Isabel Helbling Menéres Campos, Da Hipoteca, Caracterização, Constituição e Efeitos, Almedina, maio de 2003, pág. 34.
[5] Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição atualizada, Coimbra Editora, 1996, pág. 194 e seguintes.
[6] José Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume 1.º, 2.ª edição, 2008, pág. 16.
[7] Código Civil Anotado, Coimbra editora, Volume III, 1972, pág. 389.
[8] Consta da fundamentação do acórdão unificador de jurisprudência 3/99, de 18 de maio (DR, 1.ª Série, de 10 de julho de 1999), que reviu a doutrina do acórdão de 20 de Maio de 1997: «a penhora não se traduz na constituição de algum direito real sobre o prédio, sendo apenas um dos actos em que se desenvolve o processo executivo ou, mais directamente, um ónus que passa a incidir sobre a coisa penhorada para satisfação dos fins da execução».
[9] Maria Isabel Helbling Menéres Campos, Da Hipoteca, Caracterização, Constituição e Efeitos, Almedina, maio de 2003, pág. 157.
[10] Direito das Obrigações, 12.ª edição revista e atualizada, Almedina, 2011, pág. 983.
[11] No mesmo sentido, veja-se Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lisboa, Lex, 1998, página 251: “A penhora não é um direito real de garantia, mas é fonte de uma preferência sobre o produto da venda dos bens penhorados, dado que o exequente adquire por ela o direito a ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (artº 822º, nº1 do CC).”.