Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2648/13.4TBLLE-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: PRESCRIÇÃO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
PRESTAÇÕES DEVIDAS AO CONDOMÍNIO
TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
Nº do Documento: RP201602042648/13.4TBLLE-A.P1
Data do Acordão: 02/04/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 49, FLS.51-60)
Área Temática: .
Sumário: I - Em regra, as prestações do condómino para pagamento das despesas comuns do condomínio serão prestações periodicamente renováveis, sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos, mas isso não será assim quando se tratar de uma despesa singular gerada por um acto isolado, designadamente uma obra extraordinária de conservação ou reparação do edifício.
II - Se após a constituição da dívida sujeita a prazo de prescrição de cinco anos, esta for reconhecida por sentença transitada em julgado ou estiver titulada em documento com valor de título executivo, o direito de crédito passa a estar sujeito ao prazo ordinário de prescrição.
III - A acta da assembleia de condóminos só é título executivo em relação à pessoa que no momento da realização da assembleia tem a qualidade de condómino, e não contra a pessoa que posteriormente adquire a fracção e assume essa qualidade por dívidas que se constituíram antes da aquisição da fracção.
IV - Para ser título executivo é indispensável que na acta conste a aprovação pelos condóminos de uma deliberação da qual resulte uma obrigação pecuniária para o condómino e o respectivo montante, não bastando que da acta conste uma mera relação de dívidas ao condomínio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo n.º 2648/13.4TBLLE-A.P1 [Com. Porto Este/Lousada/Inst. Central/Sec. Execuções]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe é movida pelo Condomínio …, localizado em …, Quarteira, o executado B… deduziu embargos de executado pedindo que a execução seja julgada extinta.
Para o efeito, alegou que sendo a dívida exequenda relativa a prestações de condomínio, as quais são prestações periodicamente renováveis sujeitas a um prazo de prescrição de 5 anos, e tendo o executado sido citado para a execução em 06.12.2013 estão já prescritas as obrigações anteriores a 06.12.2008; que a quantia exequenda contempla valores de cujo pagamento o executado, na pessoa do anterior proprietário, foi absolvido em processo que correu termos no Tribunal de Loulé; que o executado não é responsável por dívidas anteriores à aquisição do imóvel; que a quantia exequenda compreende penalizações equivalentes a metade dos valores em dívida previstas no n.º 5 do artigo 12.º do Regulamento de Condomínio mas que são ilegais por violação do n.º 2 do artigo 1434º do Código Civil segundo o qual as penas aplicáveis em cada ano nunca poderão exceder ¼ do rendimento colectável anual da fracção do infractor; que tem pago semestralmente as prestações devidas e não é responsável pelo pagamento de “supostas” dívidas da responsabilidade de anteriores proprietários e referentes a períodos com mais de 7, 8, 9, 10 e mais anos.
A exequente contestou os embargos, pugnando pela improcedência total dos mesmos, sustentando para o efeito que a quantia exequenda compreende quotas semestrais da fracção, o seguro e valores em dívida por cada ano de exercício, cujos valores não têm carácter periódico, nem renovável, não estando preenchidos os pressupostos da prescrição; que os valores das penalizações aplicadas são inferiores ao limite máximo fixado no n.º 2 do artigo 1434º do Código Civil; que não estão a ser reclamados na execução os valores que foram objecto do processo referido pelo executado, sendo que nesse processo o anterior proprietário David Ramalhão Mota, pai do executado, apenas foi absolvido das dívidas ao condomínio que se encontravam em dívida até então, não as posteriores a esta data, que ora se reclamam em sede de execução.
No decurso da audiência prévia, foi proferida sentença na qual se decidiu «julgar parcialmente procedente, por provada, a … oposição, determinando … a redução da execução (inicial) … para a satisfação da quantia de 2.895,00€ (…), acrescidos dos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a propositura da execução até ao seu integral pagamento; no demais, relativamente à execução inicial, determino a extinção da execução».
Do assim decidido, a exequente interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I.[…]. II.[…]. III. A dívida do Recorrido … relaciona-se, directamente, não só com as despesas de administração, mas também com o seguro obrigatório, manutenção e reparações efectuadas no prédio.
IV. Constando as mesmas de todas as actas anexadas e existentes.
V. Refira-se que, todas as actas foram, devidamente notificadas ao Recorrido, por carta registada com aviso de recepção.
VI. Actas que nunca, em momento algum, foram por este impugnadas, conforme de direito, e nunca reclamadas.
VII. Concordando sempre, o Recorrido, com o teor das mesmas e respectivas deliberações tomadas por unanimidade.
VIII. Encontrando-se em dívida para com o Condomínio, pelo valor peticionado na acção executiva inicial - €12.925,01 - consubstanciado pelas despesas e prestações aí melhor descritas, acrescidas da penalização de 50%, prevista e pelos Condóminos aprovada, em sede de Regulamento do Condomínio - artigo 12°, nº 5 do referido diploma.
IX. […] X. … a aqui Recorrente … entende … que a prescrição a operar no presente caso será a prevista no prazo de 20 (vinte) anos.
XI. Ora, de facto, prevê o artigo 310°, alínea g) do Código Civil …, que “Prescrevem no prazo de cinco anos: (…) g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.”
XII. Encontrando-se as mesmas sujeitas ao regime de prescrição previsto no artigo 307° do mesmo diploma, pelo que o prazo da prescrição “ (…) corre desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga.”.
XIII. Sucede que, o nº 1 do artigo 311º, ainda do mesmo diploma, prevê: “O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.”
XIV. Ora, por força das actas dadas à execução, títulos executivos portanto, não impugnadas pelo Recorrido nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 1433° do CC, o prazo de prescrição aplicável passa a compreender o prazo ordinário de 20 (vinte) anos. Prazo este ainda não decorrido in casu.
XV. […]. XVI. […]. XVII. […]. XVIII. No entendimento da Recorrente, o limite imposto no supramencionado preceito – 1434º, nº 2, CC – reporta-se às penalizações aplicadas em cada ano de pagamento de condomínio, e não às penalizações do conjunto dos anos em dívida.
XIX. Pelo que considera que em momento algum as penalizações previstas e por unanimidade aprovadas pelos Condóminos são ilegais, por excessivas.
XX. Encontrando-se conforme os limites legais exigidos e, portanto, correctamente exigidas.
XXI. Ainda assim, e ainda a este título, discorda, de igual forma a Recorrente, com os cálculos e forma de cálculo apresentada na sentença da qual se Recorre.
XXII. Entende a Recorrente que o cálculo do rendimento colectável deverá ser efectuado mediante uma divisão do valor patrimonial da fracção por 15 (quinze). E não uma multiplicação por 0,15.
XXIII. Sendo, postecipadamente, aplicada uma quarta parte desse montante por cada ano de penalização.
XXIV. Contudo, sem prescindir, ainda que tal não seja entendido e se se considerassem as contas e cálculos apresentados pelo Tribunal a quo como correctos,
XXV. Considera a Recorrente, salvo melhor, que deveria o mesmo Tribunal limitar a penalização ao valor máximo da e não, omiti-lo. Como se sucedeu.
XXVI. Em face do exposto, e por considerar a Recorrente que, in casu, a prescrição opera tão-somente no prazo ordinário de 20 (vinte) anos e as penalizações são, conforme explanado, legais, requer a reapreciação da decisão proferida, revogando-se a mesma.
Não foi apresentada resposta a estas alegações.
Em cumprimento do contraditório, nesta Relação as partes foram notificadas para se pronunciarem, sobre as questões de conhecimento oficioso de que se irá conhecer abaixo, o que fizeram.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.
As conclusões das alegações de recurso demandam deste Tribunal que resolva as seguintes questões: i) se o direito de crédito da exequente está sujeito ao prazo de prescrição de 5 anos previsto na alínea g) do artigo 310.º do Código Civil ou ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos por força do disposto no artigo 311.º do mesmo diploma; ii) se o exequente dispõe de título executivo para reclamar o pagamento das penas pecuniárias pelo não pagamento das contribuições ao condomínio; iii) na afirmativa, se as penalidades aplicadas ao condómino pelo não pagamento tempestivo das dívidas ao condomínio respeitam o limite do artigo 1434.º, n.º 2, do Código Civil.

III.
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. O exequente apresentou à execução de que estes autos constituem um apenso as Actas n.os 32, 33, 35, 37, 39, 43, 45 e 47 anexas ao requerimento executivo e cujo integral teor aqui se dá por integralmente por reproduzido.
2. A execução de que estes autos constituem um apenso foi instaurada em 04.10.2013.
3. O Regulamento de Condomínio de fls. 70 a 79 cujo conteúdo aqui se dá por integralmente por reproduzido foi aprovado na assembleia Acta n.º 22 de 15/08/1997.
4. O embargante é proprietário no edifício administrado pelo exequente [da fracção] identificada pelas letras “CG”, porta 802, no oitavo andar do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 3122 da freguesia de Quarteira e foi avaliada em 04.11.2010 em € 107.339,23.

IV.
A] da prescrição:
A prescrição é o instituto jurídico que procura satisfazer a necessidade da comunidade da estabilização das situações jurídicas, de modo a gerar a segurança jurídica que permita a qualquer pessoa saber de antemão o conteúdo da respectiva esfera jurídica e dispor da possibilidade de fazer a suas opções de vida, conhecendo de antemão as vinculações jurídicas a que se encontra adstrito.
Entende-se que face à inércia do titular de um direito no exercício do mesmo, se justifica conceder ao devedor a faculdade de recusar o cumprimento da correspondente obrigação. Como refere Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 5.ª Edição, Almedina, pág. 380, «a prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita. Se o credor, ou o titular do direito, deixar de o exercer durante certo tempo, fixado na lei, o devedor, ou a pessoa vinculada, pode recusar o cumprimento, invocando a prescrição
O artigo 304.º do Código Civil estabelece que uma vez “completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”. A prescrição é, portanto, uma excepção que permite ao devedor impedir o exercício do direito de crédito pelo credor (cf. Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Volume II, 9.ª Edição). A prescrição não extingue o direito de crédito, apenas permite ao devedor recusar o seu cumprimento.
O prazo ordinário de prescrição é de vinte anos (artigo 309.º do Código Civil), daí resultando que se não houver disposição legal que sujeite especificamente o crédito a um prazo de prescrição diferente, a prescrição do mesmo só ocorre uma vez ultrapassado aquele prazo de vinte anos.
Um dos casos de créditos sujeitos a prazo de prescrição extintiva de menor duração está previsto no artigo 310.º do Código Civil. Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, pág. 280, «não se trata, nestes casos, de prescrições presuntivas, sujeitas ao regime especial estabelecido nos artigos 312° e seguintes, mas de prescrições de curto prazo, destinadas essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor (M. de Andrade, Teoria geral, 1966, pág. 452)».
Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.05.2006, no processo n.º 1815/2006-1, in www.dgsi.pt. «as razões justificativas das prescrições de curto prazo do art.º 310.º do CC são a da protecção da certeza e segurança do tráfico, a conveniência de se evitarem os riscos de uma apreciação judicial a longa distância, principalmente quando se requeira a prova testemunhal dos factos e, “last but not the least”, evitar que o credor deixasse acumular excessivamente os seus créditos, para proteger o devedor da onerosidade excessiva que representaria, muito mais tarde, a exigência do pagamento, procurando-se obstar a situações de ruína económica – Baptista Machado, RLJ, 117º, 205, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 452, e Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ, 107º, pág. 285».
Nos termos da alínea g) do referido preceito, estão sujeitos a um prazo de prescrição de 5 anos, entre outros, os créditos relativos a “prestações periodicamente renováveis”. Interessa pois determinar o que se deve entender por prestações periodicamente renováveis para efeitos desta norma.
Em função da influência do tempo sobre o seu objecto, é costume distinguir, usando a terminologia de Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, pág. 85 e seguintes, entre as prestações instantâneas, as prestações duradouras e as prestações fraccionadas ou repartidas.
As prestações instantâneas são aquelas cujo objecto é realizado num único momento, ou seja, o comportamento exigível do devedor esgota-se num só momento (quae único actu perficiuntur). Ao invés, nas prestações duradouras a prestação protela-se no tempo, tendo a duração temporal da relação creditória uma influência decisiva na conformação global da prestação, ou seja, não só o devedor é chamado a efectuar diversos actos para satisfação do direito de crédito do credor, como a extensão desses actos depende decisivamente do factor tempo.
Dentro das obrigações duradouras distinguem-se ainda as prestações de execução continuada, que são aquelas cujo cumprimento é feito continuamente ao longo do tempo, e as prestações reiteradas, periódicas ou com trato sucessivo que são aquelas que se renovam no fim de períodos temporais consecutivos, sendo então aí cumpridas através de uma prestação instantânea correspondente a um desses períodos.
Existem ainda prestações fraccionadas ou repartidas que são aquelas cujo cumprimento se protela no tempo mas em que o facto tempo não tem influência sobre o objecto da prestação mas apenas sobre o modo da sua execução, isto é, o objecto da prestação foi fixado previamente e permanece inalterado ainda que, por acordo das partes, o seu cumprimento deva ser feito ao longo de tempo, em momentos separados dividido em fracções ou parcelas.
Quando a alínea g) do artigo 310.º do Código Civil se refere a prestações periodicamente renováveis está pois a reportar-se às prestações emergentes de obrigações duradouras que se classificam como prestações reiteradas, periódicas ou com trato sucessivo, como é o caso da prestação de pagamento da renda a cargo do arrendatário ou da prestação de pagamento do consumidor de água ou electricidade a cargo do adquirente no contrato de fornecimento desse bens.
As prestações relativas ao pagamento das despesas comuns do condomínio que incumbem ao condómino são prestações periodicamente renováveis?
Numa primeira aproximação, a resposta tende a ser afirmativa. Com efeito, essas despesas são normalmente relativas a encargos com a limpeza e a segurança do prédio, o seguro, a aquisição de água e electricidade para as necessidades e zonas comuns, os contratos de manutenção dos serviços comuns como os elevadores e os equipamentos energéticos. Tais despesas têm como causa bens e serviços utilizados ou produzidos quotidianamente, de forma paulatina mas constante, pelo que não apenas o respectivo custo está associado ao decurso do tempo e dele depende essencialmente, como a obrigação de as suportar se renova no fim de períodos temporais consecutivos, em regra a anuidade, sendo então aí cumpridas através de uma prestação instantânea correspondente a um desses períodos (ainda que o regulamento do condomínio possa estabelecer que o pagamento pelo condómino seja feito, por exemplo, em duas prestações semestrais). Neste sentido se pronunciaram, entre outros, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 22.4.2010, relatado por Márcia Portela (proc. n.º 5892/04.1YXLSB.L1-6), de 21.6.2011, relatado por Amélia Ribeiro (proc. n.º 7855/07.6BOER-A.L1-7), da Relação de Coimbra de 14.11.06, relatado por Artur Dias (proc. n.º 3948/04.0TBAVR.C1), e da Relação do Porto de 27.05.2014, relatado por Vieira Cura (proc. n.º 4393/11.6TBVLG-A.P1), todos in www.dgsi.pt.
Pode, no entanto, suceder que o condomínio delibere a prática de um acto isolado gerador de uma despesa singular, designadamente com uma obra extraordinária de conservação ou reparação. Nessa situação, ainda que a despesa seja objecto de inclusão no orçamento e de repartição pelos condóminos na proporção das respectivas quotas a acrescer às despesas correntes e normais, parece questionável que a obrigação de pagamento dessa despesa singular possa ser classificada como prestação periodicamente renovável. Daí que tal como se entendeu no Acórdão desta Relação de 14.09.2015, relatado por Carlos Gil (proc. n.º 388/11.8TJPRT-A.P1), in www.dgsi.pt, e com o que se concorda em absoluto, “as despesas de conservação, ainda que impostas legalmente com uma periodicidade mínima, não são necessariamente periódicas pois que, se podem ser fixadas a forfait, para serem cobradas anualmente, na veste das denominadas quotizações de condomínio, podem ter carácter pontual determinado em função do concreto custo das obras em causa e do momento em que se decide efectuar certa obra. Como é sabido, a amplitude das obras de conservação necessárias em cada imóvel varia de acordo com uma multiplicidade de factores…. Daí que, por vezes, as contribuições do condomínio anualmente fixadas e o respectivo fundo comum de reserva não sejam suficientes para custear as obras de conservação necessárias em certo momento. (…) quando as obras de conservação têm carácter pontual e são adrede custeadas pelos condóminos e não a forfait, não é o tempo, o seu decurso que determina o custo de tais obras, mas sim as diversas vicissitudes relevantes para a sua concreta valorização…”.
Resulta assim justificado que as prestações para pagamento das despesas comuns do condomínio podem ou não ser prestações periodicamente renováveis. Se o forem, em princípio estão sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos. Caso contrário, o prazo de prescrição da dívida é o prazo ordinário de vinte anos. Tendo a execução sido instaurada em 04.10.2013 e estando incluídas na quantia exequenda dividas que se venceram mais de cinco anos antes de 09.10.2013 (cf. artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil), aquela distinção carecia de ser concretizada. Porém, pelas razões que se explicam de seguida, isso não se mostra necessário para decidir a excepção. Vejamos porquê.
Sob a epígrafe “direitos reconhecidos em sentença ou título executivo”, o artigo 311.º do Código Civil, que sucede aos preceitos que fixam os prazos de prescrição ordinária (309.º) e de cinco anos (310.º), estatui o seguinte no seu n.º 1:
O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo”.
Resulta deste preceito que se após a constituição da dívida (e, julgamos dever acrescentar, dentro do prazo de prescrição de cinco anos já que se a prescrição se completar antes de o crédito passar a estar sujeito ao prazo ordinário o efeito da prescrição permanece intocado) esta for reconhecida por sentença transitada em julgado ou estiver titulada em documento com valor de título executivo, o direito de crédito passa a estar sujeito ao prazo ordinário de prescrição.
Ora, no caso, o direito de crédito está a ser exercido por via de acção executiva. E isso sucede porque nos termos do n.º 1 do artigo 5º do Decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro:
A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo”.
No caso concreto, as actas apresentadas revelam a deliberação de aprovação do orçamento para o ano seguinte, fixando o montante das contribuições de cada um dos condóminos. Nessa medida, pode afirmar-se que o direito de crédito em execução (veremos depois se todo ele ou apenas parte) está titulado por documento com valor de título executivo e que este título é superveniente à constituição e vencimento da dívida, cumprindo assim a exigência do artigo 311º do Código Civil para que o respectivo prazo de prescrição passe a ser o ordinário.
No entanto, sendo requisito da aplicação do artigo 311.º do Código Civil a existência de um título executivo, importa agora determinar se existe mesmo título executivo que permita exigir do executado a totalidade da quantia exequenda. E a resposta é, adiante-se já, negativa.
Nos termos do n.º 5 do artigo 10.º do Código de Processo Civil “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”. Por sua vez o n.º 1 do artigo 53.º do mesmo diploma estabelece que “a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”. Finalmente, prescreve o artigo 54.º que “tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão”.
Daqui resulta que a execução só pode ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor ou contra os seus sucessores mas apenas no caso de ter havido sucessão na obrigação. E só pode ser instaurada para obter a satisfação do direito exigível ao próprio executado, não a terceiros.
Ora em relação ao período anterior à aquisição da fracção no condomínio autor pelo actual proprietário e ora executado, as actas apenas podiam constituir título executivo em relação à pessoa que então tinha a qualidade de proprietário da fracção e, subsequentemente, de condómino, não em relação a qualquer outra pessoa, designadamente pessoa que só posteriormente adquiriu a titularidade desse direito e qualidade.
O que justifica a atribuição de valor de título executivo à acta é, com efeito, a possibilidade de o condómino participar nas assembleias gerais do condomínio e fiscalizar o teor e conteúdo das deliberações que nelas sejam tomadas e, bem assim, a probabilidade de as deliberações serem tomadas no confronto entre os verdadeiros titulares dos interesses (os condóminos) e o seu teor, formado pela vontade da maioria, traduzir uma correcta definição e ponderação desses interesses. Tudo isto só faz sentido e tem aplicação em relação à pessoa que na data da deliberação tem efectivamente a qualidade de condómino, pelo que se deve entender que a acta apenas forma título executivo em relação ao então condómino, não em relação a terceiros.
O condomínio instaurou a execução reclamando do actual proprietário, não do anterior proprietário, a satisfação da totalidade das contribuições em falta relativas à fracção, quer as que se constituíram enquanto o proprietário da fracção era o anterior que não foi demandado, quer as que se constituíram quando o proprietário já era o executado.
Nessa circunstância o condomínio não possui título executivo contra o executado em relação às dívidas que se constituíram antes da data em que este adquiriu a fracção. Por referência a essas dívidas poderia ter título contra o anterior proprietário (título que não perdia a sua validade e eficácia apesar de este ter transmitido o seu direito de propriedade e perdido a qualidade de condómino), mas não foi contra ele que instaurou a execução.
O mais que se poderia questionar era se o actual proprietário sucedeu nas dívidas ao condomínio do anterior proprietário e, como tal, poderia ser executado não propriamente como devedor mas na qualidade de sucessor do devedor, operando-se a sua habilitação no requerimento executivo.
Todavia, como se escreve Acórdão da Relação do Porto de 29.05.2014, relatado por José Amaral (proc. n.º 3771/12.8TBVLG-A.P1) e subscrito pelos aqui 1.º e 2.º Adjuntos, in www.dgsi.pt, que aqui se acompanha, “a obrigação de pagamento de despesas relativas à fracção de prédio em propriedade horizontal qualifica-se como propter rem, em função da coisa, mas não é ambulatória”. Com efeito, afirma-se ali, “nos termos do artº 1424º, nº 1, do Código Civil, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamentos de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções – salvo disposições em contrário. A ressalva visa estipulações de natureza negocial, sejam as estabelecidas pelos interessados logo no título constitutivo, sejam as deliberadas sob qualquer outra forma adequada. Assim como as previstas em disposições legais. E contempla não só o critério proporcional de determinação do valor a pagar mas também da imputação subjectiva da obrigação de pagamento. Assim, se é certo que ao modo de repartição supletivamente fixado se deve recorrer apenas na falta de outro de origem e natureza negocial, não o é menos que à desresponsabilização de certos condóminos não fecha a lei as portas, como decorre, desde logo, dos nºs 2 e 3 do mesmo artigo (despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio ou dos ascensores que sirvam apenas alguns deles) e, bem assim, nos casos de usufruto e de uso e habitação (artºs 1472º e 1489º). Tal significa que, tratando-se embora de obrigação em função da coisa (propter rem), ela nem sempre se conserva no titular do direito real sobre ela ou acompanha a mudança dessa titularidade. Daí que esta não possa servir de critério absoluto de imputação. Como se disse no Acórdão do STJ, de 10-07-2008 [2], “Estão neste caso, entre outras, precisamente as obrigações dos condóminos de um edifício em propriedade horizontal no que tange ao pagamento das despesas”, isto porque, valendo-se de citado ensinamento de Henrique Mesquita [na obra Obrigações Reais e Ónus Reais, Colecção Teses, Almedina, 1997, reimpressão, páginas 336 a 340], que as indica como exemplo, elas devem considerar-se como não ambulatórias, pois ”verifica-se que a dívida propter rem representa, em muitos casos, o correspectivo de um uso ou fruição que couberam ao alienante, devendo ser este, por conseguinte a suportar o custo do gozo que a coisa lhe proporcionou (cuius commoda, eius incommoda)”. A dívida propter rem mantém-se, assim, na esfera jurídica do seu causador e não se desloca em função da titularidade coisa.
Sendo assim, como entendemos, o exequente não dispõe de título executivo para reclamar do executado, proprietário da fracção somente desde 19.05.2006, o pagamento das dívidas que se constituíram antes dessa data e cuja responsabilidade pelo pagamento é da pessoa que até essa data tinha a qualidade de condómino mas que não é executado neste processo. E ainda que apesar da transmissão do direito de propriedade, o adquirente não sucedeu na obrigação do anterior proprietário de pagar as contribuições relativas ao período em que foi condómino, pelo que nem a título de sucessor na obrigação o actual proprietário poderia ser executado para pagamento daquelas dívidas.
Concluímos assim que independentemente de a dívida exequenda se encontrar ou não total ou parcialmente prescrita, com fundamento na falta de título executivo contra o executado a execução nunca poderia ser admitida e prosseguir contra ele para pagamento das dívidas ao condomínio correspondentes à sua fracção mas constituídas antes da aquisição da propriedade pelo executado. Ao invés, no que tange às dívidas constituídas depois de 19.05.2006 já o exequente dispõe de título executivo e seu direito de crédito não se mostra prescrito uma vez que havendo título executivo o seu prazo de prescrição é o prazo ordinário que obviamente não estava ultrapassado na data da instauração da acção.
Nesta parte impunha-se por isso alterar a decisão recorrida.

B) Das penalidades por não pagamento das contribuições:
Na decisão recorrida, o Mmo. Juiz a quo começou por conhecer da prescrição e julgou prescrito o crédito do exequente relativo a dívidas vencidas antes de 09.10.2008, no montante de €10.100,03 [€6.733,35 de contribuições e €3.366,67 de penalizações][1].
Daí resultava que do valor reclamado pelo exequente só não foi julgado prescrito o montante de €2.824,98 [€12.925,01 - €10.100,03]. Sucede que a decisão final dos embargos foi no sentido de “julgar parcialmente procedente … a … oposição, determinando, em consequência, a redução da execução (inicial) … para a … quantia de 2.895,00€ (…), acrescidos dos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a propositura da execução até ao seu integral pagamento” e determinar “no demais … a extinção da execução”.
O pressuposto lógico desta decisão é, portanto, o de que na sentença apenas se acolheu a excepção da prescrição e se considerou improcedente toda a demais defesa do executado. Todavia, lendo a sentença recorrida não é isso que se observa, havendo notória oposição entre os fundamentos da decisão e entre aqueles e esta.
Antes de decidir se o montante das penas pecuniárias pelo não pagamento das contribuições que está a ser exigido em conjunto com estas respeita o limite do artigo 1434.º, n.º 2, do Código Civil, era necessário decidir se os títulos executivos apresentados pelo exequente permitem a execução para obter o pagamento dessas penas.
Muito embora, nos embargos o executado não haja suscitado a questão da falta ou insuficiência de título executivo para a execução das penas pecuniárias e haja apenas arguido que o valor destas excede o limite legal, essa excepção é de conhecimento oficioso – artigo 726.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil –. O que significa que não apenas essa questão devia ser apreciada pelo Mmo. Juiz a quo como pode agora ser conhecida por esta Relação.
O Mmo. Juiz a quo pronunciou-se sobre as duas mencionadas questões, mas misturou-as e acabou por incorrer em contradição.
A dada altura da fundamentação afirma que “Como se refere no Ac. do T.R. Lisboa de 24.09.2013 Proc.7378/11.9YYPRT-A.Pl, o facto de o regulamento do condomínio prever a aplicação de uma sanção específica para a mora no pagamento quota anual e demais despesas de condomínio, não dispensa a existência de uma deliberação por parte da Assembleia de Condomínio. Inexistindo deliberação da assembleia de condomínio a determinar a aplicação de tal penalidade, inexiste título executivo que incorpore tal obrigação. É o que sucede in casu, pois como já referimos o título executivo é a acta e não o regulamento e a obrigação terá de ser certa, líquida e exigível.” Concluiu, portanto, que não havia título executivo para exigir o pagamento das penas pecuniárias. Tanto bastava para julgar os embargos procedentes quanto ao montante das penas e reduzir a quantia exequenda na medida do seu valor, o que como vimos não fez.
A seguir, embora desnecessariamente se acaso a sua intenção era mesmo a de decidir pela falta de título executivo em relação às penas pecuniárias, o Mmo. Juiz a quo discorreu sobre se as penas reclamadas pelo condomínio respeitam o respectivo limite legal previsto no n.º 2 do artigo 1434.º do Código Civil, citando parte de dois Acórdãos da Relação, vindo a concluir que “a penalização aplicada na acta nº 45 no valor de €4.046,17 é ilegal porque excede esse valor” e que “as penalizações aplicadas na acta nº 47 relativas às prestações parcelares devidas desde 2009 … não viola[m] o preceito legal do art° 1434 nº 2CC”. Todavia, como vimos, na decisão final acaba por se mandar prosseguir a execução para pagamento da totalidade dos valores não prescritos, incluindo, portanto, o montante das penas correspondentes, no que se inclui necessariamente as penas da acta n.º 45.
Esta situação gera a nulidade da decisão recorrida nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, vício esse que não foi arguido pelas partes mas que apesar de detectado por este tribunal não impede que se conheça da apelação (artigo 665.º do Código de Processo Civil).
Nas suas alegações de recurso o recorrente não aborda a questão da falta de título executivo em relação às penas pecuniárias reclamadas, sendo certo que ao reclamar a alteração da decisão para que se admita a execução do montante de todas as penas devia opor-se ao entendimento do tribunal recorrido de que não existe título executivo que o permita. De todo o modo, como se referiu, esta questão é de conhecimento oficioso e pode ser conhecida mesmo em sede de recurso uma vez que a decisão sobre essa questão prejudica os fundamentos de recurso apresentados pelo recorrente.
Acresce outra singularidade. O executado não recorreu da sentença que julgou os embargos, apenas o exequente o fez, naturalmente para que se admita a execução a prosseguir sobre valor superior ao que se decidiu em 1ª instância. Por conseguinte, por força do disposto no n.º 5 do artigo 635.º do Código de Processo Civil, que proíbe de forma expressa a reformatio in peius, acompanhando a proibição da reformatio in mellius que advém da delimitação do objecto do recurso[2], estabelecendo que “os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo”, a decisão a proferir por esta Relação não poderá, em qualquer circunstância, reduzir a quantia exequenda mais do que ela foi reduzida na decisão recorrida.
Neste contexto, analisemos então a questão da falta de título executivo em relação às penas pecuniárias.
Nas actas juntas com o requerimento executivo e que constituem o título executivo da execução, encontram-se deliberações dos condóminos a aprovar o orçamento anual do condomínio, das quais resulta a fixação do montante das contribuições de cada um dos condóminos apuradas por simples cálculo matemático com base na permilagem da respectiva fracção do condomínio.
No tocante às penas pecuniárias, o que resulta das actas é que ao longo de vários anos nenhuma referência lhe é feita sequer. Apenas na acta n.º 45 do ano de 2012 surge uma referência à pena pecuniária. Todavia, essa referência está contida na parte da acta relativa a “outros assuntos” na qual se apresenta uma relação dos valores que os diversos condóminos têm em dívida para com o condomínio e, designadamente no tocante ao aqui executado, se acrescenta ao valor dessa dívida acumulada a título de penalidade um valor equivalente a metade do total em dívida.
Resulta assim que nenhuma das actas contém qualquer deliberação dos sócios a aprovar a aplicação da pena pecuniária, contém somente uma descrição dos valores em dívida, incluindo nestes uma penalidade de 50%, desconhecendo-se mesmo quem apresentou essa relação e qual o seu fundamento ou rigor. Essa deliberação não só não existe nas actas, como inclusivamente não poderia ser tomada porque na ordem de trabalhos da assembleia não estava prevista a decisão sobre a aplicação das penas pecuniárias.
Ora, como já vimos, as actas das assembleias de condóminos só são títulos executivos porque isso está expressamente estabelecido no n.º 1 do artigo 5º do Decreto-lei nº 268/94, de 25 de Outubro, o que significa que só são títulos executivos nas condições definidas neste preceito legal.
Diz o referido preceito que a acta da reunião da assembleia de condóminos é título executivo quando “tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio”. Por outras palavras, a acta só é título executivo para executar as deliberações dos sócios e quando estas tenham por objecto prestações pecuniárias a cargo dos condóminos e em benefício do condomínio.
Compreende-se perfeitamente esta exigência. Em regra, os títulos executivos ou são sentenças, dotadas de exequibilidade por força do ius imperi do órgão que as proferiu, ou são documentos em que de uma forma ou de outra houve intervenção do devedor (artigo 703.º e seguintes do Código de Processo Civil), sendo essa intervenção do devedor que justifica o acertamento da obrigação que consente o acesso à acção executiva.
Numa acta da assembleia de condóminos o que justifica esse acertamento da obrigação é a deliberação dos sócios, com base na ideia de que como todos os condóminos possuem interesse idêntico na coisa comum, se deliberam no sentido de vincular os outros vinculam-se a si mesmos e se aceitam vincular-se é porque a obrigação tem razão de ser e é altamente provável. Daí que a acta seja título executivo mesmo em relação a condóminos que votaram contra a deliberação e inclusivamente contra os condóminos que não estiveram presentes na assembleia e não puderam influenciar a deliberação.
Para a acta ser título executivo não basta, portanto, que na assembleia o administrador ou outrem encarregue das contas da administração apareça a descrever o que cada um dos condóminos tem em dívida e que uma tal relação fique consignada em acta, perante a não oposição dos condóminos presentes que no entanto não foram chamados a aprovar qualquer deliberação a esse respeito. O que é indispensável é que a acta documente que na assembleia os condóminos aprovaram uma deliberação da qual resulte uma obrigação pecuniária para o condómino e o respectivo montante (ainda que de forma conjunta e haja depois de calcular o valor devido por cada condómino com recurso à permilagem da fracção).
Nessa medida, no caso concreto, as actas apresentadas não são título executivo bastante para a obtenção coerciva das penas pecuniárias uma vez que não existe nas actas qualquer deliberação dos condóminos a aprovar a aplicação das penas pecuniárias, a qual era necessária uma vez que nos anos anteriores a 2012 os valores das dívidas relacionadas não incluíam quaisquer penas, num sinal claro de que as mesmas não estavam a ser aplicadas e, portanto, que era indispensável uma deliberação da assembleia no sentido de alterar essa prática.
Neste sentido decidiu aliás o Acórdão desta Relação do Porto de 24.09.2013, relatado por Maria João Areias (proc. n.º 7378/11.9YYPRT-A.P1), in www.dgsi.pt, no qual se escreveu o seguinte que aqui se acompanha:
«Segundo José Alberto Aragão Seia, “o montante destas penas e os casos em que serão aplicáveis terá de ser deliberado em primeira convocatória, por maioria dos votos representativos do capital investido e, em segunda, por maioria dos votos dos condóminos presentes desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio [.]”. (…) O Regulamento do Condomínio aprovado por maioria constituiu uma deliberação normativa ou regulamentar, contendo um conjunto de regras gerais e abstractas, destinado a disciplinar no futuro a acção dos condóminos no gozo e administração do edifício [.]. O regulamento servirá, assim, para prever a disciplina legal do condomínio, no que esta tenha de supletivo. (…) a inclusão no Regulamento do condomínio de uma cláusula que preveja o sancionamento dos condóminos por violação da lei ou do regulamento de condomínio, ou seja, a existência de uma norma a tal respeito, não dispensará, contudo, uma deliberação da assembleia para a imposição de uma pena em concreto: trata-se de uma pena que terá necessariamente que ser imposta pelo órgão deliberativo do condomínio. (…) independentemente de existir no regulamento de condomínio uma norma genérica que preveja a aplicação de determinada sanção para o atraso no pagamento das quotizações do condomínio e demais despesas a cargo dos condóminos, a aplicação em concreto de tal sanção terá necessariamente que passar por uma deliberação da assembleia de condomínio, quer quanto à oportunidade de aplicação da mesma, quer quanto ao momento a partir do qual a mesma é liquidada, quer quanto à determinação do respectivo montante. Nunca a previsão genérica no regulamento de condomínio poderia ser de aplicação “automática”: a aplicação de tal pena terá de ser objecto de uma decisão por parte do condomínio, na sequência de uma apreciação da situação em apreço que reconheça a ocorrência de uma violação de alguma disposição por parte do condómino, a sua gravidade e a oportunidade de aplicação da pena pecuniária prevista no Regulamento, bem como o respectivo montante. (…) a acta pela qual se aprovou o Regulamento de Condomínio, ainda que nele se preveja a possibilidade de aplicação de sanções pecuniárias aos condóminos adimplentes, não se enquadra no disposto da citada norma (ainda que em conjunto com a acta onde sejam exaradas as deliberações sobre os montantes de contribuições e despesas a cargo de determinado condómino), pelo que, nunca poderia constituir título executivo para a cobrança de uma concreta penalidade a um condómino [..]. Concluindo e inexistindo qualquer deliberação da assembleia do condomínio, devidamente exarada em acta, a determinar a aplicação de uma concreta pena pecuniária ao executado e o respectivo montante, não dispõe o exequente de título executivo (…)»
Em função desse entendimento, podemos concluir que a execução apenas podia ser admitida em relação ao valor das contribuições devidas pelo executado ao condomínio, não em relação ao valor das penas pecuniárias que vêem reclamadas.
Sendo a quantia exequenda indicada pelo exequente no requerimento executivo de €12.925,01, isso significa que as contribuições ascendem a €8.616,67 e as penas pecuniárias a €4.308,34. Se ao valor das contribuições em dívida abatermos o valor das contribuições anteriores à aquisição da fracção pelo executado e que foram declaradas prescritas, alcançamos de imediato um valor inferior àquele para que na decisão recorrida foi mandada prosseguir a execução.
Descontando ao valor total das contribuições de €8.616,673, só o valor de €5.901,34 mencionado na acta de 2006 – a prescrição abrange mais –, o resultado obtido já é de €2.715,33 que fica aquém do limite que o n.º 5 do artigo 635.º do Código de Processo Civil estabelece ao poder decisório desta Relação, pelo que se torna mesmo desnecessário fazer mais cálculos. Acresce que o valor de contribuições que poderia ser acrescentado à decisão por via da alteração do decidido em relação à prescrição (deixam de se considerar prescritas as contribuições relativas ao período entre 19.05.2006 e 09.10.2008, as quais vistas as actas e feitos os cálculos ascendem a cerca de €800,00) não é compensado pelo valor das penas pecuniárias que haveria que descontar (cerca de €950 só em relação ao período em que a 1.ª instância e esta Relação convergem no afastamento da prescrição).
Em suma, o exequente não dispõe de título executivo para executar o valor das penas pecuniárias, devendo a quantia exequenda ser reduzida em conformidade, mas como essa redução conduziria a um resultado inferior àquele do qual não foi interposto recurso, a execução tem de prosseguir por este valor (€2.895,00).
Improcede assim, pese embora os vícios reconhecidos à decisão recorrida e a bem diferente fundamentação jurídica, o recurso tendente à ampliação do valor pelo qual se admitiu a execução a prosseguir

V.
Pelo exposto, nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, com a diferente fundamentação expedida, ordenam o prosseguimento da execução pelo valor de €2.895,00 e juros legais.
Custas pelo recorrente (tabela I-B).
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Porto, 4 de Fevereiro de 2016.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; 250)
Teles de Menezes
Mário Fernandes
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[1] É o que se conclui da seguinte passagem da decisão recorrida: “Ou seja, todas as contribuições reclamadas pelo exequente e cuja prazo prescricional de cinco anos decorreu antes de 09.10.2008 têm de ser consideradas prescritas. E neste aspecto, como resulta das actas juntas aos autos esse montante ascende a 6.733,35€, assim como as penalizações a estas associadas no valor de 3.366,67 € (vide acta nº 47).”
[2] Segundo Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pág. 465, “no direito português, a função do recurso ordinário é a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa. Dessa circunstância decorre a proibição da reformatio in mellius e in peius. A proibição da reformatio in mellius tem o seguinte enunciado: como o objecto do recurso é delimitado pela impugnação do recorrente, esta parte não pode alcançar através do recurso mais do que a revogação e eventual substituição da decisão recorrida. (…) A violação das proibições da reformatio in mellius e in peius pressupõe que o tribunal de recurso conhece de matéria que não podia apreciar, porque excede o âmbito da sua competência decisória. Assim, é nulo, por excesso de pronúncia o acórdão do tribunal de recurso que não observa aquelas proibições (cfr. artºs 668º, nº 1, al. d) 2ª parte, 716º, nº 1, 732º, 752º, nº 3, e 762º, nº 1). (…) A proibição da reformatio in mellius é uma consequência da vinculação do tribunal superior à impugnação do recorrente: por isso, esse tribunal não pode conceder a essa parte mais do que ele pede no recurso interposto.”