Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
13721/14.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ELSA PAIXÃO
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
COIMA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RP2015051313721/14.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 05/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Não é inconstitucional a norma do artº 9º3 do DL 156/2005 quando interpretada no sentido de que, requerida a presença da autoridade para remover a recusa de apresentação do livro de reclamações, essa recusa é removida, sendo apresentado o livro.
II – A condenação na coima de 15.000,00€ (montante mínimo) pela pratica da contraordenação p.p. pelos artºs 3º nºs 1 b) e 4, e 9º nºs 1 a) e 3 DL 156/2005 de 15/9 não viola o principio constitucional da proporcionalidade (artº 18º 2 CRP).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 13721/14.1T8PRT.P1
Instância Local do Porto – Secção Criminal – J7

Acordam, em Conferência, as Juízas desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
No processo de impugnação judicial de decisão de autoridade administrativa nº 13721/14.1T8PRT, da Instância Local do Porto – Secção Criminal – J7, em que é arguida B…, Lda., com sede na Rua …, …, …, Vizela, foi proferida decisão, por despacho, em 08 de janeiro de 2015, com o seguinte dispositivo:
Nego PROVIMENTO ao recurso interposto e, em consequência, CONFIRMO a decisão administrativa.
CUSTAS PELA ARGUIDA, corrigindo a taxa de justiça devida para 2 UC (cfr. arts. 92.º, n.ºs 1 e 2, 93.º, n.º 3, 94.º, n.º 3, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas e art.º 8.º, n.º 7, do R.C.P. e Tabela III).
CUMPRA o disposto no n.º 4, do art.º 70.º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas.
***
Inconformada com tal decisão condenatória, a arguida recorreu para este Tribunal da Relação, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
I - Sendo o infrator uma pessoa coletiva, o agente é sancionado com uma coima em que o valor mínimo aplicável (€ 3.500,00) é o equivalente ao montante máximo (€ 3.500,00) aplicável aos casos em que o infrator é uma pessoa singular.
II - Sendo certo que os bens jurídicos a proteger são exatamente os mesmos é patente, ostensiva, manifesta e até irracional, a fixação, para as pessoas coletivas, sejam elas de que estatuto económico forem, de uma coima 14 (catorze) vezes maior do que a prevista para as pessoas singulares.
III - Uma vez que, existe uma enorme diferença entre as molduras sancionatórias previstas para um e outro caso (pessoas singulares e pessoas coletivas).
IV - Não existindo qualquer zona ampla de sobreposição daquelas molduras legais - coima de € 250,00 a € 3.500,00, quando a infração é cometida por uma pessoa singular e coima de € 3.500,00 a € 30.000,00, quando a infração é cometida por uma pessoa coletiva.
V - o que leva a que exista um juízo de desproporcionalidade quando se considere o que coincide em ambas as situações.
VI - Transpondo para os presentes autos os critérios referidos no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 574/95 e nº 329/97, não há dúvidas absolutamente nenhumas que as molduras em confronto são manifestamente diversas e claramente excessivas, que descaracterizam em absoluto a valoração do comportamento contraordenacional.
VII - Como tal, deve o Douto Tribunal censurar a solução legislativa aqui em discussão por cominar sanção manifesta e claramente excessiva e consequentemente, recusar a aplicação da citada norma aos presentes autos por inconstitucional, uma vez que, violadora o princípio da proporcionalidade constante do n° 2 do artigo 18° da CRP.
SEM PRESCINDIR,
VIII- A violação do dever de facultar imediata e gratuitamente ao utente o livro de reclamações é, desde logo, punível com uma coima, sendo que, o montante mínimo de tal coima é agravado, no caso de o utente decidir chamar a autoridade policial a fim de remover a recusa de apresentação do livro de reclamações ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência.
IX - O que a interpretação normativa do nº 3 deste artigo acrescenta é, por um lado, a imposição do agravamento do limite mínimo da coima aplicável em função de um comportamento que imediatamente não é o do infrator, mas o do próprio utente ofendido.
X - O agravamento da coima pode, por isso, ocorrer sem que da parte do fornecedor de bens ou prestador de serviços exista um qualquer outro comportamento, para além da infração já sancionada.
XI - Porém, conforme foi recentemente decidido no acórdão nº 313/2013, proferido pelo Tribunal Constitucional, não se afigura, desde logo, idóneo que o agravamento da punição da violação do dever de facultar imediatamente o livro de reclamações seja colocado na exclusiva dependência da iniciativa de o utente ofendido chamar a polícia.
XII - O pressuposto de tal chamamento é a prática da infração.
XIII - Pelo que, quando muito, a presença da autoridade policial pode contribuir para a remoção da recusa inicial de apresentação do livro de reclamações.
XIV - E, se esta ocorrer, o que sucedeu, in casu, justifica-se a ponderação de tal circunstância, devendo o quadro punitivo demarcar claramente as situações em que, apesar de tardiamente, o direito do consumidor ainda pode ser exercido, daquelas em que, mesmo após a intervenção da autoridade policial, a recusa de apresentação do livro de reclamações é mantida.
XV - Sendo que, o agravamento do limite mínimo da coima aplicável, em razão apenas da "ocorrência" consubstanciada no chamamento da autoridade policial por parte do utente ofendido, não permite diferenciar satisfatoriamente as duas situações.
XVI- Por outro lado, o agravamento do limite mínimo da coima aplicável estatuído no artigo 9.°, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, não é, necessário para assegurar uma tutela mais eficaz do direito dos consumidores a formularem as suas reclamações no livro especialmente destinado para o efeito.
XVII - Na verdade, abrangendo a moldura punitiva para a violação do dever de facultar imediatamente o livro de reclamações prevista no artigo 9.°, n.º 1, alínea a), a totalidade do agravamento da coima aplicável para a mesma infração consignada no n.º 3 do mesmo artigo, nada impede o julgador de, caso a caso, e fazendo aplicação da moldura mais ampla, graduar diferentemente a coima a aplicar em razão de: (i) o direito de reclamação ter sido assegurado, mesmo sem a presença da autoridade policial (por exemplo, em virtude de o gerente ou responsável entretanto ter acedido a fazê-lo); (ii) o mesmo direito ter sido assegurado apenas na sequência do chamamento da autoridade policial; ou (iii) mesmo após ter sido solicitada tal intervenção, nem assim o fornecedor de bens ou prestador de serviços ter permitido ao utente o exercício do seu direito de reclamação.
XVIII - Como tal, o Tribunal Constitucional, julgou a norma extraída do artigo 9°, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, na interpretação segundo a qual é aplicável a coima aí prevista - cujo limite mínimo para as pessoas coletivas é de 15000 euros - nos casos em que, não sendo o livro de reclamações imediatamente facultado ao utente, este requer a presença da autoridade policial e tal recusa é removida, acabando o livro de reclamações por ser facultado ao utente, inconstitucional, por violar o principio de proporcionalidade consignado no artigo 18.°, n.º 2 da Constituição.
XIX - Pelo que, também por aqui, deve o Douto Tribunal censurar a solução legislativa supra referida por cominar sanção manifesta e claramente excessiva e consequentemente, recusar a aplicação da citada norma aos presentes autos por inconstitucional, uma vez que, o livro de reclamações foi imediatamente facultado ao utente quando este requereu a presença da autoridade policial.
SE ASSIM NÃO SE ENTENDER,
XX - A resolução do conflito entre os direitos do consumidor e o direito à iniciativa privada (artigos 60° e 61° da CRP) deve partir do pressuposto de que nenhum deles pode ser objeto de perigo de inutilização prática.
XXI - Tal determina que as sanções estipuladas para a violação dos direitos do consumidor não possam ser de tal modo onerosas que ponham em perigo o direito ao exercício da atividade económica, a não ser em casos de extrema gravidade.
XXII- E, conforme resulta do art. 18° do RGCC, a medida da coima determina-se em função da gravidade da contraordenação praticada, da culpa, da situação do agente e do benefício económico que retirou da prática da contraordenação.
XXIII - In casu, quando a utente requereu a presença da autoridade policial, a Apelante facultou-lhe imediatamente o livro de reclamações por forma a que a mesma pudesse exercer o seu direito.
XXIV - Pelo que, não há dúvidas de que é nula ou escassa a culpa da arguida ou quanto muito, ao contrário do que refere o Tribunal a quo, é de reduzida gravidade.
XXV - A arguida declarou um prejuízo fiscal de € 90.304,32, o que revela que a sua situação económica é tudo menos saudável.
XXVI - O benefício económico que a arguida retirou da prática desta contraordenação foi nulo ou foi impossível determinar e não são conhecidos antecedentes contraordenacionais à arguida.
XXVII- O Tribunal a quo não apreciou todos estes requisitos quando aplicou a sanção.
XXVIII - E, que atenta a situação económica da Apelante e o valor da coima, vai colocar em perigo o direito ao exercício da atividade económica por parte desta e consequentemente, vai levar ao seu encerramento.
XXIX - Pelo que, ponderando tudo quanto acima se expões, deve o Douto Tribunal determinar a aplicação de uma mera admoestação em substituição de uma coima.
SE ASSIM TAMBÉM NÃO SE ENTENDER,
XXX - Com base nos factos provados, o Tribunal a quo considerou que o Apelante agiu com a modalidade mais intensa do dolo, que se mostra direto.
XXXI - De facto, chegado o momento próprio, o julgador confronta-se com as perguntas sobre a existência ou não de dolo (ou de negligência, se for o caso) e de consciência da ilicitude, e para lhes responder não pode deixar de apreciar os factos em que a ação se traduziu e que lhe permitem, no seu todo, concluir pela afirmativa ou pela negativa.
XXXII - Aliás, como é sabido, nunca há produção de prova sobre esses dois aspetos, sendo através de operações dedutivas que se encontram as respostas.
XXXIII - A diferença de culpa - entre o dolo (em qualquer das suas modalidades) e a negligência (também em qualquer das suas possíveis formulações) - tem sempre que resultar dos factos e não abstraída deles, como categoria autónoma.
XXXIV - Os tipos legais são tipos totais e, aliás, nem contêm, tipificada, a previsão positiva da culpa - quem ... é punido com ... -, subordinando-se a um preceito de natureza genérica que dispõe que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência – artº 13° do Código Penal; no caso, o art° 8°, n.º 1 do RGCO.
XXXV - Nos termos do art° 15° do Código Penal, "age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias está obrigado e de que é capaz: a) "representar como possível a realização de um facto correspondente a um tipo de crime, mas atua sem se conformar com essa realização, ou b) "não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto".
XXXVI - No caso presente, considerando todo o desenrolar dos factos e que constam da impugnação judicial apresentada pela Apelante, nomeadamente que, se recusou a entregar imediatamente o livro de reclamações à utente, por no seu entender, a solicitação daquela ter ocorrido num momento em que o seu estabelecimento já se encontrava encerrado e bem assim, devido ao facto de, com o pagamento dos serviços prestados, ter terminado a relação comercial que havia mantido com aquela, porque é que não se ajusta mais que a arguida não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias estava obrigada e de que era capaz?
XXXVII - Nestes termos, em conformidade com os factos, e se o demais não proceder, sempre se deverá considerar que a arguida terá agido, por negligência e não por dolo.
XXXVIII - Pelo que, nessa sequência, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 9° do DL nº 156/2005 de 15 de setembro, alterado pelo DL nº 371/2007 de 6/11, devem os limites mínimos e máximos da coima pelo qual a arguida vem acusada ser reduzidos a metade.
ASSIM, V. Ex.ª DECIDINDO CONFORME SUPRA EXPOSTO, FARÃO, COMO DE HÁBITO, BOA E SÃ JUSTIÇA.
***
O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho de fls. 113.
O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu conforme fls. 118 a 132, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida. Formulou as seguintes conclusões (transcrição):
1ª O princípio da proporcionalidade consagrado no art. 18º, 2 da Constituição determina que lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
2ª O D.L. n.º 156/2005, visa a tutela dos direitos dos consumidores e as concretas normas violadas prosseguem essa finalidade, procurando garantir o conhecimento efetivo da reclamação por parte da entidade administrativa pela consagração da obrigatoriedade do seu envio por parte do prestador de serviços e facultando meios para que o consumidor a possa enviar ele próprio, na eventualidade de violação da obrigação contida no art. 5º, 1 do diploma em causa.
3ª A reação sancionatória consagrada no art. 9º, 1, a) do D.L. n.º 156/2004, ligada à violação das obrigações procedimentais consagradas no art. 5º, 1 e 4 do mesmo diploma legal, dá plena realização ao princípio da proporcionalidade, porquanto não estabelece nenhum critério distintivo em detrimento de uma categoria ou grupo de pessoas e estabelece uma coima gradativa cuja aplicação não comprime excessivamente outras normas ou outros princípios de grandeza constitucional.
4ª As práticas impostas pelo referido decreto-lei são essenciais para a conformação de práticas comerciais justas e respeitadoras dos direitos dos consumidores, responsabilizando os agentes do comércio jurídico na justa medida das suas obrigações enquanto operadores a quem incumbe observar o respeito pelos direitos dos consumidores.
5ª As obrigações impostas à recorrente, enquanto proprietária de um estabelecimento comercial aberto ao público, visam assegurar que toda a prática que lese os direitos dos consumidores seja efetivamente conhecida pela entidade administrativa competente (ASAE), sendo tal dever absolutamente consentâneo com o conjunto de direitos e deveres da sociedade enquanto operadora económica do ramo da restauração. Acresce que a violação dessas obrigações é grave, por permitir, em tese, a ocultação de práticas eventualmente merecedoras de censura jurídica, colocando na estrita disponibilidade da infratora o desenvolvimento do processamento da infração.
5ª Como se escreve no AcTConst. n.º 111/2011, proferido no Processo n.º 654/10 “o legislador ordinário goza de uma ampla liberdade de conformação, na definição de crimes e fixação de penas, sendo de considerar violado o princípio de proporcionalidade (artigo 18º, nº 2, da Constituição), apenas quando a sanção se apresente como manifesta e ostensivamente excessiva”. Ora, no que toca à fixação dos valores das coimas aplicáveis por violação de norma que prevê um ilícito de mera ordenação social, prossegue o dito aresto, “essa ampla liberdade de legislador ordinário só pode ser maior (…)”.
Por outro lado, a distinção entre pessoas singulares e coletivas justifica uma diferenciação entre os montantes das coimas aplicáveis, sendo as aplicáveis às pessoas coletivas de montante substancialmente superior às aplicáveis às primeiras (v. citado AcTConst. n.º 111/2011).
6ª No ilícito de mera ordenação social as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais, dirigindo-se, ontologicamente, a princípios de pura utilidade e estratégia social, pelo que a ponderação de um critério de proporcionalidade será diferente consoante se esteja perante reações penais ou contraordenacionais, devendo ser mais apertado e rígido na primeira alternativa.
7ª Também nesta perspetiva, temos que concluir que a forma como as normas violadas pela conduta da sociedade tutelam a posição do consumidor é perfeitamente necessária, adequada e proporcional.
8ª Não há, portanto, qualquer fundamento para um juízo de inconstitucionalidade da norma do art. 9º, 1, a) ou da norma do art. 9º, 3 do D.L. n.º 156/2005.
9ª Não pode haver lugar à admoestação porquanto não se verificam os pressupostos do art. 51º R.G.C.O., considerando que a conduta da recorrente é grave (ilicitude elevada) e as contraordenações foram cometidas com dolo direto.
10ª O recurso interposto da decisão que conhece da impugnação administrativa cinge-se a questões de direito, só podendo conhecer de facto nas situações previstas no art. 410º C.P.P. – art. 75º R.G.C.O.
11ª A recorrente ancora os pressupostos fundamentadores dos referidos vícios em factos que não integram o acervo provado e que não poderão ser considerados, desde logo por não terem qualquer ressonância no texto da decisão recorrida, ainda que conjugado com as regras da experiência comum.
12ª O que a recorrente verdadeiramente pretende é atacar o processo de formação da convicção do tribunal, o que equivale a arguir a violação do princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127º C.P.
13ª A argumentação deriva para a caraterização de um erro de julgamento e não de um erro notório na apreciação da prova ou de qualquer insuficiência ou contradição que inquinem de forma manifesta o processo de formação da convicção e a consequente afirmação da realidade que integra o ilícito contraordenacional.
14ª A recorrente pretende substituir a sua convicção à do tribunal, sem contudo demonstrar qualquer erro flagrante, notório, manifesto, que infirme os fundamentos da decisão recorrida.
15ª Por tudo, entende-se não se verificar qualquer um dos vícios previstos no art. 410º, 2 C.P.P., mantendo-se a matéria de facto fixada onde se inclui o acervo em que se funda a afirmação do dolo eventual
17º Face ao exposto, o Ministério Público entende que a decisão recorrida deverá ser mantida na íntegra, sendo o recurso julgado improcedente.
***
Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, louvando-se no teor da resposta apresentada pelo Ministério Público em 1ª instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
***
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal e não foi deduzida resposta ao parecer.
***
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
***
II – FUNDAMENTAÇÃO
A fundamentação da decisão recorrida – transcrição dos factos dados como provados e como não provados e sua fundamentação (transcrição).
FUNDAMENTAÇÃO:
FACTOS PROVADOS:
“B…, L.da”, aqui arguida, tem por objeto a gestão de equipamentos e atividades desportivas, nomeadamente de recintos desportivos fechados, com bar de apoio, designadamente para a prática do futebol e paintball, aluguer de equipamentos desportivos, nomeadamente para a prática de paintball, exploração de estabelecimentos de restauração e bebidas, designadamente bar, café e snack-bar.
Em 08-05-2011 a arguida era exploradora de um estabelecimento de prestação de serviços de bebidas com espaço de dança, denominado “C…”, sito na Rua …, n.º … a …, nesta cidade do Porto.
No dia 08-05-2011, a hora não concretamente apurada mas anterior às 06h.10m, encontrando-se ainda ali D…, residente na Rua …, …, Matosinhos, utente daquele espaço, esta solicitou o livro de reclamações, o que não foi imediatamente facultado àquela por E…, funcionário da arguida.
De seguida, a dita utente requereu a presença da autoridade policial a fim de remover a dita recusa, razão pela qual pelas 06h.15m ali compareceu F…, agente da PSP, na presença do qual o dito E… acabou por facultar à dita D… o livro de reclamações, tendo esta preenchido uma folha de reclamação daquele livro.
A arguida, através daquele seu funcionário, em nome e no interesse daquela, agiu sabendo e querendo não facultar à dita utente o livro de reclamações imediatamente após esta o ter solicitado, só lho tendo facultado na presença da autoridade policial chamada ao local por aquela a fim de remover a recusa.
Agiu livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
O horário de funcionamento daquele espaço era até as 06h.00m.
Em 2012 a arguida declarou um prejuízo fiscal de € 90.304,32 (noventa mil, trezentos e quatro euros e trinta e dois cêntimos).
Não são conhecidos antecedentes contraordenacionais à arguida.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contradição dos factos assentes, nomeadamente, que tudo tenha ocorrido no dia 06-05-2011; que a dita utente se tenha recusado a abandonar o estabelecimento da arguida quando foi solicitada a sua saída; que a dita utente tenha solicitado o livro de reclamações após ter procedido ao pagamento do consumo que ali efetuara e após sair do interior do dito estabelecimento comercial.

MOTIVOS DE FACTO, INDICAÇÃO E EXAME CRÍTICO DAS PROVAS:
No essencial a arguida, a impugnação interposta não põe em causa que num determinado dia, no referido estabelecimento comercial, que à data a arguida explorava, uma utente solicitou o livro de reclamações, o que não foi imediatamente facultado àquela por um funcionário da arguida, razão pela qual a dita utente requereu a presença da autoridade policial a fim de remover a dita recusa, razão pela qual ali compareceu um agente da PSP, na presença do qual o dito funcionário acabou por facultar à dita utente o livro de reclamações, tendo esta preenchido uma folha de reclamação daquele livro.
Quanto à identificação quer da utente quer do dito funcionário foi relevante o auto de notícia constante de fls. 2, de onde também resulta que tudo se terá passado no dia 08-05-2011.
Quer da decisão administrativa quer na impugnação interposta se aceita que o estabelecimento comercial em causa tinha horário de funcionamento até às 06h.00m.
Por outro lado, resulta inequivocamente do auto de notícia referido que o agente da PSP, ali também identificado, ali chegou às 06h.15m, após ter recebido pelas 06h.10m uma comunicação via central rádio da PSP para ali se deslocar pelo dito assunto.
Ora, assim sendo, necessariamente o pedido para que fosse facultado o livro de reclamações teria que ter sido efetuado em momento anterior às 06h.10m dado que a essa hora já a situação havia sido denunciada à PSP pela própria utente, embora não se tenha apurado se tal pedido foi efetuado antes das 06h.00m ou após tal hora, com o dito limite.
Seja como for, o certo é que do auto de notícia igualmente resulta que, aquando da chegada ao local da PSP, a dita utente se encontrava naquele estabelecimento comercial, não tendo pois ficado demonstrado que a mesma o tenha abandonado ou saído do mesmo.
Segundo as regras da experiência comum e a normalidade do acontecer é natural que após ter sido solicitado um livro de reclamações por uma utente e existir uma recusa em o facultar por parte do fornecedor de bens ou prestador de serviços usufruídos por aquele, exista ainda uma troca de palavras em que aquele expõe as suas objeções, este argumenta, só ao final de algum tempo aquele primeiro opte por chamar ao local a PSP.
Tendo, no caso, a utente chamado a autoridade policial ao local necessariamente antes das 06h.10m, pois a essa hora já a central rádio estava a contactar um agente para ali se deslocar, e uma vez que necessariamente o fez após algum tempo de argumentação a fim de remover a ilegítima recusa com que se deparou, resulta evidente que o livro de reclamações foi solicitado na sequência da prestação de serviços da arguida à utente/reclamante, sendo efetivamente irrelevante que, por hipótese, tivessem já passado alguns minutos sobre a hora de fecho, não podendo tal argumento alguma vez justificar a posição da arguida. Na verdade, mesmo admitindo por hipótese que o livro de reclamações só teria sido solicitado às 06h.01m, o certo é que tal solicitação o foi na sequência dos serviços ali prestados, sendo que o facultar o livro de reclamações nessa circunstância obviamente justificaria uma qualquer hipotética violação do horário de funcionamento. Por outro lado, estranha-se que a arguida manifeste tanta preocupação no cumprimento das suas obrigações quanto ao horário de funcionamento e tanto desprezo por aquelas que sobre si impedem em matéria de reclamações. Na verdade, resulta da lei que é obrigação de qualquer fornecedor de bens ou prestador de serviços facultar imediatamente o livro de reclamações ao utente que o solicite, que nem sequer pode onerar ou condicionar (cfr. art.º 3.º, n.º 1, al. b) e n.º 3, do referido diploma legal). Ora, não deixa de ser curioso que foi a própria arguida que se recusou cumprir uma obrigação que sobre si impendia, prolongando no tempo essa posição ilegítima, e depois venha alegar o passar do tempo para procurar justificar aquela.
Por outro lado, face à posição de recusa em facultar imediatamente o livro de reclamações quando o mesmo foi solicitado, face às regras claras que regem esta matéria, não se vislumbra como o fornecedor de bens ou prestador de serviços possa ter agido negligentemente, que pressupõe, por definição, que nem sequer se represente a possibilidade de realização do facto ou, embora seja o mesmo representado, atue sem se conformar com essa realização (cfr. arts. 15.º do C.P. e 8.º do RGCC).
No que diz respeito ao objeto da sociedade arguida relevou o teor da certidão permanente junta a fls. 14.
No que diz respeito ao prejuízo de 2012, relevou o teor da declaração junta a fls. 9.

ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL:
O livro de reclamações constitui um dos instrumentos que tornam mais acessível o exercício do direito de queixa, ao proporcionar ao consumidor a possibilidade de reclamar no local onde o conflito ocorreu, visando reforçar o respeito dos direitos dos consumidores, tornando mais célere a resolução de um conflito entre os cidadãos consumidores e os agentes económicos (cfr. art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, mesmo com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 371/2007, de 6 de novembro).
Segundo o art.º 3.º, n.º 1, al b), do dito diploma “o fornecedor de bens ou prestador de serviços é obrigado a facultar imediata e gratuitamente ao utente o livro de reclamações sempre que por este tal lhe seja solicitado”.
Acresce que o cumprimento da dita obrigação não pode ser condicionada (cfr. art.º 3.º, n.º 3, do dito diploma), sendo que caso não seja imediatamente facultado o dito livro, o utente pode requerer a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa ou de que essa autoridade policial tome nota da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para fiscalizar o setor em causa (cfr. art.º 3.º, n.º 4, do dito diploma).
De acordo com ainda com o referido diploma legal, a violação de tal obrigação constitui contraordenação, podendo a mesma ser cometida a título doloso ou negligente (cfr. art.º 9.º, n.º 1, al. a) e n.º 2).
Ora, o dolo consiste no conhecimento (elemento intelectual) e vontade (elemento volitivo) de realização do tipo, demonstrando o agente, com a sua realização, uma atitude contrária ou indiferente ao dever-ser jurídico-penal (elemento emocional).
Por seu turno, a negligência traduz-se na violação do dever de cuidado que objetivamente impendia sobre o agente que, de acordo com a sua capacidade individual, estava em condições de satisfazer, sendo assim capaz de prever e assumir a conduta efetivamente apta a evitar o resultado típico, cumprindo o dever de cuidado a que estava obrigado, demonstrando, com a sua conduta, uma atitude leviana ao dever ser jurídico-penal.
Ora, tendo em conta a factualidade apurada, não se poderá deixar de considerar verificada a contraordenação em causa.
Na verdade, daquela resulta que a arguida, através do respetivo funcionário do dito estabelecimento, agiu sabendo e querendo não facultar imediatamente o livro de reclamações quando uma utente o solicitou, só tendo sido removida a falta após a utente ter solicitado a presença no local da autoridade policial e mediante intervenção desta, razão pela qual lhe é objetiva e subjetivamente imputável a dita contraordenação.
ESCOLHA E MEDIDA DA SANÇÃO:
A contraordenação ao disposto no art.º 3.º, n.º 1, al. b), do dito diploma é punida, no caso das pessoas singulares, com uma coima de € 250 (duzentos e cinquenta euros) a € 3 500 (três mil e quinhentos euros) e, no caso das pessoas coletivas, com uma coima a fixar entre € 3 500 (três mil e quinhentos euros) e € 30 000 (trinta mil euros), sendo que, no caso de se verificar a situação prevista no art.º 3.º, n.º 4, do dito diploma, o montante da coima a aplicar não pode ser inferior a metade do montante máximo da coima prevista (cfr. art.º 9.º, n.º 3, do referido diploma).
Ora, o Tribunal Constitucional já apreciou a questão da constitucionalidade do referido art.º 9.º, n.º 3, do dito diploma no Acórdão n.º 67/2011, disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), a qual pressupõe a remoção da recusa de apresentação do livro de reclamações, após deslocação das forças de segurança ao estabelecimento comercial, bem como uma outra questão – paralela mas distinta – que redunda na persistência na recusa dessa mesma apresentação (cfr. Acórdãos n.º 62/2011 e n.º 132/2011, ambos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).
Ora, sobre os limites das coimas aplicáveis, no Acórdão n.º 67/2011 decidiu-se o seguinte: “A título preliminar, deve notar-se que o legislador ordinário goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis, desde que respeitados os limites fixados pelo regime geral do ilícito contraordenacional e que as sanções aplicadas sejam “efetivas”, “proporcionadas” e “dissuasoras”, de modo a garantir o efeito preventivo daquelas, sob pena de os destinatários das normas não se sentirem compelidos a cumpri-las (com efeito, a fixação de coimas com montantes irrisórios face ao benefício colhido da prática do ilícito contraordenacional tende a enfraquecer o próprio cumprimento da lei; assim, ver Paulo Otero/Fernanda Palma, Revisão do Regime Legal do Ilícito de Mera Ordenação Social, in «RFDUL» (Separata), 1996, n.º 2, pp. 562 e 563).
Neste sentido, o Tribunal Constitucional tem reconhecido ao legislador ordinário uma livre margem de decisão quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar (ver Acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95 e n.º 547/00, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), ainda que ressalvando que tal liberdade de definição de limites cessa em casos de manifesta e flagrante desproporcionalidade ou de excessiva amplitude entre os limites mínimo e máximo. A título de exemplo, através do Acórdão n.º 574/95 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) – e ainda que tenha, naquela situação, afastado a inconstitucionalidade da norma extraída do n.º 16 do artigo 670º do Código dos Valores Mobiliários) – o Tribunal Constitucional expressou o seguinte entendimento:
Quanto ao princípio da proporcionalidade das sanções, tem, antes de mais, que advertir-se que o Tribunal só deve censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há de gozar de uma razoável liberdade de conformação [cf., identicamente, os acórdãos nºs 13/95 (Diário da República, II série, de 9 de fevereiro de 1995) e 83/95 (Diário da República, II série, de 16 de junho de 1995)], até porque a necessidade que, no tocante às penas criminais é - no dizer de FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal II, 1988, policopiado, página 271) - "uma conditio iuris sine qua non de legitimação da pena nos quadros de um Estado de Direito democrático e social", aqui, não faz exigências tão fortes.
De facto, no ilícito de mera ordenação social, as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais - para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social.”
Na sequência desta linha argumentativa, importa, pois, verificar se o montante mínimo fixado em € 15.000 para sancionar a recusa de apresentação do livro de reclamações, por uma pessoa coletiva, num caso em que, requerida a presença da autoridade para remover a referida recusa, ela é removida, sendo o livro de reclamações facultado ao utente, é (ou não) desproporcionado.
Desde logo, verifica-se que o n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 156/2005 determina que a agravação do montante mínimo da coima aplicável depende da “ocorrência da situação prevista no n.º 4 do mesmo artigo [3º]”. O referido preceito legal (supra transcrito) determina, pois, que a falta de apresentação do livro de reclamações permite ao utente requerer a presença de autoridade policial com vista a colocar termo à referida recusa de apresentação.
Note-se que o preceito é suscetível de se aplicar a duas situações distintas: i) por um lado, a pessoa coletiva pode persistir na recusa de facultar o livro de reclamações ao consumidor, mesmo que interpelado pela autoridade policial; ii) por outro lado, face à intervenção da autoridade policial, a pessoa coletiva pode conformar-se com o cumprimento da lei – como sucedeu no caso em concreto ora em apreço. Não obstante a diversidade de situações poder ser ponderada pelo tribunal competente para conhecer da impugnação da sanção contraordenacional, quer para efeitos de determinação da aplicabilidade daquela norma agravadora às situações em que a pessoa coletiva adequa a sua conduta ao Direito, cumprindo o dever legal de apresentação do livro de reclamações, quer para efeitos de determinação da medida concreta da pena, em função da culpa manifestada, a verdade é que, quer num caso quer noutro, o bem jurídico violado é exatamente o mesmo, ou seja, a proteção dos consumidores constitucionalmente consagrada.
Não cabendo ao Tribunal Constitucional – mas antes ao tribunal recorrido – definir qual a melhor interpretação daquele preceito legal, tendo em conta todos os bens jurídicos e valores constitucionalmente protegidos em confronto, compete-lhe, no entanto, avaliar se a interpretação normativa desaplicada nos autos se afigura (ou não) como contrária ao princípio da proporcionalidade (artigo 2º da CRP).
Na linha da jurisprudência consolidada neste Tribunal, a propósito da fixação dos montantes das coimas a aplicar (a título de exemplo, ver Acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95 e n.º 547/2000, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), o Tribunal Constitucional deve coibir-se de interferir diretamente nesse espaço de livre conformação legislativa, apenas lhe cabendo – sempre que necessário – acautelar que tais opções legislativas não ferem, de modo flagrante e manifesto, o princípio da proporcionalidade. A este propósito, deve sempre ter-se presente que “Só um método interpretativo rigoroso e controlado limita a invasão pelos tribunais constitucionais da esfera legislativa e impede a atividade judicativa de se tornar um «contrapoder legislativo»” (Fernanda Palma, O legislador negativo e o intérprete da Constituição, in «O Direito», 140º (2008), III, 523).
Ora, a agravação do montante mínimo da coima a suportar pelas pessoas coletivas, (...) não pode considerar-se manifestamente desproporcionada, visto que tem por finalidade promover o cumprimento voluntário de um dever legalmente imposto que, por sua vez, visa acautelar os direitos dos consumidores constitucionalmente consagrados (artigo 60º, nº 1, da CRP. Conforme já supra notado, tal cumprimento voluntário apenas é promovido mediante a aplicação de sanções “efetivas” e “dissuasoras”.”
Acresce ainda que, tal como consta da declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 313/2013 referido pela arguida:
“No plano da intervenção legislativa preventiva e contra motivadora da desobediência a dever legal, e da robustez do sistema protetor do direito do consumidor, a previsão de moldura sancionatória agravada no seu limite mínimo quando ocorra a mobilização de meios policiais para assegurar o simples fornecimento de livro de reclamações não se mostra injustificada, pois corresponde exatamente ao plus de desvalor que persiste após a consumação do ilícito contraordenacional de base.”
Além disso, e continuando a citar a referida declaração de voto:
“Não procede (…) o argumento de que o legislador deixa apenas na mão do consumidor o poder de desencadear o agravamento da moldura sancionatória, sem possibilidade do agente económico a tal obstar ou modular o seu comportamento antes dessa iniciativa. Ciente que ao consumidor assiste a possibilidade de solicitar a intervenção policial, pode o agente económico configurar a sua estrutura organizativa por forma a que todas as solicitações de livro de reclamação sejam apreciadas pelo responsável máximo presente no local – gerente ou gestor de estabelecimento – e assim assegurar a qualidade da avaliação interna das circunstâncias e ponderação plena das consequências sancionatórias associadas à recusa inicial e à sua persistência. Intercede, então, nexo de imputação objetiva entre a conduta omissiva e a intervenção policial, enquanto mobilização indesejada de recursos institucionais, independentemente de, subsequentemente, ter sido (finalmente) cumprido o dever de facultar o livro de reclamações.”
Em consequência, nos citados acórdãos, tem o Tribunal Constitucional concluído que a norma extraída do n.º 3 do art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 156/2005, quando interpretada no sentido de que, requerida a presença da autoridade para remover a recusa referida no número anterior, essa recusa é removida sendo o livro de reclamações facultado ao utente, não é inconstitucional, assim como o não é o limite mínimo fixado.
Ora, a medida da coima determina-se em função da gravidade da contraordenação praticada, da culpa, da situação do agente, do (eventual) benefício económico que retirou da prática da contraordenação (cfr. art.º 18.º do RGCC).
In casu, é grave a contraordenação em causa dado que a recusa só foi removida pela intervenção da autoridade policial.
Convém ter presente que, tal como consta da declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 313/2013 referido pela arguida:
“(…) tendo em atenção que a infração prevista no n.º 1 artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, atinge a sua consumação com a omissão de entrega imediata e gratuita do livro de reclamações ao consumidor que o solicita, a conduta posterior à perfeição do ilícito contraordenacional reveste desvalor importante, na perspetiva da tutela do bem jurídico protegido, pois não só traduz persistência na recusa de cumprimento do dever legal imposto, como coloca o consumidor perante a necessidade de fazer intervir instâncias formais de controlo no local do litígio ou então suportar o ónus de formalizar ulteriormente (e com dificuldades acrescidas de prova) a sua reclamação. E, fundamentalmente, promove a escolha do consumidor pela via da desistência da reclamação, em função do maior esforço que sobre si (e sobre si apenas) recai.
Acresce que a arguida agiu com a modalidade mais intensa do dolo, que se mostra direto.
Não se apurou que tenha auferido benefício económico com a prática da contraordenação em causa, não se podendo ignorar que não lhe são conhecidos antecedentes.
Tudo ponderado, julgo adequado fixar a coima devida no mínimo legal, isto é, em € 15.000 (quinze mil euros) que, até atento o disposto no art.º 72.º-A do RGCC, não se vê razões para alterar.
Por outro lado, no presente caso, não obstante a verificação das aludidas circunstâncias justificarem a aplicação de coima no seu limite legal mínimo, já não justificarão o sancionamento da situação com uma pena de admoestação, que pressupõe uma situação mais complexiva evidenciadora da reduzida gravidade das infrações, desde logo em função dos limites abstratos das sanções aplicáveis ou por não caber a culpa evidenciada no interior da respetiva moldura legal normal (cfr. Ac. da Rel. do Porto, de 19 de julho de 2006, com o número convencional JTRP00039417; Ac. da Relação do Porto, de 20 de junho de 2001, com o número convencional JTRP00032435, in www.dgsi.pt).
***
Enunciação das questões a decidir no recurso em apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar.
Há que dizer que o presente recurso é restrito à matéria de direito, visto o disposto nos artigos. 75º, n.º 1 e 41º, n.º 1, ambos do DL n.º 433/82, de 27 de outubro, sucessivamente alterado (alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 356/89, de 17 de outubro, e 244/95, de 14 de setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro - RGCO).
Com efeito, no que tange aos recursos de decisões relativas a processos por contraordenações e conforme resulta do estabelecido nos artigos 66º e 75º, nº 1, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de outubro, a 2ª instância funciona como tribunal de revista e como última instância, estando o poder de cognição deste tribunal limitado à matéria de direito, funcionando este Tribunal da Relação como tribunal de revista ampliada, sem prejuízo do conhecimento oficioso de qualquer dos vícios referidos no artigo 410º, do Código de Processo Penal, por força do consignado nos artigos 41º, nº 1 e 74º, nº 4, do RGCO, posto que as normas reguladoras do processo criminal constituem direito subsidiário do contraordenacional.
Vistas as conclusões apresentadas, as questões que se suscitam para apreciação deste Tribunal são:
- Saber se o artigo 9º, nº 1, alínea a) e nº 3 do Decreto-Lei nº 156/2005, de 15 de setembro é inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18º nº 2, da Constituição da República Portuguesa (no segmento em que prevê que a coima mínima aplicável a pessoas coletivas é de 15.000 euros e nos casos em que, não sendo o livro de reclamações imediatamente facultado ao utente, este requer a presença da autoridade policial e tal recusa é removida, acabando o livro de reclamações por ser facultado ao utente);
- Aplicabilidade da sanção admoestação;
- Redução a metade dos limites mínimos e máximos da coima, em virtude da atuação negligente da arguida.
A recorrente sustenta que o artigo 9º, nº 1, alínea a) e nº 3 do Decreto-Lei nº 156/05, de 15 de setembro, segundo a interpretação normativa que lhe foi conferida pelo tribunal a quo, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 18° da Constituição da República Portuguesa, sendo os direitos em colisão os previstos nos artigos 60º e 61º da Constituição da República Portuguesa.
Apreciando.
A norma que é objeto do presente recurso tem a seguinte redação:
«Artigo 9.º
Contraordenações
1 – Constituem contraordenações puníveis com a aplicação das seguintes coimas:
a) De € 250 a € 3500 e de € 3500 a € 30 000, consoante o infrator seja pessoa singular ou pessoa coletiva, a violação do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 3.º, nos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 5.º e no artigo 8.º;
b) (…)
2 – (…)
3 – Em caso de violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º, acrescida da ocorrência da situação prevista no n.º 4 do mesmo artigo, o montante da coima a aplicar não pode ser inferior a metade do montante máximo da coima prevista.
4 – (…)».
2. Estas disposições legais inserem-se no diploma que Estabelece a obrigatoriedade de disponibilização do livro de reclamações a todos os fornecedores de bens ou prestadores de serviços que tenham contacto com o público em geral.
Por seu turno, a alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º e o n.º 4 deste mesmo artigo estatuem o seguinte:
«Artigo 3.º
Obrigações do fornecedor de bens ou prestador de serviços
1 – O fornecedor de bens ou prestador de serviços é obrigado a:
a) (…)
b) Facultar imediata e gratuitamente ao utente o livro de reclamações sempre que por este tal lhe seja solicitado;
c) (…)
d) (…)
2 – (…)
3 – (…)
4 – Quando o livro de reclamações não for imediatamente facultado ao utente, este pode requerer a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para fiscalizar o setor em causa».
O livro de reclamações foi concebido pelo legislador como “um dos instrumentos que tornam mais acessível o exercício do direito de queixa, ao proporcionar ao consumidor a possibilidade de reclamar no local onde o conflito ocorreu”.
A institucionalização da obrigatoriedade de existência e disponibilização do livro de reclamações em todos os estabelecimentos constantes do anexo I ao Decreto-Lei n.º 156/2005 justifica-se pela “necessidade de tornar mais célere a resolução de conflitos entre os cidadãos consumidores e os agentes económicos, bem como de permitir a identificação, através de um formulário normalizado, de condutas contrárias à lei”. Sendo, por isso, “necessário incentivar e encorajar a sua utilização, introduzindo mecanismos que o tornem mais eficaz enquanto instrumento de defesa dos direitos dos consumidores e utentes de forma a alcançar a igualdade material dos intervenientes a que se refere o artigo 9.º da Lei n.º 24/96, de 31 de julho” – Lei de Defesa do Consumidor (cfr. Exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 156/2005).
Face ao teor das conclusões apresentadas pela recorrente e das disposições legais transcritas, a norma que a este Tribunal cumpre apreciar é o artigo 9.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 156/2005, que sanciona com coima, cujo montante não pode ser inferior a metade do montante máximo da coima prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º (€30.000, quando o infrator é pessoa coletiva), o fornecedor de bens ou prestador de serviços que não faculta imediatamente o livro de reclamações, sendo requerida pelo utente a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa.
Sendo o infrator uma pessoa coletiva, o agente é sancionado com uma coima entre €15.000 e €30.000 (artigos 9.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, e 3.º, n.ºs 1, alínea b), e 4, do Decreto-Lei n.º 156/2005). Diferentemente do que sucede quando o fornecedor de bens ou prestador de serviços não faculta imediatamente ao utente o livro de reclamações, o qual é sancionado com coima entre €3.500 a €30.000 (artigos 9.º, n.º 1, alínea a), e 3.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 156/2005).
E comparando estas duas molduras sancionatórias, cumpre decidir se o artigo 9º, nº 1, alínea a) e nº 3 do Decreto-Lei nº 156/2005 15.9 é inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18º nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
Vejamos.
De acordo com o princípio da proporcionalidade (artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa), a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
A título preliminar, deve notar-se que o legislador ordinário goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis, desde que respeitados os limites fixados pelo regime geral do ilícito contra-ordenacional e que as sanções aplicadas sejam “efetivas”, “proporcionadas” e “dissuasoras”, de modo a garantir o efeito preventivo daquelas, sob pena de os destinatários das normas não se sentirem compelidos a cumpri-las (com efeito, a fixação de coimas com montantes irrisórios face ao benefício colhido da prática do ilícito contra-ordenacional tende a enfraquecer o próprio cumprimento da lei; assim, ver Paulo Otero / Fernanda Palma, Revisão do Regime Legal do Ilícito de Mera Ordenação Social, in «RFDUL» (Separata), 1996, n.º 2, pp. 562 e 563).
Neste sentido, o Tribunal Constitucional tem reconhecido ao legislador ordinário uma livre margem de decisão quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar (ver Acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95 e n.º 547/00, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), ainda que ressalvando que tal liberdade de definição de limites cessa em casos de manifesta e flagrante desproporcionalidade ou de excessiva amplitude entre os limites mínimo e máximo.
A título de exemplo, através do Acórdão n.º 574/95 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) – e ainda que tenha, naquela situação, afastado a inconstitucionalidade da norma extraída do n.º 16 do artigo 670º do Código dos Valores Mobiliários) – o Tribunal Constitucional expressou o seguinte entendimento:
“Quanto ao princípio da proporcionalidade das sanções, tem, antes de mais, que advertir-se que o Tribunal só deve censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18º, nº 2, da Constituição. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há de gozar de uma razoável liberdade de conformação [cf., identicamente, os acórdãos nºs 13/95 (Diário da República, II série, de 9 de fevereiro de 1995) e 83/95 (Diário da República, II série, de 16 de junho de 1995)], até porque a necessidade que, no tocante às penas criminais é - no dizer de FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal II, 1988, policopiado, página 271) - "uma conditio iuris sine qua non de legitimação da pena nos quadros de um Estado de Direito democrático e social", aqui, não faz exigências tão fortes.
De facto, no ilícito de mera ordenação social, as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais - para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social.”
Na linha da jurisprudência consolidada pelo Tribunal Constitucional, a propósito da fixação dos montantes das coimas a aplicar (a título de exemplo, ver os referidos Acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95 e n.º 547/2000, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), entende o mesmo Tribunal que deve coibir-se de interferir diretamente nesse espaço de livre conformação legislativa, apenas lhe cabendo – sempre que necessário – acautelar que tais opções legislativas não ferem, de modo flagrante e manifesto, o princípio da proporcionalidade. A este propósito, deve sempre ter-se presente que “Só um método interpretativo rigoroso e controlado limita a invasão pelos tribunais constitucionais da esfera legislativa e impede a atividade judicativa de se tornar um «contrapoder legislativo»” (Fernanda Palma, O legislador negativo e o intérprete da Constituição, in «O Direito», 140º (2008), III, 523)”.
Revertendo para o caso em apreço, cumpre verificar se o montante mínimo fixado em 15.000€, para sancionar a recusa de apresentação do livro de reclamações por parte da recorrente, no caso concreto, em que foi requerida a presença da autoridade policial, é (ou não) desproporcionado.
Desde logo, verifica-se que o n.º 3 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 156/2005 determina que a agravação do montante mínimo da coima aplicável depende da “ocorrência da situação prevista no n.º 4 do mesmo artigo [3º]”. O referido preceito legal (supra transcrito) determina, pois, que a falta de apresentação do livro de reclamações permite ao utente requerer a presença de autoridade policial com vista a colocar termo à referida recusa de apresentação (ou com vista a tomar conta da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para fiscalizar o setor em causa).
Quer dizer, a violação por parte do fornecedor de bens ou prestador de serviços do dever de facultar imediata e gratuitamente ao utente o livro de reclamações sempre que este o solicite, acrescida da ocorrência da situação prevista no nº 4 do artigo 3º, determina, de per si, o agravamento do limite mínimo da coima aplicável para metade do respetivo montante máximo (de €250 para €1.750, e de €3.500 para €15.000, consoante o infrator seja pessoa singular ou pessoa coletiva).
Ora, ainda que se conceda que a lei que sanciona com coima determinado comportamento é uma lei restritiva para os efeitos previstos no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, somos de opinião que o artigo 9º, nº 3 do Decreto-lei nº 156/2005 não viola o princípio da proporcionalidade, ao sancionar com uma coima entre €15.000 e €30.000 a pessoa coletiva, fornecedora de bens ou prestadora de serviços, que não faculta imediatamente o livro de reclamações, sendo requerida pelo utente a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa.
A diferença (comparando a moldura legal prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 156/2005, para os casos em que a pessoa coletiva não faculta imediatamente ao utente o livro de reclamações – coima entre €3.500 e €30.000 – com a moldura sancionatória decorrente do n.º 3 daquele artigo 9.º, para as situações em que a pessoa coletiva não faculta imediatamente o livro de reclamações, sendo requerida pelo utente a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa – coima entre € 15.000 e € 30.000), ocorre somente no limite mínimo da moldura sancionatória, havendo, por isso, uma zona ampla de sobreposição daquelas molduras legais, o que afasta um qualquer juízo de desproporcionalidade quando se considere o que coincide em ambas as situações – a recusa por parte da pessoa coletiva, fornecedora de bens ou prestadora de serviços, em facultar imediatamente ao utente o livro de reclamações.
E fazendo apelo ao critério constante do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 329/97 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) podemos afirmar que o que o princípio da proporcionalidade impõe, em conjugação com o princípio da igualdade, é que as molduras em confronto não sejam de tal forma diversas que se descaracterize em absoluto a valoração do comportamento contraordenacional.
Não se nega, contudo, que estamos perante um montante elevado, mas o que o torna “ostensivamente” elevado é o facto de se tratar de uma pessoa coletiva, já que a mesma infração cometida por pessoa singular, seria punida com coima cujo limite mínimo era de €1.750.
Não podemos, pois, olvidar a distinção entre pessoas singulares e coletivas que justifica, constitucionalmente, que as coimas aplicáveis a estas últimas sejam de montante substancialmente superior às aplicáveis às primeiras.
Efetivamente, o Tribunal Constitucional já entendeu que a diferença significativa entre as coimas aplicáveis a pessoas singulares e a pessoas coletivas não violava o princípio da igualdade porque a “radical distinção entre pessoas de natureza entre pessoas singulares e coletivas exclui desde logo a existência de igualdade fáctica, pressuposto necessário para que o princípio de igualdade opere” (acórdão nº 569/98).
Ora, a agravação do montante mínimo da coima a suportar pelas pessoas coletivas, em 11.500 €, não pode considerar-se manifestamente desproporcionada, visto que tem por finalidade promover o cumprimento voluntário de um dever legalmente imposto que, por sua vez, visa acautelar os direitos dos consumidores constitucionalmente consagrados (artigo 60º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa). Já que tal cumprimento voluntário apenas é promovido mediante a aplicação de sanções “efetivas” e “dissuasoras”.
O artigo 60º da Constituição da República Portuguesa consagra um verdadeiro direito dos consumidores e não, apenas, a incumbência do Estado de defender os seus interesses (Constituição da República Portuguesa Anotada de Jorge Miranda – Rui Medeiros, Tomo I, pág. 617).
Ora, tendo em atenção o fim a que se destina e a tramitação que uma reclamação no livro de reclamações está sujeita (artigos 4º a 6º do Decreto-Lei n.º 156/2005), não facultar o livro de reclamações nestas condições, frustra completamente aquele fim, ou seja, o reforço dos direitos dos consumidores.
Na verdade, deve ter-se em conta que a persistência da recusa inviabiliza, definitivamente, a possibilidade de o consumidor reclamar, no próprio estabelecimento onde o conflito com o agente económico ocorreu, frustrando o objetivo de tornar mais acessível e expedito o exercício do direito de queixa – que esteve na base da criação do livro de reclamações, de acordo com a exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro.
Este objetivo não visa apenas garantir o interesse do consumidor mas também o interesse da regulação económica, não se vislumbrando qualquer conflito entre os direitos do consumidor e o direito à iniciativa privada, conforme defende a recorrente.
Mais ainda, é de notar que a obrigação que impende sobre o agente económico, e de cujo desrespeito poderá resultar a aplicação de coima definida dentro da moldura contra-ordenacional mencionada, é uma obrigação cujo cumprimento não se reveste de qualquer complexidade ou de especial onerosidade.
Com efeito, ao recusar facultar o livro de reclamações, o fornecedor ou prestador de serviços desrespeita uma obrigação cujo cumprimento não era complicado, nem particularmente oneroso, assim frustrando a intenção do legislador ao conceber um sistema de queixa baseado na utilização do livro de reclamações enquanto instrumento facilitador do seu exercício, pelo consumidor.
Reiteramos aquele entendimento do princípio da proporcionalidade das sanções e, tendo presente que as exigências do princípio são diferentes consoante a sanção tenha natureza penal ou contraordenacional (afastado pelo legislador o recurso aos meios penais, a sanção nunca poderá significar uma restrição do direito fundamental à liberdade), sendo que, gozando o legislador ordinário de uma ampla liberdade na definição de crimes e na fixação das penas, só ocorrerá violação de tal princípio em casos de inquestionável e evidente excesso, essa liberdade ainda será mais ampla, quando não se está perante matéria criminal, mas apenas de mera ordenação social, concluímos, pois, que a coima aplicada pelo tribunal a quo não é inadequada ou manifesta e claramente excessiva, tendo em vista o reforço dos procedimentos de defesa dos direitos dos consumidores e utentes no âmbito do fornecimento de bens e prestação de serviços, instituindo a obrigatoriedade de existência e disponibilização imediata do livro de reclamações (artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 156/2005), sancionando com uma coima entre €15.000 e €30.000, a pessoa colectiva que dificulte ao utente o exercício do direito de queixa no local onde o conflito ocorreu.
Por outro lado, defende a recorrente que não se afigura idóneo que o agravamento da punição da violação do dever de facultar imediatamente o livro de reclamações seja colocado na exclusiva dependência da iniciativa de o utente ofendido chamar a polícia.
Como se vem entendendo, o princípio da culpa tem assento constitucional, decorrendo da dignidade da pessoa humana (art. 1º) e do direito à liberdade, cfr. arts. 1.º e 27.º, da Constituição da República Portuguesa.
Significando tal princípio que a pena se funda na culpa do agente pela sua ação ou omissão, isto é, em um juízo de reprovação do agente por não ter agido em conformidade com o dever jurídico, embora tivesse podido conhecê-lo, motivar-se por ele e realizá-lo.
Implicando tal principio que não há pena sem culpa, excluindo-se a responsabilidade objetiva, nem medida da pena que exceda a da culpa [vide, José de Sousa e Brito, «A lei penal na Constituição», in Estudos sobre a Constituição, 2º vol., págs. 199-200].
Ora, dentro dos limites mínimo e máximo da moldura contraordenacional, o julgador dispõe de suficiente liberdade de apreciação para ponderar o grau de culpa com que o agente atuou. Atuando, desta feita, a culpa não só como pressuposto de aplicação da contraordenação, mas ainda como sua medida. E, apesar da agravação do montante da coima previsto no n.º 3, do citado preceito legal, sempre se permite ao julgador dosear a medida da coima, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.
Pelo que, não colhe o argumento apresentado pela recorrente.
Também não se vislumbra violado o princípio da igualdade, já que a lei ao prever a aplicabilidade de penas variáveis, abre-se a possibilidade de o julgador aplicar e graduar a pena tendo em conta as circunstâncias do caso - grau de culpa, necessidades de prevenção e demais circunstâncias -, de modo a punir diferentemente situações que, sendo aparentemente iguais, são, em si mesmas, diferentes. E, dessa via, proceder a tutela de forma diferenciada, tratando de forma igual o que é igual e desigualmente o que é desigual.
Por fim, o Tribunal Constitucional tem-se pronunciado no sentido de não julgar inconstitucional a norma extraída da conjugação entre os artigos 3º, n.º 1, alínea b), 9º, n.º 1, alínea a), e nº 3, todos do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, no sentido de considerar ser aplicável a coima aí prevista, – cujo limite mínimo para as pessoas coletivas é de 15.000 euros – nos casos em que, requerida a presença da autoridade para remover a recusa referida no número anterior, essa recusa é removida sendo o livro de reclamações facultado ao utente. Ou seja, tem afirmado a Constitucionalidade do normativo em causa, por não violação do princípio da proporcionalidade, art.º 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Neste sentido, entre outros, veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 67/2011, de 2 de fevereiro de 2011, no Processo n.º 275/10, 3ª Secção, disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/, no qual o Tribunal, sem embargo de reconhecer que o preceito é suscetível de se aplicar a duas situações distintas – i por um lado, a pessoa coletiva pode persistir na recusa de facultar o livro de reclamações ao consumidor, mesmo que interpelada pela autoridade policial; e ii) por outro lado, face à intervenção da autoridade policial, a pessoa colectiva pode conformar-se com o cumprimento da lei – emitiu um juízo de não inconstitucionalidade, porquanto entendeu que “o bem jurídico violado é exatamente o mesmo, ou seja, a proteção dos consumidores constitucionalmente consagrada”.
Com efeito, o referido acórdão pronunciou-se da seguinte forma:
«Desde logo, verifica-se que o n.º 3 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 156/2005 determina que a agravação do montante mínimo da coima aplicável depende da “ocorrência da situação prevista no n.º 4 do mesmo artigo [3º]”. O referido preceito legal (supra transcrito) determina, pois, que a falta de apresentação do livro de reclamações permite ao utente requerer a presença de autoridade policial com vista a colocar termo à referida recusa de apresentação.
Note-se que o preceito é suscetível de se aplicar a duas situações distintas: i) por um lado, a pessoa coletiva pode persistir na recusa de facultar o livro de reclamações ao consumidor, mesmo que interpelado pela autoridade policial; ii) por outro lado, face à intervenção da autoridade policial, a pessoa coletiva pode conformar-se com o cumprimento da lei – como sucedeu no caso em concreto ora em apreço. Não obstante a diversidade de situações poder ser ponderada pelo tribunal competente para conhecer da impugnação da sanção contraordenacional, quer para efeitos de determinação da aplicabilidade daquela norma agravadora às situações em que a pessoa coletiva adequa a sua conduta ao Direito, cumprindo o dever legal de apresentação do livro de reclamações, quer para efeitos de determinação da medida concreta da pena, em função da culpa manifestada, a verdade é que, quer num caso quer noutro, o bem jurídico violado é exatamente o mesmo, ou seja, a proteção dos consumidores constitucionalmente consagrada.
Não cabendo ao Tribunal Constitucional – mas antes ao tribunal recorrido – definir qual a melhor interpretação daquele preceito legal, tendo em conta todos os bens jurídicos e valores constitucionalmente protegidos em confronto, compete-lhe, no entanto, avaliar se a interpretação normativa desaplicada nos autos se afigura (ou não) como contrária ao princípio da proporcionalidade (artigo 2º da CRP)»
Não se desconhece que o Tribunal Constitucional veio entender diferentemente do acabado de expor, no Aresto com o n.º 313/2013, datado de 29 de maio de 2013, no Processo n.º 780/12, 2ª Secção, no qual o tribunal emitiu um juízo de inconstitucionalidade, por violação do princípio de proporcionalidade, consignado no artigo 18º, nº 2, ambos da Constituição, da norma extraída do artigo 9.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, na interpretação segundo o qual é aplicável a coima aí prevista – cujo limite mínimo para as pessoas coletivas é de 15.000 euros – nos casos e, que, não sendo o livro de reclamações imediatamente facultado ao utente, este requer a presença da autoridade policial e tal recusa é removida, acabando o livro de reclamações por ser facultado ao utente.
Importa, pois, lembrar o que consta da declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 313/2013 referido pela arguida:
“No plano da intervenção legislativa preventiva e contra motivadora da desobediência a dever legal, e da robustez do sistema protetor do direito do consumidor, a previsão de moldura sancionatória agravada no seu limite mínimo quando ocorra a mobilização de meios policiais para assegurar o simples fornecimento de livro de reclamações não se mostra injustificada, pois corresponde exatamente ao plus de desvalor que persiste após a consumação do ilícito contraordenacional de base.”
Além disso, e continuando a citar a referida declaração de voto:
“Não procede (…) o argumento de que o legislador deixa apenas na mão do consumidor o poder de desencadear o agravamento da moldura sancionatória, sem possibilidade do agente económico a tal obstar ou modular o seu comportamento antes dessa iniciativa. Ciente que ao consumidor assiste a possibilidade de solicitar a intervenção policial, pode o agente económico configurar a sua estrutura organizativa por forma a que todas as solicitações de livro de reclamação sejam apreciadas pelo responsável máximo presente no local – gerente ou gestor de estabelecimento – e assim assegurar a qualidade da avaliação interna das circunstâncias e ponderação plena das consequências sancionatórias associadas à recusa inicial e à sua persistência. Intercede, então, nexo de imputação objetiva entre a conduta omissiva e a intervenção policial, enquanto mobilização indesejada de recursos institucionais, independentemente de, subsequentemente, ter sido (finalmente) cumprido o dever de facultar o livro de reclamações.”
No entanto, por Acórdão do Plenário daquele Tribunal, com o n.º 97/2014, datado de 6 de fevereiro de 2014, no Processo n.º 780/12, veio-se afirmar não julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 3 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 156/2005, quando interpretada no sentido de que, requerida a presença da autoridade para remover a recusa referida no número anterior, essa recusa é removida sendo o livro de reclamações facultado ao utente.
Pelo que, por todas as razões expostas, não se vislumbra que, no caso em apreço, a condenação da recorrente sociedade “B…, Lda.” na coima de € 15.000,00 (montante mínimo), pela prática da contraordenação prevista e punível pelos artigos 3º, n.ºs 1, b) e 4 e 9º, n.ºs 1, a) e 3 do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 371/2007, de 6 de novembro, viole o invocado princípio da proporcionalidade (artigo 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
A posição tomada por este tribunal da Relação e que se reitera ser no sentido de que, bem andou o tribunal recorrido, no caso em apreço, ao aplicar à recorrente a coima de € 15.000,00 pela prática da contraordenação prevista e punível pelos artigos 3º, n.ºs 1, b) e 4 e 9º, n.ºs 1, a) e 3 do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, por entendermos que esta norma não é inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), vai ao encontro daquelas decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional
Aqui chegados, cumpre debruçarmo-nos sobre a questão atinente à aplicação da sanção admoestação.
A arguida pugna pela sua condenação em admoestação, em detrimento da coima mínima em que foi condenada.
Na sentença justificou-se a determinação da sanção, na parte que aqui releva, da forma seguinte:
«Ora, a medida da coima determina-se em função da gravidade da contraordenação praticada, da culpa, da situação do agente, do (eventual) benefício económico que retirou da prática da contraordenação (cfr. art.º 18.º do RGCC).
In casu, é grave a contraordenação em causa dado que a recusa só foi removida pela intervenção da autoridade policial.
Convém ter presente que, tal como consta da declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 313/2013 referido pela arguida:
“(…) tendo em atenção que a infração prevista no n.º 1 artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, atinge a sua consumação com a omissão de entrega imediata e gratuita do livro de reclamações ao consumidor que o solicita, a conduta posterior à perfeição do ilícito contraordenacional reveste desvalor importante, na perspetiva da tutela do bem jurídico protegido, pois não só traduz persistência na recusa de cumprimento do dever legal imposto, como coloca o consumidor perante a necessidade de fazer intervir instâncias formais de controlo no local do litígio ou então suportar o ónus de formalizar ulteriormente (e com dificuldades acrescidas de prova) a sua reclamação. E, fundamentalmente, promove a escolha do consumidor pela via da desistência da reclamação, em função do maior esforço que sobre si (e sobre si apenas) recai.
Acresce que a arguida agiu com a modalidade mais intensa do dolo, que se mostra direto.
Não se apurou que tenha auferido benefício económico com a prática da contraordenação em causa, não se podendo ignorar que não lhe são conhecidos antecedentes.
Tudo ponderado, julgo adequado fixar a coima devida no mínimo legal, isto é, em € 15.000 (quinze mil euros) que, até atento o disposto no art.º 72.º-A do RGCC, não se vê razões para alterar.
Por outro lado, no presente caso, não obstante a verificação das aludidas circunstâncias justificarem a aplicação de coima no seu limite legal mínimo, já não justificarão o sancionamento da situação com uma pena de admoestação, que pressupõe uma situação mais complexiva evidenciadora da reduzida gravidade das infrações, desde logo em função dos limites abstratos das sanções aplicáveis ou por não caber a culpa evidenciada no interior da respetiva moldura legal normal (cfr. Ac. da Rel. do Porto, de 19 de julho de 2006, com o número convencional JTRP00039417; Ac. da Relação do Porto, de 20 de junho de 2001, com o número convencional JTRP00032435, in www.dgsi.pt).»

Vejamos.
Nos termos do art.º 60º, n.º4 do Código Penal, a admoestação consiste numa solene advertência.
O art. 51º n.º1 do Regime Geral das Contraordenações prevê a admoestação: “quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação”. Sendo, pois, requisitos cumulativos da aplicação da sanção de admoestação a reduzida gravidade da contraordenação e a reduzida gravidade da culpa do agente.
A gravidade da contraordenação depende, por um lado, do bem ou interesse jurídico que a mesma visa tutelar e, por outro lado, do eventual benefício retirado pelo agente da prática daquela e do resultado ou prejuízo causado. A gravidade da contraordenação pode ainda depender ou aferir-se a partir diretamente da lei nos casos em que o legislador as qualifica em função da sua gravidade como simples, graves e muito graves.
Quanto à gravidade da culpa do agente ela depende, fundamentalmente, da forma como o mesmo agiu, isto é, com dolo ou negligência, bem como do grau de dolo – direto, necessário e eventual – e da negligência – simples ou grosseira.
Como nota Pinto de Albuquerque (Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, p. 222) “a admoestação é uma sanção, no dizer expresso da alínea n) do art. 3º da Lei 13/95”. A disposição foi introduzida pela reforma de 1995. “Trata-se de uma medida alternativa para os casos de pouca relevância do ilícito contraordenacional e da culpa do agente, isto é, para contraordenações leves ou simples”.
No caso, o tipo contraordenacional em causa não classifica a contraordenação como leve. Mas também não o faz como grave ou como muito grave. Não deve, por isso, considerar-se abstratamente excluída a viabilidade de ponderação da “admoestação”.
A igual resultado se chega pela via da culpa (da culpa contraordenacional), já que a lei manda atender “à gravidade da infracção e da culpa do agente”, sendo a negligência punida, no caso, com a coima abstrata reduzida a metade.
Assim, de acordo com os princípios da tipicidade e da legalidade que vigoram no direito contraordenacional (arts 1º, 2º e 3º Regime Geral das Contraordenações e art. 29º Constituição da República Portuguesa), o tipo contraordenacional efetivamente violado pela arguida admite o sancionamento com admoestação.
Haverá então, num segundo momento, que ponderar as circunstâncias que, não fazendo já parte do tipo contraordenacional, relevem para a determinação da sanção, ou seja, que influam na aferição da concreta gravidade e do concreto grau de culpa.
Refere a este propósito Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in Contraordenações, Anotações ao Regime Geral, 2ª ed., Vislis Editores 2002, pág. 316 que “A referência à culpa tem como objetivo aludir aos casos em que o grau de culpa seja reduzido, designadamente aqueles em que há atuação por negligência e outros em que haja circunstâncias que atenuem a culpa, particularmente a existência de circunstâncias externas que tenham constituído um incentivo para a prática dos factos ou que, à face da lei, permitam uma atenuação especial”.
In casu, diga-se, desde já e, sem prejuízo do que adiante se dirá, que a conduta foi levada a cabo com dolo, na modalidade de dolo direto, conforme supra explanado.
E, assim, consideramos que a admoestação não é capaz de cumprir plenamente o fim que se visa abarcar com a presente contraordenação e com a coima que lhe foi aplicada. Isto porque a Recorrente violou uma importante regra legal de proteção do consumidor; não estamos perante factos de escassa gravidade.
Com efeito, o que está aqui em causa é o cumprimento de uma formalidade legal que existe para proteção dos clientes e consumidores dos abusos dos fornecedores de bens e serviços, pelo que o mero desrespeito pela norma em causa merece censura que não se compadece com a mera advertência, apesar da Recorrente não possuir antecedentes contraordenacionais e de não se ter apurado que tenha auferido benefício económico com a prática da contraordenação em causa.
E não é o facto (provado) de em 2012 a arguida ter declarado um prejuízo fiscal de € 90.304,32 (noventa mil, trezentos e quatro euros e trinta e dois cêntimos) que altera este raciocínio. Ao invés, a recorrente, por já ter esse prejuízo e, para não agravar a sua situação económico-financeira, devia cumprir escrupulosamente os seus deveres, mormente o dever em causa, o que não aconteceu (no mínimo devia ter agido antes da intervenção da autoridade policial).
Aliás, impõe-se que com o pagamento da coima, a recorrente reconheça que procedeu em violação de normas legais em vigor, pelo que a potencial eficácia de uma mera repreensão não se mostra merecedora de confiança, não representando uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, mostrando-se insuficiente para que a arguida não volte a violar disposições legais nesta área.
Face ao exposto, conclui-se pela improcedência da requerida substituição da coima por admoestação.
Aqui chegados, importa tecer algumas palavras no que respeita à atuação da arguida, entendendo a recorrente que “se deverá considerar que a arguida terá agido, por negligência e não por dolo”.
O elemento subjetivo do tipo pertence ao foro interno do agente, sendo insuscetível de apreensão direta, e por isso, na ausência de confissão (ou de confissão congruente), tem de ser inferido dos factos materiais que, provados e apreciados com a livre convicção do julgador e conjugados com as regras da experiência comum, apontam para a sua existência.

Os atos interiores ou factos internos, que respeitam à vida psíquica, raramente se provam diretamente, sendo que a sua prova terá de fazer-se por ilações, a partir de indícios, através de uma leitura do comportamento exterior e visível do agente.
O julgador resolve, então, a questão de facto (do facto íntimo ou do foro íntimo) decidindo que (ou se) o agente agiu internamente da forma como o terá revelado externamente. A tudo procedendo sem “descontinuidade ou incongruências” na explicação clara do acórdão do STJ de 06-10-2010 (Rel. Henriques Gaspar).
Ora, no caso em apreço, não podendo escamotear que este tribunal da Relação funciona como tribunal de revista e como última instância, estando o seu poder de cognição limitado à matéria de direito e, considerando a factualidade provada na decisão em crise, sendo que dela não resulta que “a recorrente se recusou a entregar imediatamente o livro de reclamações à utente, por no seu entender, a solicitação daquela ter ocorrido num momento em que o seu estabelecimento já se encontrava encerrado e bem assim, devido ao facto de, com o pagamento dos serviços prestados, ter terminado a relação comercial que havia mantido com aquela”, conforme pela mesma é alegado.
Pelo que, não pode proceder a argumentação da recorrente no sentido de que agiu com negligência e não com dolo.
Em conformidade, atente-se no seguinte segmento da decisão recorrida:
“Tendo, no caso, a utente chamado a autoridade policial ao local necessariamente antes das 06h.10m, pois a essa hora já a central rádio estava a contactar um agente para ali se deslocar, e uma vez que necessariamente o fez após algum tempo de argumentação a fim de remover a ilegítima recusa com que se deparou, resulta evidente que o livro de reclamações foi solicitado na sequência da prestação de serviços da arguida à utente/reclamante, sendo efetivamente irrelevante que, por hipótese, tivessem já passado alguns minutos sobre a hora de fecho, não podendo tal argumento alguma vez justificar a posição da arguida. Na verdade, mesmo admitindo por hipótese que o livro de reclamações só teria sido solicitado às 06h.01m, o certo é que tal solicitação o foi na sequência dos serviços ali prestados, sendo que o facultar o livro de reclamações nessa circunstância obviamente justificaria uma qualquer hipotética violação do horário de funcionamento. Por outro lado, estranha-se que a arguida manifeste tanta preocupação no cumprimento das suas obrigações quanto ao horário de funcionamento e tanto desprezo por aquelas que sobre si impedem em matéria de reclamações. Na verdade, resulta da lei que é obrigação de qualquer fornecedor de bens ou prestador de serviços facultar imediatamente o livro de reclamações ao utente que o solicite, que nem sequer pode onerar ou condicionar (cfr. art.º 3.º, n.º 1, al. b) e n.º 3, do referido diploma legal). Ora, não deixa de ser curioso que foi a própria arguida que se recusou cumprir uma obrigação que sobre si impendia, prolongando no tempo essa posição ilegítima, e depois venha alegar o passar do tempo para procurar justificar aquela.
Por outro lado, face à posição de recusa em facultar imediatamente o livro de reclamações quando o mesmo foi solicitado, face às regras claras que regem esta matéria, não se vislumbra como o fornecedor de bens ou prestador de serviços possa ter agido negligentemente, que pressupõe, por definição, que nem sequer se represente a possibilidade de realização do facto ou, embora seja o mesmo representado, atue sem se conformar com essa realização (cfr. arts. 15.º do C.P. e 8.º do RGCC)”.

E, consequentemente, face ao exposto, não pode vingar a pretensão da recorrente quanto à invocada redução para metade dos limites mínimos e máximos da coima, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 9° do DL nº 156/2005 de 15 de setembro, alterado pelo DL nº 371/2007 de 6/11.
Assim, bem andou o tribunal a quo ao decidir como decidiu, confirmando a decisão administrativa, mostrando-se plenamente proporcional e adequada a coima fixada pela autoridade administrativa.
Improcede, pois, na totalidade, o recurso.
***
III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pela arguida B…, Lda., mantendo integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo decaimento total no recurso pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC’s.
***
Porto, 13 de maio de 2015
Elsa Paixão
Maria dos Prazeres silva