Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
17/11.0TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS FUTUROS
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
Nº do Documento: RP2014091517/11.0TVPRT.P1
Data do Acordão: 09/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O dano futuro da perda ou afectação de rendimento deve ser computado usando valores líquidos de impostos.
II - Nos casos de incapacidade permanente total ou parcial não há lugar à redução de um terço, correspondente àquilo que o lesado gastaria para a sua própria sobrevivência, só havendo lugar a tal redução nos casos de morte.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 17/11.0TVPRT.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 17/11.0TVPRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. O dano futuro da perda ou afectação de rendimento deve ser computado usando valores líquidos de impostos.
2. Nos casos de incapacidade permanente total ou parcial não há lugar à redução de um terço, correspondente àquilo que o lesado gastaria para a sua própria sobrevivência, só havendo lugar a tal redução nos casos de morte.
***
*
***
Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]
A 06 de Janeiro de 2011, nas Varas Cíveis da Comarca do Porto, B… propôs acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinária, contra a Companhia de Seguros C…, SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 552.507,48 €, acrescida de juros de mora a contar da citação, bem como aquela que se vier a apurar em liquidação em execução de sentença.
Alega, para tanto, resumidamente, que, no dia 20 de Janeiro de 2006, pelas 5h20, era transportado, gratuitamente, no assento ao lado do condutor, no veículo de matrícula ..-..-OM-…. e invoca os danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, na sequência do acidente ocorrido, em França, na auto-estrada …, “…”, …, …, sentido Paris – Província, causado por culpa exclusiva do condutor do referido veículo, que, devido a não ter adequado a velocidade do veículo que tripulava à daquele que circulava imediatamente à sua frente, foi embater com a frente do seu na traseira do que seguia imediatamente à sua frente. Alega, ainda, que a responsabilidade civil emergente de tal acidente se encontrava transferida para a ré, por contrato de seguro titulado pela apólice nº ………..
Efectuada a citação da ré, esta contestou, não impugnando o modo como ocorreu o sinistro, nem pondo em causa a sua responsabilidade pela reparação dos prejuízos dele emergentes e impugnando alguns dos factos articulados pelo autor, concluindo que o pedido do autor deverá ser julgado em função da prova a produzir em audiência de julgamento.
A audiência preliminar foi dispensada, fixou-se o valor da causa em € 552.507,48, proferiu-se despacho saneador tabelar e procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes dos controvertidos, estes últimos a integrar a base instrutória.
As partes reclamaram contra a condensação da matéria de facto, sendo indeferida a reclamação do autor e deferida a reclamação da ré.
As partes ofereceram as suas provas, requisitando-se as provas documentais e realizando-se a prova pericial colegial requerida por ambas as partes.
A 10 de Outubro de 2013, a ré ofereceu articulado superveniente, pronunciando-se o autor pelo seu indeferimento.
A 11 de Novembro de 2013 foi proferido despacho a rejeitar o articulado superveniente apresentado pela ré.
Inconformada com a rejeição do articulado superveniente, a 02 de Dezembro de 2013, a ré interpôs recurso de apelação contra essa decisão.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento em quatro sessões.
A 31 de Janeiro de 2014 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condenou a ré a pagar ao autor a quantia global de € 211.201,01, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento, absolvendo a ré do demais peticionado.
A 19 de Março de 2014, inconformado com a sentença final, B… interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. São fundamentos do presente recurso (I) o errado julgamento da matéria de facto, constante do quesito 26 face à prova produzida, pugnando-se pela alteração da resposta dada ao quesito 26 de “provado apenas que se não tivesse sofrido o referido acidente, o recorrente, em 2006, ia atingir rendimentos anuais de, pelo menos, 12.000,00€” para “provado que se não tivesse sofrido o referido acidente, o autor, em 2006, ia atingir rendimentos anuais de, pelo menos, cerca de 20.000,00€”. E ainda, em consequência,
2. (II)O valor exíguo arbitrado ao recorrente a título de indemnização pelo dano futuro (IPP) atento o disposto nos art.s. 562º e 564º, nº. 1 do C.C, pugnando-se pela alteração do montante arbitrado ao recorrente a esse título na douta sentença de 175.000,00€ para 461.347,77€.
I-Quanto à alteração da resposta dada ao quesito 26:
3. Tendo-se a Mª. Juíza “a quo” fundamentado na resposta que deu ao quesito 26º da forma que expôs na sentença recorrida não podia ter chegado à conclusão a que chegou de que o recorrente iria ter em 2006 rendimento de, pelo menos, 12.000,00€.
4. Nenhuma testemunha falou neste número nem sequer o sugeriu ou se pronunciou sobre ele
5. A testemunha D…, cujo depoimento foi prestado na audiência de 13 de Dezembro de 2013, conforme acta, gravado em 2013/1217134902-517912-2175860, depôs no sentido de que o recorrente ia ganhar mais do que ganhava enquanto trabalhador por conta de outrem.
6. No mesmo sentido tendo ido o depoimento da testemunha E…, cujo depoimento foi prestado na audiência de 16 e 17 de Dezembro e 2013, conforma acta, gravado a 2013/1216102946-517860-217860 nomeadamente que se não fora o acidente o recorrente obteria em 2006 um rendimento equivalente aquele que tinha enquanto trabalhador por conta de outrem.
7.O objectivo do recorrente era o de, pelo menos, manter aquilo que tinha, atingir o valor que tinha atingido em 2004, cerca de 20.000,00€, sendo este o valor expectável, e tais expectativas eram reais.
8. A lei basta-se com uma probabilidade séria da existência dos danos não exigindo a certeza absoluta, basta-se com a mera previsibilidade.
9.Esta probabilidade e previsibilidade sérias foram demonstradas de forma credível e convincente, segundo a própria Mª. Juíza “a quo”, pelas testemunhas D… e E….
10.A incerteza quanto aos rendimentos futuros do recorrente, sendo estes, no entanto, prováveis e previsíveis, deve reverter contra o lesante, ser encargo ou ónus seu.
11.Os 12.000,00€ fixados pela Mª. Juíza “a quo” afiguram-se como um número arbitrário, que tanto podia ser aquele como outro qualquer.
12.As especificidades do caso concreto, as circunstâncias do caso concreto, o curso normal das coisas, de modo algum apontam para a hipótese de o recorrente ir ganhar menos enquanto empresário, trabalhador por conta própria, do que ganhava enquanto trabalhador por conta de outrem.
13.A resposta dada ao quesito 26º deve ser alterada para “Provado que se não tivesse sofrido o referido acidente, o autor, em 2006, ia atingir rendimentos anuais de, pelo menos, cerca de 20.000,00€.
II-Quanto à fixação da indemnização pelo dano futuro (IPP)
14. O Tribunal deu como adquirido que o A. nunca ganharia menos do que 12.000,00€, mas admite que poderia ganhar mais, tendo adoptado na formulação da resposta ao quesito 26º a expressão “pelo menos”.
15.Esta circunstância exige que na consideração do rendimento a ter em conta se prescinda do seu valor líquido, tomando-o antes pelo seu valor bruto.
16. Com este pelo menos deve também ter-se por prejudicada a consideração do argumento tendente a corrigir o desvio do resultado matemático a que se chegou traduzido no facto de o A. ir receber o capital de uma só vez.
17.Na determinação do montante a atribuir a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho não se deve atender à esperança de vida activa da vítima, mas sim à sua esperança média de vida, uma vez que as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma.
18. As perdas salariais resultantes das consequências de acidente continuarão a ter reflexos uma vez concluída a vida activa, com a passagem à reforma, em consequência da sua antecipação e/ou do menor valor da respectiva pensão, se comparada com aquela a que o lesado teria direito se as expectativas de progressão na carreira não tivessem sido abruptamente interrompidas.
19. O recorrente, a partir do dia do acidente, deixou de poder contribuir para a constituição da sua pensão de reforma e ficou condenado a viver toda a sua vida, e não apenas até à idade normal da reforma, e da quantia que lhe for arbitrada a título de dano futuro.
20.As regras da experiência dizem-nos que o recorrente está inapelavelmente arredado do mercado de trabalho, pelo que é utópico e irrealista sustentar-se que um homem nas suas condições físicas e com a sua idade seja alguma vez oferecido o desempenho de uma qualquer actividade minimamente digna e minimamente renumerada de forma justa.
21.Estando provado que o recorrente ficou totalmente incapacitado para o desempenho da sua profissão de motorista de pesados e de exercer quaisquer outras actividades que envolvam esforços de marcha ou com os membros inferiores, apenas podendo desenvolver outras actividades mas com esforço acrescido, é-lhe devida indemnização pela perda da sua capacidade, “in totum”, não relevando para a determinação do quantum desta indemnização o facto de o recorrente poder exercer aquelas outras actividades com aqueles condicionalismos.
22.Não pode derivar da actividade que o recorrente possa desenvolver, actividade positiva, concretizada com esforço e sacrifício próprio, qualquer benefício para a recorrida, cuja consideração e admissão seria a todos os títulos imoral e ilegítima.
23.Deve ser fixada ao recorrente, a título de indemnização pela perda da sua capacidade de ganho, a quantia de 461.347,77€, conforme foi peticionado, sendo que este montante reclamado na petição inicial é inferior ou aproxima-se do que se encontra para o rendimento liquido correspondente aos € 20.000,00 ilíquidos, para o período de 36 anos, em qualquer um dos cenários resultantes dos diversos métodos de cálculo trabalhados, pelo que se revela equilibrado, equitativo e justo.
24.Violou a douta sentença recorrida o disposto nos artºs.607 nº 4, última parte do CPC e 562º e 564º, nº 1 do C.C.
Também inconformada com a sentença, a 19 de Março de 2014, a Companhia de Seguros C…, SA interpôs recurso de apelação, findando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.Salvo o devido respeito, entende a ora recorrente que a Meritíssima Juiz, ao responder aos artigos 21, 22, 23, 26 e 67 da B.I. falhou no julgamento que fez sobre algumas das matérias ínsitas em tais artigos, não extraindo, relativamente a outras delas, todas as consequências da prova produzida nos autos.
2.Considerando a prova produzida, nomeadamente as declarações de IRS do recorrido de fls. … e, bem assim, o depoimento da testemunha E… (cujo depoimento, em parte, se transcreveu e aqui se dá por reproduzido, juntamente com as passagens indicadas no corpo das alegações) deverão ser completadas as respostas dadas aos artigos 21, 22 e 23 da B. I., no sentido de delas passar a constar que os rendimentos ali mencionados correspondem a rendimentos brutos do recorrido e que os seus rendimentos líquidos ascendem a 14.373,50€ (no ano de 2003), 14.436,72€ (no ano de 2004), ascendendo o seu rendimento tributável no ano de 2005 a 4.641,00€.
3. Por outro lado, crê a aqui recorrente que a resposta dada pelo Tribunal recorrido ao artigo 26.º da douta Base Instrutória não encontra suporte na prova produzida autos, nomeadamente nos depoimentos das testemunhas invocados pela Meritíssima Juiz, ou nas declarações de IRS de fls ….
4.Com efeito, conforme resulta dos depoimentos prestados pelas testemunhas D… e E… Perante (que, em parte, se transcreveram e se dão por reproduzidos, juntamente com as passagens indicadas no corpo das alegações), as mesmas nenhum conhecimento directo e concreto revelaram possuir sobre a evolução do negócio do recorrido – limitando-se a remeter para os dados constantes das declarações de rendimentos – desconhecendo, nomeadamente o número aproximado de clientes daquele e se este estava, ou não a aumentar.
5. Mas ainda que assim não fosse – o que apenas se admite por hipótese académica – sempre se dirá que os níveis de incerteza que rodeiam a actividade empresarial em geral – aos quais a actividade desenvolvida pelo recorrido não escapa – não permitem ao Tribunal, sem mais, extrair a conclusão de que o recorrido iria auferir em 2006 um rendimento de, pelo menos, 12.000,00€ anuais.
6. Na nossa lei processual, excepto no domínio dos procedimentos cautelares, a convicção judiciária molda-se sobre a chamada prova suficiente, a qual, do ponto de vista jurídico, corresponde um juízo de certeza.
7. Verificando-se que os depoimentos em que a Meritíssima Juiz se fundou, de forma quase exclusiva, para responder à aludida factualidade, de modo algum poderão sustentar a resposta dada pelo Tribunal à questão que lhe vinha colocada, deverá ser revogada a resposta dada ao artigo 26.º da douta B.I. e substituída por outra que julgue tal factualidade como não provada.
8. Entende ainda a aqui recorrente, ressalvando sempre o devido respeito, que a resposta dada pelo Tribunal à questão que lhe vinha colocada no item 67 da douta B.I. não retrata fielmente o sentido da prova produzida nos autos sobre esta matéria, sobretudo a orientação resultante da perícia colegial médica em que a referida resposta essencialmente assentou.
9. Tal redacção não só pode permitir que se retirem conclusões erradas quanto às reais sequelas de que o recorrido efectivamente ficou a padecer em consequência do presente sinistro, como também não faz transpor para os Factos Provados todos os dados relevantes que se podem extrair do relatório pericial médico de fls…., dados esses essenciais para o cômputo da indemnização a atribuir ao recorrido pelo dano patrimonial futuro.
10. Atento o resultado da perícia médica colegial levada a cabo, deverá ser alterada a resposta dada pelo Tribunal a quo ao artigo 67 da B.I. nos seguintes termos: “O Autor, em consequência do acidente dos autos, ficou com um défice permanente da integridade física de 12 pontos, sendo tais sequelas impeditivas da condução de veículos pesados e do exercício de quaisquer outras actividades profissionais que envolvam esforços de marcha ou com os membros inferiores, mas compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional, como por exemplo a condução de veículos ligeiros, com esforços acrescidos ligeiros a moderados.”
11. No cômputo da indemnização por danos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade de que o recorrido ficou a padecer, deverá o Tribunal atender ao rendimento líquido comprovadamente auferido pelo recorrido na altura em que se deu o acidente dos autos, ou seja, à quantia de 542,48€ mensal.
12. Contrariamente ao que vinha alegado na p.i., demonstrou-se que o recorrido não está totalmente incapaz para todo e qualquer trabalho, podendo desempenhar outras actividades profissionais dentro da sua área de preparação técnico profissional, com esforços acrescidos ligeiros a moderados, inerentes ao défice funcional permanente geral de 12 pontos de que ficou a padecer.
13. Ora, não obstante o que se deixou dito, a indemnização por danos futuros fixada pelo Tribunal a quo ao recorrido foi calculada como se este se encontrasse numa situação de incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho, aproximando-se muito do valor indemnizatório a que se chegaria nesse caso, aplicando a fórmula matemática a que se faz referência na sentença ora posta em crise.
14. Entende a aqui recorrente que a compensação devida a este título ao recorrido, deverá ser calculada com base na incapacidade permanente geral de 12 pontos de que aquele padece, embora se admita que, a final, o Tribunal possa e deva corrigir esse valor obtido, em função de se ter demonstrado que aquele está absolutamente incapacitado para o exercício da sua profissão habitual.
15. Contudo, o Tribunal não poderá deixar de atender que os indicados 12 pontos de incapacidade que afectam o recorrido lhe permitem o exercício de outras profissões dentro da sua área de preparação técnico profissional, nomeadamente a condução de veículo ligeiros, tal como referem os senhores peritos médicos – e o próprio recorrido – o que muito facilita seu o regresso ao exercício de uma actividade profissional remunerada.
16. Servindo-nos, como orientação, dos critérios do citado Acórdão da Relação de Coimbra de 4.4.95 e estando demonstrado que o autor, com 44 anos de idade à data da alta, auferia mensalmente o ordenado líquido de 542,48€ e que ficou a padecer de uma incapacidade parcial permanente geral de 12 pontos, encontramos uma indemnização que ronda a quantia de 15.000,00€.
17. À míngua de outro critério e na ausência de factos que permitam aquilatar de outro modo o dano aqui em questão, entende a recorrente que indemnização a atribuir ao recorrido deverá ser encontrada com recurso a juízos de equidade, tendo em consideração a experiencia de vida do Julgador e, bem assim, os parâmetros jurisprudenciais correntemente definidos.
18. Atenta a factualidade dada como demonstrada e ainda os critérios definidos no recente Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11/07/2013, proferido no âmbito do processo n. 747/07.0TBSXL.L1-1, numa situação análoga (pese embora envolva pressupostos indemnizatórios distintos no que toca a rendimentos auferidos, grau de incapacidade e idade do lesado), entende a aqui recorrente que o montante indemnizatório arbitrado ao recorrido deverá ser reduzido para um valor próximo da quantia de 25.000,00€.
19. De todo o modo, ainda que não seja alterada a resposta dada ao artigo 26 da douta B.I. – o que apenas se admite como hipótese meramente académica – sempre, face à Jurisprudência supra citada, não deverá a indemnização arbitrada ao autor a este título situar-se em montante superior a 50.000,00€
20. Em qualquer dos casos e, tal como definido na sentença, sempre deverá ser deduzida ao montante que vier a ser arbitrado ao recorrido a quantia de 9.250,00€ paga pela aqui apelante ao recorrido, a titulo de perdas salariais durante o período em que ele esteve totalmente incapacitado para o trabalho, em consequência do acidente dos autos.
21. A decisão ora posta em crise ofende o preceituado nos artigos 342º, 346.º, 562.º, 563.º e 564.º todos do Código Civil.
A 26 de Março de 2014 foi proferido despacho a admitir o recurso interposto contra o despacho que rejeitou o articulado superveniente como de apelação, com subida imediata, em separado e no efeito meramente devolutivo, sendo proferido acórdão, neste Tribunal da Relação, a 12 de Junho de 2014, que julgou improcedente o recurso.
O autor ofereceu contra-alegações ao recurso interposto pela ré contra a sentença pugnando pela total improcedência desse recurso.
Os recursos interpostos pelas partes contra a sentença foram admitidos como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste tribunal, obteve-se informação sobre a sorte do recurso que subiu em separado, bem como a gravação da prova, após o que foram colhidos os vistos legais e, nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da reapreciação das respostas aos artigos 21º, 22º, 23º, 26º e 67º da base instrutória[2];
2.2 Da fixação do montante da indemnização pelo dano futuro de afectação da capacidade de ganho[3].
3. Fundamentos
3.1 Da reapreciação das respostas aos artigos 21º, 22º, 23º, 26º e 67º da base instrutória
O autor recorrente pretende a reapreciação da resposta ao artigo 26º da base instrutória, enquanto a ré recorrente pretende que além da resposta a esse artigo, sejam também reapreciadas as respostas aos artigos 21º, 22º, 23º e 67º da base instrutória.
O recorrente pretende que se julgue integralmente provado o artigo 26º da base instrutória, fundando essa pretensão nos depoimentos prestados pelas testemunhas D…, F…, G… e E…, tanto mais que o valor fixado pelo tribunal a quo não resultou de qualquer depoimento testemunhal prestado em audiência.
Por seu turno, a ré recorrente, fundando-se no depoimento prestado por E…, pretende que as respostas aos artigos 21ºe 22º da base instrutória sejam completadas com a indicação dos valores líquidos auferidos pelo autor nesses períodos temporais, devendo relativamente ao artigo 23º da mesma peça processual dar-se apenas como provado que o rendimento tributável do autor no ano de 2005 ascendeu ao valor de € 4.641,00. Relativamente à resposta ao artigo 26º da base instrutória, a recorrente sustenta que os depoimentos que o tribunal a quo invocou para fundamentar esta resposta são manifestamente insuficientes para tanto, devendo por isso ser negativa a resposta a tal artigo. No que tange a resposta ao artigo 67º da base instrutória, a recorrente pretende que com base na prova pericial produzida passe a ter o seguinte conteúdo:
- “O Autor, em consequência do acidente dos autos, ficou com um défice permanente da integridade física de 12 pontos, sendo tais sequelas impeditivas da condução de veículos pesados e do exercício de quaisquer outras actividades profissionais que envolvam esforços de marcha ou com os membros inferiores, mas compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional, como por exemplo a condução de veículos ligeiros, com esforços acrescidos ligeiros a moderados.
Cumpre apreciar e decidir porquanto ambos os recorrentes observaram os ónus processuais impostos ao recorrente que impugne a decisão da matéria de facto.
Os artigos da base instrutória cujas respostas pretendem ambos os recorrentes ver reapreciadas têm o seguinte teor:
- “O A. auferiu 19.499,00 € no ano de 2003?” (artigo 21º da base instrutória);
- “…19.339,96 € no ano de 2004?” (artigo 22º da base instrutória);
- “… e 7.140,00 € no ano de 2005?” (artigo 23º da base instrutória)[4];
- “Se não tivesse sofrido o referido acidente, o Autor, em 2006 ia atingir rendimentos de 20.000,00€ anuais?” (artigo 26º da base instrutória)[5];
- “…e ficou impossibilitado de fazer fosse o que fosse, estando dependente de 3ª pessoa?” (artigo 67º da base instrutória)[6].
A circunstância da matéria impugnada pela partes se restringir apenas a alguns danos sofridos pelo autor recorrente levou-nos a cingir a audição da prova às gravações dos depoimentos das testemunhas indicadas pelos recorrentes, bem como daquelas que o tribunal a quo indicou para fundamentar as respostas indicadas, ao exame da prova documental e pericial referenciada pela recorrente e pelo tribunal a quo e à audição dos esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos médicos em duas sessões da audiência final.
A análise da impugnação deduzida pelos recorrentes será feita por ordem crescente dos artigos da base instrutória cujas respostas foram impugnadas e independentemente do concreto recorrente que impugna a matéria em causa.
Iniciando a nossa apreciação pela resposta ao artigo 21º da base instrutória, constata-se que para a prova da matéria nele vertida é fundamental o depoimento prestado por E…, técnica oficial de contas, responsável pela contabilidade do autor quando passou a ser trabalhador independente, desde finais de 2004, até ao encerramento da actividade, em Março de 2007, depoimento corroborado pelo que foi prestado pela esposa do autor, a senhora D… e que foi conjugado com a prova documental oferecida pelo autor e junta de folhas 65 a 67 e do qual resulta que no ano de 2003 o autor teve rendimentos brutos do trabalho no montante de € 19.499,00, pagou IRS por retenção na fonte no montante de € 3.250,00 e pagou € 1.875,50 de contribuições obrigatórias para regimes de protecção social.
Uma vez que não é pacífico se o cálculo do dano futuro deve ser efectuado com referência aos rendimentos brutos ou líquidos[7], afigura-se-nos que a resposta a este artigo deve ser explicativa, indicando o valor bruto e discriminando os montantes dos dois descontos obrigatórios a que aquele valor bruto está sujeito, assim possibilitando a determinação do dano, à luz das diversas doutrinas plausíveis para tal efeito.
Pelo exposto, relativamente à resposta a este artigo, a pretensão da recorrente tem parcial procedência, nos termos que se acabam de expor.
No que respeita a resposta ao artigo 22º da base instrutória, tendo em conta a prova pessoal antes indicada e o documento junto de folhas 68 a 74 e pelas razões acima enunciadas, deve a mesma ser explicativa, dando-se como provado que em 2004 o autor teve rendimentos brutos do trabalho no montante de € 19.339,96, pagou IRS por retenção na fonte no montante de € 3.127,00 e pagou € 1.749,34 de contribuições obrigatórias para regimes de protecção social.
Apreciemos agora a resposta ao artigo 23º da base instrutória.
Tendo em conta a prova pessoal indicada quando se reapreciou a resposta ao artigo 21º da base instrutória e o documento junto de folhas 75 a 83, deve também a resposta a este artigo passar a explicativa, mantendo-se provado o rendimento bruto de € 7.140,00 e sendo o rendimento tributável nesse período de € 4.641,00.
Vejamos agora a resposta ao artigo 26º da base instrutória.
A resposta conscienciosa a este artigo surge extremamente dificultada pela “exiguidade” da amostra de que o tribunal dispõe para fixar o valor previsivelmente perdido em 2006, porquanto o autor apenas em 2005 iniciou efectivamente a sua actividade profissional como independente.
É do conhecimento comum que uma actividade económica que se inicia tem uma fase mais ou menos longa de crescimento, até atingir valores relativamente estáveis ao longo de um certo período. Além disso, deve distinguir-se aquilo que cada um almeja quando se abalança num certo projecto, daquilo que esse projecto concretamente produz ou indicia poder vir a produzir.
No caso em apreço, com base no depoimento da testemunha E… é possível reconstituir a evolução da facturação do autor, que foi no montante de € 190,00, no primeiro trimestre de 2005, no montante de € 2.180,00, no segundo trimestre de 2005, no montante de € 1.925,00, no terceiro trimestre de 2005 e no montante de € 2.845,00, no quarto trimestre de 2005.
A testemunha E… esclareceu que estes valores são brutos e que o fisco considera como despesas trinta e cinco por cento do valor global da facturação.
Neste quadro factual, tendo em conta que resulta do depoimento da testemunha E… que no último trimestre de 2005 o autor tinha estabelecido uma relação comercial com uma sociedade angolana que importava veículos automóveis de Portugal para Angola, que tal relação dava sérias indicações de se vir a consolidar e expandir, afigura-se-nos ajustado fixar o valor previsivelmente perdido em 2006 pelo autor num montante um pouco superior àquele que o autor auferiu no último trimestre de 2005, parecendo adequado que esse valor seja fixado em pelo menos € 12.000,00, conforme decidiu o tribunal a quo, pois trata-se de um montante que corresponde, com um pequeno excesso, ao quádruplo do montante facturado no último trimestre de 2005, devendo esclarecer-se que se trata de um valor bruto e que o valor tributável seria nesse ano de € 7.800,00.
A pretensão do recorrente de que o seu lucro cessante em 2006 fosse fixado com referência ao valor que auferia enquanto trabalhador por conta alheia, por não ser razoável pensar que como profissional independente pudesse ganhar menos do que ganhava quando trabalhava por conta de outrem, não passa de mera especulação, desconsiderando que qualquer actividade económica tem um tempo mínimo de optimização do seu exercício e que o tempo decorrido até à ocorrência do acidente era demasiado escasso para se aferir de modo inequívoco das exactas potencialidades do negócio do autor. Por outro lado, na qualidade de lesado, compete-lhe alegar e provar os danos por si sofridos (artigo 342º, nº 1, do Código Civil), não tendo qualquer arrimo legal a sua afirmação de que no caso em apreço caberia à ré a alegação e prova de que o autor não auferia como trabalhador independente aquilo que auferia como trabalhador por conta alheia.
Assim, relativamente à resposta ao artigo 26º da base instrutória, improcede a sua reapreciação requerida pelo autor, procedendo parcialmente a reapreciação requerida pela ré.
Reapreciemos agora a resposta ao artigo 67º da base instrutória.
Como bem se compreenderá, a prova essencial para uma resposta adequada a esta matéria é a perícia médica colegial unânime a que o autor foi sujeito e que se consubstanciou num relatório pericial junto de folhas 926 a 930, nos esclarecimentos pericial prestados por escrito e materializados de folhas 951 e 952 e ainda nos esclarecimentos periciais prestados em audiência, primeiramente com apenas um dos peritos presente em audiência, intervindo os outros dois via videoconferência e, numa segunda vez, com prestação presencial de esclarecimentos por todos os peritos e ainda com um novo e rápido exame ao autor.
No relatório pericial os Senhores Peritos afirmam que “as sequelas que afectam o autor são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual enquanto condutor de veículo pesados, sendo compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional (como por exemplo, condução de veículos ligeiros)”.
No entanto, no mesmo relatório, os Senhores Peritos verificaram que o autor apresentava marcha claudicante e caminhava com a ajuda de uma canadiana.
No que respeita o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do autor, os Senhores Peritos fixaram-no em doze pontos, numa escala de cem pontos, no máximo.
Em sede de conclusões do relatório pericial, os Senhores Peritos exararam o seguinte: “As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual enquanto condutor de veículos pesados, sendo no entanto compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional (como por exemplo, condução de veículos ligeiros).
Nos esclarecimentos prestados por escrito, juntos de folhas 951 a 952, os Senhores Peritos, novamente por unanimidade, “consideraram que as sequelas apresentadas impediam as funções do examinado enquanto motorista de pesados, sendo no entanto compatíveis com outras profissões da sua área de preparação técnico-profissional. O exemplo dado – motorista de ligeiros – foi escolhido com base nas declarações do próprio examinado, que refere manter-se activo “ajudando” em oficinas, sendo uma das suas funções a de conduzir veículos ligeiros.
Em sede de avaliação de dano em Direito Civil, a repercussão das sequelas na actividade profissional (previamente designada com rebate profissional) é descrita de forma qualitativa. Assim, a repercussão profissional, no caso de outras profissões, tais como a exemplificada, é no sentido de as sequelas permitirem as mesmas, mas com esforços acrescidos, ligeiros a moderados, tratando-se assim de um grau de incapacidade ligeiro a moderado.
Finalmente, em sede de esclarecimentos verbais prestados no decurso da audiência de discussão e julgamento, os Senhores Peritos sustentaram as suas conclusões periciais, de forma detalhada.
Posteriormente, na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada a 17 de Dezembro de 2012, como resulta da audição dos esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos, estes verificaram que nessa data o autor se deslocava com o auxílio de duas canadianas e que o autor terá justificado este aparente agravamento do seu estado físico com as mudanças meteorológicas, esclarecendo que quando o tempo piorava era frequente recorrer a duas canadianas, usando apenas uma quando o tempo melhorava.
Sopesando tudo quanto precede e ajuizando-o criticamente, afigura-se-nos que os Senhores Peritos fizeram uma extrapolação ilegítima das declarações do autor aquando do seu exame médico[8], mas também emitiram um juízo que não se conforma com as regras da experiência comum. De facto, ajudar não tem o sentido de um exercício profissional, reiterado. Por outro lado, porventura é pensável um taxista que use diariamente uma canadiana e por vezes duas? Se tiver de carregar o táxi ou descarregá-lo, como o fará nesses preparos? Que outras conduções profissionais de veículos ligeiros existem que não obriguem a certas cargas?
No circunstancialismo que se acaba de enunciar, afigura-se-nos que a resposta que o tribunal a quo deu é ponderada e substancialmente correcta, apenas se justificando uma ligeira alteração de redacção. Deste modo, a resposta ao artigo 67º da base instrutória passará a ser a seguinte: provado apenas que o autor, em consequência do referido acidente, ficou com um défice permanente da integridade física de doze pontos que o impossibilita totalmente de exercer a sua profissão habitual de motorista de pesados, bem como quaisquer outras actividades profissionais que envolvam esforços de marcha ou com os membros inferiores, sendo compatível com o exercício de outras actividades profissionais, mas com esforços acrescidos.
Pelo que precede, conclui-se que a reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pelo recorrente improcedeu na íntegra e que a reapreciação requerida pela recorrente procedeu parcialmente, tudo nos termos que ficaram antes expostos.
3.2 Fundamentos de facto
3.2.1
No dia 20/01/2006, pelas 05,20h, o autor era transportado no assento ao lado do condutor, no conjunto de veículos constituído pelo tractor com a matrícula ..-..-OM e pelo semi-reboque nº. BR-…., pertencente a H…, Ldª., com sede em … – … – ….-… Celorico de Basto, conduzido por I…, de nacionalidade portuguesa, residente em … – … ….-… Celorico de Basto (alínea A), dos factos assentes).
3.2.2
O ..-..-OM – BR-…. circulava pela auto-estrada …, “…”, …, freguesia …, no sentido Paris – Província (alínea B), dos factos assentes).
3.2.3
A A.10 tem três vias de circulação no sentido Paris – Província, com separador central, seguindo o ..-..-OM-BR-….. pela via situada mais à direita (alínea C), dos factos assentes).
3.2.4
À frente do ...-..-OM-BR-…., pela mesma via de trânsito, circulava o conjunto de veículos constituído pelo tractor ….SL.. e pelo semi-reboque ….QT.., pertencente a J…, com sede em …, ….. …, conduzido por K… (alínea D), dos factos assentes).
3.2.5
O ..-..-OM-BR-…. foi embater, com a frente do OM, na traseira do ….QT.. (alínea E), dos factos assentes).
3.2.6
Como consequência do embate o autor sofreu ferimentos (alínea F), dos factos assentes).
3.2.7
O autor seguia no OM em visita a França (resposta ao quesito 1º), da base instrutória).
3.2.8
O autor ficou encarcerado na cabina do ..-..-OM, consciente (resposta aos quesitos 2º) e 3º), da base instrutória).
3.2.9
O autor foi socorrido no Centro Hospitalar …, onde deu entrada entubado, consciente e em ventilação espontânea (resposta ao quesito 4º), da base instrutória).
3.2.10
Apresentava luxação espátulo-lombar aberta Gustillaux B da parte da frente do pé esquerdo, fractura bi-maleolar inter-ligamentosa luxada aberta Gustillaux B do tornozelo direito e ferida profunda da face postero-interno da coxa direita (resposta ao quesito 5º), da base instrutória).
3.2.11
Foi submetido a osteossíntese da parte da frente do pé esquerdo por luxação espátulo-lombar aberta Gustillaux B (resposta ao quesito 6º), da base instrutória).
3.2.12
Foi transferido para o Hospital Geral de Santo António no Porto, apresentando, à entrada, múltiplas fracturas do pé esquerdo e do tornozelo direito, complicadas por necrose e infecção cutânea, com feridas extensas e perda de substância cutânea (resposta ao quesito 7º), da base instrutória).
3.2.13
Após desbridamentos cirúrgicos, foi-lhe efectuada, em 17/02/2006, plastia do pé esquerdo com retalho livre serrato anterior e, em 24/02/2006, plastia do pé direito com retalho tibial posterior (respostas aos quesitos 8º) e 9º), da base instrutória).
3.2.14
O autor foi sujeito a várias intervenções cirúrgicas para revisão das plastias e complementação com enxertos de pele (resposta ao quesito 10º), da base instrutória).
3.2.15
O autor esteve internado até 23/03/2006 (resposta ao quesito 11 º), da base instrutória).
3.2.16
Foi orientado para Consulta Externa de Ortopedia e, em Abril de 2006, para tratamento fisiátrico (respostas aos quesitos 13º) e 14º), da base instrutória).
3.2.17
Iniciou tratamento de recuperação funcional no Serviço de Fisiatria com melhoria progressiva das amplitudes articulares da tíbio-társica direita e esquerda (resposta ao quesito 15º), da base instrutória).
3.2.18
Estes tratamentos fisiátricos foram interrompidos por complicações infecciosas no pé esquerdo (resposta ao quesito 16 º), da base instrutória).
3.2.19
Em Agosto de 2006, foi operado para extracção do material de osteossíntese, com excepção de dois fios de K que se encontravam inacessíveis (resposta ao quesito 17º), da base instrutória).
3.2.20
Foi reobservado em Setembro de 2006, apresentando amplitudes articulares do pé esquerdo normais e rigidez na tíbio-társica direita (resposta ao quesito 18º), da base instrutória).
3.2.21
À data do acidente, o autor exercia a actividade de prestação de serviços de transporte ou reboque por meio de veículos pronto-socorro, sendo titular de Alvará nº …/2005, emitido pela Direcção Geral de transportes Terrestres em 14/3/2005 (resposta ao quesito 19º) da base instrutória).
3.2.22
O autor ficou com incapacidade permanente total (100%) para o exercício da sua profissão (resposta ao quesito 20º), da base instrutória).
3.2.23
No ano de 2003, o autor auferiu 19.499,00 €, pagando IRS por retenção na fonte no montante de € 3.250,00 e descontando € 1.875,50 a título de contribuições obrigatórias para regimes de protecção social; no ano de 2004, autor auferiu 19.339,96 € pagando IRS por retenção na fonte no montante de € 3.127,00 e descontando € 1749,34 a título de contribuições obrigatórias para regimes de protecção social; e no ano de 2005 auferiu 7.140,00, sendo o seu rendimento tributável de € 4.461,00 (respostas aos quesitos 21º), 22º) e 23º) da base instrutória, em conformidade com a reapreciação da decisão da matéria de facto efectuada nesta instância).
3.2.24
O autor trabalhou por conta de outrem até 31/12/04, começando a trabalhar por conta própria em Abril de 2005 (respostas aos quesitos 24º) e 25º), da base instrutória).
3.2.25
Se não tivesse sofrido o referido acidente, o autor, em 2006, ia atingir rendimentos anuais brutos de, pelo menos, 12.000,00 €, sendo nesse mesmo ano o rendimento tributável de pelo menos € 7.800,00 (resposta ao quesito 26º), da base instrutória, em conformidade com a reapreciação da decisão da matéria de facto efectuada nesta instância).
3.2.26
Após o acidente, o autor suportou dores (resposta ao quesito 27º), da base instrutória).
3.2.27
Apercebeu-se de que a sua perna esquerda estava cheia de sangue e o pé esquerdo estava inchado (resposta ao quesito 28º), da base instrutória).
3.2.28
Apercebeu-se de que o pé direito tinha sido amputado (resposta ao quesito 29º), da base instrutória).
3.2.29
Pegou nele, colocou-o junto ao tornozelo, ficando com a mão a comprimir o pé e o tornozelo a fim de tentar estancar a perda de sangue (resposta ao quesito 30º), da base instrutória).
3.2.30
Começou a sentir frio e tonturas (resposta ao quesito 31º), da base instrutória).
3.2.31
Ficou desesperado quando se apercebeu de que se encontrava encarcerado (resposta ao quesito 32º), da base instrutória).
3.2.32
Pensou que ia morrer logo ali (resposta ao quesito 33º), da base instrutória).
3.2.33
Algum tempo após o acidente, o autor perdeu a consciência (resposta ao quesito 34º), da base instrutória).
3.2.34
O autor retomou a consciência, dias após, no Hospital … (resposta ao quesito 35º), da base instrutória).
3.2.35
Passou dias de sofrimento, tendo consciência difusa de que se encontrava num Hospital (resposta ao quesito 36º), da base instrutória).
3.2.36
Foi-lhe aplicada, por via intravenosa, morfina (resposta ao quesito 37º), da base instrutória).
3.2.37
Quando recuperou a consciência foi informado pelos médicos de que o seu pé direito ainda não estava salvo e que existia risco arterial (resposta ao quesito 38º), da base instrutória).
3.2.38
Este facto provocou-lhe enorme angústia, desespero e ansiedade pelo desfecho (resposta ao quesito 39º), da base instrutória).
3.2.39
Foi sujeito a uma viagem de avião entre França e Portugal, dificultada pelo facto de o avião comercial não se encontrar equipado com os meios que os médicos consideravam necessários para efectuar a viagem, nomeadamente oxigénio, tendo tal, já, determinado um primeiro adiamento dessa viagem, o que lhe causou ansiedade (respostas aos quesitos 40º), 41º) e 42º), da base instrutória).
3.2.40
Deu entrada no Hospital de Santo António, onde devido ao seu grave estado já era esperado por uma equipa médica (resposta ao quesito 43º), da base instrutória).
3.2.41
Depois do internamento, foi submetido a intervenções cirúrgicas (resposta ao quesito 44º), da base instrutória).
3.2.42
Sentia-se desesperado por, quando ainda estava a recuperar de uma intervenção cirúrgica, já estar a entrar noutra (resposta ao quesito 45º), da base instrutória).
3.2.43
Permaneceu durante mais de um mês de barriga para cima, sem se poder[9] mexer (resposta ao quesito 46º), da base instrutória).
3.2.44
A impossibilidade de saber o que se passava com a sua mulher e filhos provocava-lhe sofrimento (resposta ao quesito 47º), da base instrutória).
3.2.45
Foi submetido a vários enxertos aos dois pés (resposta ao quesito 48º), da base instrutória).
3.2.46
Num deles teve muitas dores, sentia o pé gelado e via-o a enegrecer, por falta de circulação sanguínea, tinha permanentemente uma lâmpada a incidir no pé e era constantemente injectado com morfina (respostas aos quesitos 49º), 50º) e 51º), da base instrutória).
3.2.47
O autor ouvia dizer que podia perder o pé, o que o desesperava (respostas aos quesitos 52º) e 53º), da base instrutória).
3.2.48
O autor foi sujeito a uma cirurgia, que envolveu parte vascular, de que lhe resultou uma cicatriz desde a virilha até ao pé (resposta ao quesito 54º), da base instrutória).
3.2.49
Só ao fim de dois meses é que pode [pôde?] ir pelos seus próprios meios, de cadeira de rodas, à casa de banho (resposta ao quesito 55º), da base instrutória).
3.2.50
Entre Janeiro e Abril de 2006, o autor foi submetido a sete intervenções cirúrgicas e a outros actos cirúrgicos, todos com anestesia, alguns deles anestesia geral (resposta ao quesito 56º), da base instrutória).
3.2.51
Após a alta hospitalar iniciou tratamentos diários de fisioterapia, sendo transportado da sua residência para o CICAP, até Dezembro de 2006, sempre em ambulância (resposta ao quesito 57º), da base instrutória).
3.2.52
A partir de Janeiro de 2007, continuou os tratamentos de fisioterapia na L…, que se prolongaram até Setembro de 2007 (resposta ao quesito 58º), da base instrutória).
3.2.53
Nos tratamentos a que foi sujeito (choques eléctricos e pesos) com a duração média de 2,00h, suportou dores (resposta ao quesito 59º), da base instrutória).
3.2.54
Voltou à fisioterapia (resposta ao quesito 60º), da base instrutória).
3.2.55
A articulação solidificou e o pé ficou torto e com acentuada inclinação frontal, de cerca de 35%, e lateral (resposta ao quesito 61º), da base instrutória).
3.2.56
Em Agosto de 2006, contraiu uma infecção no pé direito, que determinou um novo internamento de urgência e uma nova intervenção cirúrgica (resposta ao quesito 62º), da base instrutória).
3.2.57
Os doze fios de K que lhe foram aplicados em cada pé em … iam sendo rejeitados e tinham que ser extraídos em pequenas cirurgias (resposta ao quesito 63º), da base instrutória).
3.2.58
Em 26/09/2006 foi observado na L…, onde lhe foi diagnosticado esfacelo bilateral dos pés, com múltiplas fracturas; (alínea G), dos factos assentes).
3.2.59
Apresentava o pé esquerdo com alterações de morfologia devido à plastia realizada no bordo externo, e pé direito equino, com alterações circulatórias, ainda com fios de Kirchener (alínea H), dos factos assentes).
3.2.60
Em Janeiro de 2007 começou a ser seguido na L…, tendo, a partir de 03/04/07, passado a ser lá seguido, de forma definitiva (alínea I), dos factos assentes).
3.2.61
Em 10/04/07 foi submetido no Hospital da Arrábida a intervenção cirúrgica (extracção de fios de K do pé direito, com alongamento do tendão de Aquiles direito + capsulectomia tíbio-társica posterior à direita) tendo, posteriormente, mantido tratamentos de medicina física e de reabilitação (alínea J), dos factos assentes).
3.2.62
Em 21/01/08 foi considerado curado pela L… com anquilose do tornozelo direito em posição de flexão plantar marcada (35º), conferindo um encurtamento do membro contra-lateral e obrigando a usar tacão e com alterações tróficas da pele nos membros inferiores (alínea L), dos factos assentes).
3.2.63
Em Março de 2009 teve uma infecção no pé esquerdo devido aos dois últimos fios de K, tendo que permanecer na cama cerca de um mês, acometido de febres altas e inchaço no pé (resposta ao quesito 64º), da base instrutória).
3.2.64
Recorreu ao serviço de urgência onde lhe tentaram extrair os fios, sem sucesso, suportando dores (respostas aos quesitos 65º) e 66º), da base instrutória).
3.2.65
O autor, em consequência do referido acidente, ficou com um défice permanente da integridade física de doze pontos que o impossibilita totalmente de exercer a sua profissão habitual de motorista de pesados, bem como quaisquer outras actividades profissionais que envolvam esforços de marcha ou com os membros inferiores, sendo compatível com o exercício de outras actividades profissionais, mas com esforços acrescidos (resposta ao quesito 67º), da base instrutória, em conformidade com a reapreciação da decisão da matéria de facto efectuada nesta instância).
3.2.66
Em Abril de 2009 foi operado para a extracção dos fios que provocavam a infecção e para limpeza cirúrgica (resposta ao quesito 68º), da base instrutória).
3.2.67
Tem de usar calçado especial, com uma cunha por dentro (resposta ao quesito 69º), da base instrutória).
3.2.68
Tal provoca-lhe desconforto e dores na coluna, claudicando e tendo necessidade de inclinar o tronco para o lado esquerdo (resposta ao quesito 70º), da base instrutória).
3.2.69
Tem dores contínuas (resposta ao quesito 71º), da base instrutória).
3.2.70
Sente as mudanças de tempo (resposta ao quesito 72º), da base instrutória).
3.2.71
Só consegue caminhar durante não mais de 5/10 minutos (resposta ao quesito 73º), da base instrutória).
3.2.72
Precisa em permanência de uma canadiana (resposta ao quesito 74º), da base instrutória).
3.2.73
O autor era um homem dinâmico, empreendedor e sempre teve o sonho de criar a sua própria empresa (resposta ao quesito 75º), da base instrutória).
3.2.74
O autor sente-se desgostoso e infeliz com o estado em que se encontra – de total impossibilidade de continuar a trabalhar na actividade profissional que exercia e noutra que envolva esforços de marcha ou esforços com os membros inferiores e de desenvolver a actividade empresarial que desenvolvia e com o facto de, para exercer actividades em que esteja sentado e que não impliquem esforços contínuos com os membros inferiores, ter de realizar os referidos esforços acrescidos (resposta ao quesito 76º), da base instrutória).
3.2.75
Sente-se um inútil e um peso para a família (resposta ao quesito 77º), da base instrutória).
3.2.76
O autor sente-se triste (resposta ao quesito 78º), da base instrutória).
3.2.77
O autor pagou à M… a quantia de 172,01€ pela deslocação da sua mulher do Porto para Paris no dia 21/01/2006, para o acompanhar no seu internamento em … (resposta ao quesito 79º), da base instrutória).
3.2.78
O autor pagou ao N… a quantia de 279,00€ pela hospedagem da sua mulher em França (resposta ao quesito 80º), da base instrutória).
3.2.79
O autor nasceu em 04/04/1961 (alínea M), dos factos assentes).
3.2.80
Por contrato de seguro titulado pela apólice ………., a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da circulação do conjunto de veículos ..-..-OM-BR-…. encontrava-se, à data do acidente, transferida para a ré (alínea N), dos factos assentes).
3.2.81
A ré pagou ao A., a título de perda de salários durante o período em que esteve incapacitado para o trabalho em consequência do acidente dos autos, a quantia de 9.250,00 € (alínea O), dos factos assentes).
4. Fundamentos de direito
4.1 Da fixação do montante da indemnização pelo dano futuro de afectação da capacidade de ganho
Na decisão sob censura fixou-se o dano futuro pela afectação da capacidade de ganho, no montante de € 175.000,00.
Fundamentou-se este valor nos termos que seguem:
A lei manda atender aos danos futuros designadamente, como é o caso presente, aos associados à IPP de que o lesado ficou a padecer, desde que sejam previsíveis (art. 564º, nº2, do CC).
É grande a dificuldade de cálculo do dano futuro relativo à perda dos rendimentos do trabalho, sendo que o que se pretende não é a fixação de um montante puramente arbitrário, mas antes uma fixação equitativa feita mediante prudente arbítrio - arts. 564°, nº 2 e 566°, nº 3, do CC.
Parte da jurisprudência orienta-se no sentido de a indemnização dever representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no previsível período de vida ativa da vítima e que seja suscetível de garantir, durante esta, as prestações correspondentes a essa perda de ganho - Ver, designadamente, os Acs. do STJ, de 09.01.1979, BMJ, n. 283, pág. 260, e de 06.07.2000, CJ, Ano VIII, Tomo 2, pág. 144.
A estimativa desse dano deve fazer-se com recurso à equidade - art. 566°, nº 3, do CC. E, como modo adequado de conformação dos valores legais às características do caso concreto, o julgamento da equidade não pode prescindir da ponderação da duração da vida (pelo menos da ativa), da flutuação do valor do dinheiro, das expectativas de aumentos salariais e de progressão na carreira, etc. (v. Ac. STJ de 06.07.2000, CJ, Ano VIII, Tomo II, pág. 145). Acresce que, uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam os critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas.
São utilizadas fórmulas e tabelas matemáticas como auxiliares de cálculo. Consideramos a fórmula que vem descrita no Ac. da Relação de Coimbra, de 04.04.1995, CJ, Ano XX, Tomo II, página 23, por se nos afigurar completa:
n
C = (1 + i) - 1 x P
n
(1 + i) x i
Nesta fórmula:
i é a taxa de juro real líquida;
n o número de anos durante os quais se manteria a prestação;
P a prestação a pagar no primeiro ano.
Há que ter, ainda, em linha de conta a previsível subida dos salários (não se esquecendo que o juízo de prognose é projetado para uma realidade de médio/longo prazo), motivada sobretudo pela inflação (2% no médio/longo prazo), já que, quanto ao resto não se vislumbra qualquer tipo de promoção profissional do lesado nem ganhos de produtividade.
Tem, também, de se ponderar o juro nominal líquido das aplicações financeiras, ficcionando-se no médio/longo prazo uma taxa a rondar os 3% nos depósitos a prazo.
Através da seguinte sub-fórmula encontrar-se-á a atualização do capital devido no 1° ano, em que i representa a percentagem que, em cada ano, a aplicação financeira se valoriza mais do que a taxa a que a prestação P cresce:
i = 1 + r - 1
1 + k
r = taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras;
k = taxa anual de crescimento da prestação.
Assim, teremos:
R = 3% k = 2% n = 26 (o Autor tinha 44 anos à data do acidente)
Considerar-se-á o rendimento anual de 12.000,00 €, por ser esse o valor correspondente aos rendimentos do trabalho que efetivamente se considerou percebido pelo Autor, não resultando que pudesse vir a obter, no futuro, rendimentos superiores, para além da normal melhoria do salário, já assinalada como variável a atender.
O uso desta fórmula, ou de outras que se conhecem, e de tabelas, que servem como instrumento de trabalho têm grande utilidade na medida em que nos servem de farol para, ponderando tudo, se alcançar a decisão mais justa.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. entre muitos o Ac. de 8/5/2012 – Processo 3492/07.3TBVFR.P1, in www.stj.pt) vem fazendo um esforço de clarificação, visando o estabelecimento de critérios de apreciação e de cálculo dos danos que reduzam ao mínimo a margem de arbítrio e de subjetivismo dos magistrados, de modo a que as decisões, convencendo as partes devido ao seu mérito intrínseco, contribuam para uma maior certeza na aplicação do direito e para a redução da litigiosidade a proporções mais razoáveis. Foram assentadas de forma generalizada as seguintes ideias (cfr Ac- de 10/2/1998 e de 25/6/2002, in CJ, respetivamente, Ano VI, I, 66 e Ano X, II, 128):
1 - A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
2 - No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
3 - As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero caráter auxiliar, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
4 - Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastará consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que vale tanto no caso de incapacidade permanente total como parcial;
5 - Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor obtido, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;
6- Deve ter-se em conta, não exatamente a esperança média de vida ativa da vitima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida já é de sensivelmente 78 anos, e tem tendência para aumentar, e a das mulheres atingiu a barreira dos oitenta anos).
Com referência a este último decidiu-se no Acórdão anteriormente referido que “Na verdade, sendo vários os critérios que vêm sendo propostos para determinar a indemnização devida pela diminuição da capacidade de ganho, e nenhum deles se revelando infalível, devem eles ser tratados como meros instrumentos de trabalho com vista à obtenção da justa indemnização, pelo que o seu uso deve ser temperado por um juízo de equidade, nos termos do nº3, do art. 566º. A este propósito, dir-se-á, a título apendicular, que merece alguma reserva a consideração de uma determinada idade como limite da vida activa, posto que, atingida a mesma, isso não significa que a pessoa não pudesse continuar a trabalhar, ou que, simplesmente, não continue a viver ainda por muitos anos, tendo, nessa medida, direito a perceber um rendimento como se tivesse trabalhado até àquela idade normal para a reforma. Ou seja, na determinação do quantum indemnizatório por danos futuros, merece reparo o entendimento segundo o qual, finda a vida activa do lesado, é ficcionado que também a vida física desaparece no mesmo momento - e com ela todas as necessidades do lesado. Observar-se-á, porque se trata de factos notórios, que relevam da experiência da vida, que, em tese geral, as perdas salariais resultantes das consequências de acidentes continuarão a ter reflexos, uma vez concluída a vida activa, com a passagem à "reforma", em consequência da sua antecipação e/ou do menor valor da respectiva pensão, se comparada com aquela a que se teria direito se as expectativas de progressão na carreira não tivessem sido abruptamente interrompidas".
Por força do disposto no nº3, do art. 566º, do CC, tal como sucede com a valorização dos danos não patrimoniais, tem de se tomar em conta as exigências do princípio da igualdade consagrado no art. 13º, da Constituição, harmonizando-as com o dever de se atender às circunstâncias específicas do caso concreto.
In casu, sopesando à luz das referidas diretrizes os factos que se destacaram, em especial, a idade do Autor à data do acidente (44 anos), o défice funcional permanente de que ficou a padecer, com total impossibilidade (100%) de conduzir veículos pesados e de exercer quaisquer outras atividades profissionais que envolvam esforços de marcha ou com os membros inferiores, apenas podendo desenvolver outras atividades, mas com esforços acrescidos, correspondendo a 12 pontos percentuais, o rendimento anual de, pelo menos 12.000,00€, a previsível evolução dos salários, o provável aumento do custo de vida, bem como as taxas de juros no mercado financeiro respeitantes a operações passivas ou ativas, sem descurar a circunstância de que o Autor vai receber de uma só vez o capital, considera-se adequada, justa e equitativa a indemnização de 175.000,00 €.
O autor recorrente, fiado na alteração da resposta ao artigo 26º da base instrutória, pugna por que esta indemnização seja aumentada para € 461.347,77.
Ao invés, a ré recorrente bate-se por que a mesma indemnização seja reduzida para o montante de cerca de € 25.000,00, caso seja alterada a resposta ao artigo 26º da base instrutória, no sentido por si defendido e, na hipótese negativa, pugna por que esse montante seja fixado em € 50.000,00, sustentando que em todo o caso a determinação da indemnização seja efectuada com referência a valores líquidos de IRS.
Cumpre apreciar e decidir.
Antes ainda de entrar na análise da problemática da determinação do dano futuro propriamente dita, importa tomar posição sobre a questão da natureza bruta ou ilíquida do rendimento a considerar e definir alguns pressupostos que seguidamente serão aplicados.
A ré recorrente pugna por que o rendimento do autor a considerar para efeitos de determinação do dano futuro seja o valor líquido daquilo que o autor pagaria a título de IRS e invoca em abono da sua pretensão o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Fevereiro de 2010, proferido no processo nº 660/05.6TBPVZ[10], o disposto no nº 2, do artigo 566º do Código Civil e ainda o disposto no nº 7, do artigo 64º, do decreto-lei nº 291/2007, de 21 de Agosto.
O nº 7, do artigo 64º, do decreto-lei nº 291/2007, de 21 de Agosto que a ré recorrente invoca para sustentar o acerto da sua posição foi já declarado materialmente inconstitucional, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, no acórdão do Tribunal Constitucional nº 383/2012, de 12 de Julho de 2012, publicado no nº 184, da segunda série do Diário da República de 21 de Setembro de 2012[11]. Porém, esta decisão do Tribunal Constitucional não se debruçou sobre a questão da liquidez do rendimento a considerar para efeitos indemnizatórios, mas apenas sobre a questão da limitação probatória a rendimentos fiscalmente comprovados.
A nosso ver, o rendimento a considerar para efeitos de determinação do dano futuro resultante da perda ou afectação da capacidade de ganho é o rendimento líquido dos impostos sobre o rendimento que o lesado teria que pagar se estivesse no activo.
Na verdade, o montante descontado a título de impostos não chega verdadeiramente a estar em poder efectivo do lesado, sendo certo, por outro lado, que a indemnização arbitrada a título de perda ou afectação da capacidade de ganho não está sujeita ao pagamento de IRS (veja-se o artigo 12º, nº 1, alínea b), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares). Além disso, não se pode sequer dizer que o montante pago a título de impostos importe um benefício diferido para o lesado, como sucede com as contribuições obrigatórias para regimes de protecção social, essenciais para assegurar futuramente o direito a uma pensão de reforma.
Na nossa perspectiva, calcular o dano futuro da perda ou afectação de rendimento usando valores ilíquidos de impostos traduzir-se-ia num benefício injustificado para o lesado, porquanto o capital resultante desse cálculo não está sujeito ao pagamento de IRS, como antes se fundamentou normativamente.
O rendimento tributável do lesado seria, em 2006, face aos factos provados, no montante de € 7.800,00 (veja-se o ponto 3.2.25 dos fundamentos de facto deste acórdão). Tendo em conta as taxas de IRS que vigoravam nesse ano, o imposto devido totalizaria € 998,00, pois que até € 4.544,00, seria aplicável a taxa de 10,5 %, de € 4.544,00 até € 6.873,00, seria aplicável a taxa de 13% e na parte excedente € 6.873,00, seria aplicável a taxa de 23,5%. Deste modo, o valor líquido a considerar anualmente será de € 11.102,00.
Na decisão recorrida fixou-se a data do acidente como aquela que é relevante para fixação do termo inicial da perda ou afectação de rendimentos e, congruentemente com este entendimento, deduziu-se o montante pago a título de perdas salariais, de € 9.250,00, ao total da indemnização arbitrada. Embora se discorde deste procedimento, porquanto, a nosso ver, a data relevante para a fixação do termo inicial do cômputo da perda ou afectação de rendimentos futuros é a da alta médica do lesado[12], facto que no caso dos autos apenas se verificou a 21 de Janeiro de 2008, porque tal procedimento não foi impugnado pelo autor, seguir-se-á a metodologia da decisão recorrida.
Na decisão recorrida, aparentemente[13] e fazendo fé na adesão ao ponto 4 do sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08 de Maio de 2012, proferido no processo nº 3492/07.3TBVFR.P1, acessível na base de dados da DGSI[14], ter-se-á descontado um terço que corresponderia àquilo que o lesado gastaria consigo próprio ao longo da sua vida.
Na nossa perspectiva, há aqui um grave equívoco, porquanto essa redução só se justifica nos casos de morte, sob pena de se atribuir aos sucessores do lesado um montante superior àquele que o lesado lhes poderia disponibilizar se acaso continuasse vivo. Porém, quando o lesado não morre, essa redução não se justifica, porquanto continua a carecer do montante correspondente àquela redução para cuidar da sua própria subsistência. A aplicação acrítica de tal redução quer aos casos de morte, quer aos casos em que o lesado não morre (incapacidade permanente total ou parcial) conduz a uma discriminação injustificável do lesado que sobrevive face àquele que faleceu. Porque está em causa a aplicação de critérios na fixação da indemnização e porque o lesado impugnou o valor da indemnização que lhe foi atribuído, com diferente base de facto e diferentes critérios indemnizatórios, cremos que neste particular temos “carta branca” para aplicar o critério que se nos afigura correcto, ou seja, não se procederá à redução de um terço no valor da indemnização final obtida.
Finalmente, a ré recorrente sustenta que o dano futuro deve ser calculado em função da incapacidade parcial permanente geral de doze pontos que ficou a afectar o autor, devendo o valor obtido ser corrigido para mais em função da incapacidade absoluta para o exercício da profissão habitual.
A nosso ver, o procedimento deve ser o oposto, devendo o dano ser calculado em função de uma incapacidade total para o trabalho habitual e reduzindo-se equitativamente o valor final obtido tendo em conta a capacidade residual para o exercício de outras actividades compatíveis com as sequelas e o nível de formação do lesado e ainda e sobretudo a idade do lesado à data da alta. De facto, à data da alta, o lesado tinha já quarenta e sete anos de idade, o que constitui um sério “handicap” no acesso ao emprego, como vêm demonstrando as estatísticas do desemprego.
Expostas as considerações que antecedem necessárias ao enquadramento do caso, é tempo de entrar na problemática da determinação do dano futuro pela perda ou afectação da capacidade de ganho.
A determinação do montante indemnizatório devido pela perda ou afectação da capacidade de ganho é uma operação melindrosa e é-o tanto mais quanto maior é o horizonte temporal a ter em conta e a maior ou menor instabilidade da situação envolvente[15]. Em ordem a imprimir uma maior objectividade na fixação dos montantes indemnizatórios, dando execução ao imperativo de justiça e legal de uma tendencial aplicação uniforme do direito (artigo 8º, nº 3, do Código Civil), a jurisprudência tem-se mostrado favorável à adopção de critérios matemáticos[16], temperados pelas regras da equidade, sobretudo tendo em consideração casos análogos anteriormente decididos.
Neste contexto, as tabelas financeiras, tal como as tabelas constantes das Portarias nº 377/2008, de 26 de Maio e nº 679/2009, de 25 de Junho, podem servir de indicador[17] e definir o patamar inferior da indemnização a arbitrar[18].
Os princípios fundamentais adoptados pelo Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria, resumidos na citação[19] constante do acórdão de 05 de Julho de 2007, no processo nº 07A1734, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Nuno Cameira, acessível no site da DGSI, são os seguintes:
1ª) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
2ª) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
3ª) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
4ª) Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que somente vale no caso de morte;
5ª) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;
6ª) Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 73 anos[20], e tem tendência para aumentar; e a das mulheres chegou aos oitenta)”.
No caso em apreço, afigura-se-nos que a indemnização a arbitrar a título de incapacidade para o trabalho habitual, bem como quaisquer outras actividades profissionais que envolvam esforços de marcha ou com os membros inferiores, com um défice permanente da integridade física de doze pontos, compatível com o exercício de outras actividades profissionais, mas com esforços acrescidos, há-de ser encontrada entre o máximo obtido pelo critério matemático simples correspondente à capitalização da redução patrimonial no período da esperança de vida laboral que o lesado teria e o patamar mais elevado fornecido pelas tabelas financeiras, tendo em conta a mesma esperança de vida, ou seja, varia entre € 288.652,00 (€ 11.102,00 x 26 anos) e € 203.475,49 (coeficiente de 18,327823 x € 11.102,00). Estes valores devem, por um lado, ser majorados, dado que o termo da vida laboral não é, em condições normais, o termo da vida das pessoas, devendo para tanto considerar-se um período de pelo menos mais sete anos e, por outro lado, reduzidos, tendo em conta a capacidade laboral residual do lesado. A nosso ver, no caso em apreço, a majoração e a redução da indemnização que se acabam de enunciar, tendem a equilibrar-se.
No caso decidendo, importa reter quer a idade do autor à data do acidente (quarenta e quatro anos de idade), pelas razões antes enunciadas, quer à data da consolidação das lesões (quarenta e sete anos[21]), a data previsível em que iria sair do mercado de trabalho (setenta anos), pelo que para o termo da sua vida laboral, distam vinte e seis anos contados desde a data do acidente, o seu rendimento anual de € 11.102,00, a incapacidade para o trabalho habitual e a incapacidade parcial genérica de doze pontos.
Ponderam-se ainda, em termos comparativos[22], as circunstâncias concretas dos lesados no processo nº 756/08.2TBVIS.C1, do Tribunal da Relação de Coimbra[23], no processo nº 4129/06.3TBSXL.L2-2, do Tribunal da Relação de Lisboa[24], bem como as de todos os lesados que vêm referenciados neste último acórdão, isto é, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Junho de 2011, no processo nº 524/07.9TCGMR.G1.S1[25], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Outubro de 2010, no processo nº 839/07.6TBPFR.P1.S1[26], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Fevereiro de 2012, proferido no processo nº 1043/03.8TBMCN.P1.S1[27], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de Outubro de 2011, no processo nº 733/06.8TBFAF.G1.S1[28], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 2009, proferido no processo nº 08B3234[29], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 2010, proferido no processo nº 220/2001-7.S1[30], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Junho de 2011, proferido no processo nº 3042/06.9TBPNF.P1.S1[31], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2011, proferido no processo nº 52/06.0TBVNC.G1.S1[32], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Junho de 2011, proferido no processo nº 160/2002.P1.S1[33], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01 de Junho de 2011[34], acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2011[35] e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 2011, proferido no processo nº 345/06.PTPDL.L1.S1[36]. Ponderam-se ainda para o efeito já indicado os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos já no decurso dos anos de 2012 e 2013:
- de 19 de Abril de 2012, no processo nº 3046/09.0TBFIG.S1[37];
- de 02 de Maio de 2012, no processo nº 1011/2002.L1.S1[38];
- de 08 de Maio de 2012, no processo nº 3492/07.3TBVFR.P1[39];
- de 02 de Julho de 2012, no processo nº 3243/09.9TBVNG.P1.S1[40];
- de 10 de Outubro de 2012, no processo nº 632/2001.G1.S1[41];
- de 21 de Março de 2013, no processo nº 565/10.9TBVPL.S1[42];
- de 06 de Junho de 2013, no processo nº 303/09.9TBVPA.P1.S1[43].
Assim, tudo sopesado, tendo em conta que o valor arbitrado pelo tribunal a quo envolve uma redução de mais de 60 % do montante correspondente à capitalização da perda anual estimada, que os valores referenciais obtidos devem, por um lado, ser majorados considerando um período de mais sete anos, correspondente à esperança média de vida depois do termo da vida laboral e, por outro lado, reduzidos, tendo em conta a capacidade laboral residual do lesado, afigura-se-nos que o valor encontrado pelo tribunal recorrido deve ser aumentado, considerando-se mais adequada a indemnização de duzentos e dez mil euros.
Assim, por força da elevação da indemnização ora decidida, o valor global que o autor tem a haver da ré é o seguinte: (€ 210.000,00 + € 451,01 + € 45.000,00 = € 255.451,01) - € 9.250,00 = € 246.201,01.
Pelo exposto, conclui-se que no que respeita esta questão, procede parcialmente o recurso do autor; o recurso da ré, não obstante a parcial procedência na reapreciação da decisão da matéria de facto, não tem qualquer procedência em sede de condenação final. Neste circunstancialismo, as custas do recurso interposto pela ré, são da sua exclusiva conta, não obstante a sua parcial procedência em sede de reapreciação da decisão da matéria de facto, mas sem reflexos em sede de decisão final, sendo as custas do recurso interposto pelo autor a cargo de ambos os recorrentes, na exacta proporção da respectiva sucumbência (artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente a reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pela Companhia de Seguros C…, SA, julgando-se no mais improcedente o recurso de apelação interposto por esta seguradora e em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por B…, alterando-se a decisão recorrida proferida a 31 de Janeiro de 2014 e, consequentemente, em fixar a indemnização devida pela perda dos rendimentos de trabalho no montante de duzentos e dez mil euros, mantendo-se, no mais, a decisão sob censura, porque não questionada por qualquer das partes, inclusivamente a dedução do montante global da indemnização do valor de nove mil duzentos e cinquenta euros que o lesado já recebeu da ré a título de perdas salariais durante o período de incapacidade temporária.
Custas do recurso interposto pela Companhia de Seguros C…, SA a cargo da recorrente, sendo as custas do recurso interposto por B… a cargo do recorrente e da recorrida, na exacta proporção da sucumbência de cada uma das partes, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, às taxas de justiça dos recursos, sendo as custas da acção a cargo do autor e da ré, na exacta proporção da sucumbência que resulta do presente acórdão.
***
O presente acórdão compõe-se de trinta e três páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 15 de Setembro de 2014
Carlos Gil
Carlos Querido
Soares de Oliveira
_______________
[1] Segue-se, no essencial, o relatório da sentença recorrida.
[2] A reapreciação das respostas aos artigos 21º, 22º, 23º, 26º e 67º da base instrutória foi requerida pela ré seguradora, tendo o autor requerido a reapreciação da resposta ao artigo 26º da aludida peça processual.
[3] Questão comum a ambos os recorrentes, embora com posições antagónicas. O recorrente pugna por que essa indemnização seja fixada no montante de € 461.347,77, enquanto a recorrente pretende que a mesma indemnização seja computada no montante de cerca de € 25.000,00, se for alterada a resposta ao artigo 26º da base instrutória, no sentido por que propugna e no montante não superior a € 50.000,00, caso essa resposta não seja alterada.
[4] As respostas do tribunal a quo aos artigos 21º a 23º da base instrutória foram positivas.
[5] A resposta do tribunal recorrido a este artigo foi restritiva e teve o seguinte conteúdo: “provado apenas que se não tivesse sofrido o referido acidente, o autor, em 2006, ia atingir rendimentos anuais de, pelo menos, 12.000,00 €”.
[6] A resposta a este artigo foi explicativa e teve o seguinte conteúdo: “provado apenas que o Autor, em consequência do referido acidente, ficou com um défice permanente da integridade física, com total impossibilidade (100 %) de conduzir veículos pesados e de exercer quaisquer outras atividades profissionais que envolvam esforços de marcha ou com os membros inferiores, apenas podendo desenvolver outras atividades mas com esforços acrescidos, correspondendo a 12 pontos percentuais”.
[7] Esta divergência vem bem espelhada no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12 de Abril de 2011, proferido no processo nº 756/08.2TBVIS.C1, relatado por Fonte Ramos e com voto de vencido de Pedro Martins, também relativamente a esta questão.
[8] Em bom rigor, os Senhores Peritos até “meteram a foice em seara alheia”, na medida em que procederam à valoração de declarações emitidas pelo autor, atribuindo-lhes relevo médico-legal.
[9] Por ser ostensivo, corrigiu-se o lapso na forma verbal, substituindo-se “puder” por “poder”.
[10] Procedeu-se a pesquisa na base de dados da DGSI e não se logrou localizar este acórdão.
[11] Este acórdão vem sumariado do seguinte modo: “Julga inconstitucional a interpretação normativa extraída do n.º 7 do artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, correspondente ao entendimento segundo o qual, nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao mesmo, o tribunal apenas pode valorar os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, que se encontrem fiscalmente comprovados, após cumprimento das obrigações declarativas legalmente fixadas para tal período”.
[12] Até à alta, trata-se de reparar a incapacidade temporária. Só após a alta médica, ou seja, só após a estabilização ou consolidação médico-legal das lesões, é curial configurar o dano da incapacidade permanente, total ou parcial, conforme os casos.
[13] O advérbio justifica-se porquanto a decisão recorrida não explicita os diversos cálculos a que terá procedido para obter o valor final da indemnização.
[14] Neste ponto, como melhor se verá mais à frente, segue-se a posição expressa no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de Julho de 2007, no processo nº 07A1734, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Nuno Cameira, também acessível no site da DGSI e que é também o relator do acórdão de 08 de Maio de 2012 citado no texto. Porém, neste último acórdão, ao invés do proferido a 05 de Julho de 2007, não se dá qualquer justificação para a aplicação da redução de um terço quer aos casos de incapacidade permanente total, quer aos casos de incapacidade permanente parcial.
[15] A nosso ver, a forma mais correcta de reduzir a álea envolvida nestas operações seria a de impor a fixação da indemnização sob forma de renda mensal, em vez de apenas permitir, como hoje sucede, esta modalidade de reparação do dano, fazendo-a depender da vontade do credor (artigo 567º do Código Civil). Na verdade, o lesado tanto pode viver muito menos como muito mais do que a esperança média de vida, pode ser vítima de outros factos danosos e, em sentido inverso, pode beneficiar de novos meios de tratamento que alterem a sua situação clínica e a sua incapacidade.
[16] Uma operação matemática expedita para encontrar um valor nestes casos consiste no apuramento da perda de rendimento correspondente ao número de anos tidos em conta. No caso dos autos, anualmente, o lesado teria uma perda anual de € 11.102,00, correspondendo a tal valor, no período de vinte e seis anos, correspondente ao termo da vida activa (70 anos) (este período determina-se tendo em conta o tempo que medeia desde a data do acidente, pelas razões antes expostas – 20 de Janeiro de 2006 – até ao termo da vida activa) o capital de € 288.652,00 (€ 11.102,00 x 26 anos). Este valor é bruto e não entra em consideração com a natureza frutífera do capital.
[17] Neste sentido se orientam o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Março de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Sérgio Poças, no processo nº 184/04.9TBARC.P2.S1, embora relativamente a uma hipótese qualificada como de dano biológico e o do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21 de Março de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Jorge Leal, no processo nº 4129/06.3TBSXL.L2-2, ambos acessíveis no site da DGSI.
[18] Aplicando as tabelas financeiras editadas pela Universidade Católica Portuguesa, Lisboa 1981, a uma taxa de 3 % (ver página 26, terceira coluna a contar da direita), para um período temporal de vinte e seis anos, tem-se um coeficiente de 17,8784 que multiplicado pela perda anual de € 11.102,00, totaliza € 198.468,68. Aplicando o coeficiente que consta das Portarias nºs 377/2008 e 679/2009 para o cálculo do dano patrimonial futuro, que sempre seria aplicável porque o caso dos autos é de incapacidade para a profissão habitual, para um período de vinte e seis anos (coeficiente de 18,327823), obtém-se o capital de € 203.475,49. Estes valores devem ser tomados como patamares inferiores da indemnização a arbitrar porque ponderam já a disponibilidade imediata do capital.
[19] Informa o Sr. Juiz Conselheiro Nuno Cameira que a citação é extraída do seu acórdão de 22 de Março de 2007, proferido na Revista nº 499/07, decisão a que não conseguimos aceder por via electrónica.
[20] Actualmente a esperança de vida para os homens, fazendo fé nos dados constantes da Pordata, situa-se nos setenta e sete anos vírgula três.
[21] Pois que é esta a idade referência para efeitos da avaliação da efectiva empregabilidade do lesado, sendo do conhecimento comum que quanto mais perto está o termo da vida activa, tanto mais difícil é encontrar emprego.
[22] Os dados que de seguida se enunciam não podem ser comparados acriticamente pois os critérios utilizados nas diversas decisões que se citam, os dados relevados e a qualificação do dano ressarcido não são coincidentes. Assim, a título de mero exemplo, nuns casos toma-se como referência o salário líquido, noutros casos o salário ilíquido, enquanto noutras situações não se sabe se se trata de salário líquido ou ilíquido; nuns casos fixa-se o termo da perda da capacidade de ganho no fim da vida activa, fixada por vezes em sessenta e cinco anos e noutras vezes em setenta anos, enquanto noutros casos se faz coincidir esse termo com a esperança média de vida do lesado, esperança de vida variável em função do sexo e também em função dos dados estatísticos existentes na data em que é proferida a decisão.
[23] Lesado com vinte e seis anos de idade, à data do sinistro, com um vencimento ilíquido de € 836,34 e uma incapacidade permanente parcial de quinze pontos, tendo em conta o termo da vida activa aos setenta anos, sendo fixada, por maioria, uma indemnização de € 40.000,00, por força de contingências processuais (veja-se a nota 23 do citado acórdão, acessível na base de dados da DGSI).
[24] Lesada com trinta e seis anos de idade, à data do sinistro, vencimento ilíquido de € 797,00, tendo-se tomado como referência o vencimento líquido de € 575,00, uma incapacidade parcial permanente de 18,65 pontos e a esperança média de vida de oitenta e dois anos, sendo fixada, por maioria, uma indemnização de € 45.000,00 (acórdão acessível na base de dados da DGSI).
[25] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Azevedo Ramos e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2004, com vinte e três anos de idade, à data do sinistro, com o 12º ano de escolaridade e com o estágio de desenhador gráfico, que ia começar a trabalhar com a retribuição de € 600,00 e que ficou incapacitado para qualquer profissão, paraplégico, para tudo dependente de terceiros, sendo fixada a indemnização pelo dano patrimonial futuro no montante de € 300.000,00.
[26] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2004, com vinte e oito anos de idade, à data do sinistro, com uma incapacidade permanente geral de 80%, totalmente impossibilitado de exercer para o resto da vida qualquer actividade profissional, que auferia um rendimento mensal de € 350,00, fixando-se a indemnização pelo dano patrimonial futuro no montante de € 120.000,00.
[27] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro João Bernardo e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2001, com cinquenta e um anos de idade, à data do sinistro e que nessa data exercia a profissão de pedreiro, auferindo € 6.500,00 por ano e que ficou totalmente incapacitado para o trabalho e totalmente dependente de terceiros para o dia-a-dia, tendo-se entendido não ser exagerada a quantia de € 100.000,00, a título de danos patrimoniais futuros.
[28] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Orlando Afonso e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2005, com cinquenta e quatro anos de idade, à data do sinistro, cantoneiro de profissão, a quem foi atribuída uma incapacidade permanente parcial de 20 %, mas com total incapacidade para a profissão habitual, bem como para todas as actividades que exijam esforços físicos, arbitrando-se a indemnização de € 65.000,00.
[29] Acórdão relatado pela Sra. Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Beleza e referente a uma lesada em acidente ocorrido em 1996, com vinte e um anos de idade, à data do sinistro, estudante, residente em França, afectada de uma incapacidade parcial permanente de 50 %, com aumento previsível de 3 %, tendo-se considerado adequada a indemnização por danos patrimoniais futuros no montante de € 110.000,00.
[30] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro João Bernardo e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2000, com vinte e oito anos de idade, à data do sinistro, pedreiro, que auferia € 6.181,70 por ano e ficou com uma incapacidade parcial permanente de 30 %, com mais 10 % a título de dano futuro e com rebate na actividade profissional, implicando esforços acrescidos, arbitrando-se a quantia de € 80.000,00 pela perda da capacidade de ganho.
[31] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2004, com trinta e um anos de idade, à data do sinistro, economista com elevada qualificação profissional e expectativas de ascensão na carreira, com um rendimento mensal líquido de € 2.200,00, afectado de incapacidade parcial genérica de 29,55 %, com agravamento previsto de mais 10 %, atribuindo-se a indemnização por danos patrimoniais futuros de € 225.000,00.
[32] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego e referente a uma lesada em acidente ocorrido em 2003, com trinta e dois anos de idade, à data do sinistro, inactiva nessa data, mas tencionando ingressar no mercado laboral como empregada fabril, afectada de uma incapacidade permanente geral de € 20 %, acrescida de um previsível agravamento futuro de mais 10 %, tendo-se fixado a indemnização por danos patrimoniais futuros em € 60.000,00.
[33] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Granja da Fonseca e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2000, com vinte e seis anos de idade, à data do sinistro, sócio gerente de uma sociedade, com um rendimento bruto anual de 960.000$00, afectado de uma incapacidade permanente geral de 16 %, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da sua actividade profissional, mas com esforços suplementares, negando-se revista, manteve-se a indemnização de € 23.000,00, considerando-se a mesma exígua.
[34] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Manuel Braz e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2000, com vinte e dois anos de idade, à data do sinistro, com o 9º ano de escolaridade, com boas perspectivas de seguir carreira militar na classe dos sargentos, auferindo o vencimento mensal de € 1.194,49, afectado de uma incapacidade parcial permanente de 15 %, futuramente ampliada em mais 10 %, tendo-se atribuído o montante de € 100.000,00, a título de dano patrimonial futuro.
[35] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Gregório de Jesus e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2003, com trinta e seis anos de idade, à data do sinistro, que auferia € 510,00 líquidos por mês, tendo ficado afectado de uma incapacidade parcial genérica de 15 %, futuramente acrescida de 5 %, tendo-se negado revista confirmando a indemnização de € 31.500,00 arbitrada pelas instâncias, a título de dano biológico.
[36] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Maia Costa e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2006, com dezanove anos de idade, à data do sinistro, estudante, afectado com uma incapacidade permanente geral de 11,73 %, em que se considerou excessiva a indemnização por danos patrimoniais futuros no montante de € 20.000,00, reduzindo-se a mesma para o montante de € 15.000,00.
[37] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Serra Batista e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2006, com dezanove anos de idade então, estudante e a frequentar um curso de formação profissional, afectado de uma incapacidade permanente genérica de 13 pontos, com tendência a agravar-se para o futuro, tendo em atenção uma esperança de vida média de setenta e oito anos e a data provável em que o lesado entrará no mercado de trabalho, fixando-se o dano patrimonial futuro no montante de € 35.000,00.
[38] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Fonseca Ramos e referente a um lesado em acidente ocorrido em 1997, com vinte e oito anos de idade à data do sinistro, empresário da construção civil, pedreiro e ladrilhador, com rendimento anual de valor não concretamente apurado, afectado de uma incapacidade genérica parcial permanente de 40 %, com rebate profissional e a exigir esforços acrescidos, estimando-se o termo da vida activa aos sessenta e cinco anos, fixando-se a indemnização por danos futuros no montante de € 120.000,00.
[39] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Nuno Cameira e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2005, com dezanove anos de idade à data do sinistro, estudante e a frequentar o 12º ano, afectado de uma incapacidade genérica parcial de 7 %, acrescida de 2 % de dano futuro, confirmou-se a decisão das instâncias de fixação do dano patrimonial futuro no montante de € 25.000,00.
[40] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro João Camilo e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2005, com sessenta anos de idade à data do sinistro, electricista não colectado, auferindo mensalmente a importância de € 500,00, afectado de uma incapacidade genérica permanente de 11 %, mas sem conseguir exercer a profissão habitual, calculando-se o termo da vida activa aos setenta anos, arbitrou-se a título de dano patrimonial futuro a quantia de € 30.000,00.
[41] Acórdão relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego e referente a uma lesada em acidente ocorrido em 2000, com dezanove anos de idade, à data do sinistro, empregada de limpeza com o vencimento mensal de € 473,86, afectado de uma IPG de 17,06%, com agravamento futuro previsto de 5%, considerando-se uma esperança média de vida de setenta e nove anos, em que foi arbitrada a importância de € 50.000,00, a título de perda de capacidade de ganho e € 10.000,00, a título de dano biológico.
[42] Acórdão relatado pela Sr. Juiz Conselheiro Salazar Casanova e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2009, afectado de uma incapacidade parcial permanente de 15 %, sem reflexos nos ganhos laborais, com um rendimento bruto anual de € 17.575,00, tendo-se considerado adequada a indemnização por danos patrimoniais futuros no montante de € 60.000,00.
[43] Acórdão relatado pela Sra. Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Beleza e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2003, com trinta anos de idade, à data do sinistro, empresário no sector da restauração, com um rendimento mensal médio no mínimo de € 3.958,19, afectado de uma incapacidade parcial permanente de 52,036 %, tendo-se considerado adequada a indemnização por danos patrimoniais futuros no montante de € 963.475,75, sustentando-se não se justificar no caso concreto qualquer redução do capital, em função da disponibilidade imediata de valores que o lesado apenas iria percebendo ao longo do tempo e revogando-se a decisão do Tribunal da Relação que havia fixado esse dano no montante de € 691.920,00.