Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1347/15.7T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DEVER DE LEALDADE
DEVER DE NÃO CONCORRÊNCIA
CESSAÇÃO DO CONTRATO
PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA
LIBERDADE DE TRABALHO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP201512161347/15.7T8PNF.P1
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Durante a execução do contrato de trabalho impera a obrigação de não concorrência por parte do trabalhador, como corolário do dever de lealdade deste para com o empregador. Após a cessação da relação laboral renasce a liberdade de emprego e de trabalho do trabalhador, podendo o mesmo exercer livremente qualquer atividade, mesmo que concorrente com a desenvolvida pelo seu anterior empregador. As únicas restrições a essa liberdade apenas existem no caso em que essa atividade concorrencial seja desleal ou se haja firmado um pacto de não concorrência.
II - A liberdade de concorrência readquirida pelo trabalhador com a cessação da relação laboral, se não restringida através do pacto de não concorrência, está sujeita a alguns limites. Desde logo, temos os limites decorrentes da concorrência desleal (artigos 317º, 318º e 331º do Código da Propriedade Industrial), bem como da violação de segredos com proteção penal (artigos 195º e 196º do Código Penal), isto sem olvidarmos que parte da doutrina defende que existem certos deveres do trabalhador que não se extinguem com o fim da relação laboral, reconhecendo-se uma pós-eficácia do dever de lealdade e de boa-fé para com o empregador.
III - Mas mesmo que se defenda que, na ausência da celebração de um pacto de não concorrência, após a cessação do contrato de trabalho existe uma pós-eficácia do dever de lealdade e de boa-fé para com o empregador - vedando ao trabalhador que faça concorrência desleal ao seu antigo empregador e que divulgue factos sigilosos de que teve conhecimento no exercício da sua atividade laboral na empresa e por causa dessa atividade – a verdade, é que esta (pós eficácia) não é apta a dispensar a formalização do pacto de não concorrência já que apenas este protege o empregador da concorrência diferencial do ex-trabalhador, uma vez que na ausência daquele pacto de não concorrência, nas palavras de Júlio Vieira Gomes acima exaradas, «o trabalhador está apenas sujeito aos limites gerais da proibição da concorrência desleal, proibição esta que abrange por igual ex-trabalhadores e todos os que nunca tiveram essa qualidade relativamente a uma certa empresa».
IV - Tendo 41 dos seus trabalhadores denunciado o respetivo contrato de trabalho que os ligava á recorrente e ido trabalhar para uma empresa concorrente, não pode aquela pretender limitar a atividade concorrencial diferencial dos seus ex-trabalhadores na ausência de qualquer pacto de não concorrência. Se a liberdade de trabalho e de emprego tem proteção constitucional e apenas pode ser limitada desde que se verifiquem os requisitos exarados no artigo 136º do Código do Trabalho, seria totalmente desproporcional, desadequado e sem qualquer sustentáculo legal, proceder a uma limitação do exercício da atividade dos réus, mesmo que apenas circunscrito a uma empresa determinada, fora do âmbito daquele normativo legal.
V - O exercício da atividade desenvolvida pelos ex-trabalhadores da recorrente também não constitui abuso de direito (artigo 334º do Código Civil). Isto porque, o direito à concorrência leal é um direito derivado da liberdade de emprego e de trabalho e que apenas pode ser limitado mediante a existência de um pacto de não concorrência dentro de estritos requisitos, e a concorrência desleal não constitui qualquer direito, nem sequer tem proteção legal. Portanto, a verificar-se, a primeira é perfeitamente lícita, a segunda, a verificar-se, não pode ser abusiva porque, sendo ilegal, não tem proteção, ou seja, a concorrência desleal não é um direito. E não sendo um direito não pode existir na sua prática um abuso de direito. Por outro lado, não pode haver abuso de direito na atitude do trabalhador que rescinde um contrato de trabalho para celebrar um outro com uma empresa concorrente da sua ex-empregadora, procurando ter melhores condições, sejam elas salariais ou outras e que desenvolve essa sua atividade aproveitando-se dos conhecimentos adquiridos anteriormente durante a execução do contrato de trabalho. Se, ao invés de se aproveitar desses conhecimentos, pratica atos de concorrência desleal ou viola segredos que não poderia divulgar, então não estamos perante o exercício de um direito, mas de uma ilegalidade punida criminalmente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

PROCESSO Nº 1317/15.7T8PNF.P1
RG 498

RELATOR: ANTÓNIO JOSÉ ASCENSÃO RAMOS
1º ADJUNTO: DES. JORGE LOUREIRO
2º ADJUNTO: DES. JERÓNIMO FREITAS

PARTES:
RECORRENTE: B…, S.A.
RECORRIDOS: C… E OUTROS.

VALOR DA ACÇÃO: 30.000,01€
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Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
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I – RELATÓRIO
1. “B…, SA”, pessoa coletiva nº ………, com sede na …, ….-… … – Paços de Ferreira, intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo contra:
- C…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº.., …. – … ….
- D…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº.., …. – … Paços de Ferreira;
- E…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº… – 1ºEsq., …. – … Paços de Ferreira;
- F…, NIF Nº ………, residente na Rua … nº…, …. – … Paços de Ferreira;
- G…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº…, …. – … … (STS);
- H…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº.., … – … Paços de Ferreira;
- I…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº.. R/c trás, …. – … Paços de Ferreira;
- J…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº.., …. – … …;
- K…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº.., …. – … …;
- L…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº.., …. – … …;
- M…, NIF Nº ………, residente na …, nº.., 2º Esq., …. – … Freamunde;
- N…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº…, …. – … …;
- O…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº.., …. – … …;
- P… NIF Nº ………, residente na Rua …, nº., …. – … …;
- Q…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº…, Bloco ., 2ºDto, …. – … …;
- S…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº.., …. – … Paços de Ferreira;
- T…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº…, 1ºDto, …. – … … – Paços de Ferreira;
- M…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº…, R/c, …. – … … – Paços de Ferreira;
- V… NIF Nº ………, residente na Rua …, nº…, 1ºEsq, …. – … … – Paços de Ferreira;
- W…, NIF Nº ………, residente na …, nº…, 2ºDto trás, …. – … Paços de Ferreira;
- X…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº.., …. – … …;
- Z…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº.., …. – … …;
- AB…, NIF Nº ………, residente na Rua …, … – … Paços de Ferreira;
- AC…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº…, …. – … …;
- AD…, NIF Nº………, residente na Rua …, nº.., 1ºDto, …. – … …;
- AE…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº…, …. – … …;
- AF…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº.., …;
- AG…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº…, …. – … …;
- AH…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº…, …. – … …;
- AI…, NIF Nº ………, residente na …, nº…, …. – … …;
- AJ…, NIF Nº ………, residente no …, nº., 2ºDto, … – … …;
- AK…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº.., … – …, …. – … …;
- AL…, NIF Nº ………, residente na …, nº.., …. – … …;
- AM…, NIF Nº ………, residente na Rua … nº…, 2ºEsq, …. – … Porto;
- AN…, NIF Nº ………, residente na …, nº…, …. – … …;
- AO..., NIF Nº ………, residente na Rua …, Lote …, 3ºDto, …. – … Santo Tirso;
- AP…, NIF Nº ………, residente na …, nº.., …. – … Paços de Ferreira;
- AQ…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº…, 1ºEsq., …. – … …;
- AS…, NIF nº ………, residente na Rua …, nº.., …. – … …;
- AT…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº…, 2ºEsq., …. – … …;
- AU…, NIF Nº ………, residente na Rua …, nº…, …. – … Paços de Ferreira,
Pedindo que seja declarada a limitação do exercício de atividade laboral dos supra mencionados trabalhadores, pelo período máximo de três anos, na sociedade AV…, Lda.
Alegou, para o efeito, que os réus foram seus trabalhadores e que, após Outubro de 2013, começaram a surgir denúncias individuais de contratos de trabalho por parte de alguns trabalhadores da Autora, sendo que os primeiros trabalhadores a apresentarem essas denúncias exerciam cargos específicos, de elevada importância e extrema relevância na atividade laboral da Autora, mais concretamente, apresentaram denúncias o Diretor de Produção - Eng.º AO…, o Diretor Comercial – AM… e o Chefe de Manutenção – AN….
Após estas denúncias de contratos de trabalho, outras se sucederam, perfazendo até à presente data, um total de, pelo menos, 41, tendo a autora, face a isso, ficado bastante alarmada até porque essas denúncias foram apresentadas por trabalhadores que exerciam funções muito específicas e de elevada importância.
Veio a autora a constatar que estas cessações dos contratos de trabalho só tiveram uma razão de ser, sendo o motivo justificativo das mesmas, a existência de uma prática concertada que visou o desvio e o recrutamento dos trabalhadores em causa para uma nova empresa, entretanto criada e constituída, que é a AV..., Lda., sociedade criada e constituída em 20/10/2013, visando desenvolver a sua atividade industrial e comercial no setor têxtil, nomeadamente com a produção e fabrico de vestuário (masculino, feminino e infantil) exterior em série.
Essa empresa, conhecedora da fama e do bom nome que a Autora possui no mercado do setor têxtil, bem como da qualidade dos produtos produzidos pela mesma, sabia perfeitamente das dificuldades que teria em entrar e concorrer com sucesso com a Autora no mercado do setor têxtil. Por essa razão, de forma perfeitamente consciente e deliberada, orquestrou e levou a cabo uma prática concertada de eliminação da Autora, que se concretizou pela contratação dos vários trabalhadores da autora que exerciam os vários cargos de chefia e/ou com elevados conhecimentos técnicos, e transferindo/“roubando” à Autora desta forma os conhecimentos essenciais sobre os clientes, o Know-how técnico e respetivos segredos comerciais, sendo certo que dois dos atuais sócios da AV…, Lda., são o mencionado AM… e o Engº AO..., até há bem pouco tempo atrás trabalhadores da Autora.
Veio também a autora a constatar que estes dois ex-trabalhadores da Autora, juntamente com o Sr. AN…, também ele ex-trabalhador da Autora, na qual ocupava o cargo de Chefe de manutenção, em clara sintonia e concertação com os demais sócios da AV…, Lda., foram os principais impulsionadores de toda a prática concertada ocorrida, tendo em vista o desvio de trabalhadores da Autora e a eliminação da mesma.
A tudo isto acresce que a autora viu-se confrontada com um prévio e forte boicote à produção por parte dos seus aludidos ex-trabalhadores. Com efeito, a entrada de encomendas na Autora era realizada essencialmente através do seu Diretor Comercial – o identificado AM…, que após a receção das mesmas as comunicava ao departamento de modelação, departamento este, que posteriormente prosseguia com a tramitação subsequente destinada à produção das encomendas dos modelos em causa.
Estranhamente, nos últimos meses em que o identificado AM… exerceu as suas funções laborais na Autora, ocorreu um decréscimo acentuado da entrada destas encomendas na mesma, facto que foi posteriormente confirmado através de análise minuciosa de todos os documentos respeitantes a este departamento, tendo-se verificado que as várias e substanciais encomendas recebidas não foram transmitidas/comunicadas ao respetivo departamento de modelação e, noutros casos, aquele mesmo departamento “arquivou” várias encomendas, ou seja não lhes deu qualquer seguimento.
Esse boicote também se estendeu ao setor de produção da Autora, do qual era diretor, o aludido Eng.º AO…, onde a confeção de várias peças de vestuário foi realizada com manifesto desleixo e falta de cuidado, e em consequência as referidas peças eram produzidas com variadíssimos defeitos, defeitos esses, que eram perfeitamente visíveis aos olhos dos clientes da Autora, os quais, por variadíssimas ocasiões efetuaram reclamações junto da mesma, exigindo explicações para tamanha e manifesta incompetência desta.
Além do mais, a referida AV…, Lda., intitula-se como “filial” da Autora, visto saber da fama que esta tem no mercado, constituindo uma forma de atrair os clientes e fornecedores desta.
As denúncias dos contratos de trabalho dos aludidos ex-trabalhadores da Autora, quase diárias, não só afetaram o normal funcionamento da atividade laboral desta, como causaram graves prejuízos do ponto de vista económico. Isto porque, as aludidas cessações de contratos de trabalho foram feitas pelos trabalhadores com funções muito específicas na Autora, constituindo a sua substituição uma tarefa dificílima, além de acarretar custos muitíssimo elevados. Ao que acrescem, os danos decorrentes do aludido boicote à produção ocorrido, em que a Autora foi obrigada a reparar os danos que o mesmo provocou, nomeadamente, a recolha das encomendas com defeitos, bem como a reparação e/ou troca das mesmas. Acresce ainda que, o uso indevido do nome da Autora pela AV…, Lda., e o citado boicote à produção, com o fornecimento de vestuário com graves defeitos, afeta o bom nome da Autora no mercado do setor têxtil, provocando-lhe graves prejuízos.
Os réus estão naturalmente obrigados a um Dever de Não Concorrência, dever este, que não foi cumprido, tendo-se verificado uma atuação concertada, com o objetivo claro de colocar em prática os conhecimentos adquiridos, e assim, eliminar a Autora.
Ocorreu uma prática perfeitamente consciente, dolosa e concertada por partes destes trabalhadores, que atuando de forma conjunta e nas circunstâncias já mencionadas, deixaram de ser merecedores da proteção constitucionalmente consagrada.
Concluiu, a autora, dizendo que devem os trabalhadores em causa ficar impedidos do exercício de funções laborais, pelo período de três anos, na AV…, Lda., e somente nesta empresa porquanto a não limitação da atividade dos trabalhadores em causa terá graves consequências na Autora, provocando o fim da mesma e mais de duzentas pessoas ficarão sem os seus postos de trabalho.
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2. Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação, os Réus apresentaram contestação, onde por exceção invocaram a prescrição alegando que o direito pretendido fazer valer pela Autora se encontra prescrito, na medida em que tratando-se de direito emergente de contrato de trabalho, encontra-se sujeito ao regime de prescrição previsto no artigo 337º, n.º 1, do Código do Trabalho, prescrevendo decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Como no caso todos os contratos de trabalho já cessaram há mais de um ano, verifica-se a prescrição.
Mais alegam que o pedido formulado nesta ação pela autora – a limitação do exercício da atividade laboral dos réus, pelo período máximo de três anos na empresa AV…, Lda. – é ilícito, pois nenhum dos réus se encontra vinculado a qualquer pacto de não concorrência, pelo que o pedido da autora é violador do princípio da liberdade de trabalho, assim como também violador do direito aos réus à segurança no emprego.
Impugnam ainda a matéria alegada pela autora, alegando que todos os réus decidiram, de forma livre e esclarecida, a sua desvinculação enquanto trabalhadores da autora, o que naturalmente fizeram ponderando todas as razões e circunstâncias de natureza pessoal e profissional.
Terminam pedindo que se julgue procedente a defesa por exceção deduzida pelos réus, com a absolvição do pedido, sempre devendo, sem prescindir, ser a ação julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se igualmente os réus em conformidade.
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3. A autora apresentou resposta alegando que os réus laboram em erro ao invocar a exceção de prescrição uma vez que a razão de ser do artigo 337.º do Código do Trabalho é clara e inequivocamente os créditos laborais emergentes do contrato de trabalho.
Considerando que o objeto dos presentes autos em nada se identifica ou confunde com créditos laborais emergentes do contrato de trabalho, não é possível subsumir o objeto dos presentes autos ao preceituado nesse artigo.
Quanto à exceção de ilicitude do pedido veio a autora dizer que nada tem a acrescentar, remetendo para o exposto na petição inicial.
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4. Foi proferida decisão de mérito, uma vez que foi entendido que os autos continham todos os elementos necessários a essa decisão, cuja parte decisória tem o seguinte teor:
“Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolvem-se os réus do pedido.
Custas pela autora.
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Registe e notifique.”
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5. Inconformada com esta decisão dela recorre a Autora, pedindo a revogação da sentença recorrida devendo a mesma ser substituída por outra decisão que julgue totalmente legítima e fundada a pretensão/pedido da Autora, ora Recorrente e, em consequência, ordene a realização pelo Tribunal “a quo” de Julgamento, a fim de, em face da prova produzida julgar ou não procedente, o pedido/pretensão da Autora, tendo formulado as seguintes conclusões:
A- A Autora, ora Recorrente, discorda em absoluto da Douta Sentença recorrida dado que, os factos e os elementos constantes dos articulados obstam, claramente, à prolação imediata de Sentença.
B- Isto porque, não só a pretensão (limitação de atividade laboral dos Réus, ora Recorridos) da Autora, ora Recorrente é legítima e fundada, mas também pelo essencial facto de que o Tribunal “a quo” não pode, em abstrato, e sem ter sido produzida prova de todos os factos alegados pela Autora, ora Recorrente, considerar que existe uma colisão de direitos fundamentais – existe uma aparente colisão – e que os direitos fundamentais de que, alegadamente, são os Trabalhadores, aqui Réus/Recorridos titulares prevalecem sobre os direitos fundamentais de que é titular a Autora, ora Recorrente. E,
C- Neste sentido, decidir que a pretensão da Autora, ora Recorrente é desadequada, excessiva e desproporcionada, e que esta tem ao seu dispor outras formas de ver os seus alegados danos ressarcidos, designadamente, direito a intentar uma ação contra a nova empresa criada e contra os seus ex-trabalhadores pelos prejuízos que lhe foram causados em consequência das suas condutas.
D- Assim, pelo essencial facto de ter sido violado o Dever de Não Concorrência (carece de prova em sede de Julgamento) a que estão obrigados os Réus, ora Recorridos, e também pela circunstância de o pedido/pretensão da Autora, ora Recorrente – limitação do exercício de atividade laboral dos Réus, ora Recorridos na sociedade AV…, Lda., - ser o único meio jurídico apto à defesa dos interesses/direitos da Autora, ora Recorrente,
E- É, a Douta Sentença recorrida errada, quer de facto, quer de direito, por não considerar e qualificar como legítima e fundada a pretensão da Autora, ora Recorrente.
F- Assim sendo, e em consequência, deve quanto a esta questão o presente Recurso de Apelação, ser totalmente julgado procedente, revogando-se a Douta Sentença recorrida quanto a esta parte, julgando V/ Excelências legítima e fundada a pretensão/pedido da Autora, ora Recorrente.
G- A pretensão/pedido da Autora, ora Recorrente remete-nos para uma realidade em que, aparentemente, conflituam diferentes direitos fundamentais e dado que, no caso sub judice não é possível compatibiliza-los, importa aferir se os direitos fundamentais da Autora, ora Recorrente prevalecem ou não sobre os direitos fundamentais dos Réus, ora Recorridos e se, em consequência, devem ser esses direitos fundamentais ser restringidos/limitados.
H- Sucede que, a Autora, ora Recorrente discorda em absoluto da Douta Sentença dado que, esta parte de uma falsa premissa, que nada mais é do que uma ideia/tese preconcebida que, consequentemente, faz com que não só Douta Sentença seja errada, como os seus fundamentos estejam viciados.
I- Assim, e concretizando o que acima se disse, a Douta Sentença enferma da ideia/tese pré-concebida de que o trabalhador é parte mais fraca e, por isso, desprotegida de uma qualquer relação laboral.
J- Os factos alegados pela Autora, ora Recorrente na Petição Inicial permitem, no mínimo, concluir pela existência de possível violação de direitos fundamentais desta.
K- E, nesse sentido, o Tribunal “a quo” deveria ter realizado Julgamento, a fim de ser produzida toda a prova necessária e bastante à descoberta real e efetiva da verdade material dos factos/realidade.
L- Pelo que, somente após ter sido produzida, de parte a parte, toda a prova é que estaria o Tribunal “a quo” em plenas condições para proferir Douta Decisão, julgando ou não procedente a alegação da Autora, ora Recorrente e, em consequência, julgar ou não procedente a pretensão desta – limitação do exercício de atividade laboral dos Réus, ora Recorridos.
M- Admitindo, por provados, os factos alegados pela Autora, ora Recorrente na Petição Inicial, temos que, os Réus, ora Recorridos praticaram não só atos de concorrência desleal através da transferência, divulgação e utilização de segredos (comerciais, técnicos e industriais) da Autora, ora Recorrente,
N- Como também efetuaram um forte boicote ao trabalho que consistiu, não só na não produção de encomendas, mas também na produção de encomendas (peças de vestuário) com manifesto defeito, tudo isto, com o claro objetivo de prejudicar a Autora, ora Recorrente junto dos seus clientes e parceiros comerciais.
O- Os Réus, ora Recorridos com os atos por si praticados – concorrência desleal e boicote ao trabalho – deixaram de ser merecedores da proteção legal que lhes é conferida pela Constituição da República Portuguesa, nomeadamente, nos artigos 47º, 53º e 58º.
P- Caso se considerasse que, não obstante a atuação dos Réus, ora Recorridos estes continuavam a ser merecedores da proteção conferida pela Constituição da República Portuguesa aos trabalhadores, estaríamos perante uma realidade em que se estaria a acobertar uma situação de abuso de direito, nos termos do artigo 334º do Código Civil.
Q- Com efeito, é possível qualificar a atuação dos Réus, ora Recorridos como uma situação de flagrante abuso de direito visto que, estes socorreram – se de um direito fundamental que se encontrava na sua esfera jurídica (direito ao trabalho), para através deste atingir um objetivo ilícito e ilegal, in casu, a eliminação da Autora, ora Recorrente do mercado do setor têxtil.
R- A limitação do exercício de atividade laboral dos Réus, ora Recorridos na sociedade AV…, Lda., não é uma pretensão ilegítima, muito menos excessiva, desproporcional e desnecessária.
S- A limitação do exercício da atividade laboral dos Réus, ora Recorridos é não só necessária e imprescindível, como também esta não configura em bom rigor, uma verdadeira violação ao direito ao trabalho, consagrado no artigo 58º CRP, dado que não se impede estes trabalhadores de continuarem a trabalhar, nem de escolherem livremente onde, quando e de que forma é que vão utilizar a sua “força” de trabalho,
T- Mas, apenas, os priva de continuarem a lesar diariamente os direitos fundamentais de que é titular a Autora, ora Recorrente e, ao mesmo tempo, protege – se os ainda, mais 200 trabalhadores da Autora, ora Recorrente esses sim, merecedores da proteção conferida pela Constituição da República Portuguesa – artigo 58º.
U- Aqui chegados, dúvidas não podem ter Vossa Excelências, de que a Douta Sentença recorrida é errada, dado que no caso sub judice, mesmo que se considere que os Réus são merecedores da proteção constitucionalmente consagrada (artigos 47º, 51º e 58º, todos da CRP) – o que não se concebe, nem concede, os direitos fundamentais de que é titular a Autora, ora Recorrente sempre se revelam muitíssimo superiores aos direitos fundamentais de que seriam os Réus, ora Recorridos titulares,
V- Pelo que, a limitação do exercício de atividade laboral dos Réus, ora Recorrida na AV…, Lda., é legítima, adequada e totalmente necessária.
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6. Contra-alegaram os Réus, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, assim concluindo:
1 – A sentença proferida deverá ser mantida, por ter plasmado e concretizado solução jurídica adequada à factualidade em causa nestes autos.
2 - A solução encontrada pela sentença recorrida mostra-se absolutamente adequada, justificada e fundamentada.
3 - A sentença recorrida decidiu bem, de modo fundamentado e correto, o que diz respeito à manifesta falta de fundamentação legal da pretensão da Recorrente em ver limitada a atividade laboral dos Recorridos ao serviço da empresa “AV…, Lda.”.
4 - São infundadas e inconsequentes as alegações que a Recorrente produz a tal respeito, procurando obter uma decisão diversa, para a qual, em bom rigor, não existe fundamento válido.
5 - Bem decidiu pois a sentença recorrida ao aplicar o direito que ao caso cabe e ao julgar a ação como julgou.
6 - Sem prescindir, também sempre se dirá que o direito que a Recorrente pretende fazer valer nesta ação encontra-se prescrito.
7 - Com efeito, tratando-se de direito emergente de contrato de trabalho, encontra-se sujeito ao regime de prescrição previsto no artigo 337º, n.º 1, do Código do Trabalho, prescrevendo portanto decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
8 - À data em que a presente ação foi proposta – 8/5/2015 – já tinha decorrido mais de um ano sobre a data de cessação dos contratos de trabalho de todos os aqui Recorridos.
9 - De facto, o último contrato a cessar foi o da Recorrida AI…, o qual cessou em 28/3/2014 (documento n.º 34 junto com a petição inicial), verificando-se portanto que os eventuais direitos emergentes de tal contrato prescreveram em 28/3/2015.
10 - À data da citação dos Recorridos para a presente ação, como aliás já à data da propositura da mesma, o direito que a Recorrente pretende fazer valer na ação encontrava-se já prescrito relativamente a todos e a cada um dos Recorridos.
11 - Prescrição essa que os Recorridos expressamente invocaram na sua contestação, para todos os efeitos, e a qual também sempre constituiria fundamento para a absolvição de todos os Recorridos relativamente ao pedido contra eles formulado pela Recorrente.
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7. A Exª. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta deu o seu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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8. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - QUESTÕES A DECIDIR
Tendo em conta que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações do recorrente - artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho -, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão a decidir consiste em SABER SE A LIMITAÇÃO DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORAL DOS RÉUS NA AV…, LDA. PRETENDIDA PELA RECORRENTE, É LEGÍTIMA E TEM COBERTURA LEGAL.
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III – FUNDAMENTOS
1. Os factos a atender são os que constam no relatório que antecede.
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2. DO OBJECTO DO RECURSO
2.1. Antes de analisarmos a questão que nos foi trazida pela recorrente abordaremos uma questão que foi colocada pelos recorridos. Além de peticionarem a improcedência do recurso, alegam os recorridos que o direito que aqui recorrente pretende fazer valer através da presente acção se encontra prescrito à luz do artigo 337º, nº 1 do Código do Trabalho. Questão essa que os mesmos já tinham suscitado na sua contestação.
Por decisão referência 67471149 foi declarado prejudicado o conhecimento da aludida exceção da prescrição. Tal solução está coberta pelo artigo 608º, nº 2 do Código de Processo Civil. Os recorridos não interpuseram recurso da mesma - quer principal, quer subordinado -, nem requereram a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do nº 1 do artigo 636º do aludido diploma legal. Assim sendo, tal decisão, nessa parte, transitou em julgado (artigo 635º, nº 4 do CPC).
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2.2.1. Analisemos então a questão que nos foi trazida pela recorrente, isto é, saber se a limitação do exercício de atividade laboral dos réus na AV…, LDA. pretendida pela recorrente, é legítima e tem cobertura legal

2.2.1. Ao contrário do que foi decidido na decisão recorrida, pretende a recorrente que se julgue procedente o pedido por si formulado e em consequência seja declarada a limitação do exercício de atividade laboral dos réus, pelo período máximo de três anos, na sociedade AV…, Lda.
Na defesa da sua tese alega a recorrente que os réus violaram o dever de não concorrência a que estão obrigados e o pedido de limitação do exercício de atividade laboral dos réus na sociedade AV…, Lda. é o único meio jurídico apto à defesa dos seus interesses/direitos.
Os factos alegados pela Autora, ora Recorrente na Petição Inicial permitem, no mínimo, concluir pela existência de possível violação de direitos fundamentais desta, pelo que o Tribunal “a quo” deveria ter realizado Julgamento, a fim de ser produzida toda a prova necessária e bastante à descoberta real e efetiva da verdade material dos factos/realidade.
Admitindo, por provados, os factos alegados pela Autora, ora Recorrente na Petição Inicial, temos que, os Réus, ora Recorridos praticaram não só atos de concorrência desleal através da transferência, divulgação e utilização de segredos (comerciais, técnicos e industriais) da Autora, ora Recorrente, como também efetuaram um forte boicote ao trabalho que consistiu, não só na não produção de encomendas, mas também na produção de encomendas (peças de vestuário) com manifesto defeito, tudo isto, com o claro objetivo de prejudicar a Autora, ora Recorrente junto dos seus clientes e parceiros comerciais.
Os Réus, ora Recorridos com os atos por si praticados – concorrência desleal e boicote ao trabalho – deixaram de ser merecedores da proteção legal que lhes é conferida pela Constituição da República Portuguesa, nomeadamente, nos artigos 47º, 53º e 58º.
Caso se considerasse que, não obstante a atuação dos Réus, ora Recorridos estes continuavam a ser merecedores da proteção conferida pela Constituição da República Portuguesa aos trabalhadores, estaríamos perante uma realidade em que se estaria a acobertar uma situação de abuso de direito, nos termos do artigo 334º do Código Civil.
A limitação do exercício de atividade laboral dos Réus, ora Recorridos na sociedade AV…, Lda., não é uma pretensão ilegítima, muito menos excessiva, desproporcional e desnecessária, sendo não só necessária e imprescindível, como também esta não configura em bom rigor, uma verdadeira violação ao direito ao trabalho, consagrado no artigo 58º CRP, dado que não se impede estes trabalhadores de continuarem a trabalhar, nem de escolherem livremente onde, quando e de que forma é que vão utilizar a sua “força” de trabalho, mas, apenas, os priva de continuarem a lesar diariamente os direitos fundamentais de que é titular a Autora, ora Recorrente e, ao mesmo tempo, protege – se os ainda, mais 200 trabalhadores da Autora, ora Recorrente esses sim, merecedores da proteção conferida pela Constituição da República Portuguesa – artigo 58º.

2.2.2. Desde já adiantamos que discordamos em absoluto com a tese aqui preconizada pela recorrente, pelo que a nossa perspetiva e juízo quanto à matéria é aquela que é aduzida na sentença recorrida a qual fez uma adequada análise jurídica à situação refletida nas várias componentes que abordou.
Desenvolvamos o raciocínio:
Desconhece-se quando é que os contratos de trabalho que os aqui réus denunciaram foram celebrados com a Autora. Sabe-se, no entanto, que os mesmos cessaram entre Janeiro e Março de 2014.
De acordo com o disposto no artigo 128º, nº 1, alínea f) do Código do Trabalho (2009) o trabalhador deve guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios.
Assim, por força do contrato de trabalho, ou melhor, com a celebração do contrato de trabalho, nascem na esfera jurídica do trabalhador (o mesmo acontece com o empregador) deveres e direitos. Entre um desses deveres ressalta o dever de guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios. Significa isto que o trabalhador está proibido por lei de desenvolver qualquer atividade para outra empresa, ou por conta própria, que entre em concorrência com a desenvolvida pelo seu empregador e que de alguma forma represente ou possa representar um perigo de desvio, mesmo que potencial, de clientela.
Este dever de lealdade do trabalhador para com o empregador, que corresponde a uma obrigação acessória de conduta, nada mais é do que uma manifestação do princípio da boa-fé que deve estar presente não só no cumprimento da obrigação, mas também no exercício do direito correspondente (artigo 762º, nº 2 do CC e 126º, nº 1 do Código do Trabalho), assumindo uma especial importância nos contratos sinalagmáticos de execução duradoura onde a índole pessoal nas relações entre as partes é crucial - como é caso do contrato de trabalho. Por força de tal dever de lealdade o trabalhador tem a obrigação de proteger ou defender os interesses do empregador, bem como direcionar todos as suas forças laborais para a atividade profissional desenvolvida ao serviço deste, abstendo-se, em último caso, de competir com ele.
O dever de lealdade do trabalhador para com o empregador manifesta-se em duas vertentes: uma obrigação de não concorrência - não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele - e uma obrigação de sigilo - não divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios.

A obrigação ou dever de não concorrência verifica-se tanto nos casos em que o trabalhador desenvolve por si uma atividade concorrente com a atividade desenvolvida pelo seu empregador, como nos casos em que o trabalhador se organiza numa empresa que concorra com aquele. Ela decorre, e quanto a esse ponto não existem quaisquer dúvidas, durante a execução do contrato de trabalho. Ora, como é sabido o trabalhador pode exercer outra atividade que cumule com a atividade subordinada, desde que o faça fora do local e do horário de trabalho e, como é óbvio, que tal atividade não concorra com a do empregador e não ponha em causa o sigilo no que concerne a informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios e que as partes não tenham acordado numa cláusula de exclusividade ou num pacto de plena dedicação[1], caso em que está vedado ao trabalhador desenvolver outra atividade ou prestar o seu trabalho a terceiros.
Nas palavras de ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO[2] «[e]ste preceito tem origem mercantil», tendo tal proibição como finalidade preservar interesses do empregador e da empresa, uma vez que «a concorrência conduzida pelos trabalhadores contra os próprios empregadores implica, por si, um perigo para estes», que se pode assim traduzir:
«- a concorrência dos trabalhador pode afetar negativamente a clientela do empregador;
- a atividade suplementar dos trabalhadores, fora da empresa mas no mesmo ramo de atividade que, nesta, desenvolvam, pode diminuir a sua capacidade laboral, com quebras de produtividade;
- a coesão interna das empresas, designadamente no que respeita às relações entre os trabalhadores, pode ser posta em causa quando alguém ou alguns de entre eles representem empresas diferenciadas e concorrentes».
Assim, tal dever de não concorrência, nas palavras de MONTEIRO FERNANDES “corresponde a um comando votado à defesa do interesse económico e empresarial do empregador”[3], que tem como finalidade “salvaguardar um bem particular que é a posição ocupada pelo empresário no mercado concorrencial”, assim se evitando «que a atuação de um trabalhador por ele empregado contribua para o desvio da sua clientela atual ou potencial para outro empresário atuando no mercado”.
Segundo PEDRO ROMANO MARTINEZ[4] a “(…) proibição de concorrência justifica-se por motivos óbvios. (…) Se alguém contrata trabalhadores, não pode estar sujeito ao risco de estes entrarem em concorrência com a sua atividade. Os trabalhadores encontram-se numa situação privilegiada para entrarem em concorrência com o empregador, pois, em princípio, conhecem a clientela, muitas vezes melhor que o próprio empregador, visto que têm contacto direto com os clientes” e a violação deste dever de não concorrência “só existirá no caso de o trabalhador, a exercer uma segunda atividade, entrar em concorrência com o empregador, em particular se desviar clientela do primeiro empregador para o segundo. (…) Fundamental para admitir a violação do dever de não concorrência é a existência de um desvio de clientela, ainda que potencial, visto ser este o facto que pode causar prejuízos ao empregador”[5].

Assim sendo, enquanto perdurar o contrato de trabalho o trabalhador está vinculado a uma obrigação de não concorrência. Todavia, findo o contrato de trabalho, «o trabalhador readquire a sua plena liberdade de emprego e de trabalho e até, como qualquer cidadão, a liberdade empresarial, bem podendo, nos limites apenas da concorrência desleal, iniciar uma atividade, por conta própria ou alheia, diretamente concorrente com a do seu anterior empregador. Muito embora esta concorrência seja por vezes sentida psicologicamente quase como uma traição, a verdade é que ela é perfeitamente natural em uma economia de mercado»[6].
Terminado o contrato de trabalho é lícito que o trabalhador execute uma atividade laboral que concorra com a desenvolvida pelo seu antigo empregador, aproveitando-se da experiência, conhecimento aptidão adquiridas durante a execução do contrato de trabalho.
Não pode, assim, o anterior empregador exigir ao seu ex-trabalhador que se abstenha de desenvolver uma atividade que seja concorrente com a por si desenvolvida. Não pode, porque a cessação do contrato de trabalho determinou o fim dos deveres laborais a que o trabalhador estava adstrito durante a sua execução, inclusive os deveres acessórios de conduta[7], ou seja, como salienta LUÍS MANUEL TELES MENEZES LEITÃO[8] «o dever de não concorrência não reveste a caraterística de pós-eficácia, pelo que apenas se mantém enquanto vigora o contrato de trabalho».
Assim, o trabalhador dentro do princípio constitucional da liberdade de trabalho e emprego consagrado no artigo 47º, º 1 da CRP poderá, caso o deseje, exercer uma atividade concorrencial lícita com a do seu antigo empregador.

Coisa diferente do dever de não concorrência é o pacto de não concorrência. Enquanto o primeiro decorre da lei, vigorando na vigência do contrato de trabalho, sendo, como já dissemos, uma decorrência do dever de lealdade, sem necessidade de qualquer cláusula que o exprima, o segundo tem a sua fonte no acordo das partes que tem como objetivo a limitação da atividade do trabalhador, durante um determinado período temporal após a cessação do contrato de trabalho e que, de alguma forma, possa concorrer com a atividade desenvolvida pela entidade empregadora.
E tal dever de não concorrência também não se confunde com a proibição de concorrência desleal, no período subsequente à cessação da relação laboral, pois, como salienta JÚLIO VIEIRA GOMES[9] «esta concorrência desleal é uma concorrência ilícita vedada a qualquer um».
Findo o contrato de trabalho, vigorando o princípio da liberdade de emprego e de trabalho, a proibição de concorrência do trabalhador para com o seu ex-empregador apenas se verifica em dois cenários possíveis: o primeiro é que a atividade desenvolvida não determine uma concorrência desleal e a segunda advém da celebração de um pacto de não concorrência.
A concorrência desleal deriva dos princípios gerais de boa-fé acima aludidos e que é transversal a qualquer tipo de contrato. Assim, o comportamento do trabalhador contrário às exigências da boa-fé pode consubstanciar concorrência desleal, isto é, o trabalhador presta uma atividade que prejudica o seu ex-empregador, utilizando, para o efeito, meios irregulares do ponto de vista mercantil ou industrial, resultando, conforme salienta NOGUEIRA GUASTAVINO M[10], uma concorrência contrária ao jogo limpo e honesto no tráfico económico.
A finalidade do pacto de concorrência é proteger a liberdade de empresa e salvaguardar os interesses empresariais, nomeadamente os competitivos, sem os quais poderiam ficar em perigo, pois o trabalhador é sempre um fator potencial de risco já que o mesmo pode sempre desenvolver (dentro dos limites da boa fé contratual, assim se excluindo dessa concorrência a que deriva da deslealdade) uma atividade concorrente com a do antigo empregador, seja ela por conta própria ou por conta de outro empregador. Assim, por acordo de vontade do trabalhador e do empregador pode-se estabelecer para o período pós-laboral uma obrigação de não concorrência. Este pacto de não concorrência constitui uma restrição ou limitação à liberdade de iniciativa económica e de recrutamento do trabalhador para o bem da proteção de um interesse privado do empregador[11]. Interesse privado do empregador que tem a sua justificação na salvaguarda do Know-how empresarial, conservação de conhecimentos relativos a mercados específicos e na manutenção de clientes importantes[12].
Em suma: durante a execução do contrato de trabalho impera a obrigação de não concorrência por parte do trabalhador, como corolário do dever de lealdade deste para com o empregador. Após a cessação da relação laboral renasce a liberdade de emprego e de trabalho do trabalhador, podendo o mesmo exercer livremente qualquer atividade, mesmo que concorrente com a desenvolvida pelo seu anterior empregador. As únicas restrições a essa liberdade apenas existem no caso em que essa atividade concorrencial seja desleal ou se haja firmado um pacto de não concorrência.
O trabalhador está obrigado a manter secretos os segredos relativos à exploração do negócio do seu empresário, durante e depois da extinção do contrato de trabalho. Só em ultimo caso e perante uma justificada exigência da sua profissão habitual, poderá utiliza-los em benefício próprio.

No nosso ordenamento jurídico os chamados pactos de não concorrência post pactum finitum são proibidos porque restritivos dos princípios constitucionais da liberdade de escolha de profissão ou de género de trabalho e do direito ao trabalho[13], consagrados nos artigos 47.º n.º 1 e 58.º n.º 1 da Constituição da República[14]. Daí que o nº 1 do artigo 136º do CT refira que é «[é] nula a cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato».
Todavia, a lei permite, no nº 2 do citado normativo legal - tendo em atenção a necessidade de ponderar interesses conflituantes, como seja, por um lado, acautelar a denominada concorrência diferencial, que visa proteger o empregador de um risco específico, resultante da posição que o trabalhador ocupou na empresa, consubstanciada na salvaguarda do Know-how empresarial, conservação de conhecimentos relativos a mercados específicos e na manutenção de clientes importantes, e por outro lado, o do trabalhador exercer a sua atividade profissional -, uma limitação excecional desse exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:
a) Constar de acordo escrito, nomeadamente de contrato de trabalho ou de revogação deste;
b) Tratar‐se de atividade cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador;
c) Atribuir ao trabalhador, durante o período de limitação da atividade, uma compensação que pode ser reduzida equitativamente quando o empregador tiver realizado despesas avultadas com a sua formação profissional.
Tal limitação de atividade não pode durar mais do que dois anos e esse período temporal tem de ser subsequente à cessação do contrato de trabalho.
No caso de se estar perante um trabalhador afeto ao exercício de atividade cuja natureza suponha especial relação de confiança ou que tenha acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência, a aludida limitação pode durar até três anos – nº 5 do artigo 136º do CT.
É o chamado pacto de não concorrência que resulta numa tensão dialética entre duas liberdades constitucionais – liberdade de empresa e liberdade de trabalho - o que justifica a necessidade de sua previsão legal e o regime jurídico previsto no artigo 136º, nº 2 do CT.
Este normativo não é mais do que uma ferramenta jurídica que protege o empregador dos atos do trabalhador que ameaçam o seu lugar no mercado ou a sua posição competitiva. Isto porque o ex-trabalhador «[n]o desenvolvimento da relação laboral o trabalhador adquire uma série de conhecimentos da mais diversa natureza: desde os que diretamente se relacionam com a forma de exercício das suas funções (como os relativos à aplicação das técnicas profissionais), até aos que se prendem com a própria atividade da empresa para a qual trabalha (conhecimentos de técnicas industriais, comerciais e organizacionais, muitas das quais não constituem verdadeiros segredos cuja divulgação seja ilícita, conhecimentos sobre os mercados e forma de neles atuar eficazmente, etc.). Tais conhecimentos e informações passam a integrar aquilo que por vezes se designa como o 'património profissional' do trabalhador»[15], sendo certo que o trabalhador não está impedido de, após a cessação da relação laboral, de aproveitar-se desses conhecimentos, porque, como explica Raul Ventura[16], «não pode impor-se um dever de não utilizar a técnica adquirida ao serviço de qualquer empresa, pois a preparação profissional do trabalhador constitui a base da sua vida, que não pode ser-lhe retirada seja a que título for. Mas é também verdade que a utilização deste acervo de conhecimentos por empresas concorrentes pode ser extremamente prejudicial para o primitivo empregador - pense-se, por exemplo, nos prejuízos que lhe podem advir da utilização por um concorrente das informações relativas à sua carteira de clientes».
Assim, o empregador caso queira ou deseje que o trabalhador que cessou consigo o contrato de trabalho que os ligava, não aproveite a formação, conhecimento, experiência, e trato com a clientela que adquiriu durante a execução do mesmo contrato de trabalho, para desenvolver, em benefício próprio ou de um terceiro, uma atividade suscetível de o prejudicar na posição que ocupa no seu sector de mercado e na economia em que se move e sobrevive, ou seja, impedir o desenvolvimento duma atividade concorrencial com a por si desenvolvida, terá que celebrar com o mesmo o aludido pacto de não concorrência. Caso o não faça, o trabalhador fica livre para levar a cabo tal atividade concorrencial, desde que, como iremos à frente ver, essa atividade seja desenvolvida dentro dos parâmetros da lealdade e boa-fé.
Mas o pacto de não concorrência, como forma de conciliar os interesses contrapostos em jogo, porque limitador do princípio constitucional da liberdade de emprego (liberdade essa que se manifesta no reconhecimento de que qualquer pessoa pode procurar, escolher, obter, praticar e desempenhar qualquer atividade remunerada, profissão ou trabalho lícito), para ser lícito e, portanto, admissível, e de forma a evitar eventuais abusos, está sujeito a apertados condicionalismos e requisitos (cumulativos).
Assim:
Em primeiro lugar, existe um limite temporal, não podendo o mesmo durar eternamente ou por um longo período de tempo. O pacto não pode ter uma duração superior a dois anos ou três anos para trabalhador cuja atividade suponha uma especial relação de confiança ou que tenha acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência.
Em segundo lugar, o mesmo tem de revestir a forma escrita, nas palavras da lei «constar de acordo escrito». Acordo escrito que pode ser feito logo aquando da celebração do contrato de trabalho ou do acordo de cessação do mesmo. Mas também nada impede que o mesmo não seja celebrado durante a execução do contrato[17], desde que, como é óbvio, seja observada a forma escrita e os restantes requisitos elencados no normativo em apreço[18].
A forma (escrita) reveste a natureza de formalidade ad substanciam, desempenhando, nas palavras de JÚLIO VIEIRA GOMES[19], «uma função de proteção, não sendo apenas exigida por razões de segurança e certeza, mas para chamar a atenção do trabalhador para a gravidade do vínculo que assume», assegurando, assim, a assunção consciente da restrição e delimitadora do seu âmbito de aplicação[20].
Em terceiro lugar, a atividade limitada pelo acordo terá de ser aquela cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador. Se assim é, tem de existir por parte do empregador um interesse legítimo na celebração do pacto de não concorrência, pois o mesmo só se justifica se estiverem em causa interesses do empregador que possam justificar uma restrição a um direito fundamental do trabalhador constitucionalmente garantido.
No entanto, como salienta JÚLIO VIEIRA GOMES[21], “este prejuízo não é um qualquer prejuízo, o prejuízo causado por um qualquer concorrente, mas sim um prejuízo especial, um prejuízo causado por um concorrente diferente dos demais pelo seu especial contacto com a clientela ou acesso a informações confidenciais”, ou, como é expresso no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 256/2004, de 14/04/2004 já referenciado, «[n]ão basta o prejuízo comum de o empregador perder um seu trabalhador de qualidade para outra empresa concorrente. Há-de estar em causa o risco daquilo que a doutrina designa por “concorrência diferencial”, isto é, a especificidade da concorrência que um ex-trabalhador está em condições de realizar relativamente ao seu antigo empregador, por ter trabalhado para ele».
Por último, o empregador, mediante o acordo das partes, terá de satisfazer ao trabalhador uma compensação económica adequada, a qual pode ser reduzida equitativamente quando o empregador tiver realizado despesas avultadas com a sua formação profissional. Esta cláusula de não concorrência tem assim natureza onerosa e bilateral, visando a compensação económica, mais uma vez citando JÚLIO VIEIRA GOMES[22], «compensar o trabalhador pelo prejuízo que este poderá sofrer durante o período acordado de abstenção de concorrência», pelo que «[a] natureza necessariamente onerosa deste acordo ou pacto de não concorrência acarreta, obviamente, que não será válido o acordo em que esteja prevista uma compensação económica insignificante ou irrisória». Este autor defende ainda que quando a compensação económica for desproporcional em relação ao sacrifício exigido ao trabalhador e à redução das suas possibilidades de ganho, a cláusula de não concorrência também é nula, uma vez que a compensação económica desempenha uma função de garantia, sendo condição da licitude da restrição a liberdades constitucionalmente garantidas[23].
Esta compensação tendo por efeito a vinculação do trabalhador a uma conduta ou comportamento postcontratual reveste, na nossa opinião, natureza indemnizatória.
Além destes requisitos tem-se exigido ainda, embora a lei não lhe faça referência, que a restrição ao exercício de atividade pelo trabalhador deve ser espacial ou geograficamente delimitada[24].
A falta de algum destes pressupostos, que são cumulativos, leva à ilicitude do pacto de concorrência e à respetiva nulidade.
Por sua vez, com a celebração do pacto de concorrência, «o trabalhador não fica, em rigor, absolutamente privado do seu direito ao trabalho. A limitação voluntária ao exercício desse direito é sempre revogável (artigo 81.º, n.º 2, do Código Civil) e o incumprimento do pacto, através da celebração de contrato de trabalho com empresa concorrente do antigo empregador, não gera, em princípio, a invalidade deste contrato, mas eventualmente mera obrigação de indemnização. E se tiver sido estabelecida “cláusula penal”, que a doutrina justifica como meio de obviar à dificuldade de prova e de quantificação dos danos sofridos pelo antigo empregador (isto é, como liquidação antecipada desses prejuízos), existirá sempre a possibilidade da sua redução pelo tribunal de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva (artigo 812.º, n.º 1, do Código Civil)»[25].

Podemos concluir que durante a vigência do contrato de trabalho a proibição de concorrência por parte do trabalhador para com o seu empregador provem de um dever legal, mas a obrigação de não concorrência pós-laboral não tem essa derivação legal, resultando, antes do acordo de vontades entre o empregador e o trabalhador, que dentro da autonomia privada podem estabelecer um pacto nesse sentido. Todavia, tal pacto, porque limitativo de um dever constitucionalmente protegido – o da liberdade de emprego e de trabalho – está sujeito a determinados requisitos impostos por lei.
Por outro lado, convém esclarecer que o que se pactua é a concorrência leal - aquela que representa o “normal exercício dos conhecimentos profissionais e técnicos que passaram a integrar o património profissional do trabalhador”-, pois, a desleal é proibida – atividade que tem por base “situações ilícitas de utilização de informações reservadas” ou marcadamente confidenciais[26].

A liberdade de concorrência readquirida pelo trabalhador com a cessação da relação laboral, se não restringida através do pacto de não concorrência, está sujeita a alguns limites. Desde logo, temos os limites decorrentes da concorrência desleal (artigos 317º[27], 318º[28] e 331º[29] do Código da Propriedade Industrial), bem como da violação de segredos com proteção penal (artigos 195º[30] e 196º[31] do Código Penal), isto sem olvidarmos que parte da doutrina defende que existem certos deveres do trabalhador que não se extinguem com o fim da relação laboral, reconhecendo-se uma pós-eficácia do dever de lealdade e de boa-fé para com o empregador.
Assim, vejamos o que dizem alguns doutrinadores quanto a esta última questão:
BERNARDO LOBO XAVIER[32], refere que mesmo não existindo qualquer cláusula de não concorrência, “[…] deverá o trabalhador em nova atividade proceder de acordo com as normas de boa-fé, p. ex., não divulgando segredos de fabrico do anterior empregador, nem fazendo aproveitar por outrem documentação a que tenha tido acesso (assim, listas de clientes, suportes informáticos, etc.) em termos de prejudicar o antigo empregador”.
SOFIA SILVA E SOUSA[33] diz que «ainda que não se tenha formalizado um pacto de não concorrência, ao ex-trabalhador fica vedado praticar atos de concorrência desleal ou de violação de segredo continuando sujeito a limites que decorrem da boa-fé contratual à qual reconhecemos pós-eficácia».
Segundo JOÃO ZENHA MARTINS[34], independentemente da existência do pacto de não concorrência, “[…] o princípio da boa fé pode conduzir a uma responsabilização do trabalhador após a extinção do contrato, sempre que, em violação do dever de confiança subsequente […], venham a ser causados danos ao seu antigo empregador”.
Já MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO[35] destaca que “[c]om fundamento no princípio geral da boa fé no exercício das posições jurídicas, entende-se que alguns deveres das partes se mantêm após cessação do contrato de trabalho. Assim sucede, designadamente, quanto ao dever de sigilo e, mesmo sem necessidade de qualquer pacto, quanto ao dever geral de não concorrência do trabalhador, na pendência do contrato, […], que sobrevivem ao fim do contrato vedando ao trabalhador que faça concorrência desleal ao seu antigo empregador e que divulgue factos sigilosos de que teve conhecimento no exercício da sua atividade laboral na empresa e por causa dessa atividade. E, com o mesmo fundamento geral, é vedado ao empregador revelar factos da vida pessoal do trabalhador de que teve conhecimento por força do vínculo laboral.
Estes deveres das partes são, neste sentido, dotados da característica da pós-eficácia».
Também o acórdão da Relação de Coimbra de 05/11/2009[36], refere que «[p]ermanecerá ainda, para além da cessação da relação juslaboral (…) um dever geral de lealdade pós-eficaz, (de conteúdo indefinido, contido embora nos limites da proibição de concorrência desleal…), exigível ao nível, por exemplo, da não divulgação de segredos comerciais e industriais, ou, mais genericamente, em manifestações contrárias à boa-fé, em termos de visar prejudicar-se, mais ou menos intencionalmente, o antigo empregador, dever esse cuja violação poderá reivindicar-se algures, na fronteira, de difícil identificação, entre o ilícito penal e a responsabilidade civil…».
Importa no entanto realçar que «o facto de o legislador exigir a existência de um acordo formal e expresso entre as partes, cuja validade depende, além do mais, da verificação de “apertados” requisitos legais, parece impedir que se possa entender que os deveres que advêm do pacto de não concorrência decorrem da pós-eficácia do dever de boa-fé, já que se assim fosse o legislador não exigiria a existência de um acordo formal e expresso entre as partes. Acresce que, a atividade limitada pelo pacto de não concorrência é uma atividade cuja prossecução, na ausência de pacto, seria, em princípio, lícita por parte do ex-trabalhador, não sendo, portanto, violadora de qualquer disposição legal especial ou do princípio da boa-fé. Assim, importará sublinhar que o reconhecimento da pós-eficácia do dever de boa-fé não é apto a dispensar a formalização do pacto de não concorrência já que só este protege verdadeiramente o empregador da concorrência diferencial do ex-trabalhador».
Secundamos também JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES[37], quando refere que «[i]mporta, quanto a nós, afastar qualquer tentação de basear um dever de não concorrência numa espécie de pós-eficácia do dever de lealdade do trabalhador, a qual sobreviveria, ainda que de forma atenuada, à cessação do contrato de trabalho. Mais ainda, parece-nos que, na ausência de uma cláusula de não concorrência, o trabalhador está apenas sujeito aos limites gerais da proibição da concorrência desleal, proibição esta que abrange por igual ex-trabalhadores e todos os que nunca tiveram essa qualidade relativamente a uma certa empresa».

Explicado o regime legal voltemo-nos para o caso concreto.
Os 41 trabalhadores contra quem a aqui recorrente intentou a presente acção puseram termo ao contrato de trabalho que os unia a esta mediante denúncia do mesmo.
Pretende a recorrente que seja «ordenada a Limitação do exercício da Atividade Laboral dos Réus, pelo período máximo de três anos na empresa AV…, Lda.». Isto porque, defende, que tais trabalhadores uma vez conhecedores de todos os segredos, técnicas, produtos, estratégias, saber – fazer, clientes e preços utilizados pela Autora no exercício da sua atividade laboral, e possuindo competência para os colocar em prática, estão obrigados a um dever de não concorrência. Dever esse que não cumpriram já que concertadamente atuaram com o propósito de colocar em prática os conhecimentos adquiridos em proveito de outra empresa e, assim, eliminar a recorrente, tendo, assim, violado todos os deveres/princípios a que estavam obrigados, em virtude do vínculo laboral existente com a Autora, tendo a sua atuação lesado de forma séria e grave a mesma.
Daqui resulta que a recorrente parece defender que após a cessação da relação laboral permanece um dever geral de lealdade pós-eficaz, já que, segundo afirma, os seus ex-trabalhadores aproveitando-se dos conhecimentos adquiridos, enquanto ao seu serviço, aplicam-nos ao serviço de um empresa concorrente, com o objetivo de a eliminar e, assim, lhe causar prejuízo. E, com base nesses fundamentos, pretende a limitação temporal - pelo período máximo de três anos - na empresa AV…, Lda.
O que a recorrente realmente pretende é que de forma unilateral, com o beneplácito do Tribunal, aqueles 41 seus ex-trabalhadores sejam limitados no exercício da sua atividade profissional. Defende que, em nome do direito à iniciativa económica privada (artigo 61º, nº1 CRP) e o do direito à liberdade de iniciativa e de organização empresarial (artigo 80º, alínea c) CRP) e porque a atuação dos 41 ex-trabalhadores consubstanciada na prática de concorrência desleal e boicote ao trabalho, prejudica gravemente a recorrente, levando-a à eliminação, tais trabalhadores deixaram de merecer a proteção legal que lhes é conferida pela Constituição da República Portuguesa, nomeadamente, nos artigos 47º, 53º e 58º.

Mas, como já dissemos, salvo o devido respeito não lhe assiste razão.
Como já tivemos oportunidade de nos pronunciar sobre a questão, o trabalhador após a cessação da relação laboral passa a ter plena liberdade de emprego e de trabalho, podendo iniciar por conta própria ou por conta de um terceiro uma atividade mesmo que concorrencial com a desenvolvida pela sua ex-entidade empregadora. Os limites são apenas os derivados da concorrência desleal.
E nesse novo desempenho da sua atividade concorrencial o trabalhador pode utilizar a experiência, o conhecimento e aptidão adquiridos durante a execução do contrato de trabalho. O trabalhador dentro do princípio constitucional da liberdade de trabalho e emprego consagrado no artigo 47º, º 1 da CRP poderá, caso o deseje, exercer uma atividade concorrencial lícita com a do seu antigo empregador.
Como dissemos, findo o contrato de trabalho, vigorando o princípio da liberdade de emprego e de trabalho, a proibição de concorrência do trabalhador para com o seu ex-empregador apenas se verifica em dois cenários possíveis: o primeiro é que a atividade desenvolvida não determine uma concorrência desleal e a segunda advém da celebração de um pacto de não concorrência.
Ora, no caso em apreço, não foi formalizado qualquer pacto de não concorrência. Se assim é, a aqui recorrente não pode, em nome da salvaguarda do Know-how empresarial, da conservação de conhecimentos relativos a mercados específicos e da manutenção de clientes importantes, pretender limitar que os seus ex-trabalhadores desenvolvam uma atividade concorrencial noutra empresa - a chamada concorrência diferencial (ou seja, a concorrência leal, cuja representa o “normal exercício dos conhecimentos profissionais e técnicos que passaram a integrar o património profissional do trabalhador”). Para esse efeito deveria ter-se precavido atempadamente.
Assim, durante a vigência do contrato de trabalho a proibição de concorrência por parte do trabalhador para com o seu empregador provem de um dever legal, mas a obrigação de não concorrência pós-laboral não tem essa derivação legal, resultando, antes do acordo de vontades entre o empregador e o trabalhador, que dentro da autonomia privada podem estabelecer um pacto nesse sentido.
Assim, repetindo-nos mais uma vez, diremos que durante a vigência do contrato de trabalho a proibição de concorrência por parte do trabalhador para com o seu empregador provem de um dever legal, mas a obrigação de não concorrência pós-laboral não tem essa derivação legal, resultando, antes do acordo de vontades entre o empregador e o trabalhador, que dentro da autonomia privada podem estabelecer um pacto nesse sentido.
No que se refere à concorrência desleal, que a aqui recorrente diz estar em jogo, a mesma, a verificar-se, está protegida legalmente (artigos 317º, 318º e 331º do Código da Propriedade Industrial), o mesmo acontecendo com a violação de segredos (artigos 195º e 196º do Código Penal).

Mas mesmo que se defenda que, na ausência da celebração de um pacto de não concorrência, após a cessação do contrato de trabalho existe uma pós-eficácia do dever de lealdade e de boa-fé para com o empregador - vedando ao trabalhador que faça concorrência desleal ao seu antigo empregador e que divulgue factos sigilosos de que teve conhecimento no exercício da sua atividade laboral na empresa e por causa dessa atividade – a verdade, é que esta (pós eficácia) não é apta a dispensar a formalização do pacto de não concorrência já que apenas este protege o empregador da concorrência diferencial do ex-trabalhador, uma vez que na ausência daquele pacto de não concorrência, nas palavras de Júlio Vieira Gomes acima exaradas, «o trabalhador está apenas sujeito aos limites gerais da proibição da concorrência desleal, proibição esta que abrange por igual ex-trabalhadores e todos os que nunca tiveram essa qualidade relativamente a uma certa empresa».
Assim sendo, não pode a aqui recorrente pretender limitar a atividade concorrencial diferencial dos seus ex-trabalhadores na ausência de qualquer pacto de não concorrência. Se a liberdade de trabalho e de emprego tem proteção constitucional e apenas pode ser limitada desde que se verifiquem os requisitos exarados no artigo 136º do Código do Trabalho, seria totalmente desproporcional, desadequado e sem qualquer sustentáculo legal, proceder a uma limitação do exercício da atividade dos réus, mesmo que apenas circunscrito a uma empresa determinada, fora do âmbito daquele normativo legal.
O artigo 136º, nº 1 do CT, como já vimos, refere que é nula a cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato. No caso, nem sequer estamos perante qualquer cláusula exarada em contrato de trabalho, nem a mesma deriva de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, mas sim de uma imposição unilateral por parte da antiga empregadora que se vê ou diz prejudicada com a atuação dos seus ex-trabalhadores.
Por outro lado, a acatar-se o pedido da recorrente, contornar-se-ia a exigência de forma escrita exigida para a celebração do pacto de não concorrência e tratar-se-iam da mesma maneira no que se refere à limitação temporal todos os trabalhadores, independentemente e alguns deles poderem estar afetos a uma atividade cuja natureza suponha especial relação de confiança ou que tenha acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência. Mas, ainda mais importante, limitar-se-ia a atividade dos trabalhadores, sem que durante o período de limitação da atividade lhes fosse atribuída uma compensação. Ora, isso constituiria uma manifesta e gravosa sanção, além de desadequada e desproporcional, que levaria os trabalhadores à miséria e a não auferirem qualquer rendimento que lhes facultasse uma vivência no mínimo digna. Além de serem inibidos de trabalhar, não seriam recompensados por essa inibição. Isso seria inaceitável.
Mesmo que os aqui 41 réus exerçam uma atividade de concorrência desleal para com a recorrente, os mesmos também exercem uma atividade de concorrência diferencial. E mesmo que fosse possível limitar o exercício da atividade de concorrência pelo período temporal peticionado pela recorrente, o mesmo teria de repercutir-se não só na concorrência desleal, mas também na diferencial. Ora, isso seria uma limitação insustentável e proibitiva, já que poria em causa o exercício de um direito constitucional, comos seja o de liberdade de emprego e de trabalho.
Quer a concorrência desleal, quer a concorrência diferencial podem causar prejuízos na recorrente, mas para os evitar a lei permite excecionalmente, quanto à segunda, a celebração de pactos de não concorrência. E porque a proibição da concorrência desleal abrange não só os ex-trabalhadores da empresa que se sente defraudada, como qualquer outra pessoa, inclusive, a empresa que se aproveita dessa mesma concorrência desleal, a sua prática levará à responsabilidade penal e civil dos prevaricadores. Significa isto que sentindo-se a recorrente prejudicada com a concorrência desleal levada a cabo pelos seus ex-trabalhadores e pela empresa para quem eles trabalham, terá a mesma de lançar mão dos mecanismos legais que a lei prevê para a sua tutela (v.g. artigo 484º do Código Civil). E esses meios legais não passam pela limitação do exercício da atividade desenvolvida pelos seus ex-trabalhadores na empresa concorrente, uma vez que a limitação do exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato de trabalho é excecional e convencional, estando ainda sujeita à observância de rigorosos requisitos.
E mal se compreende que a recorrente traga à colação para o êxito da sua pretensão aquilo a que apelida de «boicote ao trabalho» e que consistiu, nas suas palavras, «não só na não produção de encomendas, mas também na produção de encomendas (peças de vestuário) com manifesto defeito, tudo isto, com o claro objetivo de prejudicar a Autora, ora Recorrente junto dos seus clientes e parceiros comerciais». Se este boicote ao trabalho aconteceu, então o mesmo teve lugar durante a execução dos contratos de trabalhos, pelo que a sua violação levaria à instauração, na devida altura, de um processo disciplinar aos trabalhadores prevaricadores e a um pedido de indemnização pelos danos causados. Não pode é o mesmo servir para fundamentar uma limitação ao exercício da liberdade de emprego e de trabalho dos trabalhadores (prevaricadores) após a cessação dos respetivos contratos de trabalho e ao serviço de uma outra empresa, mesmo que concorrente com a aqui recorrente.

E o exercício da atividade desenvolvida pelos ex-trabalhadores da recorrente também não constitui abuso de direito (artigo 334º do Código Civil). Isto porque, o direito à concorrência leal é um direito derivado da liberdade de emprego e de trabalho e que apenas pode ser limitado mediante a existência de um pacto de não concorrência dentro de estritos requisitos, e a concorrência desleal não constitui qualquer direito, nem sequer tem proteção legal. Portanto, a verificar-se, a primeira é perfeitamente lícita, a segunda, a verificar-se, não pode ser abusiva porque, sendo ilegal, não tem proteção, ou seja, a concorrência desleal não é um direito. E não sendo um direito não pode existir na sua prática um abuso de direito. Por outro lado, não pode haver abuso de direito na atitude do trabalhador que rescinde um contrato de trabalho para celebrar um outro com uma empresa concorrente da sua ex-empregadora, procurando ter melhores condições, sejam elas salariais ou outras e que desenvolve essa sua atividade aproveitando-se dos conhecimentos adquiridos anteriormente durante a execução do contrato de trabalho. Se, ao invés de se aproveitar desses conhecimentos, pratica atos de concorrência desleal ou viola segredos que não poderia divulgar, então não estamos perante o exercício de um direito, mas de uma ilegalidade punida criminalmente.

E sendo assim, não podendo haver limitação da atividade desenvolvida pelos réus na sociedade AV…, Lda. é perfeitamente desnecessário apurar se efetivamente os réus praticaram atos de concorrência desleal através da transferência, divulgação e utilização de segredos (comerciais, técnicos e industriais) da recorrente e se também efetuaram um forte boicote ao trabalho. Mesmo provados estes factos em nada modificariam a solução dada a esta ação. Diferente seria se estivéssemos perante um pedido de indemnização civil pelos danos e prejuízos causados.

Improcede, assim, o recurso.
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3. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
As custas do recurso ficam a cargo da recorrente [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].
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IV - DECISÃO
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em:
a) – Julgar improcedente o recurso interposto pela Autora, e, em consequência manter a sentença recorrida.
b) – Condenar a recorrente no pagamento das custas do recurso [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].
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Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663º, nº 7 do CPC.
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(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 131º nº 5 do Código de Processo Civil).

Porto, 16 de Dezembro de 2015
António José Ramos
Jorge Loureiro
Jerónimo Freitas
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[1] JOÃO LEAL AMADO na sua obra CONTRATO DE TRABALHO À luz do Novo Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2009, p. 375, refere que se trata «de um pacto que se perfila como um plus face ao dever de não concorrência (dado que esta apenas proíbe o exercício de atividade concorrente), o qual, não encontrando guarida no CT e analisando-se numa séria limitação da liberdade de trabalho, não pode deixar de suscitar muitas cautelas quanto aos termos da sua admissibilidade».
[2] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Concorrência laboral e justa causa de despedimento, ROA, Ano 46-Vol. II – Set. 1986, pp. 502 a 504.
[3] ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, in Direito do Trabalho, Almedina, 15ª Edição, p.250.
[4] PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 2010, 5.ª Edição, p.534.
[5] PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob. cit., pp. 536/537.
[6] JÚLIO VIEIRA GOMES, Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos de não concorrência em Direito do Trabalho, Revista do Ministério Público 127:Julho: Setembro 2011, p. 78.
[7] Mais à frente veremos que doutrinadores existem que defendem a eficácia pós contrato do dever de lealdade.
[8] LUÍS MANUEL TELES MENEZES LEITÃO, Direito do Trabalho, 2ª Edição, Almedina, pág. 294.
[9] JÚLIO VIEIRA GOMES, Algumas novas questões sobre as cláusulas ou pactos de não concorrência em Direito do Trabalho, Revista do Ministério Público 127:Julho: Setembro 2011, p. 78
[10] NOGUEIRA GUASTAVINO M., “La prohibición de competencia desleal en el contrato de trabajo”, consultável em:
https://books.google.pt/books?id=syI2XQAfC7cC&pg=PA448&lpg=PA448&dq=NOGUEIRA+GUASTAVINO+M.+%E2%80%9CLa+prohibici%C3%B3n+de+competencia+desleal+en+el+contrato+de+trabajo&source=bl&ots=QLXr5AuINH&sig=JGVb8kMRPAgBYZIkxmyEUGwalac&hl=pt-T&sa=X&ved=0CEsQ6AEwB2oVChMIie7Hx9aKyQIVBzgaCh0OcQHT#v=onepage&q=NOGUEIRA%20GUASTAVINO%20M.%20%E2%80%9CLa%20prohibici%C3%B3n%20de%20competencia%20desleal%20en%20el%20contrato%20de%20trabajo&f=false
[11] Cf. NOGUEIRA GUASTAVINO M. “La prohibición de competencia desleal en el contrato de trabajo” Ed. Aranzadi, Pamplona, 1997,p.76., apud DIANA MAYERLI DÍAZ PLATA in Prohibiciones a la competencia del trabajador, p. 13., consultável in http://eprints.ucm.es/28100/1/T35654.pdf.
[12] Cf. ENRICO GHIROTTI, Il patto di non concorrenza nei contratti commerciali, Giuffrè, Milano, págs. 157:158, apud Júlio Vieira Gomes, obra cit, nota 10, pág. 79.
[13] Bem como da própria liberdade de iniciativa económica privada, consagrada no artigo 68º, nº 1 da Constituição da República.
[14] A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem estatui no nº 1 do seu artigo 23º que «[t]oda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego.».
[15] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 256/2004, de 14/04/2004, in
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040256.html.
[16] RAÚL VENTURA, “Extinção das relações jurídicas de trabalho”, Revista da Ordem dos Advogados, 1950, n.ºs 1 e 2, pág. 358.
[17] A alínea a) do nº 2 do artigo 136º do CT ao usar o advérbio «nomeadamente» está a permitir que o mesmo acordo escrito posa ser celebrado sem ser nas duas hipóteses que coloca.
[18] Neste sentido MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, DIREITO DO TRABALHO, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 3ª Edição, 2009, pág. 1033.
[19] Júlio Vieira Gomes, obra cit, pág. 85.
[20] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 256/2004, de 14/04/2004, no local acima referenciado.
[21] JÚLIO VIEIRA GOMES, obra cit. Pág. 80.
[22] Júlio Vieira Gomes, obra cit, pág. 85.
[23] Júlio Vieira Gomes, obra cit, pág. 87.
[24] Vide, por exemplo, JÚLIO VIEIRA GOMES – As cláusulas de não concorrência…, p. 24-25, anotação de JOANA VASCONCELOS – Código do Trabalho anotado, Org. PEDRO ROMANO MARTINEZ, Almedina, Coimbra, 2009, p. 375; Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-03-2006, Processo n.º 863/2006-4, de 14-01-2009, Processo n.º 9374/2008-4, de 10-12-2009, Processo n.º 376-06.6TTSNT.L1-4 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-12-2009, Processo n.º 09S0625.
[25] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 256/2004, de 14/04/2004, no local acima referenciado.
JÚLIO VIEIRA GOMES, obra cit, pág. 85.
[26] DIOGO GONÇALO ESCADA PEREIRA, O PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA NO CONTRATO DE TRABALHO – ALGUNS ASPECTOS, pág. 24, consultável in:
https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/28444/1/O%20pacto%20de%20nao%20concorrencia%20no%20Direito%20do%20Trabalho.pdf.
[27] Este normativo, sob a epígrafe «concorrência desleal», dispõe, assim:
“1 — Constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica, nomeadamente:
a) Os atos suscetíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue;
b) As falsas afirmações feitas no exercício de uma atividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes;
c) As invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios;
d) As falsas indicações de crédito ou reputação próprios, respeitantes ao capital ou situação financeira da empresa ou estabelecimento, à natureza ou âmbito das suas atividades e negócios e à qualidade ou quantidade da clientela;
e) As falsas descrições ou indicações sobre a natureza, qualidade ou utilidade dos produtos ou serviços, bem como as falsas indicações de proveniência, de localidade, região ou território, de fábrica, oficina, propriedade ou estabelecimento, seja qual for o modo adotado;
f) A supressão, ocultação ou alteração, por parte do vendedor ou de qualquer intermediário, da denominação de origem ou indicação geográfica dos produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda e que não tenham sofrido modificação no seu acondicionamento.
2 — São aplicáveis, com as necessárias adaptações, as medidas previstas no artigo 338º-I.”
[28] Sob a epigrafe «Proteção de informações não divulgadas», estatui este normativo que:
“Nos termos do artigo anterior, constitui ato ilícito, nomeadamente, a divulgação, a aquisição ou a utilização de segredos de negócios de um concorrente, sem o consentimento do mesmo, desde que essas informações:
a) Sejam secretas, no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão;
b) Tenham valor comercial pelo facto de serem secretas;
c) Tenham sido objeto de diligências consideráveis, atendendo às circunstâncias, por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as manter secretas.”
[29] Este artigo estatui a punição pela prática de atos de concorrência desleal.
[30] Sob a epígrafe «Violação de segredo» este preceito dispõe que «Quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias».
[31] Este artigo que tem a epigrafe «Aproveitamento indevido de segredo» reza que «Quem, sem consentimento, se aproveitar de segredo relativo à atividade comercial, industrial, profissional ou artística alheia, de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte, e provocar deste modo prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias».
[32] BERNARDO LOBO XAVIER, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, pág. 824.
[33] SOFIA SILVA E SOUSA, OBRIGAÇÃO DE NÃO CONCORRÊNCIA COM EFEITOS POST CONTRACTUM FINITUM, pág. 22, consultável em
https://mail.google.com/mail/u/0/#inbox/150e4945edb0617b?projector=1
[34] JOÃO ZENHA MARTINS, Os pactos de não Os pactos de não concorrência no Código do trabalho, in RDES, Ano XLVII (XX da 2ª Série) – ns. 3 e 4, Julho-Dezembro 2006, pág. 308, apud SOFIA SILVA E SOUSA, obra cit. pág. 23.
[35] MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 1036/1037.
[36] Processo nº 129/08.7TTAGD.C1, www.dgsi.pt.
[37] JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, As cláusulas de não concorrência no direito do trabalho - Algumas questões, in RDES, Ano XXXX (XIII da 2ª Série) - nº 1, Janeiro-Março 1999, pp. 12-13, apud SOFIA SILVA E SOUSA, obra cit. pág. 24.
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SUMÁRIO – a que alude o artigo 663º, nº 7 do CPC.
1. Durante a execução do contrato de trabalho impera a obrigação de não concorrência por parte do trabalhador, como corolário do dever de lealdade deste para com o empregador. Após a cessação da relação laboral renasce a liberdade de emprego e de trabalho do trabalhador, podendo o mesmo exercer livremente qualquer atividade, mesmo que concorrente com a desenvolvida pelo seu anterior empregador. As únicas restrições a essa liberdade apenas existem no caso em que essa atividade concorrencial seja desleal ou se haja firmado um pacto de não concorrência.
2. A liberdade de concorrência readquirida pelo trabalhador com a cessação da relação laboral, se não restringida através do pacto de não concorrência, está sujeita a alguns limites. Desde logo, temos os limites decorrentes da concorrência desleal (artigos 317º, 318º e 331º do Código da Propriedade Industrial), bem como da violação de segredos com proteção penal (artigos 195º e 196º do Código Penal), isto sem olvidarmos que parte da doutrina defende que existem certos deveres do trabalhador que não se extinguem com o fim da relação laboral, reconhecendo-se uma pós-eficácia do dever de lealdade e de boa-fé para com o empregador.
3. Mas mesmo que se defenda que, na ausência da celebração de um pacto de não concorrência, após a cessação do contrato de trabalho existe uma pós-eficácia do dever de lealdade e de boa-fé para com o empregador - vedando ao trabalhador que faça concorrência desleal ao seu antigo empregador e que divulgue factos sigilosos de que teve conhecimento no exercício da sua atividade laboral na empresa e por causa dessa atividade – a verdade, é que esta (pós eficácia) não é apta a dispensar a formalização do pacto de não concorrência já que apenas este protege o empregador da concorrência diferencial do ex-trabalhador, uma vez que na ausência daquele pacto de não concorrência, nas palavras de Júlio Vieira Gomes acima exaradas, «o trabalhador está apenas sujeito aos limites gerais da proibição da concorrência desleal, proibição esta que abrange por igual ex-trabalhadores e todos os que nunca tiveram essa qualidade relativamente a uma certa empresa».
4. Tendo 41 dos seus trabalhadores denunciado o respetivo contrato de trabalho que os ligava á recorrente e ido trabalhar para uma empresa concorrente, não pode aquela pretender limitar a atividade concorrencial diferencial dos seus ex-trabalhadores na ausência de qualquer pacto de não concorrência. Se a liberdade de trabalho e de emprego tem proteção constitucional e apenas pode ser limitada desde que se verifiquem os requisitos exarados no artigo 136º do Código do Trabalho, seria totalmente desproporcional, desadequado e sem qualquer sustentáculo legal, proceder a uma limitação do exercício da atividade dos réus, mesmo que apenas circunscrito a uma empresa determinada, fora do âmbito daquele normativo legal.
5. O exercício da atividade desenvolvida pelos ex-trabalhadores da recorrente também não constitui abuso de direito (artigo 334º do Código Civil). Isto porque, o direito à concorrência leal é um direito derivado da liberdade de emprego e de trabalho e que apenas pode ser limitado mediante a existência de um pacto de não concorrência dentro de estritos requisitos, e a concorrência desleal não constitui qualquer direito, nem sequer tem proteção legal. Portanto, a verificar-se, a primeira é perfeitamente lícita, a segunda, a verificar-se, não pode ser abusiva porque, sendo ilegal, não tem proteção, ou seja, a concorrência desleal não é um direito. E não sendo um direito não pode existir na sua prática um abuso de direito. Por outro lado, não pode haver abuso de direito na atitude do trabalhador que rescinde um contrato de trabalho para celebrar um outro com uma empresa concorrente da sua ex-empregadora, procurando ter melhores condições, sejam elas salariais ou outras e que desenvolve essa sua atividade aproveitando-se dos conhecimentos adquiridos anteriormente durante a execução do contrato de trabalho. Se, ao invés de se aproveitar desses conhecimentos, pratica atos de concorrência desleal ou viola segredos que não poderia divulgar, então não estamos perante o exercício de um direito, mas de uma ilegalidade punida criminalmente.

António José Ramos