Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
646/2001.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: RP20100906646/2001.P1
Data do Acordão: 09/06/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO SOCIAL.
Área Temática: .
Sumário: O Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio, não é aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos antes da entrada em vigor deste último diploma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 646/2001.P1
Relator: M. Fernanda Soares - 838
Adjuntos: Dr. Ferreira da Costa - 1260
Dr. Fernandes Isidoro - 1023

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I

Nos autos de acidente de trabalho a correr termos no Tribunal de Trabalho de Barcelos, em que é Autor B………. e Rés Companhia de Seguros C……., S.A. e D……. Lda., por sentença datada de 13.6.2006, e transitada em julgado, foi a Ré D………. Lda., condenada a pagar ao Autor a) a pensão anual e vitalícia de € 5.427,44, actualizável, devida desde 18.6.2002, acrescida dos juros de mora à taxa legal a contar do respectivo vencimento e até efectivo pagamento; b) a quantia de € 15.344,37 a título de prestações por ITA e € 789,55 a título de prestações por ITP, acrescidas dos juros à taxa legal desde a data do vencimento, o qual ocorreu no termo de cada período de 15 dias após o acidente e até à data da alta e a partir desta data sobre o montante global que a esse título nessa data se mantinha em dívida e até integral pagamento, deduzindo-se os montantes comprovadamente já pagos. Subsidiariamente, foi a Ré Seguradora condenada a pagar ao Autor a) a pensão anual e vitalícia de € 1.222.50, devida desde 18.6.2002, obrigatoriamente remível, acrescida do juros de mora à taxa legal a contar do respectivo vencimento e até efectivo pagamento; b) a quantia de € 3.456,23 a título de prestações por ITA e € 214,52 a título de prestações por ITP, acrescidas dos juros à taxa legal desde a data do vencimento, o qual ocorreu no termo de cada período de 15 dias após o acidente e até à data da alta e a partir desta data sobre o montante global que a esse título nessa data se mantinha em dívida e até integral pagamento, deduzindo-se os montantes comprovadamente pagos.
Por despacho datado de 15.12.2009 o Fundo de Acidentes de Trabalho foi notificado para proceder ao pagamento da pensão anual e vitalícia de € 4.204,94, da quantia de € 11.888,14 a título de indemnização por ITA e da quantia de € 575,03 a título de indemnização por ITP, ou seja, na diferença entre a pensão e indemnizações devidas pela entidade patronal (agravada) e a devida pela seguradora (a título subsidiário).
O Fundo de Acidentes de trabalho veio recorrer concluindo nos seguintes termos:
1. Nos termos do nº5 do art.1º do DL 142/99 de 30.4, com as alterações introduzidas pelo DL 185/07 de 10.5, o FAT apenas responde pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa.
2. Assim, em situações de agravamento de pensões, o FAT apenas responde pelo pagamento das prestações normais.
3. O FAT não será responsável pelo pagamento da quota-parte correspondente ao agravamento das prestações atribuídas ao sinistrado.
4. Com as alterações introduzidas pelo DL 185/2007, pretendeu o legislador regular “ex novo” o conteúdo da responsabilidade do FAT. Ora, dispondo tais normas directamente sobre o conteúdo das situações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, são as mesmas de aplicação imediata, nos termos do artigo 12º nº2 do C. Civil.
5. É o caso do DL 142/99 de 30.4 que, ao regular quer o âmbito quer o modo de intervenção do FAT, dispõe directamente sobre o conteúdo de relações jurídicas já existentes, abstraindo do facto que lhe deu origem.
6. Na verdade, o que determina a intervenção do FAT é a verificação pelo Tribunal, num momento posterior ao acidente de trabalho, dos factos em que assentam os pressupostos referidos quer no artigo 39ºnº1 da Lei 100/97 de 13.9 quer no artigo 1º nº1 al. a) do DL 142/99 de 30.4.
7. A actualidade das prestações que o FAT satisfaz, afere-se pela verificação judicial da existência cumulativa dos pressupostos e requisitos legais, legitimadores da sua intervenção, A sua responsabilidade apenas se constitui com a decisão que aprecia os pressupostos para a sua intervenção e o condena no pagamento de certa prestação.
8. Assim, sendo a decisão que ordenou ao FAT o pagamento da pensão devida ao sinistrado posterior à entrada em vigor do DL 185/2007 deverá ser susceptível de aplicação à situação dos autos o disposto no artigo 1º nº5 do DL 142/99.
9. Nestes termos, não se encontrando, no caso concreto, a responsabilidade pelo pagamento das prestações normais integralmente transferida para a Companhia de Seguros, o FAT apenas é responsável pelo pagamento das prestações na quota-parte correspondente à diferença entre o salário auferido pelo sinistrado e o transferido para a Seguradora, calculadas de acordo com o disposto no artigo 17º da Lei 100/97 de 13.9.
O Autor contra alegou pugnando pela manutenção do despacho recorrido e concluindo do seguinte modo:
1. O acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado ocorreu em 22.2.2001.
2. O sinistrado auferia um salário anual de € 17.876,94 (€ 399,04x14+€ 39,90x22x14), muito embora a responsabilidade transferida para a seguradora tinha como limite o salário anual de € 5.752,39 (€ 349,16x14+€ 78,56x11).
3. Levando em linha de conta o princípio geral estabelecido no artigo 12º nº1, 1ªparte do C. Civil e não se vislumbrando que o legislador tenha pretendido atribuir-lhe eficácia retroactiva ao DL 185/2007 de 10.5, só deverá aplicar-se apenas aos factos novos, ou seja, aos acidentes ocorridos posteriormente à sua entrada em vigor (Maio de 2007) e não ao acidente dos autos.
Foi proferido despacho, a sustentar o despacho recorrido.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir.
* * *
II
Para além do que consta no parágrafo anterior importa ainda referir a seguinte matéria:
O acidente que vitimou o sinistrado ocorreu no dia 22.2.2001.
* * *
III
Questão a apreciar.
Da responsabilidade do Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) pelo pagamento da quota-parte correspondente ao agravamento das pensões.
No despacho recorrido fez-se aplicação do disposto no DL 142/99 de 30.4 mas na redacção anterior à dada pelo DL 185/2007 de 10.5.
O recorrente considera que a partir de 11.5.2007, e por força do disposto no art.1º nº5 do DL 142/99 de 30.4 (com a redacção dada pelo DL 185/2007 de 10.5), não responde pelas pensões “agravadas”. Que dizer?
Nos termos do disposto no nº5 do art.1º do DL 142/99 de 30.4 – na redacção dada pelo DL 185/2007 -, “verificando-se alguma das situações referidas no nº1 do art.295º, e sem prejuízo do nº3 do art.303º, todos da Lei 99/2003 de 27.8, o FAT responde apenas pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa” (as remissões efectuadas para os artigos do C. do Trabalho consideram-se feitas para a Lei 100/97 de 13.9 nos termos constantes do art.4º do DL 185/2007).
Tal significa que se anteriormente o FAT respondia pelo pagamento das pensões agravadas, assim já não é a partir de 11.5.2007. E será de aplicar as novas alterações ao caso em análise?
Sobre tal questão já o STJ se pronunciou por mais de uma vez, conforme sumário dos acórdãos que aqui se deixam transcritos:
Acórdão do STJ de 25.6.2008 publicado na C.J., acórdãos do STJ, ano 2008. tomo II, página 289 e seguintes: “ O DL nº185/2007, de 10 de Maio, com o propósito de alterar o regime jurídico do Fundo dos Acidentes de Trabalho, criado pelo nº142/99, de 30 de Abril, aditou, ao art.º1º deste último diploma, um inciso com o nº5,de acordo com o qual «o FAT responde apenas pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa». Porém, não contendo a nova lei qualquer disposição de que resulte a sua aplicação retroactiva, nem decorrendo da análise dos temos em que o legislador se expressou o intuito de regular directamente situações jurídicas constituídas antes da sua entrada em vigor, não pode o novo regime ser observado no cão em pareço, dado o acidente em causa ter ocorrido em Fevereiro de 2001”.
Acórdão do STJ de 17.6.2010 publicado em www.dgsi.pt (processo 675/2001.P1.S1): “ 1.No domínio da vigência do art.º1º do DL nº142/99, de 30 de Abril, na sua redacção original, era entendimento pacífico que o FAT assumia a responsabilidade pelo pagamento das prestações agravadas ou, havendo responsabilidade subsidiária de uma seguradora – circunscrita às prestações fundadas na denominada responsabilidade objectiva – pelo respectivo diferencial. 2.A nova redacção conferida ao art.º1ºnº5 do DL nº142/99, de 30 de Abril, introduzida pelo DL nº185/2007, de 10 de Maio, veio afastar a responsabilidade do FAT pelo pagamento das denominadas «pensões agravadas». 3.Todavia, intui-se do modo como o legislador se exprimiu que a norma que, na lei nova, limita a responsabilidade do FAT, não tem natureza de lei interpretativa, ao mesmo tempo que não tem por objecto regular directamente situações jurídicas constituídas antes da sua entrada em vigor, ou seja, situações emergentes de acidentes de trabalho anteriormente ocorridos. 4. Por isso, em caso de acidente de trabalho ocorrido em data anterior à da entrada em vigor do DL nº185/2007, de 30 de Maio, e verificada a situação de impossibilidade de a entidade primitivamente responsável pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho proceder ao pagamento das prestações agravadas, mantém-se a obrigação do FAT de assegurar este pagamento ou o seu diferencial, caso haja responsável subsidiário”.
Igualmente o Tribunal Constitucional tomou posição sobre tal questão no acórdão nº260/2010 e cuja decisão foi a seguinte: “ julgar inconstitucional, por violação do princípio da confiança ínsito ao Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2º da Constituição, a norma dos artigos 2º (quando introduz um novo nº5 ao artigo 1º do Decreto-Lei nº142/99 de 30 de Abril) e 5º, nº1 (na parte em que determina a aplicação do novo regime a acidentes de trabalho ocorridos em data anterior), ambos do Decreto-Lei nº185/2007 de 10 de Maio”.
Em suma: é entendimento unânime que o DL 142/99 (na redacção dada pelo DL 185/2007) não é aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos antes da entrada em vigor deste último diploma, como é o caso em análise.
Só para finalizar se dirá que sobre tal questão já a relatora e os adjuntos se pronunciaram no processo 66/2002.P1 (e anteriormente a relatora e o 1ºadjunto no processo 6937/07), mas em sentido diverso do aqui exposto, sendo certo que após nova ponderação da questão se chegou à conclusão que a posição agora defendida é aquela que melhor se harmoniza com o disposto no artigo 12º do C. Civil e com o princípio da confiança consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.
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Termos em que se nega provimento ao agravo e se confirma o despacho recorrido.
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Sem custas.
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Porto, 6.9.2010
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro