Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
491/15.5YLPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
RECUSA DO REQUERIMENTO INICIAL
LEGITIMIDADE DA RECUSA
Nº do Documento: RP20150708491/15.5YLPRT.P1
Data do Acordão: 07/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Recebidos em juízo os autos de procedimento especial de despejo, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoarem os requerimentos respectivos, caso entenda que dos autos não resulta informação exacta ou suficiente para poder apreciar a questão.
II – Todavia, não pode lançar mão da possibilidade de recusa do requerimento, que é exclusiva da fase administrativa, junto do Balcão Nacional do Arrendamento, como decorre do artº 15º-C da Lei nº6/2006, na redacção da Lei nº 31/2012 de 12/8).
III – A entender-se que sempre poderia recusar a petição por falta de causa de pedir, seria de interpretar restritivamente a norma referente ao conhecimento de nulidades, do artº 15º-H nº3 Lei nº6/2006, quando tal conduzisse à renovação ou repetição da competência da entidade administrativa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Rec. 491/15.5YLPRT.P1.
Relator – Vieira e Cunha.
Adjuntos – Des. Maria Eiró e
Des. João Proença Costa.
Decisão recorrida de 16/4/2015.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Súmula do Processo
Recurso de apelação interposto na acção com procedimento especial de despejo nº491/15.5YLPRT, da Instância Local Cível da Comarca do Porto.
Apelantes/Requerentes – B… e marido C….
Requerida – D….

Os Requerentes intentaram procedimento especial de despejo junto do Balcão Nacional do Arrendamento.
Juntaram “contrato promessa de arrendamento não habitacional com prazo certo” e a “comunicação de resolução do arrendamento, nos termos do nº2 do artº 1084º, com fundamento expresso no nº4 do artº 1083º CCiv (constituição do arrendatário em mora superior a oito dias no pagamento da renda, por mais de quatro vezes) e ainda com fundamento em incumprimento contratual, nos termos do nº1 do artº 1083º CCiv.
A Requerida arrendatária deduziu oposição.
Recebidos os autos em juízo, foi proferido o seguinte despacho:
“Compulsados os autos, verifico que o requerimento de despejo não observa o disposto no art. 15-B, nº2, al. g), da Lei 6/2006, de 27/02, alterada pela Lei nº 31/2012, de 14/08.”
“Explicando.”
“No formulário apresentado, os AA., para além da seguinte menção “resolução pelo senhorio (Nos termos do nº 4, do Art. 1083 do Código Civil)” nada mais indicam, não indicam o fundamento de despejo, não fundamentam, nem formulam o pedido, não discriminam os valores em causa, as datas do incumprimento ou da mora.”
“Em síntese, os demandantes não alegam quaisquer factos suscetíveis de concretizar a causa de pedir e o pedido.”
“Assim, ao abrigo do disposto nos arts. 15-B, nº 2, al. g), e 15º-C, nº 1, al. b), da citada lei 6/2006, recuso o requerimento inicial.”

Conclusões do Recurso de Apelação:
A. A douta Sentença supra transcrita não cumpre o disposto no artº607, nº2 do C.Proc. Civil, mostrando-se omissa quanto à identificação das partes e objecto do litigio, irregularidade que que desde já se invoca.
B. Os Recorrentes lançaram mão do Procedimento Especial de Despejo para efectivarem o seu direito à resolução do contrato de arrendamento não habitacional, com prazo certo, invocando para tanto o fundamento previsto no nº4 do artº 1083 do Código Civil (constituição do arrendatário em mora superior a oito dias no pagamento da renda, por mais de 4 vezes seguidas ou interpoladas no espaço de 12 meses).
C. Para tanto, através de advogado constituído, utilizaram modelo próprio obrigatório (artº 15-B nº1 e 5), formulário electrónico disponibilizado via portal Citius em www.citius.mj.pt.
D. Deram cumprimento integral às exigências ditadas no nº2 do referido Artº 15-B e mostrando-se ainda verificados os requisitos aplicáveis e constantes do nº 1do artº 15º-C.
E. Foi, por isso, o requerimento aceite pelo BNA que expediu consequente notificação à Arrendatária/Requerida.
F. Levado à distribuição após dedução de Oposição, veio o Tribunal “a quo” a recusar, por sentença, o requerimento inicial de Despejo.
G. Alegou para tanto a inobservância do disposto nos Artºs 15-B al. g) e 15-C, nº1 al. B) ambos da NRAU.
H. Explicando que o formulário apresentado pelos recorrentes não indicava fundamento de despejo, não fundamentava nem formulava o pedido, nem discriminava os valores em causa, as datas do incumprimentos ou da mora.
I. Salvo o devido respeito, tal decisão fez errada interpretação e enquadramento das normas aplicáveis, já que não levou em conta a especificidade e limitações do requerimento próprio, disponibilizado pré-formatado por via electrónica.
J. Se consultado o modelo no site supra referido, verificar-se-á que o mesmo é composto de 11 páginas em PDF e está pré-formatado, com dizeres impressos em todos os campos, formulário esse que apenas permite o respectivo preenchimento por campo.
K. Os requerentes puderam apenas assinalar as suas indicações, em espaços pré-delimitados para o efeito e que são pequenos círculos ou rectângulos.
L. Não disponibilizando o formulário qualquer espaço para explicitação dos fundamentos do despejo.
M. A explicação factual subsume-se, assim, ao conteúdo que consta da comunicação prevista no nº2 do Artº 1084º do Código Civil, que é prévia ao PED, o qual foi devidamente junto com o requerimento inicial.
N. Ademais, A R. apresentou oposição, manifestando dessa forma que considerou o requerimento seu pedido e fundamento suficientemente inteligível.
O. Até porque, não poderia ser exigível ao Recorrentes a apresentação e instrução do Procedimento Especial de Despejo em moldes diferentes daqueles que apresentou!
P. Já que não está na sua disponibilidade ou razões de ciência a apresentação de forma ou conteúdo fora do modelo disponibilizado e aprovado pela Portaria n.º9/2013, de 10-01.
Q. Por outro lado, os artº 15-B e Artº15-C, definindo a apresentação, forma e conteúdo do requerimento de despejo e as situações possíveis da sua recusa liminar, visam regular a actuação do BNA na fase “extrajudicial” (ante-distribuição), reforçando este entendimento a prerrogativa concedida pelo nº2 daquele Artº15-C (apresentação de novo requerimento em 10 dias).
R. Só eventualmente se concebe a sua aplicação pelo Tribunal se conjugadas e no âmbito das competências emanadas pelo nº3 do Artº 15-H.
S. O que, com os fundamentos invocados pelo Tribunal “a quo” dificilmente poderá ocorrer, dadas as especificidades do formulário electrónico, que não deixa finalizar a entrega do requerimento pelos meios electrónicos, se os campos de preenchimento obrigatório não se encontrarem todos assinalados.
T. Por outro lado, sempre se poderá dizer ainda que, o Tribunal a quo poderia ter lançado mão da faculdade prevista no nº2 do artº 15-H, convidando os Requerentes a aperfeiçoar a sua peça processual, ao invés de ter recusado liminarmente o requerimento.
U. Com o devido respeito pela douta decisão aqui em crise, o caminho a seguir deveria ter sido esse, baseando ainda esta nossa convicção no disposto nos nºs 3 e 4 do artº 590 do C.Proc. Civil, em harmonia com o principio de gestão processual.
V. Impunha-se assim, um outro caminho a seguir pelo Tribunal “a quo”, no prosseguimento dos autos e não na recusa liminar do requerimento inicial de despejo, com a qual não se podem os aqui Recorrentes conformar, porquanto não estava ou está na sua disponibilidade ou ciência acrescentar seja o que mais for ao requerimento que apresentaram.
W. Ao decidir como decidiu fez errada interpretação e enquadramento dos já referidos artºs 15º- B al. g) e 15º- C al. b) e assim como não teve em conta o disposto no nº1 e 5 do Artº 15-B, e artº 2º e artº 4º da Portaria 9 de 2013 de 10/01.

Factos Apurados
Encontram-se provados os factos relativos à tramitação processual, supra elencados no relatório.

Fundamentos
A pretensão do Apelante resume-se ao questionar da correcção substancial do despacho que recusou o requerimento inicial de despejo, formulado com base no regime do procedimento especial, incidentalmente conhecendo da irregularidade do mesmo, por aplicação do disposto no artº 607º nº2 CPCiv.
Vejamos de seguida.

Como é sabido, o procedimento especial de despejo possui, antes de uma fase propriamente dita executiva, duas fases distintas, uma delas necessária, a outra eventual: a primeira, de natureza administrativa, processa-se junto do Balcão Nacional do Arrendamento (BNA, previsto no artº 15º-A Lei nº6/2006 de 27/2, na redacção da Lei nº 31/2012 de 14/8); a segunda, eventual, é uma fase judicial que ocorre após a dedução de oposição pelo arrendatário requerido (se a referida oposição ocorrer) e a remessa do processo, pelo BNA, ao tribunal competente– artº 15º-H nº1 nº2 Lei nº6/2006 de 27/2, na redacção da Lei nº 31/2012 de 14/8.
Nos termos do artº 15º-H nº2 Lei nº6/2006 de 27/2, na redacção da Lei nº 31/2012 de 14/8, “recebidos os autos em juízo, o juiz pode convidar as partes para, no prazo de 5 dias, aperfeiçoarem as peças processuais ou, no prazo de 10 dias, apresentarem novo articulado, sempre que seja necessário garantir o contraditório”.
Ou seja: “caso o juiz entenda que dos autos não resulta informação exacta ou suficiente para poder apreciar a questão, pode convidar as partes a aperfeiçoarem as peças processuais no prazo de 5 dias ou a apresentarem novo articulado, no prazo de 10 dias, tendo em vista a garantia do contraditório” (assim, Profª Mª Olinda Garcia, Arrendamento Urbano Anotado, 3ª ed., pg. 213).
O que não pode o juiz é lançar mão da possibilidade de recusa do requerimento, que, essa, é exclusiva da fase administrativa, junto do BNA, como decorre do artº 15º-C do diploma que seguimos.
Em suma, uma melhor caracterização dos factos essenciais principais cabia apenas ser concretizada através de um despacho judicial de aperfeiçoamento.
Pode dizer-se porém que o juiz pode conhecer também de nulidades prévias ao conhecimento de mérito (artºs 15º-H nº3 Lei nº6/2006), e entre elas figura a ineptidão do requerimento inicial por falta de causa de pedir – 186º nº2 al.a) CPCiv.
Só que não faz sentido renovar judicialmente a possibilidade de indeferimento pela qual já se passou na fase administrativa, isto é, pelos mesmos exactos fundamentos que já foram sindicados na fase administrativa – cf. artº 15º-C nº1 al.b): “o requerimento pode ser recusado se não indicar os fundamentos do despejo”.
Como se lê no disposto no artº 15º nº2 al.e) Lei nº6/2006, podem servir de base ao procedimento especial de despejo, “em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista na al.c) do artº 1101º ou no nº1 do artº 1103º CCiv”.
Portanto, recusar a petição, no caso do procedimento especial de despejo, por falta de causa de pedir (sendo que o pedido é necessariamente o despejo imediato do locado – artº 15º nº1 Lei nº6/2006) é renovar o fundamento da apreciação administrativa susceptível de recusa de requerimento, pelo que se deve concluir que é de interpretar restritivamente a norma referente ao conhecimento de nulidades, do artº 15º-H nº3 Lei nº6/2006, quando tal conduza à renovação ou repetição de competências e conhecimentos próprios da fase administrativa, sendo que o disposto no nº2 do artº 15º-H Lei nº6/2006 inculca precisamente que a posição do juiz perante um requerimento “insuficiente” apenas pode ser o aperfeiçoamento desse mesmo requerimento.
Por fim, pese embora o despacho recorrido ter posto fim à causa (artº 152º nº2 CPCiv), ele não possui as características de uma sentença proferida após produção de prova, com vista ao julgamento de mérito, pelo que se lhe não aplicavam as exigências formais do disposto no artº 607º nº2 CPCiv.

Para resumir a fundamentação:
I – Recebidos em juízo os autos de procedimento especial de despejo, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoarem os requerimentos respectivos, caso entenda que dos autos não resulta informação exacta ou suficiente para poder apreciar a questão.
II – Todavia, não pode lançar mão da possibilidade de recusa do requerimento, que é exclusiva da fase administrativa, junto do Balcão Nacional do Arrendamento, como decorre do artº 15º-C da Lei nº6/2006, na redacção da Lei nº 31/2012 de 12/8).
III – A entender-se que sempre poderia recusar a petição por falta de causa de pedir, seria de interpretar restritivamente a norma referente ao conhecimento de nulidades, do artº 15º-H nº3 Lei nº6/2006, quando tal conduzisse à renovação ou repetição da competência da entidade administrativa.

Dispositivo (artº 202º nº1 CRP):
Na procedência do recurso de apelação interposto pelos Requerentes, revogar o douto despacho recorrido e, em consequência, determinar o ulterior processamento dos autos
Sem custas.

Porto, 08/VII/2015
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença