Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11257/15.2T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FREITAS VIEIRA
Descritores: DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RP2017061411257/15.2T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 06/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 99, FLS.85-99)
Área Temática: .
Sumário: I - Por força do disposto no artº 91º do CIRE ao dispor, no seu nº 1, o vencimento das obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva, opera-se de forma automática, independentemente de qualquer interpelação.
II - Mas implicando a perda do benefício do prazo estabelecido a favor do devedor, também neste caso tem aplicação a limitação que decorre do disposto no artº 782º do C. Civil pelo que, muito embora por força da declaração de insolvência do devedor, se tenha operado o imediato vencimento de todas as suas obrigações, não se segue daí que o credor possa imediatamente, sem mais, demandar o fiador do devedor declarado insolvente
III - A regra prevista no artº 782º do C. Civil pode ser afastada por convenção das partes, não relevando, no entanto, para tal a convenção de renúncia a excussão prévia.
IV - Não sendo também suficiente para esse efeito o afirmar-se que o fiador se constitui principal pagador de todas as obrigações emergentes para o “Mutuário” do contrato.
V - Não se mostrando ter sido afastado o principio expresso no referido artigo 782º do C. Civil e opondo os embargantes fiadores que o cumprimento não lhes por isso é exigível, deve em todo o caso reconhecer-se a relevância de que se reveste a citação para a execução, conducente à exigibilidade imediata de todas as prestações em dívida e devidas até final do prazo dos referidos contratos, ainda que se refletindo no montante dos juros moratórios que serão devidos desde a citação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO N.º 11257/15.2T8PRT-A.P1
Relator: Desembargador Freitas Vieira
1º Adjunto: Desembargador Madeira Pinto
2º Adjunto: Desembargador Carlos Portela

ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

B… e C…, deduzem embargos de executado por apenso à execução que lhes move o BANCO D…, S.A.
Como fundamento alegam:
- Que a exequente não fez prova de ter interpelado os ora recorrentes, enquanto fiadores nos contratos dados à execução, a comunicar o vencimento das dívidas das quais eram fiadores, pelo que, nos termos do art. 782.º do Código Civil (doravante CC), a perda do benefício do prazo não lhes será aplicável, não sendo como tal a dívida exigível no que concerne aos embargantes.
- Que pese embora nos termos do art. 14.º n.º 1 do DL 227/2012, de 25 de outubro recaia sobre a instituição bancária a obrigação de integrar o cliente bancário no PERSI, a Exequente em momento algum interpelou os Embargantes ao abrigo deste procedimento, pelo que o recurso à via judicial, sem permitir a integração dos embargantes em PERSI, violaria o disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 18.º do DL 227/2012, de 25 de outubro.

Admitidos liminarmente os embargos, veio a embargada contestar impugnando motivadamente o alegado pelos embargantes, sustentando nomeadamente:
- Que os fiadores foram informados do vencimento das obrigações emergentes dos contratos aqui em causa – por força da Insolvência dos mutuários - como os próprios Embargantes reconhecem na 1ª parte do artigo 2º dos embargos – e da sua imediata exigibilidade, bem como foram interpelados para o cumprimento dessas mesmas obrigações.
- Que em qualquer caso ficou clausulado nos aludidos contratos que a falta de pagamento de uma prestação, na data do respetivo vencimento, implicaria o imediato vencimento de todas as restantes, sem necessidade de qualquer ato ulterior, designadamente sem necessidade de qualquer interpelação.
- Que no que concerne aos fiadores a integração no PERSI só seria obrigatória se os próprios embargantes/fiadores a tivessem requerido (artigo 21º, nº 2 do DL) o que não fizeram.
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Tendo os autos prosseguido para julgamento foi proferida sentença na qual foi no essencial acolhido o entendimento dos embargantes, no sentido de que a perda de beneficio do prazo decorrente do disposto no artº 781º do C. Civil, não é extensiva aos fiadores por força do estatuído no artigo 782.º do Código Civil, acrescentando-se que no caso dos contratos dados à execução a aplicação deste princípio não foi afastada pelas partes, que se limitaram a renunciar ao benefício da excussão prévia.
E que, mesmo a considerar-se que acordaram no afastamento do disposto no referido artigo 782º do Código Civil, sempre o fiador teria que ser interpelado para pôr termo à mora, entendendo que a citação para a execução não tem a virtualidade substitutiva de tal interpelação prévia.
Por último considerou que houve, por parte da instituição de crédito exequente, omissão da informação ao fiador de que este podia solicitar a sua integração no PERSI, bem como sobre as condições para o seu exercício.
Com estes fundamentos concluiu pela procedência da oposição à execução mediante embargos, e determinou a extinção da execução.
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Inconformado recorre a exequente, sustentando as seguintes CONCLUSÕES:
1. O presente recurso vem interposto da sentença que julga procedentes os Embargos de Executado e, consequentemente, determina a extinção da execução, sendo que, pelos motivos que se passam a expor, não pode o Recorrente concordar com o decidido, pelo que interpõe o presente e competente Recurso.
2. O Recorrente apresentou à execução dois contratos de mútuo com hipoteca e fiança, nos quais os Executados se constituíram fiadores, renunciando ao benefício da excussão prévia, tornando-se, por esta via, responsáveis solidários pelos valores em dívida emergentes dos referidos contratos.
3. No caso dos autos, além de a dívida resultante do contrato de mútuo em causa ser uma dívida comercial, sendo os obrigados sempre, por tal facto, solidariamente responsáveis, os fiadores, aqui Recorridos, renunciaram ao benefício da excussão prévia e constituíram-se fiadores e principais pagadores.
4. Os mutuários foram declarados insolventes, pelo que, nos termos do artigo 91º do CIRE venceram-se imediatamente todas as suas dívidas, incluindo a dos autos, razão pela qual, o Recorrente se viu obrigado – legitimamente – a executar os fiadores.
5. Conforme cartas juntas aos autos, os fiadores foram, pela primeira vez em 16 de janeiro de 2015, por carta, em que o Recorrente informava da situação de incumprimento dos mutuários e da comunicação dessa situação de incumprimento
à Central de Responsabilidades de Crédito, sendo este um procedimento automático do Banco, desencadeado sempre que se verifique qualquer situação de incumprimento, ainda que se trata do incumprimento de apenas uma prestação (mesmo que esta possa vir a ser regularizada com brevidade).
6. Alguns meses mais tarde, os Recorridos foram notificados, por carta do vencimento da totalidade dos empréstimos por força da declaração de insolvência dos mutuários e da sua exigibilidade imediata, bem como interpelados para o pagamento dos valores em dívida – também estas cartas, registadas com aviso de receção, foram juntas aos autos aquando da contestação à oposição.
7. Considerou o Tribunal que, por não ter sido junto o aviso de receção das cartas de interpelação, não estaria provado que os Fiadores tivessem sido interpelados.
8. Contudo, o envio das cartas de interpelação é um procedimento corrente e automático, não sendo possível que estas cartas e não tenham sido enviadas.
9. Para isto concorre o facto de, relativamente a um terceiro contrato de mútuo com hipoteca, também em incumprimento e, entretanto, cumulado à presente execução em 20 de julho de 2016, as mesmas cartas de interpelação terem sido remetidas pelo Banco (conforme aquilo que é, reitera-se, procedimento corrente e automático) e rececionadas pelos Recorridos, estando o aviso de receção, assinado por um deles.
10. Assim, tendo esta última carta sido remetida para a mesma morada das primeiras, sempre se comprova que os Fiadores se encontram a rececionar a correspondência naquela morada, pelo que razão não há razão para que não tenham rececionado as primeiras.
11. Em todo o caso, sempre se dirá que, nos termos do artigo 805º, n.º 2, alínea c), considera-se que há mora do devedor, independentemente de interpelação, se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado na data em que normalmente o seria, pelo que, se as cartas foram dirigidas para o domicílio dos Recorridos que constava das bases de dados do Banco Recorrente e se os próprios fiadores não as quiseram receber, têm de haver-se por interpelados. É a chamada interpelação ficta.
12. Contudo, e ainda que se entenda que não houve interpelação, sempre se dirá que, nos termos do clausulado contratual, se estipulou que a falta de pagamento de uma prestação na data do respetivo vencimento, implicaria o imediato vencimento de todas as restantes, sem necessidade de qualquer ato ulterior, designadamente, sem necessidade de qualquer interpelação, tendo sido, igualmente, acordado o afastamento do regime do artigo 782º do Código Civil, relativamente a todos os contraentes, incluindo os fiadores.
13. Nos termos das cláusulas do contrato as partes acordaram, livremente, que o “(…) o não pagamento de uma prestação do empréstimo na data do seu vencimento confere desde logo à “IC” [instituição de crédito] o direito de considerar vencidas todas as outras, independentemente de qualquer prazo contratualmente fixado, pôr termo ao contrato e exigir o integral reembolso daquilo que lhe for devido por força do mesmo, promovendo a sua imediata execução judicial”.
14. Por outro lado, por força do ponto três da mesma cláusula, o Banco exequente tem “(...) o direito de pôr termo ao contrato e exigir o integral reembolso daquilo que lhe for devido por força do mesmo, se o «Mutuário» deixar de cumprir qualquer outra obrigação contratual, ou se se verificar qualquer das situações previstas no artigo 780º do Código Civil, designadamente se o «Mutuário» se tornar insolvente ou se, por causa que lhe seja imputável, diminuírem as garantias do crédito ora concedido”.
15. Acresce ainda que, na última cláusula do contrato, a Cláusula Décima Nova, se estabeleceu que os fiadores “aceitam este contrato, com todas as condições que precedem e a cujo inteiro cumprimento ficam obrigados”.
16. Logo, as partes quiseram estipular o vencimento automático e imediato das prestações vincendas, por força do incumprimento que, no caso concreto, resultou da declaração de insolvência dos mutuários, nos termos do artigo 91º do CIRE.
17. Do artigo 91º do CIRE resulta o vencimento imediato (automático) de todas as obrigações do Insolvente, assim como à luz dos contratos vistos como um todo, donde resulta a ideia clara que qualquer situação de incumprimento dos mutuários provoca o vencimento automático e imediato de todas as prestações vincendas – portanto, sem necessidade de qualquer interpelação ou ato ulterior.
18. O tribunal ignorou, simplesmente, as cláusulas contratuais, as quais não significam outra coisa que não seja a dispensa de interpelação relativamente a todos os contraentes, incluindo os fiadores.
19. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-06-2013, Proc. 5366/094T2AGD-A.C1, in www.dgsi.pt, onde se lê: “III – Ainda que, face ao disposto no art. 781º do C.C., se deva considerar que o imediato vencimento de todas as prestações e a constituição em mora relativamente às mesmas, pressupõe a prévia interpelação do devedor para cumprir a prestação nesses termos (na sua totalidade), nada obsta a que as partes, ao abrigo da liberdade contratual que a lei lhes faculta, regulem a situação em termos diversos, dispensando a realização de tal interpelação. IV – Assim determinando-se no contrato que o incumprimento de qualquer prestação ou obrigação determina, de forma automática, o vencimento de todo o empréstimo, mais se determinando que, com esse incumprimento, se considera em mora a globalidade do crédito, parece seguro afirmar que as partes outorgantes dispensaram a realização de qualquer interpelação como condição do vencimento da totalidade do crédito e da respetiva constituição em mora” (sublinhado nosso).
20. É certo que o artigo 782º do Código Civil prevê a exclusão do fiador do âmbito das consequências da perda do benefício do prazo nos casos previstos nos artigos 780º e 781º do mesmo diploma; contudo, esta norma tem carácter supletivo.
21. Das Cláusula Décima Sétima e Décima Nona do contrato se depreende claramente que as partes pretenderam afastar a regra do artigo 782º, relativamente aos fiadores.
22. Neste sentido, veja-se a decisão da Relação do Porto, em acórdão de 10 de Dezembro de 2012 (disponível em www.dgsi.pt), acerca da questão da não aplicação da perda do benefício do prazo aos fiadores, que tudo “(…) depende das convenções que hajam sido firmadas no contrato em causa; já que, como vem sendo correntemente reconhecido, a disposição é supletiva e, por conseguinte, removível por convénio que as partes assumam (artigo 405º, nº 1); e dessa maneira, se as cláusulas da abertura de crédito o evidenciarem, ter-se-á por excluída a perda do benefício do prazo (…). A cláusula primordial nesta matéria é aquela segundo a qual os garantes se responsabilizaram solidariamente com a mutuária, como seus fiadores e principais pagadores, pelo pagamento de tudo quanto fosse devido à apelada em consequência do contrato de abertura de crédito, até certo montante; dando ainda o seu acordo a todas e quaisquer modificações de prazo ou moratórias que viessem a ser convencionadas entre a apelada e a empresa mutuária”.
23. Veja-se ainda a decisão da Relação de Lisboa em acórdão de 12 de abril de 2002: “2 - O artigo 782º do Código Civil é de natureza supletiva, pelo que a convenção entre o mutuante e o fiador no sentido de este lhe garantir, em termos de fiança solidária, o cumprimento de todas as obrigações do mutuário decorrentes do contrato de mútuo significa a renúncia tácita do fiador ao direito de não perder a garantia do prazo” (sublinhado nosso).
24. Atendendo aos termos dos contratos de mútuo celebrados entre as partes, especificamente, atendendo à cláusula Décima Nona que prevê que o fiador se responsabiliza solidariamente por todas as quantias devidas pelo devedor principal e que “aceitam este contrato, com todas as condições que precedem e a cujo inteiro cumprimento ficam obrigados” e à cláusula Décima Sexta que, como vimos, prevê o vencimento da dívida independentemente de prazos e, atendendo, ainda, ao espírito dos contratos celebrados, conclui-se que as partes quiseram afastar a aplicação da norma supletiva do artigo 782º do Código Civil, em relação a todos os obrigados, designadamente em relação aos fiadores.
25. Estamos, assim, perante uma renúncia ao benefício do prazo que deriva não só das mencionadas cláusulas como ainda do contexto negocial em que estas se inserem.
26. No caso, a dívida venceu-se por força da insolvência dos mutuários, nos termos do artigo 91º do CIRE.
27. A declaração de insolvência sempre determinaria, como efeito automático e sem necessidade de qualquer interpelação, o vencimento das restantes prestações em dívida.
28. E, assim sendo, a falta de interpelação dos fiadores não é argumento para a procedência dos embargos.
29. Sem prescindir do acima referido, mesmo que se entendesse que a interpelação, sendo necessária, não teria sido feita da forma adequada, sempre se dirá que a citação para a presente execução constitui uma interpelação judicial, uma vez que a interpelação, judicial ou extrajudicial, do devedor ou dos fiadores pelo credor releva apenas para efeitos de contagem dos juros moratórios.
30. Caso se entenda que os Recorridos apenas foram interpelados aquando da sua citação para a execução, nos termos do artigo 805º, nº 1, do Código Civil, os juros moratórios e o imposto de selo sobre os mesmos contar-se-ão, quanto às prestações vencidas até à citação, sobre cada uma delas e a partir das respetivas datas de vencimento; quanto às restantes, desde a data da citação dos executados.
31. Nas palavras do sumário do Acórdão da Relação de Coimbra, de 27 de maio de 2015 (Relator: LUÍS CRAVO, in www.dgsi.pt), “1. Nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime consagrado no art. 781º, do C. Civil, o não pagamento de uma delas não importa a exigibilidade imediata de todas, cabendo ao credor interpelar o devedor para proceder ao pagamento da totalidade da dívida. 2. Isto porque face ao disposto nesse dito art. 781º do C. Civil, deve-se considerar que o imediato vencimento de todas as prestações e a constituição em mora relativamente às mesmas, pressupõe a prévia interpelação do devedor para cumprir a prestação nesses termos (na sua totalidade). 3. Mas nada obsta a que as partes, ao abrigo da liberdade contratual, regulem a situação em termos diversos, dispensando a realização de tal interpelação. 4. Sem embargo, nunca ocorreria a inexigibilidade da obrigação exequenda, na medida em que no âmbito da execução instaurada teve lugar a citação dos executados, o que sempre consubstancia a interpelação conducente à exigibilidade imediata da totalidade da dívida” (sublinhado nosso).
32. No mesmo sentido, veja-se o acórdão da Relação de Coimbra de 12 de novembro de 2013 (Relator: ALBERTINA PEDROSO, in www.dgsi.pt), onde se considerou também que, se o credor não logrou demonstrar a interpelação extrajudicial, tal interpelação considera-se efetuada no momento da citação dos executados, com as inerentes consequências quanto à exigibilidade dos juros de mora relativamente às prestações vencidas, os quais apenas serão devidos após a citação.
33. Na sentença recorrida refere-se, singelamente, que “[se recusa] à citação dos executados a virtualidade substitutiva de tal interpelação [extrajudicial] prévia, por essa singela razão de não lhes permitir obstar a tais consequências, não automáticas da mora do devedor”.
34. Sucede que esta afirmação parte de um raciocínio errado (assim como errado é o acórdão que é citado a propósito deste argumento vertido na sentença): é a que o vencimento da dívida, no caso concreto deu-se automaticamente por força da insolvência dos mutuários.
35. Pelo que a interpelação, fosse ela extrajudicial ou judicial, seria sempre para pagar todas as prestações vencidas integral, imediata e automaticamente por força da insolvência.
36. O tribunal fundou a sua convicção com base num segundo argumento, embora não tenha sequer esboçado uma fundamentação consistente, dizendo apenas que a integração em PERSI é obrigatória, que houve violação de normas de carácter imperativo, pelo que tal configuraria uma “exceção dilatória atípica ou inominada, por falta de pressuposto antecedente da instauração da acção”, sendo que esta fundamentação olvida que a declaração de insolvência dos mutuários, em qualquer caso, faria sempre extinguir o PERSI se este se tivesse iniciado.
37. Conforme se prevê no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 227/2017, de 25 de outubro” atualmente define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito da qual as instituições de crédito devem aferir a natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado (…)”.
38. Ora, como ficou patente, o que despoletou a presente execução, movida pelo Recorrente contra os fiadores, foi a insolvência dos mutuários, logo, não estamos em presença nem de uma situação de incumprimento pontual nem de uma situação de incumprimento duradouro, mas antes uma situação de incumprimento definitivo, uma vez que, por força da insolvência se venceu, automaticamente, a totalidade da dívida.
39. O próprio regime do PERSI prevê, no seu artigo 17º, n.º 1, al. d), que a insolvência do cliente bancário determina a extinção do PERSI (veja-se o artigo 3º, alínea a) a respeito da definição de cliente bancário).
40. Ainda que se possa objetar que o PERSI aplicável ao fiador é um procedimento autónomo do PERSI do mutuário, sempre se dirá que este artigo 17º, n.º 1, al. d) tem aplicação ao PERSI do fiador por força do estabelecido no artigo 21º, n.º 4.
41. Ora, uma vez que a insolvência do mutuário extingue o PERSI, e esta insolvência ocorreu, no caso concreto, antes do início do PERSI, não faz sentido informar o fiador da possibilidade de ser integrado no procedimento quando essa possibilidade, na realidade, não existiria, de qualquer modo, por força da insolvência.
42. Assim, mal andou o Tribunal Recorrido ao decidir a extinção da execução com base em falta de pressuposto para instauração da acção quando tal pressuposto não poderia sequer ser exigido no caso concreto.
Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo ser revogada a sentença que pôs fim à execução, determinando-se a prossecução da mesma, com o que se fará inteira e sã, JUSTIÇA
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Objeto do recurso:
I - Declaração da insolvência dos devedores e consequente vencimento dos créditos sem necessidade de interpelação.
II- Existência, nos contratos dados à execução, de convenção contratual a dispensar a necessidade de interpelação – Cláusula Décima Sexta e Cláusula Décima Sétima – que foram expressamente aceites pelos fiadores – Cláusula Décima Nona - com o consequente afastamento do princípio estatuído no artº 782º do C. Civil.
III- Interpelação dos fiadores efetuada por carta remetida a 16 de janeiro de 2015, ou a assim não se entender, por aplicação do disposto artigo 805º, n.º 2, alínea c), do C. Civil.
IV - E que em qualquer caso sempre haveria de considerar-se a interpelação operada pela citação para a execução, ainda que neste caso com repercussão nos juros moratórios devidos;
V- Da inexistência da violação das normas que impõem o PERSI
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A factualidade a considerar é a que foi tida como assente na sentença recorrida, e que é a seguinte:
1. Foi dada à execução a cópia de acordo intitulado de “contrato nº…………… hipoteca e fiança”, outorgada em 29 de setembro de 2006, por meio da qual, o Banco D… S.A., declarou emprestar a E… e Mulher F…, a importância de €33.668,86, de que se confessaram devedores.
2. Foi dada à execução a cópia de acordo intitulado de “contrato nº…………. com hipoteca e fiança”, outorgada em 25 de setembro de 2008, por meio da qual, o Banco D… S.A., declarou emprestar a E… e Mulher F…, a importância de €20.000,00, de que se confessaram devedores.
3. Por B… e C… declararam, nos escritos referidos em 1. e 2., «Que aceitam este contrato com todas as condições que precedem e cujo inteiro cumprimento ficam obrigadas, sendo que o fiador com renúncia ao beneficio da excussão prévia, constitui-se fiador e principal pagador de todas as obrigações emergentes para o mutuário do presente contrato.»
4. Sob a cláusula décima sétima de ambos os acordos referidos em 1. a 3. consta que «o não pagamento de uma prestação do empréstimo na data do seu vencimento confere desde logo à “IC” o direito de considerar vencidas todas as outras independemente de qualquer prazo contratual fixado, pôr termo ao contrato e exigir o reembolso integral daquilo que lhe for devido por força do mesmo, promovendo a sua imediata execução. Assiste ainda ao “IC” o direto de pôr termo ao contrato e exigir o integral reembolso daquilo que lhe for devido por força do mesmo m se o mutuário deixar de cumprir qualquer outra obrigação contratual, ou se se verificar qualquer das situações previstas no artº 780º do Código Civil, designadamente se o mutuário se tornar insolvente ou se, por causa que lhe seja imputável, diminuírem, as garantias do contrato concedido.
5. Os mutuários E… e F… foram declarados insolventes por sentença proferida em 24 de março de 2015 no Proc. 964/15.T8STS – Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso – Instância Central – 1ª secção de Comércio – J2.
6. A 10.11.2008 foi celebrado aditamento ao primeiro contrato, pelo qual o prazo do contrato passou a ser de 480 meses, contados desde 29.09.2006.
7. A 25.09.2012 foi celebrado novo aditamento ao primeiro contrato, pelo qual foi concedido aos mutuários um período de carência de capital de 24 meses e o capital em divida passou a vencer juros à taxa Euribor a seis meses, acrescida de um spread de 4%.
8. A 25.09.2012 foi celebrado aditamento ao segundo contrato, pelo qual foi concedido aos mutuários um período de carência de capital de 24 meses e o capital em divida passou a vencer juros à taxa Euribor a seis meses, acrescida de um spread de 4%, bem como o contrato passou a ser de 463 meses.
9. Foi emitida a carta e datada de 09 de Abril de 2015 e enviada para a Rua …, nº .., …, …. - … Vila Nova de Gaia o exequente declara aos executados que relativamente ao contrato de empréstimo nº…………… datado de 29 de Setembro de 2006 o mesmo, por força da declaração de insolvência dos mutuários venceram-se as obrigações emergentes do contrato de empréstimo as quais são imediatamente exigíveis, pelo que os mesmos deveriam proceder à regularização das responsabilidades vencidas do mencionado contrato que na data ascendiam a €33.518,48.
10. Foi emitida a carta de fls. datada de 09 de Abril de para a Rua … nº.., …. - … Vila Nova de Gaia em que o exequente declara aos executados que relativamente ao contrato de empréstimo nº………….. datado de 25 de Setembro de 2008 o mesmo, por força da declaração de insolvência dos mutuários venceram-se as obrigações emergentes do contrato de empréstimo as quais são imediatamente exigíveis, pelo que os mesmos deveriam proceder à regularização das responsabilidades vencidas do mencionado contrato que na data ascendiam a €20.053,18.
11. Os executados não foram sido informados e interpelados pelo exequente nos termos previstos no nº1 e 3 do artº 21º do D.L. nº227/2012 de 25 de outubro.

I – Importa reter que a execução a que se opõem os recorridos, é titulada por dois contratos de mútuo, datados de 29-9-2006 e 25-09.2008, e subsequentes alterações.
Em complemento dos contratos assim dados à execução, é referido que os executados, ora recorridos subscreveram aqueles contratos na qualidade de fiadores e principais pagadores, renunciando ao benefício da excussão prévia.
E que tendo os mutuários sido declarados insolventes, tal facto determinou o vencimento imediato de toda a dívida nos termos da lei.
E efetivamente assiste nesse ponto razão ao exequente.
Com efeito o artº 91º do CIRE dispõe, no seu nº 1, que “A declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva.”
Já o artº 780º, nº 1 do C. Civil, sob a epígrafe “Perda do benefício do prazo” dispõe no seu nº 1 que, apesar de ter sido estabelecido prazo a favor do devedor, para o cumprimento da obrigação, o credor pode exigir de imediato o cumprimento da obrigação “… se o devedor se tornar insolvente, ainda que a insolvência não tenha sido judicialmente declarada, ou se, por causa imputável ao devedor, diminuírem as garantias do crédito ou não forem prestadas as garantias prometidas.”
No primeiro caso, estamos perante a insolvência declarada por sentença judicial, que opera de per si, o vencimento de todas as obrigações do devedor insolvente, independentemente de qualquer interpelação, para que possam reclamar os seus créditos no processo de insolvência, e dessa forma se possa verificar e liquidar a massa insolvente de uma só vez.[1]
Já no caso do nº 1 do artº 780º do C. Civil, muito embora não se exija necessariamente a declaração da insolvência, bastando-se a lei com a alegação dos factos em que a mesma se traduz, o vencimento não se opera automaticamente. Reconhece-se apenas ao credor o direito (potestativo) de exigir o cumprimento imediatamente, não dispensando por isso a interpelação pela qual se irá então sim, operar o vencimento do crédito.

Em ambos os casos estamos, no entanto, perante perda do benefício do prazo estabelecido a favor do devedor.
E por isso tem aplicação em ambos os casos a limitação que decorre do disposto no artº 782º do C. Civil quando dispõe que a perda do benefício do prazo não se estende aos coobrigados, nem a terceiro que a favor do crédito tenham constituído qualquer garantia. Trata-se, como referem P. de Lima e A. Varela [2] de uma norma de caráter genérico, que se refere a todas as situações previstas na lei de perda de benefício do prazo.

Assim que, muito embora por força da declaração de insolvência do devedor, se tenha operado o imediato vencimento de todas as suas obrigações, não se segue daí que o credor possa imediatamente, sem mais, demandar o fiador do devedor declarado insolvente. Não se trata, como refere Lebre de Freitas [3], de exigir também a interpelação do fiador, senão apenas do dever de informar o fiador em cumprimento dos princípios da boa-fé, e dos deveres acessórios de conduta, que sobre ele recaem, e que colhe apoio legal – ainda que não de forma direta – do princípio geral que se pode extrair do disposto no arº 782º do C. Civil.

II – Argumenta o recorrente que, em qualquer caso haveria de atender-se ao estabelecido nas Cláusula Décima Sexta e Cláusula Décima Sétima – que foram expressamente aceites pelos fiadores – Cláusula Décima Nona – das quais resulta que as partes convencionaram dispensar a necessidade de interpelação, com o consequente afastamento do princípio estatuído no artº 782º do C. Civil.
Não oferece dúvida que a regra prevista no artº 782º do C. Civil não tem caráter imperativo, podendo ser afastada por convenção das partes.
Mas neste particular haverá de atender, antes de mais, a que a renúncia ao benefício da excussão prévia, que as partes convencionaram na cláusula Décima Nona, de cada um dos contratos dados à execução, e a que o exequente alude no requerimento executivo, nada tem a ver com a problemática da possibilidade de invocação perante o fiador, da perda do benefício do prazo e do imediato vencimento da obrigação.
O benefício da excussão prévia, previsto no artº 638º do C. Civil é a concretização da subsidiariedade enquanto princípio que sendo comum às garantias das obrigações, está afirmada de forma particularmente vincada no que concerne à fiança, e traduz-se na possibilidade que é reconhecida ao fiador de recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver esgotado as hipóteses de obter a satisfação do seu crédito à custa do património do devedor principal.
Já o princípio expresso no artº 782º do C. Civil reporta-se antes à acessoriedade enquanto característica das garantias das obrigações, e da fiança em particular, nos termos da qual a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre todas as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor – artº 627º e 634º do C. Civil. Com efeito o artº 782º do C. Civil é neste contexto um desvio ao que decorreria da consideração ilimitada do referido princípio da acessoriedade enquanto característica da fiança.
Subjacente ao referido artº 782º do C. Civil estão considerações que se prendem com a preocupação de evitar que sejam extensíveis ao fiador modificações do prazo com as quais ele não possa razoavelmente contar, e que colhe fundamento no princípio da boa fé[4] .

Assim que não releva para efeitos do afastamento do princípio expresso no artº 782º do C. Civil a convenção pela qual o fiador renuncia ao benefício da excussão prévia.

O recorrente invoca o disposto no ponto “Dois” da referida Cláusula Décima Sétima.
Esta cláusula, no referido ponto, dispõe sobre as consequências do não pagamento de uma das prestações do empréstimo concedido.
Ora a execução não se funda no incumprimento do pagamento de qualquer prestação – que não vem alegada no requerimento executivo – mas na insolvência dos mutuários e consequente vencimento da obrigação decorrente da lei e inerente à diminuição das garantias de cumprimento.
Em qualquer caso, o que consta do ponto dois da referida Cláusula é apenas que “… o não pagamento de uma prestação na data do seu vencimento confere desde logo à “IC” o direito a considerar vencidas todas as outras independentemente de qualquer prazo contratualmente fixado, pôr termo ao contrato e exigir o integral reembolso daquilo que lhe for devido por força do mesmo, promovendo a sua imediata execução judicial”. Ou seja, nada se refere na referida cláusula no que concerne à dispensa de interpelação prévia.

O ponto três da referida Cláusula Décima Sétima dispõe em relação às situações, como a dos autos em que é invocado vencimento antecipado decorrente da declaração de insolvência do devedor. Nesse ponto as partes limitaram-se a convencionar que “assiste à “IC” o direito a pôr termo ao contrato e exigir o integral reembolso daquilo que lhe for devido por força do mesmo”. Mais uma vez nada referindo no que concerne à dispensa de comunicação ao fiador da perda de beneficio do prazo que se verifique relativamente ao mutuário.

Por sua vez, na Cláusula Décima Nona que diretamente se dispõe relativamente à “FIANÇA”, as partes limitam-se a convencionar que o “Fiador” “com renúncia ao benefício da excussão prévia, constitui-se fiador e principal pagador de todas as obrigações emergentes para o “Mutuário” do presente contrato”.
Para além da renúncia ao benefício da excussão prévia, que como vimos, nada tem a ver com a problemática agora em análise, concernente à extensão ao fiador da perda do benefício do prazo verificada em relação ao mutuário, o que as partes convencionaram na referida cláusula, nomeadamente quando referem que o fiador se constitui principal pagador de todas as obrigações emergentes para o “Mutuário” do contrato, reconduz-se apenas à reafirmação da acessoriedade da fiança tal como ela decorria já da lei, mais concretamente do disposto nos artigos 627º, nº 1 e 634º do C.Civil. E por isso que, nada mais se dizendo, não pode concluir-se que as partes quiseram efetivamente afastar o princípio previsto no referido artº 782º do C. Civil no sentido de dispensar a comunicação ao fiador da perda de beneficio do prazo que se verificasse relativamente ao mutuário.

III- Contrapõe o recorrente que em todo o caso deveria considerar-se ter havido interpelação dos fiadores efetuada por carta remetida a 16 de janeiro de 2015. E que em qualquer caso sempre haveria de considerar-se a interpelação operada pela citação para a execução, ainda que neste caso com repercussão nos juros moratórios devidos;
No que concerne à interpelação dos fiadores ora recorridos, o que vem dado como provado é o seguinte:
9. Foi emitida a carta e datada de 09 de Abril de 2015 e enviada para a Rua …, nº.., …. - … Vila Nova de Gaia o exequente declara aos executados que relativamente ao contrato de empréstimo nº…………… datado de 29 de Setembro de 2006 o mesmo, por força da declaração de insolvência dos mutuários venceram-se as obrigações emergentes do contrato de empréstimo as quais são imediatamente exigíveis, pelo que os mesmos deveriam proceder à regularização das responsabilidades vencidas do mencionado contrato que na data ascendiam a €33.518,48.
10. Foi emitida a carta de fls. datada de 09 de Abril de para a Rua … nº.., …. - … Vila Nova de Gaia em que o exequente declara aos executados que relativamente ao contrato de empréstimo nº……………. datado de 25 de Setembro de 2008 o mesmo, por força da declaração de insolvência dos mutuários venceram-se as obrigações emergentes do contrato de empréstimo as quais são imediatamente exigíveis, pelo que os mesmos deveriam proceder à regularização das responsabilidades vencidas do mencionado contrato que na data ascendiam a €20.053,18.
O que a este propósito se refere na sentença recorrida é, por um lado, que “… não refere o exequente no requerimento executivo que haja interpelado os fiadores”.
E de facto assim é. O requerimento executivo faz apenas alusão à subscrição dos contratos dados à execução, por parte dos executados na qualidade de fiadores, e da declaração de insolvência dos mutuários enquanto justificando o alegado vencimento antecipado das obrigações decorrentes daqueles contratos.
Nada se refere no que concerne à interpelação ou comunicação aos executados desse mesmo facto.
O artº 724º, que regulamenta os aspetos formais a que deve obedecer o requerimento executivo, dispõe na alínea f) do seu nº 1, que o exequente deve no requerimento executivo, expor sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do próprio título executivo.
Castro Mendes refere a este propósito[5] que o requerimento inicial para uma ação executiva deve ser considerado inepto se não contiver menção duma causa de pedir. No mesmo sentido Rui Pinto – Manual da execução e Despejo, págs. 319.
Uma vez que a execução tem sempre por base um título executivo, só se justifica a exigência de menção à causa de pedir no requerimento executivo quando ela não resulta já do título.
A indicação complementar de factos no requerimento executivo poderá ainda ser necessária, seja nos casos em que a obrigação careça de ser liquidada, seja quando a certeza ou exigibilidade da obrigação constante do título não resulte do mesmo [6], e careça de prova complementar - artº 715º do CPC
Nestes casos a exigência de menção que deva constar do requerimento executivo não pode ser suprida pela referência que venha a ser feita na contestação à oposição que venha a ser deduzida à execução.
Ora o que se verifica na situação em análise nos autos é que, numa situação em que a imediata exigibilidade da obrigação, no que concerne aos fiadores, dependia da prévia comunicação que lhe houvesse sido feita, a dar-lhe conhecimento do imediato vencimento das obrigações por força da insolvência dos mutuários, nenhuma menção é feita a esse respeito no requerimento executivo.
A consequência dessa omissão é a de que não possa o exequente valer-se da interpelação ou comunicação que alega ter efetuado para ter como imediatamente exigível, também em relação aos fiadores, o cumprimento das obrigações decorrentes dos contratos dados à execução.
E assim sendo temos como prejudicada a apreciação da relevância do comprovado envio das cartas referidas nos suprarreferidos pontos 9º e 10º dos factos provados enquanto comunicação aos fiadores do vencimento das dívidas.

IV – Argumenta o recorrente embargado que em qualquer caso sempre haveria de considerar-se a interpelação operada pela citação para a execução, ainda que neste caso com repercussão nos juros moratórios devidos.
Na sentença recorrida sustenta-se o entendimento de que deve recusar-se à citação dos executados a virtualidade substitutiva de tal interpelação prévia, por essa singela razão de lhes não permitir obstar a tais consequências, não automáticas, da mora do devedor.
Não cremos que assim tenha que ser forçosamente.
Não oferece dúvidas que as partes celebraram os contratos de mútuo hipotecário que constituem o título executivo dado à execução – cfr. artigo 46, n. º1, alínea b), do CPC. – Constando do requerimento executivo, e estando comprovado nos autos, a declaração de insolvência dos mutuários que implica o imediato vencimento das dívidas contraídas naqueles contratos.
Opondo os embargantes fiadores que, apesar do vencimento das obrigações assim operado, o cumprimento não lhes é exigível por não lhes ter sido comunicado antecipadamente tal facto, e não podendo o recorrente invocar em sede de contestação à oposição , a comunicação de que depende essa exigibilidade, e que não alegou no requerimento executivo, não pode negar-se no entanto a relevância que nesse sentido se reveste a citação para a execução, conducente à exigibilidade imediata de todas as prestações em dívida e devidas até final do prazo dos referidos contratos contrato, ainda que entendendo que, ,contrariamente ao alegado pela Exequente no requerimento inicial, a exigibilidade da totalidade da dívida no que aos fiadores concerne se deva considerar apenas a partir da citação dos Executados e não desde a data apontada no requerimento executivo (02-7-2014).
Deste modo, as consequências do comportamento da Exequente quanto à obrigação exequenda não assumem os contornos de inexigibilidade pretendidos pelos Recorrentes, mas refletem-se no conteúdo da mesma, relativamente ao montante dos respetivos juros moratórios (quanto às prestações ainda não vencidas à data da citação), que serão devidos desde a citação.[7]

TERMOS EM QUE acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a apelação e julgando a oposição deduzida apenas parcialmente procedente, declaram inexigível a obrigação exequenda relativa aos juros de mora nos termos acima definidos, os quais serão devidos, quanto às prestações vencidas após a citação, e a partir desta, e determinando o prosseguimento da execução quanto ao restante, revogando a sentença recorrida.

Custas da oposição e do recurso pela Exequente e Executados, na proporção do respetivo decaimento.

Síntese conclusiva:
Por força do disposto no artº 91º do CIRE ao dispor, no seu nº 1, o vencimento das obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva, opera-se de forma automática, independentemente de qualquer interpelação.
Mas implicando a perda do benefício do prazo estabelecido a favor do devedor, também neste caso tem aplicação a limitação que decorre do disposto no artº 782º do C. Civil pelo que, muito embora por força da declaração de insolvência do devedor, se tenha operado o imediato vencimento de todas as suas obrigações, não se segue daí que o credor possa imediatamente, sem mais, demandar o fiador do devedor declarado insolvente
A regra prevista no artº 782º do C. Civil pode ser afastada por convenção das partes, não relevando, no entanto, para tal a convenção de renúncia a excussão prévia.
Não sendo também suficiente para esse efeito o afirmar-se que o fiador se constitui principal pagador de todas as obrigações emergentes para o “Mutuário” do contrato.
Não se mostrando ter sido afastado o principio expresso no referido artigo 782º do C. Civil e opondo os embargantes fiadores que o cumprimento não lhes por isso é exigível, deve em todo o caso reconhecer-se a relevância de que se reveste a citação para a execução, conducente à exigibilidade imediata de todas as prestações em dívida e devidas até final do prazo dos referidos contratos, ainda que se refletindo no montante dos juros moratórios que serão devidos desde a citação

Porto, 14 de Junho de 2017
Freitas Vieira
Madeira Pinto
Carlos Portela
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[1] Luis Manuel Teles de Menezes Leitão – Direito de Insolvência, 2ª edição, págs. 168
[2] Código Civil, anotado, Vol. II, anotação 1 ao artº 782º
[3] Pás 946
[4] Lebre de Feitas – Assunção Fidejussória de Dívidas – págs. 946
[5] Direito Processual Civil, Vol. III, págs. 197
[6] Lebre de Freitas – A Ação Executiva- 5ª edição – págs. 156
[7] Ac. da R. Lxa, de 15-05-2012, Proc. Nº 7169/10.4TBALM-A.L1.