Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ARTUR OLIVEIRA | ||
Descritores: | CONTRAORDENAÇÃO LIVRO DE RECLAMAÇÕES PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE | ||
Nº do Documento: | RP201512021854/12.3EAPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 12/02/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | A sanção prevista, para a falta de apresentação imediata do livro de reclamações, no artºs 9º1 a) e 3 do DL 156/2006 de 15/9 não viola o princípio da proporcionalidade do artº 18º2 CRP. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA) - no processo n.º 1854/12.3EAPRT.P1 - com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade, - após conferência, profere, em 2 de dezembro de 2015, o seguinte Acórdão I - RELATÓRIO 1. No recurso de contraordenação n.º 1854/12.3EAPRT, da Secção Criminal (J4) – Instância Local de Vila Nova de Gaia, Comarca do Porto, em que é arguida B…, LDA., foi proferido despacho judicial que decidiu nos seguintes termos [fls. 174]: «(…) - Julgo o recurso interposto procedente e altero a decisão administrativa que aplicou à arguida a coima de € 7500,00 pela prática da contra-ordenação p. e p. pelos artigos 3.º, n.º1, b) do DL 156/05, de 15.09, com as alterações decorrentes do DL 371/2007, de 6.11 e nos termos do artigo 9.º, n.º1, a) e n.º2 do DL 156/05, de 15.09, fixando a coima aplicada em 3500,00 € (três mil e quinhentos euros). (…)» 2. Inconformado, o arguido recorre, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls. 194-196]: «1. Nos termos do disposto no art. 18º do RGCO, a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício que este retirou da prática da contra-ordenação. 2. A arguida jamais imaginou que pelo facto de não conseguir disponibilizar de imediato o livro de reclamações ao cliente estaria a cometer um acto ilícito punível com coima. 3. O funcionário da arguida, C…, pessoa de idade e pouco habituado ao atendimento ao público, que atendeu o cliente, com a atrapalhação do momento, não conseguia localizar o livro de reclamações. 4. Mesmo depois de chamada ao local pelo cliente a autoridade policial, aquele funcionário não conseguiu pensar e agir como se impunha, não tendo conseguido localizar o livro de reclamações que, no entanto, sempre esteve disponível no estabelecimento. 5. Só depois de conseguir falar telefonicamente com um dos sócios da sociedade arguida e este lhe ter indicado o local onde se encontrava o livro de reclamações, é que o Sr. C… conseguiu disponibilizar o mesmo à autoridade policial, numa segunda ida da patrulha para recolher informações em falta. 6. Se fosse sua verdadeira intenção cometer tal ilícito, ter-se-ia conformado com o resultado, em vez de ter procurado saber, através de um dos sócios da sociedade arguida, do paradeiro do livro de reclamações, tal como não o teria ido buscar quando a autoridade policial regressou ao estabelecimento para recolher os dados em falta. 7. E muito menos teria perguntado aos agentes como deveria proceder para resolver a situação, mostrando de imediato o seu arrependimento e querendo remediar desde logo o problema. 8. As circunstâncias que rodearam tal conduta são susceptíveis de diminuir largamente a culpa do agente. 9. A arguida é primária e, na pessoa dos seus sócios e gerentes, trabalhadores humildes, de modesta condição económica e social, sempre pautou a sua actividade pelo estrito cumprimento da lei. 10. A eventual condenação da arguida no pagamento de uma coima no valor de 3.500,00 Euros terá impacto negativo nas suas contas, podendo mesmo colocar em causa a sua solvência e, por arrasto, a sobrevivência dos agregados familiares dos seus sócios-gerentes e trabalhadores. 11. A arguida, tal como a maior parte das empresas do sector, tem vindo a ser vítima da crise económico-financeira que atravessa o nosso país, consubstanciada numa forte redução do consumo, o que tem implicado a redução drástica nas suas vendas de ano para ano, em especial depois da subida do IVA para o sector para a taxa máxima de 23%. 12. De acordo com a declaração de IRC (Modelo 22) e IES (Informação Empresarial Simplificada) relativas ao ano de 2014, a sociedade arguida apresentou um resultado operacional do exercício (antes de impostos) no valor de 6.157,96 Euros, e um resultado líquido do exercício (lucro tributável) de 4.526,12 Euros. 13. A arguida foi condenada numa coima no valor de 3.500,00 Euros, o que representa 77,34% do seu resultado líquido do exercício (lucro tributável) do último ano, o que, em comparação com outros casos públicos semelhantes parece de todo desproporcional. 14. A arguida não retirou qualquer proveito económico com a prática da contra-ordenação; 15. Estão cumpridos os pressupostos necessários à aplicação da medida de admoestação: reduzida gravidade da infracção (ilicitude) e da diminuição da culpa do agente que resultam, nomeadamente, do facto de a recorrente dispor do livro de reclamações no seu estabelecimento e de o mesmo apenas não ter sido disponibilizado imediatamente ao consumidor porque o Sr. C… não o conseguiu localizar, na atrapalhação do momento. 16. A coima aplicada à arguida é desproporcional, sendo a decisão recorrida inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18º da Constituição da República Portuguesa. 17. Pelo que, se invoca, para os devidos efeitos, a inconstitucionalidade da norma do art. 9º nº 1 al. a) do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de Setembro, por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18º da Constituição da República Portuguesa. Termos em que, deve ser concedido integral provimento ao presente recurso, modificando-se a decisão recorrida, aplicando-se a medida de admoestação; ou reduzindo-se a coima aplicada para o limite mínimo — 1.750,00 Euros (mil setecentos e cinquenta euros) em face da gravidade da infracção, o grau de culpa do agente, a sua situação económica e o benefício retirado com a prática da contra-ordenação, Como é de inteira e sã JUSTIÇA! (…)» 3. Na resposta, o Ministério Público refuta todos os argumentos da motivação de recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls. 205-217]. 4. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-geral Adjunto sufraga a resposta, emitindo parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso [fls. 221]. 5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência. 6. O despacho judicial recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da motivação e fundamentação [fls. 170-173 - excertos]: «(…) A) Factos Tendo em conta a matéria relevante e pertinente para proferir decisão nos presentes autos, isto é, para manter ou alterar a decisão administrativa, encontram-se provados os seguintes factos: a) No dia 30.1.2011, pelas 16.30h no estabelecimento designado de B…, na Rua …, n.º …, ….-…, …, Vila Nova de Gaia, explorado pela arguida, um cliente do estabelecimento viu-lhe negado, pelo sócio C…, o livro de reclamações, depois de o ter solicitado. b) ao agir da forma assinalada, a arguida não actuou com o devido e necessário cuidado a que estava obrigada nas circunstâncias concretas. c) Não foi possível quantificar o benefício económico retirada pela recorrente com a actuação descrita. d) De acordo com a declaração de IRC (modelo 22) e IES (informação empresarial simplificada) relativas ao ano de 2014, a arguida apresentou um resultado operacional do exercício (antes de impostos) no montante de € 6157,96 e um resultado líquido de exercício de 4526,12 €. Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, para além ou em contradição com os que foram dados como assentes. B) Motivação O Tribunal fundou a sua convicção, quanto aos factos dados como provados, na análise do acervo documental junto aos autos, designadamente o teor dos auto de notícia da notificação da arguida recorrente e da decisão administrativa impugnada. Em relação aos não provados, fundou-se na ausência de prova susceptível de nos convencer da sua verificação. C) Direito A arguida "B…, Lda", com sede na Rua …, n.º …, ….-…, …, Vila Nova de Gaia, veio impugnar judicialmente a decisão da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica que - em virtude de no dia 30.1.2011, pelas 16.30h, no estabelecimento designado de B…, na Rua …, n.º …, ….-…, …, Vila Nova de Gaia, explorado pela arguida, não ter sido facultado de imediato o livro de reclamações a um cliente - lhe aplicou a coima de € 7500,00 pela prática da contra-ordenação p. e p. pelos artigos 3.0, n.º 1, b) do DL 156/05, de 15.09, com as alterações decorrentes do DL 371/2007, de 6.11 e nos termos do artigo 9.º, n.º1, a) e n.º2 do DL 156/05, de 15.09. (…) Para a determinação da sanção aplicada ponderou a decisão administrativa a situação económica da arguida. As alegadas divergências relativas ao montante da coima, a data dos factos e a alusão a documentos não enviados em nada tolheram a defesa da arguida que mostrou, até por via da impugnação, conhecer na íntegra os fundamentos de facto e de direito da decisão posta em crise. Não deixa de preencher a norma legal violada a circunstância de alegadamente o livro de reclamações ter sido disponibilizado após a chegada das autoridades: o ilícito já havia sido cometido. Não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, no artigo 9.º, n.º1, a) e n.º3 do DL 156/2006, de 15.09, que prevê uma moldura punitiva aumentada nos seus limites mínimo e máximo para situações em que a norma é violada por uma pessoa colectiva, em termos perfeitamente claros e que, aliás, estão longe de ser pioneiros. Tal como considerado pela autoridade administrativa, o sócio que agiu nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na decisão impugnado fê-lo em representação e para a sociedade, inexistindo nos autos quaisquer elementos que apontem em sentido diverso. Finalmente, invoca a recorrente que a coima aplicada é manifestamente desproporcionada em face da culpa do agente, da sua situação económica e do benefício retirado com a prática da contraordenação. Vejamos. Nos termos do artigo 18 do RGCOC, a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação — n.º1. In casu, temos que a entidade administrativa aplicou à arguida uma coima de € 7500,00.0 n.º1 do artigo 9.º do DL 156/2005, de 15.09, com as alterações decorrentes do DL 371/2007, de 6.11, pune com coima entre os 3500,00 e os 30.000 quem violar o artigo 3.º, n.º1 b). Diz-nos o n.º2 do preceito em enfoque que a negligência é punível sendo os limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis reduzidos a metade. Ou seja, a moldura a ter em conta, tendo em conta a negligência da conduta, é a que se situa entre o mínimo de 1750,00 € e o máximo de € 15.000,00. Ora, perante uma gravidade medianamente elevada, tendo presente que a actuação foi negligente, que a situação económica do agente não é desafogada e que se desconhece o benefício económico que este retirou da prática da contraordenação, afigura-se-me que a coima de € 7500,00 é manifestamente excessiva, justificando-se a sua redução para a importância de € 3500,00. Procede, assim, nestes termos, o recurso interposto. (…)» II – FUNDAMENTAÇÃO 7. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objeto do recurso, a recorrente (i) suscita a inconstitucionalidade da “decisão recorrida” [leia-se: norma invocada] por violação do princípio da proporcionalidade [conclusões 16 e 17]; e (ii) contesta a medida da pena fixada, que considera excessiva face às circunstâncias do caso, pugnando para que seja aplicada a pena de admoestação ou então, que a coima seja reduzida para o seu limite mínimo – 1.750,00 € [conclusão 15 e pedido final]. 8. (i) Quanto à inconstitucionalidade do artigo 9.º, n.º 1, al. a) e 2, do Decreto-Lei n.º 156/05, de 15.09, por violação do princípio da proporcionalidade ao fixar coimas de 3.500 € a 30.000 € [reduzidas a metade no caso de negligência], para pessoa coletiva, por infração ao disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 3.º [“Facultar imediata e gratuitamente ao utente o livro de reclamações sempre que por este tal lhe seja solicitado”]. 9. Como realça a resposta do Ministério Público, a declaração de inconstitucionalidade das normas [não de decisões] cabe ao Tribunal Constitucional. Os tribunais judiciais podem, apenas, recusar a aplicação de normas com base na sua inconstitucionalidade. O que não é o caso em análise. 10. De facto, o Tribunal Constitucional já se debruçou sobre a norma em causa [também sobre os montantes (mais gravosos) fixados pelo n.º 3] e concluiu pela sua não inconstitucionalidade [ver Ac. TC n.º 132/2011, 62/2011 e 67/2011]. Na base de todas estas decisões está a seguinte consideração: “(…) como tem este Tribunal entendido, a fixação da dosimetria sancionatória, máxime, em sede contraordenacional, encontra-se no âmbito de um amplo espaço de conformação do legislador, só devendo ser censuradas “as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal proíbe o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição” (cf. Acórdão n.º 574/95, disponível no mesmo sítio da internet)” [ver a Resposta do Ministério Público com ampla referência jurisprudencial]. 11. O livro de reclamações constitui um dos instrumentos que tornam mais acessível o exercício do direito de queixa, ao proporcionar ao consumidor a possibilidade de reclamar no local onde o conflito ocorreu. Em face dos interesses e valores que protege, temos de concluir que a sanção prevista [3.500 € a 30.000 €, para as pessoas coletivas] não é manifestamente excessiva ou desproporcionada — e portanto, não se verifica a alegada violação do princípio da proporcionalidade, tal como é acolhido no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. 12. (ii) Sobre a medida da coima. O recorrente começa por pedir a aplicação da pena de admoestação. Ora, como realça o Ministério Público na resposta, trata-se de uma questão nova, pois não foi colocada ao tribunal recorrido no âmbito da impugnação judicial. Os recursos ordinários só pode ter como fundamento questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida. Objeto do recurso é a própria decisão recorrida, não a questão objeto da decisão recorrida [Ac. RP, de 27.2.2013, (Pedro Vaz Pato), disponível em www.dgsi.pt]. 13. Em segundo lugar, a recorrente clama pela redução da coima ao mínimo legal – que refere ser de 1.750 €. Está em causa a conduta “negligente” mas, como foi requerida a presença da autoridade policial a fim de remover a recusa e a autoridade tomou nota da ocorrência [n.º 4 do artigo 3.º do cit. diploma], sofre a agravação prevista pelo n.º 3 do artigo 9.º: “(…) o montante da coima a aplicar não pode ser inferior a metade do montante máximo da coima prevista.” Isso mesmo foi considerado na decisão da autoridade administrativa, fixando-se, então, a coima no mínimo legal, que é de 7.500 € [fls. 79]. 14. Porém, o despacho judicial recorrido não considerou essa referência agravativa [n.º 3 do art. 9.º] e fixou a coima de 3.500 €. Por força da proibição de reformatio in pejus [artigo 409.º, do Cód. Proc. Penal] não podemos agravar o montante da coima fixado pelo tribunal recorrido. Mas como já se encontra abaixo do mínimo legal previsto, também não podemos atender a pretensão da recorrente. 15. Pelo que improcede mais este fundamento e com ele, todo o recurso. A responsabilidade pela taxa de justiça Uma vez que a arguida decaiu no recurso que interpôs é responsável pelo pagamento da taxa de justiça [artigo 513.º, do Cód. Proc. Penal], cujo valor é fixado entre 3 e 6 UC [artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais]. Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 3 UC. III – DISPOSITIVO Pelo exposto, os Juízes acordam em: ● Negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente B…, LDA., mantendo a decisão recorrida. Taxa de justiça: 3 [três] UC, a cargo da recorrente. Porto, 2 de dezembro de 2015 Artur Oliveira José Piedade |