Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
597/11.0EAPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: AUTO DE NOTÍCIA
FORÇA PROBATÓRIA
DOCUMENTO AUTÊNTICO
DIREITOS DE AUTOR
USURPAÇÃO
Nº do Documento: RP20130911597/11.0EAPRT-A.P1
Data do Acordão: 09/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O auto de notícia, por si mesmo e desacompanhado de outras provas, não indicia (nem prova) a prática do crime.
II - A especial força probatória que a lei processual penal confere aos documentos autênticos [art. 169.º, do CPP] circunscreve-se unicamente aos documentos extra-processuais.
III - O auto de notícia é um documento intra-processual sujeito à livre apreciação do julgador, que pode servir de auxiliar de memória para o autuante mas não pode sobrepor-se ao seu depoimento.
IV – Preenche a figura de usurpador aquele que utiliza a obra de outro sem autorização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 597/11.0EAPRT-A.P1
Juiz de Instrução Criminal de Vila do Conde

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório.
O Ministério Público, notificado que foi do despacho de não pronúncia da arguida B…, que havia sido acusada da prática, a título de cumplicidade, por factos que, no seu entender, integravam o crime de venda ou circulação de produto contrafeito, previsto e punível pelo art.º 27.º, n.º 1, do Código Penal e pelo art.º 324.º, com referência ao disposto no art.º 323.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código da Propriedade Industrial e, a título de co-autoria, por factos que integram o crime de usurpação de obra contrafeita ou usurpada, previsto e punível pelo art.º 195.º, n.os 1 e 2, alínea b) e 197.º, n.º 1, em concurso aparente com um crime de aproveitamento de obra usurpada, previsto e punível pelo art.º 199.º, n.º 1 e 197.º, n.º 1, todos os do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14/3, na redacção conferida pela Lei n.º 45/85, de 17/9, n.º 114/91, de 3/9 e n.º 16/2008, de 1/4, com ele discordando interpôs o presente recurso pedindo que se profira acórdão pronunciando a arguida nos termos da acusação, para o que formulou as seguintes conclusões:
- Os indícios recolhidos nos autos revelam-se suficientes para fundamentar a imputação á arguida dos factos constantes da acusação, designadamente, aqueles que se referem ao preenchimento do elemento subjectivo;
- Baseiam-se tais indícios da conjugação e articulação de todos elementos documentais e testemunhais que constam indicados na acusação;
- Ainda que em sede de julgamento se não logre a produção de toda a prova recolhida em sede de inquérito e de instrução, o certo é que a fase de instrução visa a confirmação ou não de indícios da verificação do crime e não a certeza da sua verificação;
- O que se exige pelo disposto no art.º 283.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, é que os indícios necessários para sujeitar alguém a julgamento sejam aqueles que permitem prever como mais provável condenação numa pena, o que se afigura ser a conclusão a tirar face aos elementos probatórios recolhidos;
- Razões pelas quais, o Mm.º Juiz a quo, ao não pronunciar a arguida B…, a título de cumplicidade, de um crime de venda ou circulação de produto contrafeito, p. e p., de acordo com o art.º 27.º, n.º 1, do Código Penal, pelo art.º 324.º, com referência ao disposto no art.º 323.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código da Propriedade Industrial, e a título de co-autoria, de um crime de usurpação de obra contrafeita ou usurpada, p. e p., pelo art.º 195.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), e art.º 197.º, n.º 1, em concurso aparente, com um crime de aproveitamento de obra usurpada, p. e p., pelo art.º 199.º, n.º 1, e 197.º, n.º 1, todos os art.os do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14/3, na redacção conferida pela Lei n.º 45/85, de 17/9, n.º 114/91, de 3/9 e n.º 16/2008, de ¼, violou o disposto pelo art.º 283.º, n.º 2, e pelo art.º 308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Respondeu a arguida, pronunciou-se pela manutenção do douto despacho recorrido, para o que alinhou as seguintes conclusões:
1 – Compulsando os elementos probatórios constantes dos autos não existe um que possa estribar uma possibilidade de verificação dos crimes de que a arguida vem acusada, por cumplicidade ou co-autoria;
2 – Aliás, o suporte das doutas alegações do M.º P.º é somente uma mera dedução alicerçada em putativas regras de experiência, que segundo a sua visão, são suficientes para sustentar a acusação da arguida pelos crimes de que foi acusada;
3 – Olvida-se a única prova testemunhal existente nos autos que infirma, totalmente, as meras deduções do M.º P.º, vide depoimento de C…;
4 – A ausência de quaisquer elementos probatórios denuncia a inexistência de factos que poderiam indiciar a verificação dos crimes;
5 – Em face dessa ausência, a fase de instrução não teve outro desfecho que a não pronúncia da arguida porque, desde logo, mais do que se adiantar como mais provável a sua absolvição, é manifesto que não houve recolha e não há rasto de elementos probatórios bastantes que possam indiciar a prática de qualquer crime pela recorrida.

O recurso foi admitido pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal.

O Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto teve e apôs vista no recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem qualquer sequela por parte do recorrente nem da recorrida.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir do mérito do recurso.
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II - Fundamentação.
1. A decisão recorrida.
- Saneamento.
Declaro encerrada a Instrução.[1]
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O Tribunal é competente.
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Não existem quaisquer nulidades, ilegitimidades, excepções, questões prévias ou incidentais que importe conhecer e que obstem a uma decisão de mérito.
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- Relatório.
Na sequência do despacho de acusação de fls. 229 e seguintes deduzido pelo Ministério Público contra os arguidos D…, B… e “E…, Lda.”, veio a arguida B… requerer a abertura da instrução (cfr. fls. 311), no sentido do arquivamento dos autos.
Refere, para tanto e em síntese, que não praticou os factos que lhe são imputados, sendo a prova produzida nos autos manifestamente insuficiente para sustentar a posição assumida pelo Ministério Público na acusação pública.
Termina, concluindo pela procedência do requerimento de abertura da instrução.
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Com utilidade para a decisão a proferir nesta fase entendeu o Tribunal proceder à inquirição da testemunha arrolada no requerimento de abertura da instrução, conforme auto de fls. 404 e seguintes.
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Não se tendo vislumbrado qualquer outro acto instrutório cuja prática revestisse interesse para a descoberta da verdade, nem tendo sido requerida a realização de mais algum, efectuou-se o debate instrutório, que decorreu em conformidade com o disposto nos artigos 298.º, 301.º e 302.º, todos do Código de Processo Penal.
Cumpre agora, nos termos do artigo 308.º do mesmo diploma legal, proferir decisão instrutória.
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- Fundamentação de facto e de direito.
Começando por delimitar o âmbito da fase da instrução, importa referir que esta fase processual visa, segundo o que nos diz o artigo 286.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, “a comprovação judicial da decisão de acusar ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”. Configura-se assim como fase processual sempre facultativa – cfr. n.º 2 do mesmo dispositivo – destinada a questionar a decisão de arquivamento ou de acusação deduzida.
Como facilmente se depreende do citado dispositivo legal, a instrução configura-se no Código de Processo Penal como actividade de averiguação processual complementar da que foi levada a cabo durante o inquérito e que tendencialmente se destina a um apuramento mais aprofundado dos factos, da sua imputação ao agente e do respectivo enquadramento jurídico-penal.
Com efeito, realizadas as diligências tidas por convenientes em ordem ao apuramento da verdade material, conforme dispõe do artigo 308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, “se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.
Na base da não pronúncia do arguido, para além da insuficiência de indícios necessariamente consubstanciada na inexistência de factos, na sua não punibilidade, na ausência de responsabilidade ou na insuficiência da prova para a pronúncia, poderão estar ainda motivos de ordem processual, ou seja, a inadmissibilidade legal do procedimento ou vício de acto processual.
Já no que toca ao despacho de pronúncia, a sustentação deverá buscar-se, como deixamos dito, na suficiência de indícios, tidos estes como as causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais de um crime e/ou do seu agente que sejam captadas durante a investigação.
Depois, no n.º 2 deste mesmo dispositivo legal, remete-se, entre outros, para o n.º 2 do artigo 283.º, nos termos do qual “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.
Isto posto, para que surja uma decisão de pronúncia a lei não exige a prova no sentido da certeza-convicção da existência do crime; antes se basta com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência, tanto mais que a prova recolhida na fase instrutória não constitui pressuposto da decisão de mérito final. Trata-se de uma mera decisão processual relativa ao prosseguimento do processo até à fase do julgamento.
Todavia, como a simples sujeição de alguém a julgamento não é um acto em si mesmo neutro, acarretando sempre, além dos incómodos e independentemente de a decisão final ser de absolvição, consequências, quer do ponto de vista moral, quer do ponto de vista jurídico, entendeu o legislador que tal só deveria ocorrer quando existissem indícios suficientes da prática pelo arguido do crime que lhe é imputado.
Assim sendo, para fundar uma decisão de pronúncia não é necessária uma certeza da infracção, mas serem bastantes os factos indiciários, por forma a que da sua lógica conjugação e relacionação se conclua pela culpabilidade do arguido, formando-se um juízo de probabilidade da ocorrência dos factos que lhe são imputados e bem assim da sua integração jurídico-criminal.
Os indícios são, pois, suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido ou, pelo menos, quando se verifique uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.
Neste sentido, veja-se Castanheira Neves[2], que perfilha a tese segundo a qual na suficiência de indícios está contida “a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final” apenas com a limitação inerente à fase instrutória, no âmbito da qual não são naturalmente mobilizados “os mesmos elementos probatórios e de esclarecimento, e portanto de convicção, que estarão ao dispor do juiz na fase de julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação”.
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Conforme referimos supra no intróito da presente decisão, findo o inquérito decidiu o Ministério Público deduzir acusação contra os arguidos, imputando-lhes a prática dos seguintes factos:
«No dia 9 de Novembro de 2011, pelas 15:00 horas, no estabelecimento pertencente à sociedade «E…, Lda.», sito na Rua …, n.º …., em Vila do Conde, de que o arguido D… era, então, sócio-gerente e encontrando-se nessa altura a arguida B…, sua irmã, como responsável pelo funcionamento do estabelecimento na ausência do primeiro, no decurso de uma operação de fiscalização, foi constatado por elementos da ASAE que, aberto ao público, no interior do referido estabelecimento, dissimulados na parte exterior do balcão, encobertos por artigos sem marca, se encontravam á venda ao público artigos que ostentavam sinais que coincidiam gráfica, figurativa e foneticamente com os sinais de marcas protegidas, entre os quais, 20 gorros e 2 cachecóis com sinais semelhantes aos da marca «…», e 23 gorros com sinais semelhantes aos da marca «…».
As marcas em causa gozam de protecção nacional e comunitária, sendo suas titulares, respectivamente, «F…», no que respeita à marca com unitária n.º ……, com sede em Itália, e «G…», no que respeita á marca nacional n.º ……, as quais nem tinham fabricado os artigos em causa nem tinham dado qualquer autorização à sociedade representada pelo primeiro arguido para a sua confecção, venda ou distribuição de artigos que ostentassem ou imitassem marcas de que são donas.
Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, foi detectado que era emitida música ambiente, no caso, um tema interpretado pela cantora «H…», através de uma «pen» introduzida num amplificador de som com quatro colunas de som distribuídas pelo estabelecimento.
A «pen» em causa continha 64 ficheiros, contendo, para além do mais, várias obras daquela cantora, entre quais «…», «…», «…» e «…», obras que os arguidos vinham difundindo no estabelecimento em causa, sendo que, a arguida, para esse efeito, havia descarregado tais obras nessa «pen» através de «sites» na «internet», o que fizera de comum acordo com o arguido para servir de música ambiente no estabelecimento.
Os arguidos não tinham qualquer autorização dos autores, titulares, seus representantes ou da «Sociedade Portuguesa de Autores – SCRL», que os representa no nosso país, para fixação, duplicação ou distribuição através da difusão ao público das obras em apreço no estabelecimento em causa.
O primeiro arguido actuou de forma deliberada e com perfeita consciência de que em representação da sociedade arguida punha em circulação e fazia a venda dos artigos apreendidos sem que as titulares das respectivas marcas lhe tivessem autorizado a sua circulação e venda, bem sabendo que as marcas em causa estavam protegida no nosso país, e a segunda arguida actuou, de forma deliberada e com o mesmo conhecimento do anterior, colaborando e actuando sob as instruções do primeiro na venda daquele material, bem sabendo que desse modo prestava auxílio material ao arguido.
Os arguidos actuaram de forma deliberada e com perfeita consciência de que, de comum acordo e em conjugação de esforços, ao copiarem, reproduzirem e distribuírem as obras interpretadas pela cantora «H…» nas circunstâncias acima descritas careciam de autorização da Sociedade Portuguesa de Autores e de que à mesma, a título de direitos autorais, era devida remuneração.
Sabiam além do mais que a sua conduta era proibida e punida por lei.»
Para fundamentar esta acusação, o Ministério Público indica dois meios de prova, a saber: testemunhal e documental.
Analisemos, então, tais meios de prova, tendo sempre como pressuposto a concreta matéria de facto supra referida e a posição assumida pela arguida requerente da instrução (de que não teve qualquer responsabilidade na prática dos factos).
Em relação à prova documental aquilo que se nos afigura dizer é que da mesma resulta fortemente indiciada toda a factualidade relacionada com os produtos apreendidos, com as marcas, os registos destas e a falta de autorização da sociedade arguida para comercialização daqueles.
Porém, quanto a uma eventual responsabilidade da arguida requerente da instrução já nada resulta.
No que à prova testemunhal concerne, tendo presente que as únicas duas testemunhas arroladas são os agentes autuantes e que estes não foram formalmente inquiridos, aquilo que resulta de tal prova é muito pouco (pelo menos em relação à arguida requerente).
Ainda assim, e depois de lido o auto de notícia elaborado pelas referidas testemunhas, constatamos que em relação à arguida, de objectivo «e que formalmente possa ser valorado, nada resulta.
Acresce que, o depoimento recolhido já durante esta fase da instrução (testemunha I…, T.O.C. da sociedade arguida) a ter tido alguma relevância foi no sentido de afastar qualquer responsabilidade da arguida na prática dos factos descritos na acusação.
Na verdade, de acordo com este depoimento a arguida requerente não tinha qualquer poder decisório na gerência da sociedade arguida, tratando-se apenas de uma mera empregada que por acaso se encontrava sozinha no estabelecimento na altura da fiscalização.
É certo que a arguida é uma familiar próxima do arguido gerente, mas tal circunstancialismo, por si só, não pode ser suficiente para que impute aquela arguida alguma responsabilidade efectiva nos factos descritos na acusação, mesmo naqueles relacionados com o crime de usurpação de obra contrafeita ou usurpada.
Em síntese, da prova produzida nos autos não resulta suficientemente indiciado que a arguida requerente da instrução tenha tido alguma participação relevante nos factos descritos pelo Ministério Público na acusação pública.
No limite ficamos por se conhecer em concreto qual a verdadeira participação da arguida em tais factos.
Ora, um tal desconhecimento apenas tem a virtualidade de fazer funcionar em favor da arguida o princípio da presunção da inocência, na vertente in dubio pro reo.
Com efeito, atingindo-se em sede de prova um tal non liquet, este tem de ser resolvido em benefício do arguido, tanto quanto é certo que os factos imputados têm de ser estabelecidos para além de qualquer dúvida razoável, pois caso tal não se verifique, ou melhor, quando factos relevantes para a decisão não ultrapassem aquela dúvida, como cremos que, pelo menos no limite, sucede no caso em apreço, e na ausência de elementos de prova suficientemente seguros, terão de ser valorados em benefício da arguida, em obediência ao referido princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
Este princípio considera-se também associado ao princípio nulla pœna sine culpa, pois que o princípio da culpa é violado se, não estando o juiz convencido sobre a existência dos pressupostos de facto, ele pronuncia uma sentença de condenação ou uma qualquer outra decisão desfavorável ao arguido.
Conforme salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira,[3] os princípios da “presunção de inocência” e “in dubio pro reo” constituem a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da culpa.
Decorre, assim, que se por um lado o processo há-de assegurar todas as necessárias garantias práticas de defesa de um inocente, por outro lado, não há razão para não considerar inocente quem ainda não foi julgado culpado por sentença transitada.
No seguimento do exposto, não sendo a prova produzida nos autos de molde a permitir concluir no sentido sufragado pelo Ministério Público, impõe-se ter por não indiciada a seguinte matéria de facto descrita na acusação:[4]
«(…) Obras que a arguida vinha difundindo no estabelecimento em causa, sendo que aquela, para esse efeito, havia descarregado tais obras nessa «pen» através de «sites» na «internet», o que fizera de comum acordo com o arguido para servir de música ambiente no estabelecimento.
A arguida não tinha qualquer autorização dos autores, titulares, seus representantes ou da «Sociedade Portuguesa de Autores – SCRL», que os representa no nosso país, para fixação, duplicação ou distribuição através da difusão ao público das obras em apreço no estabelecimento em causa.
(…) A segunda arguida actuou, de forma deliberada e com o mesmo conhecimento do anterior, colaborando e actuando sob as instruções do primeiro na venda daquele material, bem sabendo que desse modo prestava auxílio material ao arguido.
A arguida actuou de forma deliberada e com perfeita consciência de que ao copiar, reproduzir e distribuir as obras interpretadas pela cantora «H…» nas circunstâncias acima descritas carecia de autorização da Sociedade Portuguesa de Autores e de que à mesma, a título de direitos autorais, era devida remuneração.
Sabia além do mais que a sua conduta era proibida e punida por lei.»
Em relação à qualificação jurídica dos factos alegados pelo Ministério Público, não vislumbramos nesta altura algo a alterar (sendo certo que tal qualificação nem sequer mereceu oposição por parte dos arguidos).
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- Decisão.
Nestes termos, tendo em atenção tudo quanto acabo de deixar dito e sem necessidade de ulteriores considerações, decido dar provimento ao requerimento de abertura da instrução apresentado pela arguida B… e, em consequência, não a pronuncio pela prática dos crimes que lhe vinham imputados na acusação pública;
- Ordeno, assim e nesta parte, o oportuno arquivamento dos autos.
(…)
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2. Poderes de cognição desta Relação e objecto do recurso.
2.1. A abrir diremos que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente que culminam as suas motivações e é por elas delimitado.[5] Mas porque as conclusões são um resumo das motivações,[6] não pode conhecer-se de questões constantes daquelas que não tenham sido explanadas nestas. Às quais acrescem as questões que são de conhecimento oficioso desta Relação enquanto Tribunal de recurso, como no caso das nulidades da decisão recorrida que se não devam considerar sanadas, tudo de acordo com o disposto nos art.º 119.º do Código de Processo Penal. Daí que a única questão a apreciar neste é a seguinte:
Existem suficientes indícios no processo de que a arguida cometeu os crimes que o Ministério Público lhe imputou na acusação?
***
2.2. Vejamos então a questão atrás enunciada.
Pretende o Ministério Público recorrente que está suficientemente indiciado que a recorrente praticou factos que integram, a título de cumplicidade, um crime de venda ou circulação de produto contrafeito, previsto e punível art.º 27., n.º 1, do Código Penal e pelo 324.º, com referência ao disposto no 323.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código da Propriedade Industrial e, a título de co-autoria, um crime de usurpação de obra contrafeita ou usurpada, previsto e punível pelo art.º 195.º, n.os 1 e 2, alínea b) e 197.º, n.º 1, em concurso aparente, com um crime de aproveitamento de obra usurpada, previsto e punível pelo art.º 199.º, n.º 1 e 197.º, n.º 1, todos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14/3, na redacção conferida pela Lei n.º 45/85, de 17/9, n.º 114/91, de 3/9 e n.º 16/2008, de 1/4. E isso porque, reconhecendo a inexistência de prova testemunhal do que alegara na acusação, pois que por razão desconhecida não interrogou no inquérito nenhuma testemunha, sequer as que lavraram o auto de notícia, bastou-se, de forma algo temerária, temos que o dizer, com a valoração daquele auto de notícia e com os documentos incorporados no inquérito. Isto descontando-se já a sua afirmação na motivação do recurso de que, no que respeita aos factos integradores do primeiro crime, a arguida é acusada a título de cumplicidade e não de co-autoria e, por via disso, não estava em questão que tivesse poder decisório na gerência da sociedade arguida, assim deixando pairar a ideia de que o Mm.º Juiz de Instrução Criminal considerara isso como relevante para a despronúncia da recorrente da prática do pertinente crime quando, na verdade, perfeitamente se percebe que no despacho posto em crise esse facto é invocado mas apenas como elemento de ponderação acrescido a propósito da falta de indícios da prática pela arguida dos factos em causa e resultante do facto de se tratar de mera trabalhadora. Conclusão esta, diga-se em abono da verdade, que é mais do que razoável, pois que mal andaria o mundo quando se considerasse cúmplice o trabalhador que não curou de saber se o produto exposto para venda na loja pelo seu empregador é genuíno ou contrafeito ou se o mesmo ali fez reproduzir de forma a ser audível por quem estivesse na loja uma qualquer obra fonográfica sem para tal estar autorizado. Tal não seria razoável por não corresponder às regras da experiência comum, sabido que estas «são definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto, sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.»[7]

Foram argumentos do despacho em dissídio a prova documental e testemunhal. Aquela, considerada de relevante valor para a indiciação de toda a factualidade relacionada com os produtos apreendidos, com as marcas, os seus registos e a falta de autorização da sociedade arguida para a sua comercialização,[8] mas de nulo valor para a eventual responsabilidade da arguida. E quanto a nós muito bem, pois que dos documentos em causa nada mais se pode retirar do que isso, como de resto o Ministério Público recorrente também sabe pois que nem se atreveu a concretizar o contrário. Diz, é certo, na motivação do recurso,[9] que «entre essa prova, para além da documental, que não é posta em causa, destacamos o relato elaborado pelos inspectores da ASAE no decurso da fiscalização que deu origem aos presentes autos», mas sobre a concreta relevância desses documentos nada diz. E nada diz porque eles mesmo nada dizem nem poderiam dizer sobre o conhecimento que a arguida despronunciada tinha do facto dos produtos expostos para venda na loja pelo seu empregador serem genuínos ou contrafeitos ou dos mesmos ali ter feiro reproduzir de forma a ser audível por quem estivesse na loja uma qualquer obra fonográfica sem para tal estivesse autorizado. E é bem sabido, por um lado, que não há cumplicidade sem que dolosamente alguém preste auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso, como pacificamente resulta da lei[10] e, por outro, que só há dolo quando o agente representa o facto que preenche o tipo de crime, ou seja, que conhece os factos que integram o tipo de crime.[11] O que no caso vale por dizer que a arguida teria que conhecer que o produto exposto para venda na loja pelo seu empregador era genuíno ou contrafeito ou que o mesmo ali fazia reproduzir de forma a ser audível por quem estivesse na loja uma qualquer obra fonográfica sem para tal estivesse autorizado. Ora, o recorrente Ministério Público não especifica nenhum documento que indicie que a arguida conhecia esses factos e em boa verdade teremos que lembrar que nenhum deles indicia que ela o soubesse.

Com isto não ignoramos que o recorrente Ministério Público pretende que o auto de notícia[12] seja valorizado dizendo até que, pese embora os inspectores que o elaboraram não tivessem sido inquiridos no inquérito, isso aconteceu por ter sido considerado desnecessário, quer por o terem subscrito, quer porque tal relato lhe parece ilustrativo da realidade que se deparou nessa fiscalização, não vislumbrando que mais perguntar a esse respeito, entendendo que o teor de tal auto não pode ser desprezado, devendo ter pelo menos a mesma torça probatória que a inquirição que se pudesse fazer e que, no fundo, os inspectores da ASAE, como testemunhas, dizem que os artigos com marca contrafeita se encontravam encobertos por outros artigos na parte exterior do balcão, sendo por isso, evidente o cuidado em escondê-los, quando, tratando-se, para além do mais da marca «…», pela notoriedade que tem, não se mostra normal que um comerciante no seu perfeito juízo o pudesse fazer, ou não tosse o lucro o fim de qualquer comércio. Porém, a questão é esta: uma coisa é o relatado num auto de notícia e outra o testemunho prestado por quem o lavrou. E isso, aliás, poderá ter consequências práticas decisivas, conforme a jurisprudência lembrou quando decidiu que «a elaboração de um auto de notícia não pode ser confundida com um auto de prestação de declarações, pelo que não está vedada pelo n.º 7 do art. 356.º do CPP a valoração do depoimento de um soldado da GNR que se limita a confirmar o conteúdo do auto de notícia que elaborou e subscreveu, por não incidir sobre declarações prestadas pelo arguido.[13]

Claro está que sempre restaria o auto de notícia como única prova relevante da prática dos factos pela arguida então despronunciada, o que nos empurra para a consideração da sua verdadeira força probatória.
Partindo da consideração que o auto de notícia[14] é um documento[15] autêntico,[16] alguma jurisprudência tem entendido que por isso e em face do disposto na lei processual penal[17] esses autos têm força probatória para, por si e na falta de contradição, demonstrar os factos nele relatados.[18] Não é esse, no entanto e sempre salvaguardando o devido respeito, o entendimento que perfilhamos.
Com efeito, preferimos a tese daqueles que operam um corte conceptual entre os documentos valoráveis no processo e da concomitante força probatória que se lhes deve associar, considerando, por um lado, os intra-processuais, que são intrínsecos do processo e, por outro, os extra-processuais, que lhe são extrínsecos.[19] Aqueles são os elaborados no próprio processo ou tendo em vista o processo, enquanto que estes têm uma génese e finalidade a se que lhe é estranha mas que acabam por neles ser incorporados para prova dos factos nele discutidos. Assim, por exemplo, um auto de notícia ou um auto de busca são documentos intraprocessuais enquanto que um cheque bancário ou uma certidão de nascimento são documentos extraprocessuais.
Partindo desta dicotomia e relevando os termos em que a lei regula o tempo[20] e o modo[21] a que deve obedecer a junção dos documentos ao processo, impõe-se a conclusão de que a especial força probatória que a lei processual penal confere aos documentos autênticos se circunscreve unicamente aos documentos extra-processuais, não abarcando, por conseguinte, os documentos intra-processuais. Se assim não fosse, acrescentamos nós, e os autos de notícia tivessem a força probatória reforçada que consideramos que o art.º 169.º reserva aos documentos extra-processuais, tal colidiria com a livre valoração dos depoimentos testemunhais dos próprios agentes autuantes, o que seguramente resulta do princípio geral enunciado no art.º 127.º, este e aquele do Código de Processo Penal. Quer dizer, a prova resultante do auto seria sobrevalorizada face ao depoimento da pessoa que o lavrou, o que seria algo paradoxal. Pelo contrário, a tese que seguimos permite harmonizar ambos os meios de prova, pois que então um e outro devem ser livremente valorados pelo julgador, de acordo com o princípio geral atrás referido. Mas com uma evidente diferença: se a imediação do juiz com as provas fica em ambos os casos assegurada, a verdade é que o auto de notícia não permite o aprofundamento e o esclarecimento probatório do depoimento testemunhal. Nessa medida, pode, por exemplo, servir como auxiliar de memória para o autuante mas não sobrepor-se ao seu depoimento.
Assim olhado o auto de notícia e valorado com as restrições referidas, é forçoso concluir que, por si mesmo e desacompanhado de outras provas, não indicia a prática do crime pela recorrida.[22] Pretexta o Ministério Público que tal se poderia inferir do facto dos inspectores da ASAE noticiarem que as roupas contrafeitas se encontravam encobertos por outros artigos e que por isso é evidente o cuidado em escondê-los, mas naturalmente que esquece que o auto de notícia sequer diz quem lá os colocou ou, na sua indemonstrada terminologia, quem lá os escondeu. Mas refere o Inspector no auto de notícia que a dada altura o co-arguido compareceu no estabelecimento e disse que os adquiriu a um indivíduo de etnia cigana e que dessa transacção ou transacções não tinha factura. Destarte, se nada acrescenta à responsabilidade da recorrida, pode, quando muito, fazer intuir o contrário e nessa medida afastar os indícios da sua cumplicidade na prática do crime de venda ou circulação de produto contrafeito, previsto e punível pelo art.º 27.º, n.º 1, do Código Penal e pelo art.º 324.º, com referência ao disposto no art.º 323.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código da Propriedade Industrial.
Finalmente, temos o único depoimento testemunhal prestado nos autos, embora já em sede de instrução. Pode-se compreender as reservas que o recorrente Ministério Público lhe coloca por ser o contabilista da empresa, mas não podemos ignorar que disse ser o co-arguido D… e não a arguida quem manejava o estabelecimento: lidava com fornecedores, procedia à aquisição dos stocks, contratava os funcionários e directamente lidava com o gabinete de contabilidade, estando aquela à margem dos seus destinos e que a mesma desconhecia a inexistência de autorização para passar a música que estava a tocar na loja na altura da fiscalização, bem como que o demais material apreendido era contrafeito. Valendo o que vale, ainda assim credita a tese da recorrida e retira lastro à do recorrente Ministério Público. Tendo optado por não completar o inquérito, o mais que lhe poderemos dizer é que sibi imputet, si, quod sæpius cogitare poterat et evitare, non fecit.

Mas o mesmo já se não pode dizer relativamente ao crime de violação de direitos autorais.
Com efeito, a lei estabelece que comete o crime de usurpação quem, inter alia, coligir ou compilar obras publicadas ou inéditas sem autorização do autor.[23] Pelo que não levanta quaisquer dúvidas que preenche a figura de usurpador aquele que utiliza a obra de outro sem autorização.[24]

Baixando ao caso sub iudicio, seguindo a linha de raciocínio do recorrente Ministério Público temos que, uma vez que a arguida se encontrava no momento da visita dos inspectores da ASAE no estabelecimento do co-arguido, se deverá concluir que fora ela quem colocara a Pen a difundir a música de H… pelo sistema de difusão de som lá instalado e por isso se mostra indiciada a sua autoria, porquanto será muito provável, seguindo as regras da experiência, que a cópia dos ficheiros através da internet se desenrolasse de acordo com a sua vontade e do gerente do estabelecimento.

Por nós diremos mais do que isso. É que se olharmos ao auto de notícia vemos que nele foi referido pelo Inspector da ASAE que o elaborou que a recorrida, referindo-se aos ficheiros de música, «disse que descarregou-os livremente da Internet, acrescentando que desconhecia que aquela prática era ilícita, assumindo a posse da correspondente Pen Drive.» Destarte, não parece necessário fazer qualquer apelo às regras da experiência para se poder ter como suficientemente indiciado que a recorrida usava e sabia da proveniência ilícita da música que tocava no sistema sonoro instalado no estabelecimento comercial do co-arguido, por conta de quem ali trabalhava. Isto porque, de acordo com o auto de notifica a mesma assumiu que descarregara os ficheiros da Internet sem que para tal estivesse autorizada por quem detinha os direitos autorais.[25] Indiciado, dizemos e convém que se note bem isso, que não provado, pois que, na senda do que atrás dissemos, também alinhamos com aqueles que consideram que o auto de notícia não tem, por si só, a virtualidade de provar o crime.[26] Mas a questão está mesmo aí, ou seja, na instrução deve curar-se da presença ou ausência de indícios e não da prova da prática de crimes ou da ausência dela.[27] E indícios de que a arguida praticou aquele crime, para já, existem no processo, sendo que no julgamento, quer por via da prestação de declarações por parte da arguida e / ou de depoimento testemunhal por parte dos Inspectores da ASAE, também poderá haver, ou não, prova confirmativa desses indícios.
Assim sendo, resta-nos dizer que nesta parte o recorrente Ministério Público tem razão, devendo, por conseguinte, o Mm.º Juiz de Instrução Criminal alterar o despacho de pronúncia em conformidade com o que atrás referimos, dando por indiciados os factos correspondentes àquele crime e nessa estrita medida pronunciando a arguida e recorrida.
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III - Decisão.
Termos em que se concede parcial provimento ao recurso e, por conseguinte, se determina que o Mm.º Juiz de Instrução Criminal profira despacho alterando o de não pronúncia da arguida, no qual dê por indiciados os factos correspondentes à prática por ela, a título de co-autoria, do crime de usurpação de obra contrafeita ou usurpada, previsto e punível pelo art.º 195.º, n.os 1 e 2, alínea b) e 197.º, n.º 1, em concurso aparente com um crime de aproveitamento de obra usurpada, previsto e punível pelo art.º 199.º, n.º 1 e 197.º, n.º 1, todos os do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, no mais se mantendo o despacho recorrido.
Sem custas (art.º 522.º do Código de Processo Penal).
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Porto, 11-09-2013.
António José Alves Duarte
José Manuel da Silva Castela Rio
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[1] Todos os realces (sublinhados, negritos, itálicos, letra menor, inserções entre parênteses ou travessões, etc.) são da responsabilidade do signatário da presente decisão.
[2] Em “Sumários de Processo Criminal”, págs. 38 e 39.
[3] Em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 1.º vol., 3ª ed., 1993, pág. 204.
[4] Toda a demais matéria de facto alegada pelo Ministério Público deve ter-se por suficientemente indiciada, com base na prova arrolada na acusação e supra apreciada.
[5] Art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
[6] Idem. Na linha, aliás, do que desde há muito ensinou o Prof. Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil, Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1984, página 359: «Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.»
[7] Cavaleiro Ferreira, no Curso de Processo Penal, volume II, página 27.
[8] E, por conseguinte, para a pronúncia dos outros dois co-arguidos.
[9] Na conclusão limita-se a dizer que os indícios se baseiam na conjugação e articulação de todos os elementos documentais e testemunhais indicados na acusação, pelo que considerámos pertinente acrescentar o que mais escreveu na motivação do recurso.
[10] Art.º 27.º, n.º 1 do Código Penal.
[11] Art.º 14.º, n.º 1 do Código Penal. É o chamado elemento cognitivo do dolo.
[12] Quanto aos outros documentos nada mais disse a partir daí.
[13] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-06-2006, no processo n.º 06P1574, publicado em http://www.dgsi.pt e da Relação de Lisboa, de 10-03-2009, no processo n.º 22/07.0FCSTB.L1, publicado em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_busca.php?buscahome=auto+de+not%EDcia&pagina=&ficha=&exacta=&.
[14] Art.º 243.º, n.º 1 do Código de Processo Penal: «Sempre que uma autoridade judiciária, um órgão de polícia criminal ou outra entidade policial presenciarem qualquer crime de denúncia obrigatória, levantam ou mandam levantar auto de notícia…»
[15] O art.º 164.º, n.º 1 do Código de Processo Penal diz-nos que se entende por documento «a declaração, sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico, nos termos da lei penal.» E o art.º 255.º, alínea a) do Código Penal que se considera «documento a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta.»
[16] Já que o art.º 363.º, n.os 1 e 2 do Código Civil refere que «os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares» e que «autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividades que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares.»
[17] Art.º 169.º do Código de Processo Penal, segundo o qual «consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa.»
[18] Nesse sentido decidiu o Acórdão da Relação de Lisboa, de 03-11-2011, no processo n.º 241/08.2GGLSB.L1-9, publicado em http://www.dgsi.pt, o qual considerou, citamos, realçando, que, «sendo assim, resulta da conjugação de todos os referidos preceitos que, não havendo sido, por qualquer forma, postos em causa, quer a autenticidade do auto de notícia de fls. 4, quer a veracidade dos factos no mesmo descritos, pois que o arguido, para além de ter faltado ao julgamento, também não os contestou, sempre estes haveriam, necessariamente, de ter sido dados como comprovados pelo tribunal a quo, ainda que o autuante não tivesse sido ouvido.»
[19] A partir daqui seguiremos de perto a jurisprudência do Acórdão da Relação do Porto, de 05-01-2011, no processo n.º 280/09.6TAVCD.P1, também explicitamente acolhida pelo acórdão da Relação de Coimbra, de 19-09-2012, no processo n.º 279/09.2PCLRA.C1 (tenha-se em conta que nada do seu sumário indicia tratar desta questão, mas a fundamentação não deixa quaisquer dúvidas acerca disso), ambos publicados em http://www.dgsi.pt).
[20] O art.º 165.º, n.º 1 do Código de Processo Penal estabelece que «o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência.»
[21] O art.º 164.º, n.º 2 do Código de Processo Penal diz-nos que «a junção da prova documental é feita oficiosamente ou a requerimento…»
[22] Aliás, sustentando que o auto de notícia por si nunca prova a prática do crime é o que defendem, na doutrina, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume III, 3.ª edição, página 60 e Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, página 642 e, na jurisprudência, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-12-2006, no processo n.º 06P3666, publicado em http://www.dgsi.pt.
[23] Art.º 195.°, n.º 2, alínea b) do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.
[24] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-04-2010, no processo n.º 3501/05.0TBOER.L1.S1 e da Relação de Évora, de 19-03-2013, no processo n.º 200/11.8GBSTC.E1, ambos publicados em http://www.dgsi.pt.
[25] Bem sabemos que a recorrente optou por não prestar declarações no decurso do inquérito e que poderá manter essa postura no julgamento e que, portanto, além da prova decorrente do auto de notícia, o Tribunal do julgamento possa vir a dispor apenas dos depoimentos dos Inspectores da ASAE que intervieram naquele auto. Porém, na linha do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 440/99, de 08-07-1999, no processo n.º 268/99, publicado no Diário da República, II Série, de 09-11-1999, entendemos que não há qualquer impedimento constitucional ou legal a que, nos termos dos art.º 129.º, n.º 1, conjugado com o art. 128.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, o tribunal possa valorar livremente os depoimentos de testemunhas que relatem conversas tidas com o arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, isto porque tal não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o seu direito de defesa. No mesmo sentido tem geralmente seguido a jurisprudência desta Relação do Porto, como foi o caso dos acórdãos de 27-02-2008, no processo n.º 0810050, de 25-06-2008, no processo n.º 0742789, 24-09-2008, no processo n.º 0843468, de 05-05-2010, no processo n.º 219/08.6GAMDB.P1, de 09-02-2011, no processo n.º 195/07.2GACNF.P1 e de 09-11-2011, no processo n.º 11263/08.3TDPRT.P1, no penúltimo dos quais foi o ora relator adjunto e no último relator, todos publicados em http://www.dgsi.pt.
[26] Neste sentido, vd. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume III, 3.ª edição, página 60 e Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, página 642 e, na jurisprudência, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-12-2006, no processo n.º 06P3666, publicado em http://www.dgsi.pt.
[27] Art.º 308.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.