Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3448/09.1YYPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
CÁLCULO
Nº do Documento: RP201205143448/09.1YYPRT-A.P1
Data do Acordão: 05/14/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Se no contrato de penhor sobre depósito a prazo, não foi constituída nem reconhecida qualquer obrigação pecuniária, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, não estamos face a um título executivo.
II - Para que o credor possa reclamar créditos na execução, não basta a invocação da garantia real, sendo imprescindível a apresentação de título executivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Proc. 3448/09.1YYPRT-A.P1

Sumário
I – Para que o credor possa reclamar créditos na execução, não basta a invocação da garantia real, sendo imprescindível a apresentação de título executivo.
II – No «Contrato de Penhor sobre Depósito(s) a Prazo», assinado pela executada em papel timbrado desta, não foi constituída nem reconhecida qualquer obrigação pecuniária, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético.
III - Portanto, aquele documento particular não é, por si só, um título executivo.
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Acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I – Relatório
Por apenso à execução instaurada por B…, Lda contra C…, Lda, foi reclamado um crédito de 250.000 € pelo D…, Sa em 21/12/2009, alegando, em síntese:
- por contrato escrito celebrado em 28/10/2008, a executada constituiu a favor do reclamante um penhor sobre o depósito a prazo com o nº ………. conforme doc. 1 que junta;
- o penhor foi constituído para garantia do cumprimento das responsabilidades assumidas ou a assumir pela executada perante o Banco, até ao limite de 250.000 €, em euros ou divisas, provenientes da garantia bancária nº …………, prestada pelo Banco a seu pedido e pela permissão da utilização a descoberto de contas de depósito à ordem;
- o referido depósito encontra-se parcialmente penhorado no âmbito da execução;
- a pedido da executada, o Banco prestou a referida garantia bancária à E…, no montante de 5.500.000 DIRHAMS, a qual, até à presente data não foi accionada;
- acresce que a executada é titular da conta de depósitos à ordem nº 0215327 sedeada numa sucursal do reclamante, que à presente data apresenta um saldo negativo de 4.374.395,04 €;
- pelo que a dívida actual da executada é de 4.374.395,04 € a que acrescerá o valor da garantia bancária.
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A reclamação foi impugnada pela executada, que, em síntese, alegou:
- a petição inicial é inepta;
- inexiste título executivo pois dele não resultam as quantias em débito que perfaçam o montante peticionado;
- a lei não autoriza a reclamação do crédito do credor pignoratício se este se encontrar sujeito a condição suspensiva, de verificação futura e incerta;
- a verificação de uma outra situação de inexigibilidade da obrigação exequenda que se não identifique com a mera falta de vencimento, não possibilita a deduzida reclamação de créditos;
- e não se diga que esta posição deixa sensivelmente desprotegida a posição do Banco reclamante, enquanto credor pignoratício, pois poderá lançar mão, no momento em que a condição do crédito se verificar, da acção executiva, provocando uma graduação dos créditos, no processo em que a penhora for mais antiga, nos termos do art. 871º do CPC;
- além disso, a garantia invocada na presente reclamação foi substituída por hipotecas sobre diversos imóveis, pelo que inexiste o penhor;
- o alegado saldo negativo de 4.374.395,04 € da conta nº 02153207, a existir, resulta de débitos realizados unilateralmente pelo Banco, respeitantes a situações e contratação que nada têm a ver com o penhor em causa.
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O credor reclamante respondeu, alegando, em resumo:
- no âmbito de outra acção executiva, apresentou reclamação de créditos idêntica à apresentada nos presentes autos, não tendo a executada impugnado os créditos reclamados, pelo que os créditos e as respectivas garantias reais reclamadas nesse processo haver-se-ão como reconhecidos e serão graduados;
- a petição inicial não é inepta;
- em data posterior à reclamação de créditos, em 2/8/2010, o Banco comunicou à executada a interpelação efectuada pelo Banco Marroquino para pagamento da aludida garantia bancária, solicitando informação relevante, sob pena de o Banco se ver forçado a honrar a mesma, e em 14/09/2010 informou a executada e os avalistas desta operação, do pagamento efectuado, interpelando-os para liquidarem a mesma, o que não aconteceu, pelo que preencheu a livrança caução desta responsabilidade pelo montante de 506.947,80 € conforme doc. 4 e 5 que junta;
- pelo que à presente data a garantia bancária referida no contrato de penhor já foi honrada pelo Banco;
- o título existe pois foi junto à p.i. e é perfeitamente suficiente para a reclamação, já que as quantias em dívida ao reclamante, provenientes da garantia bancária agora já honrada pelo Banco e do descoberto da conta, são muito superiores ao valor estipulado no contrato de penhor;
- o penhor não foi substituído pelas hipotecas.
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A executada apresentou tréplica, invocando, no essencial que inexiste decisão transitada em julgado a reconhecer o crédito e/ou garantia do reclamante.
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Realizada audiência de discussão e julgamento, foi depois proferida sentença que reconheceu e graduou em primeiro lugar o crédito reclamado pelo D…, Sa sobre a quantia existente na conta de depósito a prazo nº ………. até ao montante máximo de € 250.000,00.
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Inconformada, a executada, e tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:
1 – O presente recurso incide sobre a questão de se saber se a recorrida tem ou não título exequível ou, melhor dizendo, se os documentos juntos pelo banco recorrido com a reclamação de créditos constituem ou não título executivo dos créditos por ele reclamados.
2 - Dispõe o Art.865º do CPC:
nº1 - “Só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar pelo produto destes o pagamento dos respectivos créditos”.
nº2 - “A reclamação tem por base um título exequível e é deduzida no prazo de 15 dias a contra da citação do reclamante”.
3 - Com a Petição Inicial e em requerimento apresentado posteriormente, trouxe o banco recorrido o seguinte suporte documental aos autos:
A) Contrato de penhor sobre depósito a prazo constituído junto do recorrido “Para garantia do cumprimento das responsabilidades assumidas e ou a assumir por C…, SA, perante o mesmo Banco até ao limite de 250.000,00 €, em euros ou em divisas, provenientes de garantia bancária nº ………… prestada pelo Banco a seu pedido e pela permissão da utilização a descoberto de contas de depósito à ordem, incluindo reembolso do capital até ao indicado montante, ao qual acrescem os respectivos juros remuneratórios e moratórios às taxas contratualmente acordadas ou outras taxas posteriormente convencionadas, cláusula penal, as comissões e demais encargos legal ou contratualmente exigíveis e, ainda, das despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de Advogados e Solicitadores que o Banco venha a fazer para assegurar ou cobrar quaisquer dos referidos créditos.”
B) Comunicação à recorrente da interpelação efectuada pela E… para pagamento quantia de 5.500.000,00 Dirames;
C) Carta a informar a recorrente que o banco honrou a garantia bancária nº………… e pagou a quantia de 499.564,02€, interpelando-a para pagar o valor pago;
D) Carta a informar a recorrente que preencheu a livrança de caução em branco pelo valor de 506.947,80€.
4 - No entender da recorrente, os documentos juntos pelo banco recorrido com a reclamação de créditos apresentada titulam unicamente a constituição da garantia real do penhor sobre os créditos identificados na reclamação, que constituem créditos futuros.
5 – Mas esses documentos não são, todavia, títulos executivos dos créditos reclamados pelo banco recorrido.
6 – O banco recorrido não apresentou com a reclamação de créditos título exequível referente aos créditos reclamados, mas tão só documento comprovativo da constituição de garantia real dos créditos aí identificados.
7 - Acresce que, os documentos juntos em momento posterior pelo banco recorrido também não constituem títulos executivos ou exequíveis dos alegados créditos, pois que não são títulos executivos dos créditos reclamados contra a recorrente, atento o disposto no Art. 46º do CPC.
8 - A comunicação feita à recorrente da interpelação feita pelo beneficiário da garantia, o documento comprovativo do pagamento ao beneficiário da garantia do valor de 5.5000.000 MDA e as cartas de interpelação da recorrente e dos avalistas para pagarem ao banco recorrido os valores pagos por estes ao beneficiário da garantia, não são títulos executivos.
9 - Se de outro modo quisermos, o banco recorrido não exibiu os títulos exequíveis exigidos pelo Art. 865º nº2 do CPC, não possuindo assim título exequível quanto aos créditos reclamados na medida em que os mesmos não constam de sentença nem de outro título exequível.
10 - Por errada interpretação e aplicação, violou a sentença recorrida o disposto nos Arts.45º, 46º e 865º nº2 e 3 do CPC.
Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis que V. Exas. como sempre doutamente suprirão, deve dar-se provimento recurso e, por consequência, deverá revogar-se a sentença recorrida proferindo-se decisão que, acolhendo as posições sustentadas pela recorrente, julgue improcedente a reclamação de créditos apresentada pelo banco recorrido, assim se cumprindo a Lei, em homenagem à Justiça.
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O recorrido contra-alegou defendendo a confirmação da sentença.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. (art. 684º nº 3 e 685º-A nº 1 e 660º nº 2 do CPC), pelo que questão a decidir é esta:
- se a reclamação de créditos apresentada pelo apelado está baseada em título exequível
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III – Fundamentação
1. Os factos
1.1. Na sentença recorrida vem dado como provado:
A) Por contrato escrito celebrado em 28 de Outubro de 2008, a executada C…, S.A., constituiu a favor do D…, S.A., um penhor sobre o depósito a prazo com o nº ………., nos termos e com o conteúdo constante a fls. 6 e 7 dos autos.
B) O penhor foi constituído para garantia do cumprimento das responsabilidades assumidas ou a assumir pela C… (…), perante o D… (…), até ao limite de € 250.000,00 em euros ou divisas, provenientes de garantia bancária nº …………, prestada pelo Banco a seu pedido e pela permissão da utilização a descoberto de contas de depósito à ordem.
C) O referido depósito a prazo encontra-se parcialmente penhorado no âmbito da execução apensa.
D) A pedido da executada, o D… (…) prestou uma garantia bancária à E…, no montante de 5.500.000,00 Dirhams, à qual foi atribuído o nº ………….
E) A executada C… (…) é titular da conta de depósitos à ordem nº …….., sediada numa sucursal do credor reclamante, a qual apresentava em 21 de Dezembro de 2009 um saldo negativo de €4.374.395,04.
F) A executada C… (…) foi citada em 14 de Julho de 2010, no processo de reclamação de créditos do 2º Juízo do Tribunal de Ponta Delgada nº 450/09.7TBPLD.
G) A reclamação de créditos apresentada pelo credor reclamante nesse processo é idêntica à apresentada nos presentes autos.
H) A executada não impugnou os créditos reclamados pelo aqui credor reclamante no processo referido em F).
I) Em 2 de Agosto de 2010, o D… (…) comunicou à executada C… (…) a interpelação efectuada pelo Banco Marroquino para pagamento da Garantia Bancária ………… solicitando informação relevante, sob pena de o Banco se ver forçado a honrar a mesma.
J) Em 14 de Setembro de 2010, o D… (…) informou a executada e os avalistas desta operação, do pagamento efectuado, interpelando-os para liquidarem a mesma, o que não aconteceu, tendo então preenchido a livrança exequenda.
K) No dia 29 de Janeiro de 2009, a executada C… (…) constituiu hipoteca sobre diversos prédios, nos termos e com o conteúdo constante de fls. 27 a 32 dos autos.
L) No dia 14 de Maio de 2009, a executada C… (…) constituiu hipoteca sobre diversos imóveis, nos termos e com o conteúdo constante de fls. 34 a 46.
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1.2. Na livrança referida em J) lê-se: «No seu vencimento pagaremos por esta única via de livrança ao D… ou à sua ordem a quantia de Quinhentos e seis mil novecentos e quarenta e sete euros e oitenta cêntimos», mais constando:
- como local e data de emissão: «Porto 2007-10-11»;
- como importância a pagar: «506.947,80 €»;
- como data de vencimento: «2010-09-23»;
- no espaço referente a «valor»: «Liquidação de Garantia Bancária nº …………»;
- no espaço destinado a «Assinatura(s) do(s) subscritor(es) um carimbo com os dizeres «C…, Sa Um administrador» e sob esses dizeres uma assinatura;
- no espaço referente a «Nome e morada do(s) subscritor(es): «C…, Sa».
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2. O Direito
Só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respectivos créditos, devendo a reclamação ter por base um título exequível (cfr art. 865º nº 1 e 2 do CPC)
Podem servir de base à execução os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético (cfr art. 46º do mesmo Código).
No caso dos autos, o credor reclamante invocou o «Contrato de Penhor sobre Depósito(s) a Prazo» celebrado com a executada em 28/10/2008 cuja cópia consta como doc 1 de fls. 6/7.
Diz-nos o art. 666º nº 1 do Código Civil que «O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro».
O penhor é, pois, uma garantia real das obrigações.
Mas para que o credor possa reclamar créditos na execução, não basta a invocação da garantia real, sendo imprescindível a apresentação de título executivo.
Ora, pelo «Contrato de Penhor sobre Depósito(s) a Prazo», assinado pela executada em papel timbrado desta, não foi constituída nem reconhecida qualquer obrigação pecuniária, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético. Foi sim constituído penhor para garantia «das responsabilidades assumidas ou a assumir» pela executada até ao limite de 250.000 € em divisas, provenientes da mencionada garantia bancária e pela permissão da utilização a descoberto de contas de depósito à ordem.
Portanto, aquele documento particular não é, por si só, um título executivo.
Vejamos então se da conjugação desse documento com os demais factos provados podemos concluir que o reclamante dispõe de título exequível.
Está provado que a conta de depósitos à ordem nº …….... de que é titular a executada apresentava um saldo negativo de 4.374.395,04 € em 21/12/2009. Porém, não está junto aos autos qualquer documento assinado pela executada reconhecendo a obrigação de pagamento dessa quantia ou reconhecendo que fez utilização dessa conta bancária provocando esse descoberto, nem estão juntos documentos assinados pela executada que comprovem que fez tal utilização da conta. Em consequência, não se pode considerar que esse facto complementa o «Contrato de penhor» e lhe confere a natureza de título executivo.
Mas está provado que em 2 de Agosto de 2010, o reclamante comunicou à executada a interpelação efectuada pelo Banco Marroquino para pagamento da Garantia Bancária ………… solicitando informação relevante, sob pena de se ver forçado a honrar a mesma e que em 14 de Setembro de 2010 informou a executada e os avalistas desta operação, do pagamento efectuado, interpelando-os para liquidarem a mesma, o que não aconteceu, tendo então preenchido a livrança cuja cópia está a fls. 80.
A referida livrança é um documento assinado pela executada, e não impugnado por esta, que importa a constituição ou o reconhecimento de obrigação pecuniária cujo montante está determinado. Por isso, é um título executivo.
Em consequência, com a junção da cópia da livrança demonstrou o reclamante estar munido de título executivo referente a crédito vencido em 23/9/2010 e garantido pelo penhor constituído sobre o depósito bancário parcialmente penhorado na execução. Improcede, por isso, a apelação.
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IV – Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 14 de Maio de 2012
Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate
José Eusébio dos Santos Soeiro de Almeida
Maria Adelaide de Jesus Domingos