Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | CARLOS QUERIDO | ||
| Descritores: | PRAZO DA PRESTAÇÃO BENEFICIÁRIO DO PRAZO DIVIDA LIQUIDÁVEL EM PRESTAÇÕES INTERPELAÇÃO DO DEVEDOR EFICÁCIA DA DECLARAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP201512162691/10.5TBVNG-B.P1 | ||
| Data do Acordão: | 12/16/2015 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - De acordo com o princípio geral enunciado no artigo 779.º do Código Civil, o benefício do prazo tem-se por estabelecido a favor do devedor, quando se não demonstre que o foi a favor do credor, ou do devedor e do credor conjuntamente. II - Ocorre, no entanto, a perda do referido benefício por parte do devedor, na situação de incumprimento das obrigações de prestação fraccionada, como expressamente estipula o artigo 781.º do Código Civil, no qual se prevê que a falta de realização de uma prestação importa o vencimento das restantes. III - A perda do benefício do prazo traduz-se no facto de a lei consentir que em determinadas circunstâncias, como a que se referiu, o credor possa exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação, apesar de o devedor ser beneficiário do prazo estipulado. IV - Ocorrendo perda do benefício do prazo nas circunstâncias referidas, o credor (exequente) não fica dispensado de interpelar os devedores (executados). V - A referida interpelação é eficaz, quando dirigida para a morada constante da escritura na qual se formalizou o negócio, ainda que se prove que os executados ali deixaram de residir, já que lhes incumbia, numa conduta contratual criteriosa e diligente, o dever de indicar qualquer posterior alteração de residência. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2691/10.5TBVNG-B.P1 Sumário do acórdão: I. De acordo com o princípio geral enunciado no artigo 779.º do Código Civil, o benefício do prazo tem-se por estabelecido a favor do devedor, quando se não demonstre que o foi a favor do credor, ou do devedor e do credor conjuntamente. II. Ocorre, no entanto, a perda do referido benefício por parte do devedor, na situação de incumprimento das obrigações de prestação fraccionada, como expressamente estipula o artigo 781.º do Código Civil, no qual se prevê que a falta de realização de uma prestação importa o vencimento das restantes. III. A perda do benefício do prazo traduz-se no facto de a lei consentir que em determinadas circunstâncias, como a que se referiu, o credor possa exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação, apesar de o devedor ser beneficiário do prazo estipulado. IV. Ocorrendo perda do benefício do prazo nas circunstâncias referidas, o credor (exequente) não fica dispensado de interpelar os devedores (executados). V. A referida interpelação é eficaz, quando dirigida para a morada constante da escritura na qual se formalizou o negócio, ainda que se prove que os executados ali deixaram de residir, já que lhes incumbia, numa conduta contratual criteriosa e diligente, o dever de indicar qualquer posterior alteração de residência. Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório O B…, SA, instaurou execução com processo comum, contra C… e esposa, D…, para cobrança da quantia de € 94.890,28, referente a um empréstimo para aquisição de duas frações autónomas (habitação e garagem). Em 8.07.2010, vieram os executados “deduzir oposição à execução”, alegando em síntese: as obrigações inerentes aos títulos dados à execução não se encontram definitivamente vencidas; o exequente não procedeu, junto dos opoentes, à interpelação para cumprimento com carácter admonitório; e não procedeu à resolução de qualquer contrato perante os opoentes; as diligências destinadas a tornar certa ou exigível a obrigação exequenda revestem a natureza de verdadeiros preliminares da execução, de pressupostos substanciais da mesma; o exequente instaurou o procedimento executivo, antes de tornar certa ou exigível a obrigação; não pode ser reclamado dos opoentes o pagamento de qualquer quantia de capital, ou de quaisquer outros valores e encargos; a divida exequenda não lhe é líquida, certa e exigível. Notificado, veio o exequente contestar em 4.05.2012, alegando em síntese: concedeu aos opoentes, dois empréstimos no valor global de € 75.000,00 (€ 65.000,00 + € 15.000,00), os quais deveriam ser amortizados em 564 prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, conforme consta da cláusula segunda dos documentos complementares juntos; ficou, ainda, estabelecido que o pagamento das aludidas prestações seria efectuado por débito na conta de depósitos à ordem n.º 45.309.731.402, de que os opoentes são titulares junto do exequente; em meados do ano 2007, o exequente detectou a falta de pagamento de algumas das prestações mensais devidas; facto esse que originou, nos termos e ao abrigo do disposto na cláusula nona dos mencionados documentos complementares, e, bem assim, do art.º 781.º do Código Civil, o vencimento imediato de todas as restantes prestações dos empréstimos em causa, em 01-08-2007 e em 01-05-2008, respectivamente para o primeiro e segundo empréstimos; foi com grande surpresa que o exequente foi, agora, notificado do teor da oposição à execução deduzida pelos opoentes, porquanto é, de todo em todo, infundada a alegação apresentada; ocorrendo incumprimento, não é necessária qualquer interpelação para o vencimento imediato; acresce que o exequente, por carta datada de 6.07.2009, dirigida aos opoentes por via postal registada, interpelou-os para o imediato vencimento e exigibilidade de toda a dívida; por carta datada de 10.04.2010, os opoentes, após o conhecimento da carta de interpelação, tentaram entrar em negociações com o exequente, com vista à dação em cumprimento das fracções hipotecadas e devidamente identificadas no requerimento executivo; na sequência da troca das aludidas comunicações, foi realizada uma reunião com os opoentes, tendo sido comunicado, aos mesmos, que a aludida dação teria o valor de € 68.940,00, valor esse que seria manifestamente insuficiente para a regularização das responsabilidades dos opoentes junto do banco, sendo necessário, um empréstimo adicional no valor de € 22.587,85; informação reiterada por comunicação escrita remetida aos opoentes em 3.05.2010, conforme documento que se junta; a contraproposta do Banco não foi aceite pelos opoentes, não tendo os mesmos procedido à reunião das condições necessárias para a resolução extrajudicial do assunto; motivo pelo qual o exequente avançou com o processo de execução para recuperação coerciva do seu direito de crédito. Por despacho de 1.02.2013 foi agendada a marcação de uma tentativa de conciliação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 509º do Código de Processo Civil, com vista a uma solução consensual, tendo as partes requerido a suspensão da instância para negociação de eventual acordo, o qual se veio a frustrar. Em 24.01.2014, foi proferido despacho saneador, no qual: se fixou o valor da oposição à execução em € 94.890,28; se proferiu saneador tabelar, concluindo-se pela verificação de todos os pressupostos processuais que permitem o conhecimento de mérito; se definiu a factualidade assente e se elaborou a base instrutória; e se determinou a notificação das partes para o efeito do disposto no n.º 1 do artigo 512.º, do CPC. Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença em 2.06.2015, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto e em conclusão, julgo não provada e improcedente a presente Oposição à Execução, pelo que, em consequência, determino o prosseguimento da execução apensa os seus ulteriores e normais termos. Custas pelos Oponentes. Registe e Notifique.». Não se conformaram os executados/opoentes e interpuseram recurso de apelação, apresentando alegações que terminam com as seguintes conclusões: 1.º Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos Autos, por se entender que se impõe a modificação da decisão que julgou não provada e improcedente a oposição à execução, determinando o prosseguimento da execução. 2.º Entende, o aqui Recorrente, terem sido violadas, nomeadamente, as normas constantes dos artigos 45.º, 46.º, 729.º, 731.º, todos do C.P.C., 781.º e 224.º do C.C.. 3.º Os aqui Recorrentes não se conformam com a interpretação segundo a qual o envio da carta de 06-07-2009, junta por cópia a fls. 21 v e 22, relativa aos contratos em apreço, e que foi remetida para a morada dos aqui Recorrentes constante dos contratos, mas na qual não residem, cumpra as finalidades de interpelação exigíveis. 4.º Bem como entendem que deveria constar da matéria provada, o facto de que o mútuo bancário, com constituição de hipoteca se destinou a aquisição de habitação própria e permanente. 5.º E que a entidade bancária sabia que a fracção autónoma dada de hipoteca se destinava a habitação própria e permanente. 6.º Na escritura designada “compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança”, consta expressamente “a referida fracção “Y” se destina exclusivamente a sua habitação própria permanente” 7.º A Exequente remeteu a correspondência destinada aos aqui recorrentes, para a anterior morada Rua…. 8.º Os Recorrentes depositavam na conta bancária referenciada o montante prestacional reportado pelo Banco, não tendo recepcionado qualquer carta, na qual fosse indicado valor diverso (superior). 9.º Foi através dos fiadores que tomaram conhecimento do invocado incumprimento. 10.º Declarou a testemunha E… (…). 11.º A testemunha F… declarou (…). 12.º O Banco Exequente não estava dispensado da legal comunicação aos Recorrentes. 13.º A missiva de 06-07-2009, não detém tal virtualidade, isto é não legitima, nem integra a exigida interpelação. 14.º A Exequente não podia ignorar que a habitação adquirida destinou-se a habitação própria e permanente, sendo obviamente, a partir dessa data, essa a morada dos Recorrentes. 15.º A que acresce o facto de que tal missiva não foi recepcionada pelos Recorrentes. 16.º O artigo 224.º, n.º 1 do C.C. estabelece as regras relativas à eficácia da declaração negocial, estabelecendo que para protecção dos interesses do declarante, dentro dos princípios da boa fé, a declaração também se considera eficaz se só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida. 17.º A Exequente em nenhum momento explicou aos Recorrentes a obrigação de informarem o Banco, além da já prestada na escritura de fls., que a morada passaria a ser a indicada, na escritura, como habitação própria e permanente. 18.º O Exequente interveio na escritura! 19.º Teve cabal conhecimento dos seus termos. 20.º A declaração ali prestada pelos aqui Recorrentes de que o prédio dado de hipoteca, passaria a ser a residência permanente dos mesmos não poderia ser mais explícita e clara. 21.º E ao abrigo do previsto no artigo 224.º, do C.C. foi de imediato conhecida da Recorrida que se conformou com tal declaração e a ela nada opôs. 22.º Assim sendo, entendem os aqui Recorrentes que a missiva de fls., não se tornou eficaz e por isso não foi cumprido o dever de interpelação que recaia sobre a Exequente. 23.º A Exequente também não pode ignorar o regime legal específico dos créditos concedidos para habitação, designadamente o Decreto-Lei n.º 51/2007 de 7 de Março, que regula as práticas comerciais das instituições de crédito e assegura a transparência da informação por estas prestada no âmbito da celebração, da renegociação e da transferência dos contratos de crédito para aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para aquisição de terrenos para construção de habitação própria, referindo o seu n.º 2 a aplicação aos contratos em execução. 24.º Tão pouco pode a Exequente ignorar o dever de informação (se entendesse que os aqui Recorrentes deveriam ter diligenciado pelo preenchimento de algum formulário, junto do Banco, para proceder á alteração de morada, para além da comunicação já prestada na escritura), constante do artigo 2.º do regime geral das cláusulas contratuais gerais, previsto no Dlei 446/85, de 25 de Outubro. Nestes termos, Deve o presente Recurso ter provimento e, em consequência, ser revogada a sentença de fls., com o que se fará JUSTIÇA! O exequente respondeu às alegações de recurso, preconizando a sua total improcedência. II. Do mérito do recurso 1. Definição do objecto do recurso O objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 690º nºs 1 e 4, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso, consubstancia-se nas seguintes questões: i) averiguação sobre se o recurso, face ao teor das conclusões, reúne os pressupostos que permitam a sua apreciação; ii) reponderação do mérito jurídico, em função da resposta dada à questão anterior. 2. Aferição dos pressupostos da impugnação da decisão da matéria de facto Sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe o n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil: «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas». No que concerne à prova gravada, rege nestes termos o n.º 2 da citada norma: «a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes». A disposição legal citada impõe ao recorrente o dever de “circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento”, bem como a exigência de “fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa”, não bastando “meras generalidades, não alicerçadas em factos concretos ou descritas de forma imprecisa ou vaga”[1]. Os ónus do n.º 1 do artigo 640, tal como as exigências do seu n.º 2, constituem manifestação especial do princípio da cooperação para a descoberta da verdade, previsto no artigo 417.º do CPC[2], devendo ser apreciadas à luz de um critério de rigor[3]. Como recentemente defendeu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 19.02.2015[4], “a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias”[5], dado que o legislador, com a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar, visa a delimitação do objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. A conclusão enunciada é a única que se harmoniza com a vocação delimitadora das conclusões de recurso, onde se define e, eventualmente, se restringe, o objecto da pretensão recursória, ficando o Tribunal impedido de conhecer qualquer questão que não tenha sido vertida nessa peça processual (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine). Já no que respeita à enunciação dos “concretos meios probatórios”, que na perspectiva da recorrente impunham decisão diversa da recorrida, não vemos qualquer obstáculo a que sejam enunciados no corpo das alegações. Regressando à situação concreta dos autos, vejamos quais as conclusões em que, ainda que remotamente, os recorrentes enunciam o objeto da impugnação da decisão da matéria de facto: «3.º Os aqui Recorrentes não se conformam com a interpretação segundo a qual o envio da carta de 06-07-2009, junta por cópia a fls. 21 v e 22, relativa aos contratos em apreço, e que foi remetida para a morada dos aqui Recorrentes constante dos contratos, mas na qual não residem, cumpra as finalidades de interpelação exigíveis. 4.º Bem como entendem que deveria constar da matéria provada, o facto de que o mútuo bancário, com constituição de hipoteca se destinou a aquisição de habitação própria e permanente. 5.º E que a entidade bancária sabia que a fracção autónoma dada de hipoteca se destinava a habitação própria e permanente. 7.º A Exequente remeteu a correspondência destinada aos aqui recorrentes, para a anterior morada Rua…. 9.º Foi através dos fiadores que tomaram conhecimento do invocado incumprimento.». Vejamos agora qual o thema decidendum factual em causa nos autos. Da base instrutória constava um único quesito: «Quesito 1.º: O exequente intimou os executados, mediante carta datada de 6/7/2009, a regularizar o crédito correspondente ao devido com o vencimento de todas as prestações decorrentes dos contratos referidos em A) e B)?». Na decisão da matéria de facto consta uma única resposta: «Facto 1: provado que o Banco Exequente, através dos seus advogados, remeteu aos Oponentes, a carta registada, com data de 6.7.2009, junta por cópia a fls. 21 v e 22, referente aos contratos referidos em A e B, a qual foi remetida para a morada daqueles Embargantes constante das respectivas escrituras públicas, mas onde aqueles já então não residiam.». Os recorrentes não impugnam a decisão da matéria de facto referente ao único quesito formulado na base instrutória (sendo certo que a mesma lhes é favorável, tendo prevalecido em julgamento a tese que defendiam[6] e que o recorrido não impugna). Vejamos agora cada uma das conclusões enunciadas, aferindo a sua eficácia impugnatória. No que respeita à conclusão 3.ª, não se trata de impugnação da decisão da matéria de facto, mas apenas de interpretação da factualidade. No que respeita à conclusão 7.ª, revela-se, salvo o devido respeito, manifestamente inútil, considerando que está provado que a exequente remeteu a correspondência destinada aos executados/recorrentes, para a anterior morada Rua…, que figura nas escrituras. No que respeita às conclusões 4.ª, 5.ª, e 9.ª, ressalvando sempre o devido respeito, não fazem sentido, considerando que os ora recorrentes não alegaram tal matéria no seu articulado[7]: que o mútuo bancário se destinou a aquisição de habitação própria e permanente; que a entidade bancária disso tinha conhecimento; e que foi através dos fiadores que tomaram conhecimento do incumprimento[8]. Decorre do exposto a manifesta improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto, quer pelo facto de não se encontrarem reunidos os respetivos pressupostos, quer pelo facto de os recorrentes pretenderem a reapreciação de factos que nem sequer alegaram. 3. Fundamentos de facto Face à decisão que antecede, é a seguinte a factualidade relevante provada, consignada na sentença: 1 - Em 20 de Março de 2006, o exequente B…, SA, e os executados C… e D… celebraram, mediante escritura pública, um contrato pelo qual o primeiro concedeu aos executados um empréstimo no montante de 65.000,00€, quantia da qual estes se confessaram devedores; 2 - Na mesma data, o exequente B…, SA, e os executados C… e D… celebraram, mediante escritura pública, um contrato pelo qual o primeiro concedeu aos executados um empréstimo no montante de 15.000,00€, quantia da qual estes se confessaram devedores; 3 - Para garantia das obrigações decorrentes dos referidos contratos, os executados constituíram duas hipotecas sobre cada uma das fracções autónomas designadas pelas letras "Y" e "CI" correspondente, respectivamente, a uma habitação no segundo andar esquerdo retaguarda, bloco .., corpo .., e a um lugar de estacionamento na cave com o nº .., ambas as fracções situada na Rua…, freguesia…, Concelho Vila Nova de Gaia; 4 - Dos documentos complementares das escrituras públicas referidas resulta prevista a seguinte cláusula: “NONA: A presente hipoteca poderá ser executada: a) Se não forem pagas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento imediato de todas;” 5 - Os executados remeteram ao exequente carta datada de 10/4/2010 e remetida em 12/4/2010, mediante a qual, fazendo menção a contactos havidos entre as partes desde Outubro de 2009, se propõe aceitar a dação em pagamento do imóvel e o pagamento adicional mediante empréstimo bancário; 6 - O Banco exequente, através dos seus advogados, remeteu aos Oponentes a carta registada com data de 6.7.2009, junta por cópia a fls. 21 v e 22, referente aos contratos supra referidos em 1 e 2, a qual foi remetida para a morada daqueles embargantes constante das respectivas escrituras, mas onde aqueles já então não residiam. 4. Fundamentos de direito 4.1. A necessidade de interpelação nas situações de vencimento imediato das obrigações de prestação fraccionada Alegam os recorrentes (conclusões 1.ª a 6.ª) que “as obrigações inerentes aos títulos dados à execução não se encontram definitivamente vencidas e não pagas”, devido ao facto de o exequente não ter procedido “com carácter admonitório”, à interpelação dos executados para o cumprimento das obrigações cujos títulos são dados à execução, não tendo também procedido à resolução dos contratos. A primeira questão que se suscita é a de saber se a exigibilidade da quantia exequenda depende da prévia resolução dos contratos. Sobre esta matéria, consta da sentença recorrida: «[…] tal como decorre do requerimento executivo, o Banco Exequente, vem executar a obrigação de pagamento emergente dos contratos de mútuo, decorrente da antecipação do vencimento das obrigações neles contidas, em consequência da falta de pagamento atempado das prestações e não em consequência de qualquer resolução contratual. A exigência do cumprimento de tais obrigações não é consequência da resolução contratual, antes pressupõe a manutenção do contrato, exigindo o Banco Exequente o pagamento da totalidade das prestações acordadas, antes das respectivas datas de vencimento. A questão da inexigibilidade das obrigações suscitada pelos Oponentes coloca-se assim em sede da antecipação do vencimento das obrigações, que tal como constam dos contratos tinham prazo certo. Dispõe o art. 871º do C.C que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importará o vencimento de todas.”. Este efeito resultante da lei, foi expressamente acolhido nos contratos dos autos, tendo ficado acordado entre as partes nas respectivas cláusulas nona, que “A presente hipoteca poderá ser executada: a)Se não forem pagas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento imediato de todas” . O contrato prevê assim expressamente relativamente aos mutuários o vencimento imediato das prestações no caso do não pagamento de uma prestação na data do seu vencimento. Significa isto que o credor fica com o direito de exigir a realização, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda se não tenha vencido. Como se pode ler no Ac do STJ de 6.2.2007, disponível in www.dgsi.pt, “É entendimento generalizado que a norma do art. 781º C. Civil, dispondo que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importará o vencimento de todas”, visa proteger o interesse do credor que, perante a falta de pagamento de uma das fracções da dívida, pode ter razões para a perda de confiança na pessoa do devedor, confiança em que se apoia o plano de pagamento. Por isso, concede-se àquele o benefício de não se manter sujeito aos prazos escalonadamente estabelecidos de vencimento das prestações, perdendo este o benefício desses prazos”. De referir que, atenta a data de celebração dos contratos dos autos, não se encontram os mesmos sujeitos ao regime especial estabelecido pelo DL 133/2009 de 2.6, diploma que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2008/48/CE, do Parlamento e do Conselho, de 23 de Abril, relativa a contratos de crédito aos consumidores, uma vez que o mesmo entrou em vigor no dia 1 de Julho de 2009, apenas se aplicando aos contratos celebrados após essa data (cfr. art. 34º do citado diploma legal). Este diploma que se afasta do regime geral do citado art. 781º C. C., contendo medidas claramente protecionistas dos consumidores, dispõe no seu art. 20º que dispõe que: “Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo e a resolução do contrato, se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes: a) a falta de pagamento de duas prestações sucessivas que excedam 10% do montante total do crédito; b) ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato”. Porém, como vimos o mesmo não é aplicável aos contratos dos autos. Ao contrário do defendido pelo banco exequente, entendemos que, como tem sido entendimento da doutrina e da jurisprudência nesta matéria, o vencimento imediato das prestações por força da lei, ou por força do contrato, não é automático, não prescindindo de interpelação ao devedor. A este propósito, escreveu o Prof. A. VARELA (“Das Obrigações em Geral”, II, 4ª ed., pg 52): - “O vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindindo consequentemente de interpelação ao devedor. “A interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (realizando as prestações restantes) constitui a manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui” [no mesmo sentido, na doutrina, Menezes Cordeiro in “Direito das Obrigações”, 2º, 1994, ed. AAFDL, pg. 195, n.55 e cf. ainda Menezes Leitão in Direito das Obrigações, II, 158 e Gravato Morais, in Contratos de Crédito ao Consumo, Almedina, 2007, págs. 196]. Quando tal suceda, o credor goza do direito de exigir o pagamento, não só da prestação em falta, mas ainda de todas as restantes, não vencidas, não se operando o vencimento destas ex vi legis, mas mediante interpelação do credor, nos termos gerais. Com efeito, não se prevê na lei nem no contrato a dispensa de interpelação do devedor para cumprimento antecipado; o que dali resulta é a antecipação da exigibilidade do cumprimento, razão pela qual o credor não fica dispensado de fazer a interpelação extrajudicial ou judicial para o pagamento. […]». Concordamos com a resposta à primeira questão enunciada, consignada na sentença recorrida: o exequente não tem de resolver o contrato para exigir as prestações em dívida; tal exigência resulta do incumprimento – não pagamento – de algumas prestações mensais. A regra geral do benefício do prazo encontra-se prevista no artigo 779.º do Código Civil, norma supletiva, na qual se prevê que «[o] prazo tem-se por estabelecido a favor do devedor, quando se não mostre que o foi a favor do credor, ou do devedor e do credor conjuntamente.». Ocorre, no entanto, a perda do referido benefício por parte do devedor, na situação de incumprimento das obrigações de prestação fraccionada. É o que estipula o artigo 781.º do Código Civil, sob a epígrafe “Dívida liquidável em prestações”, dispondo: «Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.» Como refere Mário Júlio de Almeida Costa[9], a perda do benefício do prazo traduz-se no facto de a lei consentir que em determinadas circunstâncias o credor possa exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação, apesar de o devedor ser beneficiário exclusivo ou conjunto do prazo estipulado, não sendo extensiva aos garantes da obrigação, nos precisos termos do artigo 782.º do Código Civil. Provou-se que as partes estipularam o seguinte regime, quanto à exigibilidade da obrigação: “NONA: A presente hipoteca poderá ser executada: a) Se não forem pagas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento imediato de todas”. O autor citado[10], opõe “antecipação do vencimento” a “simples antecipação de exigibilidade”, referindo autores que defendem a interpretação do artigo 781.º do Código Civil, no sentido de que este consagra a mera “antecipação de exigibilidade” (Pessoa Jorge e Vasco da Gama Lobo Xavier) e outros que defendem que se trata de “vencimento automático” (Galvão Telles). Aceitando com reservas a tese do “vencimento automático”[11], escreve Mário Júlio de Almeida Costa[12]: “Mostra-se, todavia, mais razoável, também neste caso, a solução de que o credor tenha de interpelar o devedor para exigir antecipadamente as prestações vincendas. É a interpretação da lei que se impõe”. O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 19.06.1995[13], cujo sumário se passa a transcrever parcialmente, reflete a querela doutrinária enunciada: «Ainda que se admita como exacta a interpretação do art. 781.º do C. Civil de que ‘vencimento imediato’ das prestações posteriores de uma dívida pelo não pagamento de uma delas, significa a ‘exigibilidade imediata’ que não dispensa a interpelação do devedor, o certo é que, como aquela regra não é imperativa, o posterior acordo das partes pode alterar o regime legal decorrente dessa interpretação». No sentido de que o “vencimento imediato” previsto no artigo 781.º do CC, não dispensa a interpelação do devedor, vejam-se os acórdãos desta Relação, de 20.10.2009[14], e de 23.06.2015[15]. Em conclusão: as obrigações assumidas pelos executados perante o exequente eram de prestação fraccionada, tendo ocorrido o seu imediato vencimento face ao incumprimento dos executados (artigo 781.º do Código Civil), não estando, no entanto, o credor (exequente) dispensado de interpelar os devedores (executados). A questão que se segue versa sobre a validade da interpelação feita pelo exequente aos executados. 4.2. A validade da interpelação efetuada Releva para a apreciação da questão enunciada, a seguinte factualidade relevante: «5 - Os executados remeteram ao exequente carta datada de 10/4/2010 e remetida em 12/4/2010, mediante a qual, fazendo menção a contactos havidos entre as partes desde Outubro de 2009, se propõe aceitar a dação em pagamento do imóvel e o pagamento adicional mediante empréstimo bancário; 6 - O Banco exequente, através dos seus advogados, remeteu aos Oponentes a carta registada com data de 6.7.2009, junta por cópia a fls. 21 v e 22, referente aos contratos supra referidos em 1 e 2, a qual foi remetida para a morada daqueles embargantes constante das respectivas escrituras, mas onde aqueles já então não residiam.». Consta da sentença recorrida, no que concerne a esta matéria: «A interpelação consiste, como é sabido, «no acto pelo qual o credor comunica ao devedor a sua vontade de receber a prestação. É a reclamação do cumprimento dirigida pelo primeiro ao segundo» (Galvão Telles, Direito das Obrigações, 5a edição, 218). É por via de tal interpelação que o credor manifesta, perante o devedor, a sua vontade de se aproveitar do benefício legal ou contratual posto à sua disposição, pois como vimos, o vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não venceu constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindindo consequentemente de interpelação ao devedor. (…) Se, como vimos, o vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não venceu constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindindo consequentemente de interpelação ao devedor, o Banco Exequente não estava dispensado da legal comunicação aos devedores. (…) Ora da matéria de facto que emergiu provada resulta provado que o Banco Exequente remeteu aos Oponentes a carta registada com data de 6.7.2009, junta por cópia a fls. 21 v e 22, referente aos contratos supra referidos em 1 e 2, a qual foi remetida para a morada daqueles embargantes constante das respectivas escrituras, mas onde aqueles já então não residiam. Naquela interpelação feita pelo Banco Exequente aos fiadores, o Banco dá-lhes conhecimento que ia proceder “ á cobrança do débito de V. Exas ao nosso Constituinte, no montante de capital de €80.001,49, proveniente do incumprimento do contrato de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança e de um contrato de mútuo com hipoteca e fiança, ambos celebrados em 20 de Março de 2006 (…)”. Esta interpelação, ao exigir o referido montante de capital em dívida, tem subjacente a exigência do vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda não ocorrera, pelo que o banco cumpriu com a obrigação de interpelação do devedor. A questão que importa agora apreciar é se mesma é válida, já que se provou que a mesma foi remetida para uma morada dos Oponentes, onde os mesmos não residiam. Do confronto da carta junta por cópia a fls. 21 e 22, resulta que a mesma foi remetida para a seguinte morada: Rua… Vila Nova de Gaia. Essa morada é a que consta na identificação dos outorgantes aqui Oponentes nos respectivos contratos em execução. Sobre a eficácia da declaração negocial dispõe o art. 224º, nº 1, do CC que esta, quando tem um destinatário, torna-se eficaz, logo que chega ao seu poder ou dele é conhecida. Adianta o nº 2 do citado preceito que é também eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida. Porém, o nº 3 refere que, a declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida, é ineficaz. A carta dirigida aos Oponentes integra uma declaração receptícia, cuja eficácia fica dependente da recepção por aqueles. É pois necessário que chegue ao seu poder ou ao seu conhecimento para se tomar eficaz. Mas, para protecção dos interesses do declarante, dentro dos princípios da boa fé, a declaração também se considera eficaz se só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida. Como notam Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil Anotado, I, 4ª ed., 214), adoptaram-se, simultaneamente, os critérios da recepção e do conhecimento. Não se exige, por um lado, a prova do conhecimento por parte do destinatário, bastando que a declaração tenha chegado ao seu poder. O conhecimento presume-se neste caso, juris et de jure. Assim, o destinatário ficará vinculado logo que conheça o conteúdo da declaração, ainda que o texto ou documento em que esta lhe foi dirigida, no caso uma carta, não lhe tenha sido entregue. E ficará igualmente vinculado, nos termos da teoria da recepção, logo que a declaração chegue ao seu poder, à sua esfera pessoal, ainda que não tome conhecimento dela. O que importa, portanto, é que a declaração seja colocada ao alcance do destinatário, que este seja posto em condições de, só com a sua actividade, conhecer o seu conteúdo. Mas, se porventura o não conhecer, isso em nada afecta a perfeição ou eficácia da declaração. Esta solução destina-se principalmente a evitar fraudes e evasivas por parte do declaratário - destina-se a evitar que ele venha alegar falsamente, sem que o declarante tenha possibilidade de refutar a alegação, que não tomou conhecimento da declaração, apesar de esta haver sido posta ao seu alcance. É por isso que se considera eficaz a declaração se o destinatário se recusou a recebê-la, se não abre a sua caixa do correio para retirar a correspondência que lhe é enviada ou se não a foi levantar aos correios não obstante ter sido deixado aviso para isso na sua caixa do correio, se ausentou para parte incerta. Ora no caso em apreço, os Oponentes não lograram provar que tenham dado conhecimento ao Banco que com eles outorgou nos contratos dos autos, a alteração da morada que indicaram nos respectivos contratos. Só por culta dos Oponentes, destinatários da declaração, que indicam no contratos uma morada e não comunicam posteriormente ao outorgante aqui exequente, a sua alteração, é que a mesma não foi por eles oportunamente recebida, pelo que, nos termos do disposto no art. 224º nº 2 do C.C., a interpelação é eficaz, produzindo os seus efeitos.». Rege na matéria em discussão, o disposto no artigo 224.º do Código Civil, que prevê, nestes termos, os pressupostos de eficácia da declaração: 1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada. 2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida. 3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz. Decorre da disposição legal transcrita, que a eficácia da declaração negocial depende do seu recebimento pelo destinatário, equivalendo à recepção a situação em que a declaração remetida entrou na sua esfera de influência. Na norma em apreço atribui-se também eficácia à declaração remetida, nos casos em que só por culpa do destinatário não foi por este oportunamente recebida (n.º 2). Como se constata no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9.02.2012[16], a dificuldade está na apreciação dos comportamentos (ações ou omissões) do destinatário susceptíveis de integrar a culpa do não recebimento, devendo ser feita tal apreciação, de forma casuística, com a ponderação do específico contexto contratual. Conclui-se no citado aresto: “será diferente o juízo formulado no âmbito de um contrato em que nada tenha sido acautelado a respeito da forma das comunicações ou do seu destino, em comparação com outro em que as partes tenham estabelecido endereços para onde deveriam remeter as comunicações relevantes em termos contratuais.”. Acontece que, in casu, as partes estabeleceram um endereço relevante para as comunicações a efetuar no âmbito do contrato: consta das respetivas escrituras a morada para a qual foi remetida a interpelação do exequente. Com todo o respeito devido, não asiste razão aos recorrentes quando referem que, tratando-se de financiamento para aquisição de habitação, deveria o banco exequente ter ponderado o facto de os executados terem passado a residir na referida habitação[17], remetendo a interpelação para essa morada e não para a que ficou consignada nas escrituras. Tendo os executados (ora recorrentes) indicado a morada que passou a constar das escrituras na qual se formalizaram os empréstimos, para efeitos contratuais, nomeadamente no que concerne à posterior troca de correspondência entre os outorgantes, tal morada é, obviamente, relevante. Como se refere no citado aresto do Supremo, na ausência de outro critério delimitador do conceito de culpa enunciado no n.º 2 do artigo 224.º do Código Civil, a mesma deve ser concretamente aferida através do critério de um devedor criterioso e diligente, de forma a contrariar “as práticas relativamente vulgares, por parte dos destinatários de declarações negociais e não negociais, de se furtarem à recepção das comunicações que lhe são dirigidas”. Ressalvando sempre o decido respeito, não podem restar dúvidas de que a morada indicada pelos executados e consignada nas escrituras em que se formalizam os contratos em causa é relevante para efeitos de comunicações realizadas no âmbito e desenvolvimento das relações contratuais estabelecidas entre as partes, incumbindo aos executados, numa conduta contratual criteriosa e diligente, o dever de indicar qualquer posterior alteração de residência[18]. Improcede, face ao exposto, a argumentação dos recorrentes. No entanto, sempre a mesma argumentação improcederia por outra via: ficou provado nos autos que os recorrentes (executados) tinham conhecimento de que o recorrido (exequente) exigia o cumprimento das prestações em atraso, muito antes da instauração da execução. Com efeito, provou-se que “[o]s executados remeteram ao exequente carta datada de 10/4/2010 e remetida em 12/4/2010, mediante a qual, fazendo menção a contactos havidos entre as partes desde Outubro de 2009, se propõe aceitar a dação em pagamento do imóvel e o pagamento adicional mediante empréstimo bancário” (facto 5.). Do teor da carta junta aos autos (doc. n.º 2 junto com a contestação) conclui-se que: o banco exigia o pagamento de todas as prestações que considerava vencidas; os executados propuseram a dação em pagamento, das frações hipotecadas; o banco não aceitou, exigindo, para além da entrega das frações, o pagamento adicional de € 15.000,00 mediante empréstimo bancário; os executados recusaram inicialmente, vindo a aceitar as condições proposta pelo banco exequente, já no início da fase executiva; tais negociações desenvolveram-se desde outubro de 2009 (a comunicação do banco está datada de julho de 2009). Em suma, a comunicação posta em crise pelos executados no presente recurso produziu os seus efeitos, dado tratar-se de uma declaração negocial que chegou ao poder dos executados, justificando as negociações referidas na carta remetida pelos executados, desenvolvidas durante vários meses que antecederam a instauração da ação executiva. Decorre do exposto, salvo o devido respeito, o total naufrágio da pretensão recursória. III. Dispositivo Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso, ao qual negam provimento, e, em consequência, em mantes na íntegra a decisão recorrida, determinando o prosseguimento da execução. Custas do recurso pelos recorrentes. * O presente acórdão compõe-se de vinte e duas páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.Porto, 16 de dezembro de 2015 Carlos Querido Soares de Oliveira Alberto Ruço ___________ [1] Ana Luísa da Silva Geraldes, "Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto", in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, 2013, págs. 589/612, a págs. 593/594. [2] Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, pág. 418. [3] António Sousa Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129. Como refere o autor citado: “Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”. [4] Proferido no processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, acessível no site da DGSI. [5] Refere-se no citado aresto: «… já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória…». [6] Sobre esta matéria, nada há a discutir, sendo pacífica a questão: as cartas foram enviadas para a Rua Quinta Paço de Rei, n.º 20, 2.º Dto frente, como consta do documento junto aos autos com a contestação, sendo essa a morada que constava das escrituras. [7] Para que não restem dúvidas, transcreve-se na íntegra o articulado dos executados/opoentes/recorrentes, no qual, ao contrário do que ora alegam afirmam ter tido conhecimento do seu incumprimento, não pelos fiadores, mas pela instauração da execução: «1º. As obrigações inerentes aos títulos dados à execução não se encontram definitivamente vencidas e não pagas. 2º. A Exequente não procedeu, junto dos Oponentes, à interpelação para cumprimento, 3º. Com carácter admonitório, 4º. De todas as obrigações cujos títulos são dados à execução. 5º. E bem assim, não procedeu à resolução de qualquer contrato perante as aqui Oponentes, 6º. Ou comunicação da mesma. 7º. Desconhecidas desta. 8º. Os Oponentes têm conhecimento de todos os elementos constantes do R.I. através dos autos colocados em crise. 9º. Mais, continua sem saber os termos, 10º. Condições, 11º. Montantes de capital, juros, 12º. Demais e eventuais encargos, 13º. E calculo subjacente ao montante, 14º. Seja o peticionado, 15º. Ou qualquer outro. 16º. As diligências destinadas a tornar certa ou exigível a obrigação exequenda revestem a natureza de verdadeiros preliminares da execução, de pressupostos substanciais da mesma, razão pela qual se o credor instaurar logo o procedimento executivo, antes de tornar certa ou exigível a obrigação, não se encontrando a parte, no início do processo, em condições de quantificar as ditas, não esclarecendo a natureza das despesas, nem podendo o pedido formulado, enquanto ilíquido, especificar os respectivos valores, não pode o mesmo proceder nem valer tal, e que se invoca. 17º. Assim sendo, não pode por consequência ser reclamado dos Oponentes o pagamento de qualquer quantia de capital, 18º. Juros, 19º. Ou quaisquer outros valores e encargos. 20º. A divida alegada pela Exequente não lhe é líquida, certa e exigível. 21º. Acresce que, a Exequente ao fazer menção que “os Executados…não efectuaram o pagamento de algumas das prestações dos aludidos empréstimos”, não concretizou quais as prestações não efectuadas, bem como qual o valor já pago, pelos Executados. 22º. Vão impugnados todos os factos e documentos que se mostrem em contradição com o presente. Termos em que, recebidos estes e autuados por apenso, requer-se de Vª.Exa. se digne ordenar o prosseguimento dos demais termos, vindo, a final, nos demais de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vª.Exa. ser julgada procedente por provada a presente oposição, com todas as legais consequências». [8] Temos a maior dificuldade em compreender esta última alegação: sendo os recorrentes devedores de uma prestação mensal, que deixaram de cumprir, como é que podiam ignorar o incumprimento? [9] Direito das Obrigações, 12.ª edição revista, 2011, Almedina, págs. 1014 e seguintes. [10] Direito das Obrigações, 12.ª edição revista, 2011, Almedina, págs. 1016 e seguintes. [11] Face ao argumento interpretativo literal, torna-se dificilmente suportável conclusão diversa. [12] Direito das Obrigações, 12.ª edição revista, 2011, Almedina, págs. 1018. [13] CJ, Acs. STJ, Ano III, 1995, Tomo II, pág. 132. [14] Proferido no Processo n.º 1535/09.5YRLSB-7, acessível em http://www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreve parcialmente: “V – O art. 781º do C. Civil, ao determinar o vencimento imediato das restantes prestações, deve ser interpretado no sentido de que o inadimplemento do devedor gera o direito do credor de exigir dele a satisfação daquelas prestações, e não no sentido de que o não pagamento de uma das prestações no prazo acordado, determina, por si só, a entrada em mora do devedor quanto ao cumprimento das demais. VI – Quanto às prestações ainda não vencidas à data em que ocorre a falta de pagamento de uma prestação, a entrada em mora, e o correlativo vencimento de juros moratórios, depende de interpelação do devedor para o respectivo pagamento, ou, na sua falta, da verificação da data em que cada uma delas deveria, de acordo com o plano contratual estabelecido, ser paga.” [15] Proferido no Processo n.º 6559/13.5TBVNG-A.P1, parcialmente sumariado nestes termos: «A doutrina tem maioritariamente entendido que, no caso de dívida fraccionada em prestações, o vencimento imediato das restantes prestações à falta do pagamento de uma das prestações, nos termos do artigo 781.º C.C. constitui um benefício que a lei concede ao credor e que deve ser exercido mediante interpelação do devedor.». Em sentido convergente, vejam-se ainda os seguintes arestos, todos acessíveis em http://www.dgsi.pt, cujos sumários se transcrevem parcialmente: Acórdão da Relação de Lisboa, de 20.10.2009,Proc. n.º 1535/09.5YRLSB-7: “V – O art. 781º do C. Civil, ao determinar o vencimento imediato das restantes prestações, deve ser interpretado no sentido de que o inadimplemento do devedor gera o direito do credor de exigir dele a satisfação daquelas prestações, e não no sentido de que o não pagamento de uma das prestações no prazo acordado, determina, por si só, a entrada em mora do devedor quanto ao cumprimento das demais. VI – Quanto às prestações ainda não vencidas à data em que ocorre a falta de pagamento de uma prestação, a entrada em mora, e o correlativo vencimento de juros moratórios, depende de interpelação do devedor para o respectivo pagamento, ou, na sua falta, da verificação da data em que cada uma delas deveria, de acordo com o plano contratual estabelecido, ser paga.” Acórdão da Relação de Lisboa, de 15.09.2009, Proc. n.º 1448/07.5TVLSB.L1-7: “V – A falta de pagamento de uma das prestações acordadas rompe a confiança depositada no devedor pelo credor, dando a este o direito de exigir o pagamento integral e imediato da dívida por antecipação do vencimento das prestações posteriores; mas não procedendo à respectiva interpelação, não se dá a imediata entrada do devedor em mora quanto a estas prestações.” Acórdão da Relação de Lisboa, de 12.05.2009, Proc. n.º 463/07.3TVLSB.L1-7: “I. O que está em causa, no caso de uma dívida fraccionada em prestações, não é se a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das restantes, mas sim, o saber se é ou não necessário a interpelação do devedor para que este benefício concedido ao credor se efective. II. No caso de dívida fraccionada em prestações, o artigo 781.º do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que, na falta de pagamento de uma das prestações, é necessário a interpelação do devedor para se converter a exigibilidade das prestações futuras em vencimento imediato e automático.” [16] Proferido no Processo n.º 3792/08.5TBMAI-A.P1.S1, acessível no site da DGSI. [17] Sendo certo que esta alegação é feita apenas em sede recursória, sendo a petição inicial omissa quanto a tal ‘exigência’. [18] Nesse sentido, veja-se o acórdão desta Relação, de 15.10.2013, proferido no Processo n.º 1127/12.1TVPRT.P1: “Encontrando-se o devedor em incumprimento e sujeito à resolução do contrato, através de comunicação por carta emitida pelo credor, e não se demonstrando que este credor fosse conhecedor de outra morada do devedor, é responsável pelo não recebimento da carta enviada para a morada conhecida o devedor que não diligenciou pelo recebimento da dita carta, sem quaisquer impedimentos”. |