Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
64/10.9TAPRD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL
ISENÇÃO DE CUSTAS
Nº do Documento: RP2011070664/10.9taprd-A.P1
Data do Acordão: 07/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Para efeitos da alínea g) do nº1 do artº 4º do Regulamento das Custas Processuais, o Instituto da Segurança Social, IP constitui uma entidade pública que, ao formular pedido de indemnização civil no processo penal, relativamente a créditos da Segurança Social, actua no âmbito das suas atribuições de defesa do direito fundamental dos cidadãos à Segurança Social, assim beneficiando de isenção de custas, sem prejuízo da sua responsabilidade a final, pelos encargos a que tiver dado origem no processo, quando a sua pretensão for totalmente vencida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 64/10.9taprd-A.P1

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal (4.ª Secção Judicial) do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. No processo comum, tribunal singular n.º 64/10.9TAPRD, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Paredes, o Instituto da Segurança Social, IP, veio recorrer do despacho do Sr.ª Juíza, proferido em 05.04.2011, o qual desatendeu a aclaração/esclarecimento do despacho de fls. 4 (deste apenso) proferido em 21.02.2011 e que havia decidido ordenar a notificação do recorrente para, em 10 dias, vir juntar aos autos o documento comprovativo da auto-liquidação da taxa de justiça devida pela dedução do pedido civil nos termos dos art.ºs 4.º n.º 1 al. m) e 14.º n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais.

2. Alega e conclui o recorrente, em síntese, que está isento de custas, compreendendo estas as taxas de justiça, os encargos e as custas de parte, nos termos da alínea g) do n.º 1 do art.º 4.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02 e, consequentemente, deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que admita o pedido de indemnização civil, sem o pagamento da taxa de justiça inicial, e ordene o prosseguimento dos autos até final, tanto mais que se lhe aplica o disposto no art.º 97.º n.º 1 da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro (Lei de Bases da Segurança Social), a qual refere que as instituições de segurança social gozam das isenções reconhecidas por lei ao Estado.

3. O Ministério Público apresentou resposta e aderiu, embora com fundamentos algo diferentes, à pretensão do recorrente, concluindo que o recurso merece provimento.

4. Os arguidos não responderam ao recurso.

5. A Sr.ª Juíza admitiu o recurso e proferiu despacho de sustentação, mantendo a decisão recorrida.

6. Neste Tribunal, a Exma. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer em sentido favorável ao recorrente, indicando três acórdãos desta Relação do Porto nesse sentido, pelo que foi considerado desnecessário cumprir o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP.

7. Efectuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.

6. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer[1].
A única questão que se pretende ver decidida neste momento é a de saber se o Instituto da Segurança Social, IP, está obrigado a autoliquidar a taxa de justiça inicial, em virtude de ter deduzido pedido de indemnização civil enxertado em processo penal.
A questão de saber se o recorrente está isento de custas não foi objecto de apreciação no despacho recorrido, mas tão somente a questão da notificação daquele para juntar aos autos o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela dedução do pedido de indemnização civil.
Assim, o objecto do recurso fica circunscrito à questão que apontamos: obrigatoriedade ou não do ISS, IP, autoliquidar a taxa de justiça e juntar ao processo o respectivo documento comprovativo, nos termos do art.º 14.º n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02; rectificado pela declaração de rectificação n.º 22/2008, de 24.04; alterado pela Lei n.º 43/2008, de 27.08, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28.08 e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31.12.
Trata-se, neste momento e face ao teor do despacho recorrido, de apurar apenas se há lugar ao pagamento prévio.

2. Passemos, pois, ao conhecimento da questão referida.

O art.º 14.º n.º 1 do RCP estabelece a regra geral de que o pagamento da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou realizar a comprovação desse pagamento, juntamente com o articulado ou requerimento.
Esta regra conhece a excepção, quanto ao momento do pagamento da taxa de justiça, quando a causa não importe a constituição de mandatário e o acto seja praticado directamente pela parte, caso em que só é efectuado no prazo de dez dias após a notificação do tribunal para o efectuar (n.º 2), que não ocorre neste caso, uma vez que o recorrente tem advogado constituído.
Por outro lado, face ao disposto no art.º 4.º n.º 1 al. m) do RCP, o demandante e o arguido estão isentos do pagamento de custas quando o pedido de indemnização civil apresentado em processo penal é de valor inferior a 20 UC. Nesta hipótese, não há que comprovar no processo respectivo o pagamento da taxa de justiça inicial, porquanto não são devidas custas e, como decorre do art.º 3.º n.º 1 do RCP, estas abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
Temos, pois, que a regra é a do pagamento da taxa de justiça inicial por parte do demandante civil e do arguido sempre que o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal não seja inferior a 20 UC. Se tal pedido for de valor inferior a 20 UC, a taxa inicial não é paga, não pela especial natureza do demandante ou demandado e do tipo de acção onde é peticionado o direito e exercida a defesa, mas pelo simples facto de que havendo isenção de custas tal pagamento não tem lugar.
No caso dos autos, embora não tenha sido enviada certidão do pedido de indemnização civil ou do seu valor, decorre do despacho recorrido, respectivo aclaramento e sustentação, alegações do recorrente e do Ministério Público em primeira instância, que tal pedido é de valor superior a 20 UC. Realce-se que as peças processuais deste apenso estão certificadas e nenhum sujeito processual coloca em causa que o valor do pedido cível é de valor superior a 20 UC, decorrendo, antes pelo contrário, que a questão do pagamento da taxa de justiça inicial só se coloca em virtude do valor do pedido ser superior a este montante.
Por sua vez, o art.º 15.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP) estabelece uma norma especial para os casos em que a demanda corre nos tribunais administrativos ou tributários, ao prescrever na sua alínea a) que: o Estado, incluindo os seus serviços e organismos ainda que personalizados, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, quando demandem ou sejam demandados nos tribunais administrativos ou tributários, salvo em matéria administrativa contratual ou pré-contratual e relativa às relações laborais com os funcionários, agentes e trabalhadores do Estado, ficam dispensados do pagamento prévio da taxa de justiça.
Por aqui se vê que o ISS, IP, não pode beneficiar da regra especial acabada de citar, porquanto o pedido de indemnização corre no tribunal judicial e não naqueles – administrativos ou tributários.
Porém, o recorrente pretende que não seja aplicada a regra geral prevista no art.º 14.º n.º 1 do RCP, porquanto, em seu entender, está isento de custas ao abrigo da alínea g) do art.º 4.º n.º 1 do RCP, a qual prescreve que estão isentas de custas as entidades públicas quando actuem exclusivamente no âmbito das suas atribuições para defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos. Afigura-se-nos que é de excluir desde já a defesa dos interesses difusos, pois o recorrente com o pedido de indemnização civil faz referência a casos concretos de não entrega das prestações devidas à segurança social pelos arguidos.
Importa, assim, apurar se o Instituto da Segurança Social, IP, reúne os pressupostos exigidos pela alínea g) do art.º 4.º n.º 1 do RCP e que são: ter a natureza de uma entidade pública, actuar exclusivamente no âmbito das suas funções para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos.
O Decreto-lei n.º 214/2007, de 29.051 consagrou a nova orgânica do Instituto da Segurança Social, I. P., abreviadamente designado por ISS, I. P., e definiu-o como um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, com vista a prosseguir as atribuições do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (MTSS), sob superintendência e tutela do respectivo ministro (art.º 1.º).
Tem, além de outras atribuições enunciadas no art.º 3.º do último diploma legal citado, a de reclamar os créditos da segurança social em sede de processos de insolvência e de execução de índole fiscal, cível e laboral, bem como requerer, na qualidade de credor, a declaração de insolvência (alínea e)).
Por sua vez, o art.º 97.º da Lei nº 4/2007, de 16.01, prescreve que as instituições de segurança social gozam das isenções reconhecidas por lei ao Estado (n.º 1) e os fundos públicos de capitalização, designadamente o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, beneficiam das isenções previstas na lei (n.º 2).
Face ao conjunto destas disposições legais dispersas pelos diplomas referidos, verifica-se que o ISS, IP, tem como missão prosseguir as atribuições do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (MTSS), sob superintendência e tutela do respectivo ministro. Embora esteja integrado na administração indirecta do Estado, o certo é que foi constituído para concretizar os objectivos incluídos no Ministério do Trabalho e da Segurança Social, tendo como atribuição, além de outras que ao caso não interessam, reclamar os créditos da segurança social em sede de processos de insolvência e de execução de índole fiscal, cível e laboral, bem como requerer, na qualidade de credor, a declaração de insolvência (alínea e)).
Entendemos, assim, que para efeitos da alínea g) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP, o Instituto da Segurança Social, IP, constitui uma entidade pública e ao formular o pedido de indemnização civil no processo penal, relativamente a créditos da segurança social, está a actuar em exclusivo no âmbito das suas atribuições de defesa do direito fundamental dos cidadãos à segurança social, previsto no art.º 63.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Na verdade, o direito à segurança social constitui um direito fundamental de todos (art.º 63.º n.º 1 da CRP), pelo que o recorrente, ao demandar civilmente os arguidos em processo penal para aí obter o pagamento das prestações que estes não terão entregue à segurança social, está a exercer um direito fundamental e tem legitimidade processual para o efeito, que de resto não está em causa.
Acresce que o art.º 97.º n.º 1 da Lei nº 4/2007, de 16.01, prescreve que as instituições de segurança social gozam das isenções reconhecidas por lei ao Estado. O recorrente é um instituto que prossegue a concretização das funções atribuída por lei à segurança social. Para este efeito, parece-nos que deve ser considerado abrangido pelo regime de isenção prescrito na norma acabada de citar.
Em abono deste entendimento, temos o n.º 2 do art.º 97.º desta última lei, que prescreve que os fundos públicos de capitalização, designadamente o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, beneficiam das isenções previstas na lei. Neste caso, está prevista na alínea p) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP a isenção de custas para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, nos processos em que intervenha na defesa dos direitos dos trabalhadores, dos contribuintes e do património do Fundo.
Enquanto que o n.º 1 do art.º 97.º da Lei 4/2007, de 16.01, isenta desde logo as instituições de segurança social tal como o faz em relação ao Estado, o n.º 2 deste diploma legal remete para a lei a consagração típica da isenção, o que reforça a interpretação que fazemos da alínea g) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP.
Temos também a favor deste nosso entendimento o disposto na alínea f) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP, na medida em que estabelece uma isenção para as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem no âmbito das suas atribuições ou para defender interesses que lhes estão atribuídos pelo respectivo estatuto ou nos termos da legislação que lhes seja aplicável.
Ora, se nos integrarmos no espírito do sistema, não nos parece plausível que o legislador tenha isentado as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos e já não tenha feito o mesmo para uma entidade pública, como é o Instituto da Segurança Social, IP, que prossegue a defesa de direitos fundamentais dos cidadãos plasmados na Constituição.
Face ao exposto, e porque é obrigatório para apurar se o ISS, IP está obrigado ao pagamento prévio da taxa de justiça e subsequente demonstração nos autos no momento em que deduz o pedido de indemnização civil em processo penal, quando tal pedido é de valor superior a 20 UC, entendemos que beneficia da isenção de custas prevista na alínea g) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP, sem prejuízo de ser responsável pelas custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido (n.º 5) e de apesar de estar isento, ser responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a sua pretensão for totalmente vencida (n.º 6).
Os nºs 5 e 6 do art.º 4.º do RCP constituem uma clara interpelação no sentido de que a isenção do pagamento de custas não é absoluto. Só á luz de cada caso concreto, a final, se concluirá se a isenção deve operar e em que termos.
Face ao exposto, decidimos conceder provimento ao recurso, nos estritos termos em que no início definimos o seu objecto, ou seja, de que o Instituto de Segurança Social, IP, não está obrigado legalmente a efectuar o pagamento prévio da taxa de justiça[2], devendo os autos prosseguir com a admissão do pedido de indemnização civil.

III – Decisão

Por todo o exposto, acordam, em conferência, os juízes da 2.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto, em conceder provimento ao recurso do Instituto da Segurança Social, IP, e, em consequência, revogar o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que admita o pedido de indemnização civil deduzido pelo recorrente, sem o pagamento da taxa de justiça inicial, e com o prosseguindo os autos.
Sem custas.
Notifique nos termos legais.
(Acórdão elaborado e revisto pelo relator - vd. art.º 94.º n.º 2 do CPP).

Porto, 06 de Julho de 2011.
Moisés Pereira da Silva
Maria Dolores da Silva e Sousa
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[1] Acs. STJ, de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451°, p. 279 e 453°, p. 338, e CJ/STJ, t, I, p. 247, e ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP.
[2] Neste sentido, embora com fundamentos algo diferentes, Acs. da RP, de 6.04.2011 e 18.05/2011, in, http://www.dgsi.pt/jtrp, consultados em 24.06.2011.