Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
974/14.4TBLSD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: CONCESSIONÁRIA DA AUTO-ESTRADA
RESPONSABILIDADE CIVIL
LUCRO CESSANTE
Nº do Documento: RP20161124974/14.4TBLSD.P1
Data do Acordão: 11/24/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 77, FLS.52-60)
Área Temática: .
Sumário: I - Com o Decreto-Lei n.º 44-G/2010, de 5.5., foi alterado o modelo de gestão e financiamento destas concessões, passando a concessionária a ser retribuída pela disponibilidade das infra-estruturas que coloca à disposição dos utentes e o concedente EP – Estradas de Portugal a receber as taxas de portagem cobradas pela concessionária.
II - A dedução da remuneração da concessionária de autoestrada por efeito de acidente causado por um utente da via e gerador de uma indisponibilidade temporária da via constitui um lucro cessante ressarcível em sede de responsabilidade civil”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
Processo n.º 974/14.4TBLSD.P1
Comarca do Porto
Porto - Instância Local - Secção Cível
Relator: Paulo Dias da Silva
1.º Adjunto: Des. Teles de Menezes
2.º Adjunto: Des. Mário Fernandes
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

“B…, S.A.”, com sede na Rua …, …, …, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “Companhia de Seguros C…, S.A.”, com sede na Rua …, .., Lisboa, “D…, Companhia de Seguros, S.A.”, com sede na Rua …, .., Porto, “E…, S.A.”, com sede em .., Loures, “F…”, residente na Rua …, .., Santo Tirso, e contra “Fundo de Garantia Automóvel”, com sede na Avenida …, .., Lisboa, onde concluiu pedindo a condenação solidária das rés seguradoras a pagar-lhe a quantia de €37.265,39, acrescida dos juros calculados à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento ou subsidiariamente a condenação solidária de todos os réus a pagar-lhe a quantia de €37.265,39, acrescida dos juros calculados à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento.
Alegou, para tanto, que é concessionária do Estado, para a construção, conservação e exploração da auto-estrada denominada A… entre os nós do IC../IC.. e de … e que no dia 4 de Julho de 2011, pelas 5h10m, na A.., ao Km (PK) 18+500, no sentido Oeste - Este (… - …), freguesia de …, concelho de …, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o conjunto composto pelo tractor (veículo pesado de mercadorias) de matrícula ..-JA-.. e o semi-reboque de matrícula .-……, conduzido por F…, por o mesmo ter perdido o controlo do conjunto que conduzia devido a sonolência.
Mais alegou que à data dos factos o tractor de mercadorias era da propriedade de “G…, Lda.” enquanto o semi-reboque era propriedade da sociedade “E…, S.A.”, sendo que aquele tractor (pesado) de mercadorias beneficiava de seguro válido e eficaz na 1ª ré, pela apólice n.º ………, e o semi-reboque teria a sua circulação garantida pela 2ª ré através da apólice n.º …………...
Acrescentou que o referido conjunto embateu no talude direito da A.. na sequência de que capotou, acabando por se imobilizar na hemi-faixa de rodagem perpendicularmente em relação ao sentido da circulação, impedindo que o trânsito se processasse na dita A.. em todo o sublanço.
Referiu, nomeadamente, que registou prejuízos pela chamada indisponibilidade de via prevista no Decreto-Lei n.º 44-G/2010, de 5 de Maio, por ter deixado de ser remunerada pelo concedente.
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A ré “Companhia de Seguros C…, S.A.” contestou a acção, sustentando que sempre reconheceu a sua obrigação em indemnizar a autora pelos prejuízos sofridos provocados pelo veículo com matrícula ..-JA-.., cuja responsabilidade civil inerente à sua circulação se encontrava transferida para si através de contrato de seguro válido e eficaz à data do acidente.
Acrescentou, no entanto, que ao celebrar o contrato de seguro garantiu a responsabilidade civil inerente à circulação apenas do tractor que já não o risco acrescido de um semi-reboque atrelado ao mesmo.
Asseverou, ainda, desconhecer se a autora deixou de receber por indisponibilidade da via em consequência do sinistro a quantia por si peticionada.
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Na sua contestação, o réu “Fundo de Garantia Automóvel” invocou a sua ilegitimidade, por os proprietários dos veículos intervenientes no acidente terem transferido a responsabilidade civil emergente da circulação dos mesmos para as rés seguradoras, por contratos de seguro válidos e eficazes.
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A ré “D…, Companhia de Seguros, S.A.”, aceitou parte dos factos alegados pela autora, sustentando, no entanto, que o veículo por si seguro não era conduzido pelo alegado condutor mas sim rebocado, pelo que o acidente não resultou de qualquer risco inerente à circulação daquele, não recaindo sobre si qualquer obrigação de indemnizar.
Alega, nomeadamente, não poder ser responsabilizada pelos montantes que a autora deixou de auferir do Estado, por ser alheia ao contrato celebrado entre os dois, sendo tal dano directamente provocado pelo regime jurídico da concessão e não pelo acidente.
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A ré “E…, S.A.” suscitou a intervenção principal provocada de “D…, Companhia de Seguros, S.A.” e invocou a sua ilegitimidade nos autos, por ter transferido a responsabilidade civil resultante da circulação da sua viatura para aquela seguradora e o pedido conter-se dentro da cobertura da apólice.
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O réu “F…” invocou na contestação a sua ilegitimidade passiva, por se encontrar aquando do acidente a efectuar um serviço de transporte por conta e sob a autoridade da sua entidade empregadora, a sociedade “G…, Lda.”, actuando enquanto condutor como mero comissário.
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A ré “E…, S.A.” prescindiu do incidente de intervenção principal provocada de “D…, Companhia de Seguros, S.A.” por a mesma já figurar como parte nos autos.
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Teve lugar a audiência prévia, em que foi proferido despacho saneador, julgando verificada a excepção da ilegitimidade dos réus “E…, S.A.”, “F…” e “Fundo de Garantia Automóvel”, com a consequente absolvição destes da instância, proferindo-se despacho a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova.
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Realizou-se a audiência final.
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Após a produção de prova, foi proferida sentença condenando solidariamente as rés “Companhia de Seguros D…, S.A.” e “D…, Companhia de Seguros, S.A.” actualmente designada “H… – Companhia de Seguros, S.A.” a pagarem à autora “B…, S.A.” a quantia de €37.265,39, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento.
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Não se conformando com a decisão proferida no segmento respeitante à condenação referente aos danos por indisponibilidade de via, veio a recorrente “Companhia de Seguros C…, S.A.” interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:
“I) Não se conforma a Apelante com a douta sentença proferida nos presentes autos que condenou a ora Apelante e a R. D…, Companhia de Seguros, S. A. a pagar, solidariamente, à A. B…, S.A. a quantia de €37.265,39, quanto aos danos referentes à denominada “indisponibilidade da via”, cuja indemnização foi fixada a título de lucros cessantes na quantia de €13.051,87, indemnização parcelar essa que a apelante identifica como objecto do recurso.

II) A fórmula de cálculo da remuneração anual da A. é efectuada tendo em consideração os riscos da Concessionária e a evolução global dos índices de sinistralidade, factor para o qual contribuem todos os sinistros ocorridos na concessão, incluindo o do segurado da R. em causa nos presente autos.

III) Não pode ser considerado como dano efectivo o montante de €13.051,87, dado que o mesmo será sempre compensado na próxima remuneração da A., conforme legalmente consagrado e supra demonstrado.

IV) A ocorrência de acidentes de viação nas auto-estradas não é uma possibilidade, mas um evento estatisticamente certo ou uma inevitabilidade, razão pela qual é tido em consideração no cálculo da remuneração por disponibilidade de via.

V) O acidente de viação descrito nos autos, pelas circunstâncias apuradas e constantes do elenco dos factos provados, não representa um evento que traduza um risco acrescido na actividade de manutenção e exploração da auto-estrada, pelo que não poderá configurar um componente do dano patrimonial da A. na vertente de lucros cessantes, porquanto integra um dos riscos próprios do negócio em que está envolvida.

VI) A A. assumiu a responsabilidade pelo risco (objectiva) quanto à disponibilidade de vias, tendo renegociado a remuneração auferida pela concessão em face do novo modelo de gestão e financiamento do sector das infra-estruturas rodoviárias. Destarte, não pode ser assacada à Recorrente ou ao seu segurado qualquer montante por um risco assumido integralmente pela Recorrida, a qual recebe a respectiva remuneração tendo em conta o risco assumido, originando tal entendimento condenatório uma dupla remuneração sobre a mesma actividade.

VII) A Apelada não fez prova, como lhe competia, quanto à adequação do valor reclamado relativo à indisponibilidade de via invocada, desconhecendo-se se o valor que a Apelada deixou de receber encontra-se devidamente calculado ou adequado e proporcional às perdas emergentes do condicionamento da auto-estrada.

VIII) Entre o sinistro em causa nos autos e o dano “indisponibilidade de via” não existe qualquer nexo de causalidade, dado que o mesmo apenas foi provocado por circunstâncias anómalas ao sinistro em causa nos autos.

IX) Não existe uma causalidade adequada entre a responsabilidade contratual acordada entre a A. e o Estado Português e o direito de reembolso que a A. vem exercer nos presentes autos, tendo a forma de cálculo da retribuição da A. meros efeitos inter-partes.

X) A condenação da Recorrente ao pagamento à Recorrida do montante peticionado pela indisponibilidade de via, a título de lucro cessante, constituirá uma clara subversão ao intuito da supra referida cláusula contratual, que consiste na promoção da eficiência e produtividade do concessionário geral.

XI) Destarte, a douta sentença violou, designadamente, as normas previstas nos martigos 334.º, 342.º, 346.º e 566.º do Código Civil e ainda o preceituado no artigo 414.º do Código de Processo Civil, senão vejamos,

XII) Nos termos supra expostos, a Apelada recebe a respectiva remuneração do estado Português tendo em conta o risco assumido, originando o entendimento condenatório da sentença em crise sobre a indisponibilidade da via uma dupla remuneração sobre a mesma actividade, razão pela qual a transferência para a Apelante do risco contratualmente assumido pela Apelada, configura um abuso de direito, o que consubstancia uma violação do artigo 334.º do Código Civil, uma vez que o direito peticionado é ilegitimo.

XIII) A Apelada não só não logrou provar qualquer dano efectivo a título de lucros cessantes, como a Apelante logrou provar que a Apelada será compensada na remuneração de 2012 pelos danos em caus nos autos, sofridos no ano de 2011, através de um incremento em relação ao aumento da sinistralidade da auto-estrada concessionada, razão pela qual, nos termos dos artigos 342.º, 346.º e 566.º do Código Civil e 414.º do Código de Processo Civil não se encontram provados os factos constitutivos do direito alegado pela Apelada a título de indisponibilidade da via, devendo assim o mesmo improceder”.
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Não se conformando com a decisão proferida no segmento respeitante à condenação referente aos danos por indisponibilidade de via, veio a recorrente “D… - Companhia de Seguros. S.A.” actualmente designada “H… - Companhia de Seguros, S.A.” interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:
“I) Com base no depoimento da testemunha I…, e do clausulado do contrato de concessão - DL 44-G/2010, de 5 de Maio - o tribunal deveria ter dado como provados os seguintes factos, complementares dos alegados pelas partes:

II) Nos termos do contrato de concessão e da forma como ele vem sendo aplicado pelo concedente e pela concessionária, o dono da concessão – o estado – é quem aufere todas as receitas relativas às taxas de portagem pagas por quem usa a auto-estrada;

III) Mercê de um qualquer incidente da via, o estado só sofre uma perda de receita, quando ocorre um corte da auto-estrada, que é impeditivo da circulação pela mesma auto-estrada.

IV) Nos termos do contrato de concessão e da forma como o mesmo vem sendo aplicado pela Autora e pelo estado, os incidentes que nos termos da concessão dão lugar a uma perda de remuneração do concessionário, são qualquer incidente ou anomalia de funcionamento da auto-estrada, seja ele qual for, tenha ele ou não qualquer repercussão na efectiva utilização da auto-estrada, e acarrete ele ou não uma qualquer perda de receita de portagens para o dono da concessão, que é quem as aufere.

V) O dano de indisponibilidade de via, é uma criação abstracta do contrato de concessão, e não corresponde necessariamente a um qualquer efectivo dano, da concessionária, da dona da auto-estrada ou dos seus utentes.

VI) Resultando unicamente do clausulado do contrato de concessão, a perda de remuneração por indisponibilidade de via, nunca poderá constituir um dano resultante de uma qualquer violação de um direito, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 483º e 563º do CC.”.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:

Das conclusões formuladas pelas recorrentes as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a analisar no âmbito do presente recurso são as seguintes:
- Impugnação da matéria de facto apresentada pela recorrente “D… - Companhia de Seguros, S.A.”, actualmente designada “H… - Companhia de Seguros, S.A.”;
- Se a dedução da remuneração da concessionária de autoestrada por efeito de acidente causado por um utente da via e gerador de uma indisponibilidade temporária da via constitui um lucro cessante ressarcível em sede de responsabilidade civil.
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3. Conhecendo do mérito do recurso:

3.1. Da impugnação da matéria de facto
Impugnou a Recorrente D… - Companhia de Seguros, S.A. a decisão do tribunal a quo pretendendo que se julguem provados os factos seguidamente enunciados:
“A - O dono da concessão - o estado - é quem aufere todas as receitas relativas às taxas pagas por quem usa a auto-estrada;

B - Mercê de um qualquer incidente da via, o estado só sofre uma perda de receita, quando ocorre um corte da auto-estrada, que é impeditivo da circulação pela mesma auto-estrada.

C - Nos termos do contrato de concessão e da forma como o mesmo vem sendo aplicado pela Autora e pelo estado, os incidentes que nos termos da concessão dão lugar a uma perda de remuneração do concessionário, são qualquer incidente ou anomalia de funcionamento da auto-estrada, seja ele qual for, tenha ela ou não qualquer repercussão na efectiva utilização da auto-estrada, e acarrete ele ou não uma qualquer perda de receita de portagens para o dono da concessão, que é quem as aufere.”.

Vejamos.
Analisada a factualidade que a recorrente pretende seja aditada é manifesto que a matéria sugerida não se reveste de interesse para a boa decisão da causa sendo, ainda, claro que não se trata de matéria de facto, mas antes de matéria conclusiva sendo de realçar, aliás, que uma parte daquilo que vem sugerido consta da legislação aplicável.
Ora, segundo Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, 2008, págs. 637 e 638, da matéria de facto devem constar apenas factos e não matéria de direito ou conclusões de facto, sendo que às conclusões de direito são assimiladas, por analogia, as conclusões de facto, isto é, os juízos de valor, em si não jurídicos, que teriam de ser emitidos a partir dos factos provados.
Citando Abel Simões Freire, in Matéria de Facto-Matéria de Direito, Colectânea de Jurisprudência - STJ, 2003, III, pág. 5 e seg., afirma-se no Acórdão de 24.02.2011, proferido no processo n.º 674/2001.P1, in www.dgsi.pt, que “não deve admitir-se a formulação dum quesito que decide de direito aquilo que se visa subsumir à lei com factos que decidem o caso. Daí que, nesta asserção, a matéria conclusiva, para efeito de dever ser considerada não escrita, é apenas aquela que tem, em si mesma, a decisão de direito controvertida, porque o juízo valorativo, composto de factos corresponde à questão a decidir e não é, em si mesmo, factos simples, ocorrências da vida real, mas um complexo de factos inscritos na norma com o sentido de decidir a questão. Os juízos que contenham a resolução da questão de direito controvertidos pelas partes, quer integrem normas jurídicas geralmente conhecidas, quer a apreciação de factos, não podem ser aceites e têm-se por não escritos”.
Muito embora o actual Código de Processo Civil não contenha uma norma similar ao n.º 4, do artigo 646.º do Código na versão anterior à reforma de 2013, segundo o qual se tinham por não escritas, além do mais, as respostas dadas pelo tribunal sobre questões de direito, onde se incluíam, por analogia, os factos conclusivos, que encerrem juízos de valor e respeitem ao thema decidendum, tem-se entendido que o princípio subjacente à referida norma - de que apenas os factos são objecto de prova e da respectiva decisão - continua válido e mantém-se a solução de considerar não escritas as respostas a conceitos de direito. Nesse sentido cf. vai o Acórdão desta Relação de 26.03.2015, proferido no processo n.º 589/11.9TVPRT.P1, in www.dgsi.pt, que cita em seu apoio Abrantes Geraldes, segundo o qual a “opção legislativa não significa obviamente que seja admissível doravante a assimilação entre julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspectos que dependem da decisão de facto”.
Do exposto resulta que bem andou o Tribunal a quo ao dar como provado, designadamente quanto à questão da indisponibilidade da via apenas aquilo que consta da sentença e que revestia de interesse para a boa decisão da causa. A título de exemplo não se compreende qual o interesse em saber “se e quando o Estado sofre uma perda de receita”, sendo certo que não é isso que aqui se encontra em causa. Refira-se, ainda, que uma parte daquilo que vem sugerido seja aditado consta da legislação aplicável.
Em face do que vem de ser exposto, improcede o recurso sobre a decisão da matéria de facto.
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A matéria de facto que fica em definitivo julgada provada é, assim, a fixada em 1ª instância.

3.2 - Entrando no mérito da segunda questão suscitada impõe-se apurar se a dedução da remuneração da concessionária de autoestrada por efeito de acidente causado por um utente da via e gerador de uma indisponibilidade temporária da via constitui um lucro cessante ressarcível em sede de responsabilidade civil.
As recorrentes pugnam pela revogação da sentença impugnada no segmento em causa em virtude de, no seu modo de ver, entre o sinistro em causa e o dano abstracto de indisponibilidade da via não mediar qualquer nexo de causalidade.
Ao invés, e em síntese, a recorrida pugna pela manutenção da decisão recorrida, alegando que se trata de um dano efectivo sofrido pela apelada na modalidade de lucro cessante.
Vejamos então.
A fonte da pretensão indemnizatória da recorrida é o instituto da responsabilidade civil.
No caso sub judicio e conforme já frisamos, as recorrentes questionam, apenas a ressarcibilidade da dedução efectuada pelo concedente na remuneração da concessionária, recorrida nestes autos, por indisponibilidade da via em que se verificou o sinistro.
Como é sabido, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (artigo 562.º do Código Civil).
“A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” (artigo 563.º, n.º 1 do Código Civil).
“O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” (artigo 564.º, n.º 1 do Código Civil).
No caso em apreço, as apelantes foram solidáriamente condenadas a pagar à autora o valor de €13.558,06 a título de ressarcimento da dedução da remuneração por parte da concedente por si sofrida em resultado do acidente, prevista no Decreto-Lei n.º 44-G/2010, de 05 de Maio.
Ora, o regime de realização de concursos públicos internacionais para a concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de auto-estradas e grandes obras de arte em regime de portagem sem cobrança aos utilizadores (SCUT) foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 267/97, de 2 de Outubro.
Posteriormente, o Decreto - Lei n.º 189/2002, de 28 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto - Lei n.º 19/2007, de 22 de Janeiro, aprovou as bases da concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação, em regime de portagem sem cobrança aos utilizadores (SCUT), dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, designada por concessão SCUT B1….
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 44-G/2010, de 5 de Maio, procedeu à revisão das bases da concessão.
De acordo com o disposto Base IV do mencionado diploma “A Concessionária deve desempenhar as actividades concessionadas de acordo com as exigências de um regular, contínuo e eficiente funcionamento do serviço público e adoptar, para o efeito, os melhores padrões de qualidade disponíveis em cada momento, nos termos previstos nas presentes bases.”
E a Base XLV estabelece que “A Concessionária deve manter a Auto-Estrada, bem como os demais bens que integram ou estejam afectos à Concessão, em funcionamento ininterrupto e permanente, em bom estado de conservação e em perfeitas condições de utilização e segurança, nos termos e condições estabelecidos nas disposições legais e regulamentares aplicáveis e no Contrato de Concessão, realizando, oportunamente, as reparações, as renovações e as adaptações que para o efeito se tornem necessárias e todos os trabalhos e alterações necessários para que os mesmos satisfaçam cabal e permanentemente os fins a que se destinam.”
Quanto ao valor de remuneração pela disponibilidade do sistema de cobrança de portagens e quanto ao valor de remuneração pela prestação do serviço de cobrança de taxas de portagens encontram-se previstas no mencionado Decreto-lei várias fórmulas para cálculo desse valor.
Do preâmbulo do referido Decreto-lei n.º 44-G/2010 de 5 de Maio resulta que“(...) os concessionários passaram a assumir integralmente o risco de disponibilidade das vias bem como, no âmbito da operação dos sistemas de cobrança de portagens, o risco de disponibilidade e o risco de tráfego, acrescidos, desde já ou a prazo, do risco de cobrança das respectivas taxas (ii) e são remunerados em função dos riscos que assumiram (iii)”, sendo que, de acordo com o preâmbulo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 39-G/2010, de 4 de Junho /publicada no D. R., Iª série, nº 108, suplemento, conclui-se que este diploma legal a que nos referimos “alterou o modelo de gestão e de financiamento da concessão, passando a concessionária a ser retribuída pela disponibilidade da infra-estrutura que coloca à disposição dos utentes, passando a EP - Estradas de Portugal, S. A., a receber as taxas de portagens cobradas pela concessionária permitindo um novo equilíbrio contratual entre o Estado e a concessionária fundado em princípios da solidariedade intergeracional, de eficiência ambiental e da contratualização de longo prazo das responsabilidades decorrentes da construção, da gestão, da manutenção e da conservação da rede rodoviária nacional, da definição do preço global do serviço representado pelo uso e pela disponibilidade da rede rodoviária nacional, da associação de investimento privado ao desenvolvimento da rede rodoviária nacional e do reforço da segurança rodoviária.”.
Por sua vez, do n.º 12 da Base LXV - A aditada pelo Decreto-Lei n.º 44-G/2010, de 5 de Maio ao Decreto-Lei n.º 189/2002, de 28 de Agosto, resulta que um sublanço (extensão de auto-estrada situada entre dois nós de acesso/saída desta, como é sabido) está disponível quando cumulativamente se verifiquem três condições: a) de acessibilidade; b) de segurança; e, c) de circulação.
Pelo que, e a contrario, ocorre necessariamente indisponibilidade ou falha de disponibilidade quando não se verifique uma só que seja dessas três condições.
É, assim, inegável perante os dados normativos constantes do contrato de concessão que antes se citaram, tal como do preâmbulo do diploma legal que procedeu à alteração do mesmo contrato em 2010 que a concessionária assumiu integralmente o risco da disponibilidade da autoestrada que lhe foi concessionada, relevando a assunção desse risco para a determinação da remuneração da concessionária.
Porém, precisamente porque a concessionária assume esse risco de disponibilidade da via, a sua remuneração é reduzida sempre que se verifiquem situações de indisponibilidade da via quer lhe sejam diretamente imputáveis quer não.
A remuneração da recorrida, aliás, não é apenas deduzida, a título de indisponibilidade de via, quando ocorrem acidentes na auto-estrada, ocorrendo necessariamente indisponibilidade ou falha de disponibilidade quando não se verifiquem condições de acessibilidade, de segurança e de circulação.
Segue-se que esta “categoria” dos acidentes insere-se, regra geral, nas condições de segurança (melhor: na falta delas), embora possa igualmente respeitar às condições (falta delas também) de acessibilidade, quando se trate de acidentes mais graves.
Mas, outros eventos há que têm reflexos na disponibilidade de via que a concessionária se obrigou a proporcionar como contrapartida da remuneração que recebe, designadamente os trabalhos de (re)pavimentação da via que a concessionária tem obrigatoriamente de executar.
Também esses trabalhos “dão direito” a dedução de remuneração da concessionária por indisponibilidade.
É totalmente incontroverso, todavia, que os casos de sinistro assumem contornos completamente diversos, pois que em tais situações de acidente o ganho/lucro legalmente previsto, inteiramente legítimo e expectável da concessionária é afectado/reduzido por intervenção negligente de terceiro.
Afigura-se-nos, por isso e à luz destes conceitos, que se trata de um lucro cessante, ou seja, um benefício que a concessionária deixou de obter em resultado do sinistro.
De sorte que, e bem ao contrário do que defendem as apelantes, este é claramente um dano real e efectivo sofrido pela recorrida, um lucro cessante imputável e exclusivamente devido a este acidente que foi quantificado e devidamente provado.
Aliás, não se alcança, ao contrário do sustentado pelas apelantes, por que razão terá a concessionária de suportar neste caso de acidente, atribuível directa, causal e adequadamente a um determinado veículo ou conjunto de veículos, a diminuição da sua remuneração (melhor: o lucro cessante) que legitimamente tinha e tem todo o direito vir a receber do concedente.
Por isso, a indemnização da concessionária na medida da dedução que é feita na sua remuneração por efeito de um sinistro imputável a um terceiro, não constitui qualquer duplicação de remuneração, mas apenas visa que a concessionária seja reembolsada das deduções na sua remuneração imputáveis à conduta de terceiros.
Diga-se aliás, que a conclusão que se trata de lucros cessantes da concessionária e que, obviamente, são indemnizáveis no âmbito da responsabilidade civil (transferida que está para as seguradoras Rés), encontra-se em sintonia com o acórdão da Relação de Coimbra de 27 de Maio de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 3511/13.4TBVIS.C1 e que pode ser consultado em www.dgsi.pt de onde dimana que a “(...) perda de remuneração pela disponibilidade da via que a A. (concessionária) deixou de receber do Estado em razão da interrupção do trânsito na auto-estrada é adequadamente causada pelo facto ilícito que desencadeou o acidente de viação pela reparação de cujas consequências é a R. (seguradora) responsável”.
Na mesma linha, vão também os acórdãos desta Relação de 13.10.2015 proferido no processo n.º 3858/13.0TBVLG.P1 e de 16.12.2015 proferido no processo n.º 10/15.3T8ETR.P1, consultáveis no mesmo sítio da Internet (www.dgsi.pt) de onde dimana que “A dedução da remuneração da concessionária de autoestrada por efeito de acidente causado por um utente da via e gerador de uma indisponibilidade temporária da via constitui um lucro cessante ressarcível em sede de responsabilidade civil“.
Refira-se aliás, que a indemnização na medida da dedução na remuneração por efeito de indisponibilidade da via não contribui para a redução da eficiência da recorrida pois que, por um lado, essa indisponibilidade tem como causa um acto praticado por um terceiro e, por outro lado, porque sempre essa dedução será tanto menor quanto mais célere for a cessação da indisponibilidade da via. Por isso, a concessionária tem todo o interesse em remover o mais depressa possível as causas de indisponibilidade da via, pois quanto mais rapidamente suprimir as causas de indisponibilidade da via, menor será a dedução na sua remuneração.
Se porventura se verificar a falta de eficiência da concessionária na reposição das condições de circulação na via, no caso de sinistro imputável a terceiro, cumpre ao terceiro, ou à sua seguradora, como sucede no caso em apreço, alegar e provar essa falta de diligência, a qual deve ser ponderada à luz do instituto da culpa do lesado (artigo 570º do Código Civil), para efeitos de redução ou até de exclusão da indemnização.
No caso sub judicio, resulta da factualidade provada que por efeito do sinistro causado pelo condutor do veículo e atrelado com seguro de responsabilidade civil titulado pelas apólices emitidas pelas recorrentes, a recorrida viu a sua remuneração deduzida do montante de €13.051,87, assim se frustrando a sua perspectiva de ganho no ano em que ocorreu o sinistro.
Provou-se, assim, que a apelada deixou de ser remunerada pelo concedente, por indisponibilidade de via devido ao despiste em causa nos autos, do montante de €13.051,87.
Ora, é inevitável reconhecer que a perda de remuneração que a apelada sofreu foi adequadamente causada pelo acidente pela reparação de cujas consequências são as apelantes responsáveis, ou seja, que se verifica o nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e a lesão ou aquele dano final, enquanto um dos aludidos pressupostos da obrigação de indemnizar, à luz dos critérios de normalidade ao mesmo inerentes. Na verdade, tal facto ilícito e a interrupção de trânsito que provocou foram a conditio sine qua non daquela perda.
Contra o argumentado pelas apelantes, não faz qualquer sentido, à luz desses critérios de normalidade, conceber esse concreto dano como advindo, adequadamente, da actividade da apelada de exploração e conservação da auto-estrada porque essa actividade comportaria o risco de acidentes estradais. Realmente, os autos não fornecem qualquer elemento que sugira que o acidente gerador deste e, aliás, dos demais (incontroversos) danos tenha tido alguma conexão com a actividade da apelada e, designadamente, com a deficiente conservação da via.
É certo que a ocorrência de acidentes de viação nas auto-estradas, assim como nas demais vias, é, sim, um risco inerente à circulação automóvel e daí que o seguro deva ser obrigatoriamente celebrado com sociedades comerciais que exploram essa actividade com escopo lucrativo.
Em conformidade com os princípios que disciplinam a obrigação de indemnização, incumbe ao lesante a reparação integral dos danos, não podendo recair sobre o lesado qualquer encargo. Por sua vez, a medida da indemnização resulta da diferença entre a situação que o património do lesado apresenta e a que apresentaria se não se tivessem verificado as consequências patrimoniais produzidas pelo facto (geralmente, ilícito).
Nesta acção, competindo ao lesante reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (integral dos danos), cabe à apelante o direito a receber a diferença entre o valor efectivo do património tal como existiria se não se tivesse verificado a violação. E uma vez que o sistema atribui ao lesado o direito à recomposição da situação danosa, tudo se resume, pois, à detecção do método mais adequado à quantificação de seu equivalente pecuniário.
No caso em apreço, resulta da factualidade provada e conforme já referimos que a apelada deixou de ser remunerada pelo concedente, por indisponibilidade de via devido ao despiste em causa nos autos, do montante de €13.051,87.
Trata-se, portanto, de um benefício que a recorrida deixou de auferir por causa da indisponibilidade da via derivada do sinistro causado pelo condutor do veículo cuja responsabilidade civil perante terceiros estava transferida para as recorrentes, ou seja, está em causa um lucro cessante ressarcível nos termos previstos na segunda parte do nº 1, do artigo 564º do Código Civil.
Assim, face a tudo quanto precede, conclui-se que os recursos de apelação interpostos improcedem, devendo confirmar-se a decisão recorrida, nos segmentos impugnados.
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Sumariando em jeito de síntese conclusiva:
“I) Com o Decreto-Lei n.º 44-G/2010, de 5.5., foi alterado o modelo de gestão e financiamento destas concessões, passando a concessionária a ser retribuída pela disponibilidade das infra-estruturas que coloca à disposição dos utentes e o concedente EP – Estradas de Portugal a receber as taxas de portagem cobradas pela concessionária.
II) A dedução da remuneração da concessionária de autoestrada por efeito de acidente causado por um utente da via e gerador de uma indisponibilidade temporária da via constitui um lucro cessante ressarcível em sede de responsabilidade civil”.

4. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos por “Companhia de Seguros C…, S.A.” e por “D… - Companhia de Seguros, S.A.”, mantendo a decisão recorrida.
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Custas a cargo das apelantes.
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Notifique.
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Porto, 24 de Novembro de 2016.
Paulo Dias da Silva (Relator; Rto 17)
Teles de Menezes
Mário Fernandes