Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1013/10.0TJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: USURA
PREÇO COBRAÇO EXCESSIVO
LUCRO OBTIDO INJUSTIFICADO
PREÇOS FIXADOS PELO MERCADO
Nº do Documento: RP201306131013/10.0TJPRT.P1
Data do Acordão: 06/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 282º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - A legitimidade afere-se pela configuração da ação proposta e é parte legítima quem é demandado para pagar o preço devido pela prestação de um serviço fúnebre que contratou, independentemente do custo desse serviço ser encargo da herança.
II - A usura exige a demonstração, além do mais, que o preço cobrado ou o lucro obtido são excessivos e injustificados e nessa demonstração não pode esquecer-se a variabilidade dos preços, se estes não forem administrativamente tabelados, mas resultarem da ação concorrencial do mercado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 1013.10.0TJPRT.P1

Recorrente – B…
Recorrida – C…, SA

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Maria Adelaide Domingos e Carlos Pereira Gil.
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

1 – Relatório
1.1 – Os autos na 1.ª instância
A sociedade C…, SA, instaurou a presente ação (sob a forma prevista no DL. 108/2006) contra B… e pediu a sua condenação a pagar-lhe "a quantia €7.031,54, acrescida do montante de €69,35 de juros de mora vencidos, tudo no valor de €7.100,89, e ainda juros vincendos, custas e procuradoria".

A autora, fundamentando a pretensão, veio dizer o que ora se sintetiza: É uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços funerários; no mês de fevereiro de 2010, no exercício da sua atividade, prestou à ré os seus serviços que a ré lhe encomendou, através do seu estabelecimento sito na Rua …, Porto, para a realização do funeral do falecido D…. O serviço importou na quantia de 7.031,54€ e originou a emissão da fatura nº …/10 de 18.02.10 (cuja cópia junta). O serviço foi prestado conforme tinha sido acordado entre as partes; já a fatura deveria ser paga a pronto, com vencimento na data da sua emissão, mas a ré, apesar de instada, não a pagou.

A ré foi citada e, em contestação, veio dizer: Por exceção, que é falso ter a autora prestado a si quaisquer serviços e, tanto quanto sabe, quem tratou do funeral foi o Sr. E…, não a ré, sendo contra este, por isso, que a ação deve ser proposta. Acrescenta que a responsável pelo pagamento do funeral sempre seria a própria herança, uma vez que a herança aberta pelo óbito do falecido constitui um património autónomo, ao qual a lei atribui personalidade jurídica e é ela devedora dos credores respetivos. Caso assim se não entenda, por impugnação, refere a contestante: Em momento algum contratou e acordou os serviços prestados e que importaram a fatura referida na petição; a contestante nem sequer tem capacidade de tomar tal decisão na medida em que é uma pessoa já com 85 anos de idade e sem capacidade para tomar decisões de índole contratual. Mais a mais, nunca a autora informou a ré dos serviços que viria prestar e, principalmente, os valores dos mesmos, nunca lhe deu a conhecer as opções dos seus serviços, produtos ou os respetivos preços. A autora agiu por sua conta e risco, prestando os serviços que bem entendeu, para depois vir apresentar a fatura que lhe interessa. A autora nunca facultou os preços dos serviços apresentados na fatura, previamente à prestação dos serviços, mas a tal estava obrigada, nos termos da Portaria n.º 378/98 de 2 de julho, bem como nos termos do art. 11º do D.L. 206/2001 de 27 de julho. Assim, caso se entenda que o contrato existiu, ele é nulo, pela violação dos princípios da boa fé na sua formação, nos termos e para os efeitos do art. 280º do C.C. conjugado com o art. 227º, 286º e 289º do C.C., o que invoca. Tanto assim que, se na altura lhe tivessem sido dados a conhecer os vários serviços e respetivos preços, teria optado por um serviço fúnebre o mais económico possível. Caso assim se não entenda, sempre será anulável o contrato, por usura por parte da autora, nos termos do art. 282º do C.C., o que invoca: A autora, ao faturar o funeral pelo preço constante na fatura, tenta explorar, aproveitar-se da ré, quer pela sua inexperiência no mundo dos negócio quer pela sua fraqueza de caráter, como também, e principalmente, pelo seu estado mental, para daí retirar benefícios excessivos, injustificados. Ainda, e por mera hipótese, caso se entenda ser a ré responsável pelo pagamento da fatura, vai a mesma impugnada, porque os valores dela constantes são manifestamente exorbitantes para o serviço prestado, bem como pela prática de mercado (o normal de um serviço do género ronda os 3.250,00€; é um despropósito o valor da urna, que por norma custa cerca de metade do valor faturado, e o valor do zinco que normalmente custa menos cerca de 250,00€; também não se entende o valor da cobertura, que devia estar incluído no valor da urna nem o apresentado pela prestação de serviço, o qual é cerca do dobro, senão mais, do que normalmente é cobrado), devendo ser "reduzido na medida da prática comum de um serviço fúnebre comum, para o preço normal de mercado nunca superior a 3.250,00€".

Em requerimento posterior, a ré veio juntar aos autos o documento que protestara (documento de fls. 30, que é um orçamento "para funeral de urna em mogno com zinco para Jazigo-Capela). A esta junção respondeu a autora a fls. 34, juntando o seu próprio orçamento (que alega ter sido assinado pela ré (fls. 35) e invocando a litigância de má fé. Respondeu, então a ré (fls. 40 a 42) dizendo que está precludido o direito de juntar documentos (o qual, de todo o modo, impugna) e que é a autora quem litiga de má fé.

A fls. 44, foi proferido foi proferido o seguinte despacho: "Notifique a A. para, querendo, exercer o contraditório sobre a matéria de exceção invocada pela Ré na contestação que em devido tempo apresentou. A fim de evitar a eventual arguição de nulidades, mais dê conhecimento à Ré do teor do presente despacho, notificando ainda a mesma para se pronunciar sobre o pedido de condenação como litigante de má fé, entretanto deduzido nos autos pela A.". A autora, a fls. 46, veio dizer o seguinte: "O regime processual civil experimental, seguramente mais simples e flexível, confia na capacidade e no interesse dos intervenientes forenses em resolver com rapidez, eficiência e justiça os litígios em tribunal. Com evidentes vantagens para a celeridade do processo, impõe-se, é certo, a apresentação do requerimento probatório com os articulados, todavia, a faculdade de adicionar ou alterar o rol de testemunhas até 20 dias antes do início da audiência final, esta, permanece intocada. O mesmo se aplica à faculdade prevista no nº 2 do art. 523º do Código de Processo Civil, sendo admissível a apresentação de documentos pelas partes até ao encerramento da discussão em 1ª instância, ainda que sujeitas à condenação em multa. Termos que deve ser considerada tempestiva a junção dos documentos em crise, e bem assim, aceite o aditamento ao rol de testemunhas apresentado pela Autora, o que se requer". A ré, a fls. 51, veio acrescentar: "A Ré respondeu já a 23-09-2010 quanto ao pedido de condenação como litigante de má-fé deduzido pela A., conforme documento junto com a referência 3841138, reiterando e dando aqui como integralmente reproduzido todo o seu conteúdo, impugnando, assim, pelos motivos ali expostos, o pedido de litigância de má-fé formulado contra a R., o que desde já se alega".

Conclusos os autos, e conforme fls. 53/54, foi elaborado despacho saneador, no qual se fixou o valor da causa (7.100,89€) e se declarou que "(…) As partes, dotadas de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas, sendo certo que, tal como configurada pela A. a relação controvertida, é esta a titular do interesse relevante em demandar e a Ré, por sua vez, a titular do interesse relevante em contradizer. Não há questões prévias, outras nulidades ou exceções de que cumpra conhecer desde já e que obstem ao conhecimento do mérito da causa". E mais se disse: "Admito o rol de testemunhas apresentado pela A. na petição inicial e, bem assim, o apresentado pela Ré na sua contestação, com o objeto indicado. Tendo presente o disposto no artº 8º, nº 5, parte final, do Dec.-Lei nº 108/2006, de 8 de junho, mais admito a alteração, por aditamento, do referenciado rol de testemunhas apresentado pela A., nos termos definidos pela mesma a fls. 34 e com o objeto indicado. Porque relevantes para a decisão do mérito da causa, admito ainda, ao abrigo do disposto no artº 523º do C.P.C. (cuja aplicação o Dec.-Lei nº 108/2006 não exclui, antes supõe), os documentos entretanto juntos pela A. a fls. 35 a 37, todavia condenando a respetiva apresentante na multa mínima (…)". Fixou-se, igualmente, a data da audiência (inicialmente para 23.03.11), a qual, em razão de justificados adiamentos (primeiro para 19.09.11 e depois para 3.10.11) veio a ter lugar nos termos que os autos documentam: a fls. 135/136 e a fls. 138 (10.10.11). Conclusos os autos (apenas a 9.01.2012) foi proferida sentença (a 6.03.2012), que integra a matéria de facto apurada e que decide condenar a ré no pagamento à autora da "quantia de €7.031,54 (sete mil e trinta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida dos correspondentes juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa anual legal prevista para as obrigações civis, desde 18 de fevereiro de 2010 até efetivo e integral pagamento".

1.2 – Do recurso
Inconformada, a ré veio recorrer, quer quanto à fixação da matéria de facto quer quanto à aplicação do direito. Pretendendo a revogação da sentença ("absolvendo-se a recorrente do pedido ou pelo menos reduzindo-o"), formula as seguintes Conclusões:
1 - Foi a recorrente condenada a pagar a quantia de €7.031,54, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, desde 18.02.10 até efetivo e integral pagamento.
2 - A recorrente não concorda com a condenação, visando com o recurso impugnar a matéria de facto dada como provada e não provada, e o direito aplicado ou não no caso em concreto, pretendendo a revogação/alteração da sentença no sentido da sua absolvição.
3 - A recorrente, em devido tempo apresentou a sua defesa, conforme consta no relatório, dizendo que: “por exceção - argumentando que em momento algum contratou com a A. a realização dos serviços fúnebres em questão, por isso devendo a ação ser intentada contra a pessoa que, tanto quanto sabe, tratou do funeral (o Sr. E…) ou, quando muito, contra a herança aberta por morte do falecido D…, representada pelos seus herdeiros – e por impugnação – opondo, para a hipótese de assim se não entender, que o contrato em questão é de todo o modo nulo por violação do princípio da boa fé na respetiva formação, sendo certo que a A. nunca deu a conhecer à Ré as opções dos seus serviços, produtos e respetivos preços, antes agindo por sua conta e risco, ou, se não tanto, pelo menos anulável, por usura, considerando o que normalmente é cobrado por um serviço fúnebre como o que teve lugar no caso e o facto, ainda, de a fatura reclamada referenciar serviços especializados que, a par de não terem sido solicitados, apresentam valores excessivos. Conclui, em conformidade, pela improcedência da ação, com a sua consequente absolvição do pedido, ou, caso assim não venha o tribunal a entender, que o valor por cujo pagamento a Ré venha a ser responsabilizada seja reduzido a quantia nunca superior a €3.250,00”.
4 - Da análise dos depoimentos ouvidos, bem como da análise dos documentos juntos, salvo o devido respeito, não se poderá retirar de modo algum as conclusões que o tribunal tirou, e que constam na fundamentação de facto, ou dar como provados os factos dados como provados, os quais culminaram na condenação da recorrente.
5 - É completamente errónea a análise feita pela Exma. Juíza a quo quanto aos documentos juntos pela autora, constantes a fls. 7, fls. 35/36 e 37.
6 - Isto porque, e como bem diz a Meritíssima Juíza, são aqueles documentos, de fls. 7 e de fls. 35/36, meras cópias, os quais foram sempre expressamente impugnados pela ré, como se pode ler quanto ao primeiro (documento de fls. 7) pelo artigo 21 da contestação - onde se pode ler “…Fatura, vai desde já a mesma impugnada para todos os devidos e legais efeitos,”, e, quanto ao segundo (documento de fls. 35/36) pelo parágrafo sétimo do seu requerimento de 23-09-10 onde se pode ler “A R., para todos os devidos e legais efeitos, impugna o documento junto, como doc. 1 (Orçamento de Serviço Funerário), aos presentes autos, todo o seu teor, descritivo, conteúdo, valores…”.
7 - O facto de a ré dizer, noutro artigo, que nunca teve acesso a ele, de que o mesmo não foi preenchido na sua presença, nunca lhe foi dado duplicado do mesmo, nem se lembra de o ter assinado, não equivale a qualquer confissão, pois o mesmo tinha sido impugnado pelo parágrafo sétimo, nos termos referidos, sendo uma mera fotocópia o documento nada prova, além de ir contra a própria posição assumida na contestação, especificamente o alegado por si na sua contestação nos seus artigos 9º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º.
8 - Mais, nem sequer estamos a falar de um facto pessoal da ré, mas sim de um facto documental da autora, Orçamento, que esta alegou existir e ter na sua posse, que no entanto nem sequer juntou.
9 - Nem se pode dizer, como diz o tribunal a quo, que o orçamento junto é um facto pessoal da ré, na medida em que tem a assinatura da ré, pois na verdade o documento não tem a assinatura da ré pois não passa de uma mera fotocópia.
10 - Este documento é uma das peças fundamentais para os presentes autos, não se podendo ser ligeiro na sua valoração probatória, sendo que o art. 373º do C.C. que “os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor”, quer isto dizer que os documentos particulares, como é o caso de um Orçamento de Serviço Funerário, para ter valor probatório tem de estar assinado por quem se alega ter assinado, no caso a ré, o que não acontece no caso em apreço uma vez que o documento de fls. 35/36 não é o documento que por ele se pretende fazer prova, pois é uma mera cópia.
11 - Assim, errou o tribunal a quo ao dar validade aos documentos juntos, os quais não deverão ser tidos em conta para análise dos factos em questão nos presentes autos, muito menos servir de prova, pois além de serem meras cópias, foram devidamente e tempestivamente impugnados nos autos, não produzindo qualquer prova.
12 - Quanto ao depoimento da testemunha F…, que o tribunal a quo considerou ser “coerente, credível e isento”, sendo que esta testemunha foi a única arrolada que teve conhecimento da sucessão de factos que antecederam e levaram à prestação de serviços que a autora pretende cobrar, “com as funções de técnico comercial, e referiu ter sido quem tratou com o neto da Ré, Sr. E…, todos os pormenores relativos à contratação dos serviços que depois a A. veio efetivamente a prestar, os quais se mostram melhor discriminados na fatura junta aos autos a fls. 7.”. Diz ainda o tribunal a quo que aquela testemunha “Descreveu pormenorizadamente como, quando e por quem foi contactado, e qual o processo conducente à escolha dos serviços pretendidos…”
13 - Diz o tribunal que a testemunha “ficou com a impressão clara de que os serviços escolhidos de facto correspondiam ao que a mesma (referindo-se à R.) pretendia que fosse feito”.
14 - No entanto, analisado todo o depoimento da testemunha (F…), é claro que a autora nunca, em momento algum, negociou e contratou com a ré; nunca, em momento algum, foi o funeral tratado pela ré; nunca, em momento algum, foram apresentados opções dos serviços da autora à R., produtos e preços, e que o orçamento, que eventualmente terá sido elaborado, não foi elaborado por decisão e escolha da ré, o que se pode ler do seu depoimento que foi gravado no sistema H@bilus, conforme consta na ata de julgamento de 03-10-2011, com inicio de gravação às 10:45:11 e fim de gravação às 11:17:14 supra transcritas e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
15 - Das suas declarações em julgamento resulta que:
- O Sr. E… é que entrou em contacto com a autora;
- Toda a negociação do serviço que a autora viria a realizar foi feita entre esta e o Sr. E…;
- Foi ao Sr. E… que foram dadas todas as informações e explicações referentes aos serviços que a autora colocava à disposição, e os respetivos preços;
- Foi o Sr. E… que escolheu o serviço que a autora acabaria por prestar, e que os vários serviços extra (adicionais) foram opção e escolha do Sr. E…;
- Não foi assinado nenhum contrato entre autora e a ré para a realização dos serviços que a autora pretende cobrar-se pelos presentes autos;
- Só depois de os serviços estarem realizados ou a realizar-se é que a autora terá obtido a assinatura da ré nos vários documentos que seria necessário assinar por esta;
- Não foi prestada à ré quaisquer informações, explicações e preços dos vários serviços que a autora poderia prestar;
- A ré, quando terá assinado os papéis, estaria sozinha e combalida pelo falecimento do filho.
16 - Assim, e pelo que efetivamente disse a própria testemunha da autora, existe erro na factualidade dada como provada, a qual deverá ser retificada ou dada como não provada. Nomeadamente,
17 - Quanto ao ponto b) da factualidade dada como provada, existe erro notório quando se diz “prestou à Ré os seus serviços”, devendo aqui retirar-se a expressão “à Ré” pois tal não foi provado.
18 - Quanto ao ponto c) da Factualidade dada como provada, existe erro notório quando é afirmado pelo tribunal a quo que “tudo em conformidade com o que pela Ré havia sido encomendado à A.”, devendo aqui este facto na parte referida ser excluída, uma vez que não foi provado.
19 - Quanto ao ponto f) da Factualidade dada como provada, existe erro notório quando é afirmado pelo tribunal a quo que “certo é que até este momento a Ré não o fez”, devendo aqui este facto na parte referida ser excluída na medida em que não foi provado que a ré contratou e era responsável pelos serviços que a autora pretende cobrar pelos presentes autos, por não provado.
20 - Quanto ao ponto h) da Factualidade dada como provada, e na sequência do que se disse antes quantos aos restantes pontos dados como provados, tem necessariamente de se excluir, por erro notório, “Sem prejuízo do que se alude em b) e c)”.
21 - Por sua vez existem factos relevantes para a decisão de mérito da causa, que, pelo depoimento da supra referida testemunha, foram dados como não provados, por erro na avaliação da factualidade dos presentes autos, e que têm de ser considerados como provados, nomeadamente:
- Limitou-se a ré a assistir ao funeral;
- Nunca a ré entrou em contacto com a autora para efeitos do referido funeral;
- Nunca a ré optou pelos serviços constantes na fatura que a autora quer ver reconhecida nos presentes autos;
- Nunca a autora informou a ré dos serviços que viria prestar e, principalmente, os valores dos mesmos;
- Nunca a autora deu a conhecer à ré opções dos seus serviços, produtos e os respetivos preços;
- A autora agiu por sua conta e risco, prestando os serviços que bem entendeu no referido funeral.
22 - Factos estes que, pelo depoimento da testemunha F…, foram claramente provados, devendo portanto tais factos ser considerados como provados face à conclusão errónea do tribunal a quo que considerou, mal, como não provados.
23 - Continua o Tribunal a quo, na sua fundamentação de facto, e que releva e influência nos factos considerados provados e não provados, dizendo que “Relativamente ao custo de mercado normalmente associado à realização de um serviço fúnebre do género do prestado pela A., nada mais existe para considerar comparativamente, senão o orçamento de fls. 30 e o depoimento prestado pela testemunha G… – técnica de funerária desde 2003, que o elaborou, o que em si é manifestamente insuficiente para extrair quaisquer ilações no sentido de que os serviços orçamentados e prestados pela A. se mostrem sobrevalorizados – e, ainda menos, exorbitantes e/ou desproporcionados - em relação ao que é normal e corrente dentro do género. Um só orçamento não serve para termo de comparação a esse nível, para mais quando os serviços orçamentados não são exatamente os mesmos, com é o caso. Serve tão só de termo de comparação entre os serviços proporcionados por um e respetivo custo e os serviços proporcionados por outro e respetivo custo. À parte o facto de a testemunha em questão ter dito não prestar serviços de tanatopraxia, música e flores, nem ter para oferecer mais nenhuma hipótese de escolha senão a indicada no orçamento que elaborou no que respeita a funeral para depósito em jazigo/capela (como foi o caso dos autos), anota-se que, como bem se refere no dito orçamento comparativo, o valor a final orçamentado corresponde ao seu “melhor preço”. E nesse “melhor preço” não se mostram contabilizadas as despesas paroquiais e de cemitério (que, confrontada a fatura dos autos, bem se vê que a A. contempla), e que são da conta do cliente, nem a cobertura da urna, que, tal como está referenciado no orçamento em causa, claramente se apreende como uma opção comercial de quem se propõe prestá-lo. Acresce que não há agora como saber se outros preços, porventura ainda “melhores”, a A. poderia orçamentar, tivesse a Ré querido por eles optar dentre o leque de possibilidades de escolha que lhe foram proporcionadas em catálogo”.
24 - Pelo que consta nos factos não provados que:
- O normal de um serviço do género do prestado pela autora ronda os €3.250,00;
- Por norma, o valor da urna é de cerca de metade do valor faturado pela autora;
- E o do Zinco de menos de €250,00;
- O valor da cobertura da urna devia estar incluído no valor da urna;
- Por sua vez, o valor apresentado pela autora pela prestação do serviço é cerca do dobro, senão mais, do que normalmente é cobrado por um serviço fúnebre normal, simples.
25 - Estes factos, relevantes para a decisão de mérito, surgem na sequência da contestação, para prova do que a ré juntou um orçamento de funeral, do género do realizado pela autora, emitido pela agência funerária “H…”, de fls. …, bem como arrolou como testemunha a sócia gerente dessa mesma funerária, G….
26 - Analisando os autos verifica-se, desde logo, que a autora não impugnou o orçamento apresentado pela ré, pelo que deveria o tribunal, necessariamente, considera-lo aceite pela autora, e assim considera-lo provados.
27 - Sendo que foi o mesmo confirmado pela testemunha G…, que veio a tribunal confirmar o orçamento apresentado e os valores nele constantes, conforme depoimento gravado, que consta na ata de julgamento de 03-10-11, com início de gravação às 11:17:46 e fim de gravação às 11:27:11.
28 - De uma breve análise do preço constante na fatura apresentada pela autora a fls. 7 e do orçamento apresentado pela ré a fls. 30 verificamos que a autora cobra-se pela urna de Mogno c/ zinco a quantia global de 3.530,00€, enquanto o valor constante no orçamento de fls. 30 é de 2.135,00€, isto é, menos 1.395,00€, menos 40%.
29 - Quanto ao valor referente à organização, Auto fúnebre, pessoal, prestação de serviço, a autora apresentou na sua fatura a quantia global de 1.801€, enquanto o valor constante no Orçamento de fls. 30 é de 1.116€, isto é, menos 685€, menos 38%.
30 - Os “orçamentos” são em tudo idênticos, com exceção dos serviços de tanatopraxia, música e flores que no orçamento de fls. 30 refere claramente que a empresa que emitiu o orçamento não presta esses serviços.
31 - O que não invalida que se faça a comparação com aquilo que é comparável, a urna c/ zinco e os valores de prestação de serviços e associados a isso.
32 - Quanto à cobertura da urna, analisada a fatura verifica-se que a mesma não foi contabilizada no valor final, como aliás também não foi no orçamento de fls. 30 onde consta na sua parte final “como não cobramos a cobertura da urna”, mas não porque não faça parte do orçamento ao contrário do que é afirmado pelo tribunal a quo e sim porque não se cobram, porque está incluído.
33 - Assim, os últimos 5 pontos dos factos considerados como não provados terão de ser considerados como provados sob pena de existir um claro erro na apreciação da matéria de facto alegada conjugada com a prova produzida e aceite pelas partes nos termos da lei civil.
34 - Assim, e por tudo o que supra foi dito quanto à análise dos documentos juntos e das testemunhas ouvidas, em especial a testemunha F…, deve ser alterada a factualidade dada como provada e não provada pelo tribunal a quo, no sentido de:
- Quanto ao ponto b) da factualidade dada como provada, tem de se excluir a expressão “à Ré”, pois tal não foi provado.
- Quanto ao ponto c) da Factualidade dada como provada, tem de se excluir “tudo em conformidade com o que pela Ré havia sido encomendado à A”, uma vez que não foi provado.
- Quanto ao ponto f) da Factualidade dada como provada, tem de se excluir “certo é que até este momento a Ré não o fez”, por não provado.
- Quanto ao ponto h) da Factualidade dada como provada, tem de se excluir “Sem prejuízo do que se alude em b) e c)”.
- Tem de se considerar como facto provado que “Limitou-se a Ré a assistir ao funeral”;
- Tem de se considerar como facto provado que “Nunca a R. entrou em contacto com a A. para efeitos do referido funeral”;
- Tem de se considerar como facto provado que “Nunca a R. optou pelos serviços constantes na fatura que a A. quer ver reconhecida nos presentes autos”;
- Tem de se considerar como facto provado que “Nunca a A. informou a Ré dos serviços que viria prestar e, principalmente, os valores dos mesmos”;
- Tem de se considerar como facto provado que “Nunca a A. deu a conhecer à Ré opções dos seus serviços, produtos e os respetivos preços”;
- Tem de se considerar como facto provado que “A A. agiu por sua conta e risco, prestando os serviços que bem entendeu no referido funeral”;
- Tem de se considerar como facto provado que “O normal de um serviço do género do prestado pela A. ronda os €3.250,00”;
- Tem de se considerar como facto provado que “Por norma, o valor da urna é de cerca de metade do valor faturado pela A.”;
- “E o do Zinco de menos de € 250,00”;
- “Por sua vez, o valor apresentado pela A. pela prestação do serviço é cerca do dobro, senão mais, do que normalmente é cobrado por um serviço fúnebre normal, simples”.
35 - Face à factualidade que, no entender da recorrente, resultou provada e não provada, cai por terra toda a fundamentação de direito e subsunção legal. Vejamos então,
36 - Desde logo a questão de ser a ré parte legítima ou não, exceção essa invocada na contestação e denegada na douta sentença recorrida.
37 - Dispõe o art. 2068º do C.C. que “A herança responde pelas despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, pelos encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário, pelo pagamento das dívidas do falecido e pelo cumprimento dos legados.”
38 - Nessa medida, a ação deveria ter sido interposta contra a herança aberta pelo óbito de falecido D… representada pelos seus herdeiros, e não contra a aqui ré.
39 - A herança aberta pelo óbito do falecido D… constitui um património autónomo, ao qual a lei atribui personalidade jurídica, sendo devedora dos credores respetivos, pelo que devem as ações para o pagamento de dívidas sobre uma herança ser instauradas contra aquela, apesar de representada por todos os seus herdeiros, na medida em que os herdeiros não têm responsabilidade direta pelo respetivo pagamento de dívidas, pelo que não podem ser condenados no pagamento de dívidas da herança, como é claramente o caso dos presentes autos.
40 - Por outro lado, invocou também a ré, como exceção, que não contratou o que quer que fosse com a autora, uma vez que na decorrência de toda a factualidade dada como provada verifica-se que quem contratou o funeral foi o Sr. E…, neto da ré, sendo que foi ele quem se vinculou com a autora e, nessa medida, teria de ser contra o referido E… que a presente ação deveria ter sido intentada e não contra a ré.
41 - Assim, deverão ser julgadas procedentes as invocadas exceções e na sequência ser a ré absolvida do pedido, o que desde já se requer.
42 - Da factualidade que a recorrente considera ter ficado provada, e ao contrario do que o tribunal a quo afirma, verifica-se que a ré em momento algum “subscreveu, apondo a sua assinatura, o contrato/orçamento de fls. 35/36 dos Autos”, uma vez que, pelo que supra já foi dito, o referido documento não tem qualquer valor probatório porquanto era uma mera fotocópia, sem qualquer valor legal, e atendendo que o referido documento foi impugnado pela ré conforme supra melhor exposto.
43 - Conforme se pode verificar claramente pelo depoimento da testemunha E…, foi o E… que optou pelos serviços, não logrando a autora provar em momento algum, como lhe competia, que aquele E… agia em nome e representação da ré, sendo a testemunha F…, apesar de afirmar que aquele teria falado com a ré, nunca assistiu a tal, e o seu depoimento, nessa parte, é meramente hipotético e não factual.
44 - O certo é que, e como a testemunha F… afirma, quem entrou em contacto com a autora foi o E…, que foi com este que se encontrou para tratar do funeral, que foi a este que deu a conhecer os serviços da autora e as várias opções de serviços, que foi este (E…) que optou pelos serviços constantes na fatura que a autora pretende ver cobrada, que não foram assinados quaisquer documento antes do serviço ser prestado uma vez que quando o E… levou os papeis para serem assinados pela ré os mesmos não foram assinados, que ainda assim a autora decidiu fazer o funeral, e que só depois de o serviço estar parte realizado e parte a ser realizado é que terá contactado com a ré, a qual, alegadamente, terá assinado o dito orçamento sem que, no entanto, lhe tivesse dado as informações referentes às opções de serviços, sem que lhe tivesse dado opção de escolha do serviço, sem no entanto lhe ter dado opções de preços, sem nada, e sendo certo que como disse a testemunha que a mesma estaria combalida, pois afinal era seu filho.
45 - A autora, com a sua atuação, não cumpriu legislação especial existente para o setor, designadamente o art. 10º n.º 2 do D.L. 138/90, a Portaria n.º 378/98 de 2 de julho, o D.L. 206/2001 de 27 de julho, violando legislação especial que se lhe impõe cumprir, na medida em que nunca em momento algum deu a conhecer à ré os seus serviços, as suas opções, os seus preços, o que à autora competia provar atendendo à invocação de tal facto negativo por parte da ré, tendo inclusive provado exatamente a violação destas disposições.
46 - Bem como não existiu uma declaração negocial entre autora e ré com vista à formação de um contrato e, a alegada declaração negocial da autora nunca foi eficaz, e assim perfeita, quanto à ré pois esta nunca o aceitou.
47 - Assim sendo, e caso se entenda que existiu um contrato entre a autora e a ré, sempre seria o mesmo nulo, na medida em que violou não só princípios da boa fé na formação do contrato nos termos e para efeitos do artigo 280º C.C., conjugado com o artigo 227º, 286º e 289º do mesmo diploma, como nulo na medida em que violou a lei especial supra referida que a obrigava a dar as devidas informações consignadas naqueles diplomas legais, o que não fez, o que desde já se invoca.
48 - Nessa medida seria sempre o contrato nulo, e consequentemente deverá ser absolvida a ré do pedido contra si peticionado.
49 - Caso se considerasse que existiu um contrato entre a autora e a ré, sempre seria o mesmo anulável por usura, nos termos do artigo 282º do C.C., o que desde já se invoca, uma vez que com os factos que a ré entende deverem ser considerados como provados, verifica-se que os serviços que a autora prestou são cerca de 40% mais caros, 2.080,00€, que o valor que o serviço deveria custar.
50 - E nunca será possível exigir à ré o pagamento de serviços supérfluos como são a Tanotapraxia, musica e flores, e que, para mais, nunca foram solicitados, pelo que nunca poderão ser cobrados, no valor de 1.415,00€.
51 - Assim, dos 7.031,00€, 3.495,00€ são claramente abusivos, e que denotam uma usura, uma tentativa de aproveitamento da autora perante a ré.
52 - Pelo que deverá sempre ser o valor peticionado pela autora, e caso se entenda a ré ser responsável, reduzido para 3.536,00€ (diferença entre o valor faturado e o valor que se considera abusivo), o que se requer.
53 - Por todo o exposto deve a ré ser absolvida do pedido contra si peticionado, ou reduzido, nos termos supra expostos, revogando-se a recorrida sentença e substituindo-se a mesma por outra que absolva, ou reduza, a ré do pedido.

Não houve resposta ao recurso. Depois de várias vicissitudes processuais (atinentes à notificação da parte contrária e ao pagamento da taxa de justiça) que irrelevam na apreciação da apelação, foi esta recebida nos termos legais, como recurso a subir de imediato, nos autos e com efeito devolutivo. Na Relação, o processo correu os legais Vistos. Nada obsta, se bem observamos, à apreciação do mérito da apelação.

1.3 – Objeto do recurso
Definido pelas conclusões da recorrente, o objeto desta apelação identifica-se com duas questões relevantes (sem embargo de outras, laterais ou complementares, que estas chamam a colação, e que melhor se elucidarão, adiante):
1.3.1 – Reapreciação da prova e alteração da matéria de facto provada e não provada.
1.3.1 – Revogação da sentença, absolvendo-se da ré da instância, por ser parte ilegítima ou do pedido, por não haver contratado com a autora e o contrato ser nulo ou, pelo menos, absolvendo-o a mesma de parte do pedido, pois o preço foi usurário e excessivo.

2 – Fundamentação
2.1 – Fundamentação de facto:
A 1.ª instância deu como assente a matéria de facto que a seguir se transcreve (sem prejuízo da apreciação da impugnação deduzida pela ré no seu recurso)[1]:
a) A autora “C…, S.A.” é uma sociedade comercial anónima que se dedica à prestação de serviços funerários, desenvolvendo a atividade própria de agência funerária e venda de artigos religiosos e similares;
b) No mês de fevereiro de 2010, no exercício e desenvolvimento dessa sua atividade, a autora prestou à ré os seus serviços, melhor discriminados na fatura nº …/2010, junta aos autos em fotocópia a fls. 7, datada de 18 de fevereiro de 2010, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, para a realização do funeral do falecido D…;
c) Tudo em conformidade com o que pela ré havia sido encomendado à autora, através do seu estabelecimento «I…», sito na Rua …, nºs …/., no Porto;
d) Importaram tais serviços em €7.031,54;
e) Com relação à respetiva prestação não foi feita qualquer reclamação;
f) Devendo embora a fatura em causa ser paga a pronto, na data da respetiva emissão, certo é que até este momento a ré não o fez;
g) Apesar de várias vezes ter sido instada a tal pela autora;
h) Sem prejuízo do que se alude em b) e c), quem tratou diretamente com a autora os pormenores da realização do referido funeral foi o Sr. E…;
i) A Ré nasceu em 20 de maio de 1925.

2.2 – Reapreciação da matéria de facto e aplicação do direito
2.2.1 – Reapreciação da matéria de facto
Entende a recorrente que o tribunal da 1.ª instância cometeu notórios erros na apreciação da prova, documental e testemunhal, e que a própria fundamentação revela isso mesmo.

Antes de mais, e em jeito de consideração prévia, cumpre esclarecer que não se confunde uma errada fundamentação da matéria de facto (caso exista) com uma errada apreciação da prova, como parece pensar a recorrente, ao insistir na direta ligação entre a fundamentação e a matéria provada e não provada. Cumprindo, nesta sede, reapreciar a prova, pode acontecer que a conclusão deste Tribunal coincida com a fixação dos factos, mesmo quando se discordasse dos (ou de alguns dos) fundamentos da decisão; é que, ainda que não seja verdadeiramente um segundo julgamento o que nos cabe agora realizar, cumpre-nos reapreciar a prova produzida e constante dos autos, sem qualquer vinculação às razões que sustentam a decisão proferida. Sem embargo, a referência aos aludidos fundamentos (que se fará) permitirá, nesta sede, uma melhor compreensão da decisão da 1.ª instância, bem como das nossas conclusões.

A recorrente discorda da generalidade dos factos provados (acentuando, no fundo, que não se provou ter havido um contrato entre a autora e a ré) e também dos não provados (querendo que fiquem assentes os que igualmente revelam a aludida inexistência do contrato e, bem assim, os que demonstram, em razão de outro e diverso orçamento, o exagero dos preços praticados pela demandante).

Concretamente, a recorrente entende que:
"- Quanto ao ponto b) da factualidade dada como provada, tem de se excluir a expressão “à Ré”, pois tal não foi provado; - Quanto ao ponto c) da Factualidade dada como provada, tem de se excluir “tudo em conformidade com o que pela Ré havia sido encomendado à A”, uma vez que não foi provado; - Quanto ao ponto f) da Factualidade dada como provada, tem de se excluir “certo é que até este momento a Ré não o fez”, por não provado; - Quanto ao ponto h) da Factualidade dada como provada, tem de se excluir “Sem prejuízo do que se alude em b) e c)”.
- Tem de se considerar como facto provado que “Limitou-se a Ré a assistir ao funeral”; - Tem de se considerar como facto provado que “Nunca a R. entrou em contacto com a A. para efeitos do referido funeral”; - Tem de se considerar como facto provado que “Nunca a R. optou pelos serviços constantes na fatura que a A. quer ver reconhecida nos presentes autos”; - Tem de se considerar como facto provado que “Nunca a A. informou a Ré dos serviços que viria prestar e, principalmente, os valores dos mesmos”; - Tem de se considerar como facto provado que “Nunca a A. deu a conhecer à Ré opções dos seus serviços, produtos e os respetivos preços”; - Tem de se considerar como facto provado que “A A. agiu por sua conta e risco, prestando os serviços que bem entendeu no referido funeral”; - Tem de se considerar como facto provado que “O normal de um serviço do género do prestado pela A. ronda os €3.250,00”; - Tem de se considerar como facto provado que “Por norma, o valor da urna é de cerca de metade do valor faturado pela A.”; - “E o do Zinco de menos de € 250,00”; - “Por sua vez, o valor apresentado pela A. pela prestação do serviço é cerca do dobro, senão mais, do que normalmente é cobrado por um serviço fúnebre normal, simples”.

A pretensão da recorrente representa uma completa alteração do sentido da decisão sob censura. Antes de prosseguirmos, vejamos, então, as razões pelas quais a 1.ª instância considerou provada outra e diversa matéria, tão díspar da pretendida pela apelante. Na sentença, fundamentando a matéria de facto provada e a não provada, considerou-se:
"(…) resultou da ponderação dos depoimentos prestados e, bem assim, dos documentos juntos aos autos, com especial enfoque no documento (fatura) junto em fotocópia a fls. 7 e nos documentos (orçamento de serviço funerário e bilhete de identidade) juntos em fotocópia a fls. 35/36 e 37, a despeito da impugnação pela ré dos dois primeiros. No que ao documento de fls. 35/36 diz respeito, essa impugnação assenta essencialmente na alegação de que nunca a ele teve acesso, de que o mesmo não foi preenchido na sua presença, também não se lembrando sequer de o ter assinado. Ora, conforme decorre do estatuído no n.º 3 do artº 490º do C.P.C., se o R. declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que deva ter conhecimento. É inquestionavelmente o que sucede com a aposição da respetiva assinatura num qualquer documento, a não ser que o mesmo venha a demonstrar que, se não mais, pelo menos na ocasião estava por qualquer motivo incapacitado de entender o sentido do seu ato ou não tinha o livre exercício da sua vontade, conforme estatuído no artº 257º do Cód. Civil, sendo então a declaração negocial anulável. A única menção que mais perto disso anda é a vertida no artº 10º da contestação, onde, para justificar a alegação de que em momento algum contratou e acordou os serviços prestados pela A. e titulados pela fatura cujo pagamento esta reclama, argumenta que não tem capacidade de tomar tal decisão, na medida em que é uma pessoa já com 85 anos de idade e sem capacidade para tomar decisões de índole contratual. No entanto, contar já com 85 anos de idade – como evidencia o documento de fls. 37 - não significa por si só, nem necessariamente, o padecimento de qualquer limitação na capacidade de discernimento e autodeterminação. E o mais que dos autos emerge inclusive contraria a afirmação que pudesse fazer-se de tal realidade reportada à data dos factos (…) a testemunha F…, que se identificou como funcionário da A., com as funções de técnico comercial, e referiu ter sido quem tratou com o neto da Ré, Sr. E…, todos os pormenores relativos à contratação dos serviços que depois a A. veio efetivamente a prestar, os quais se mostram melhor discriminados na fatura junta aos autos a fls. 7. Descreveu pormenorizadamente como, quando e por quem foi contactado, e qual o processo conducente à escolha dos serviços pretendidos, designadamente no que toca à medida da participação da Ré, esclarecendo que apesar de nessa altura não ter ainda contactado com a Ré, ficou com a impressão clara de que os serviços escolhidos de facto correspondiam ao que a mesma pretendia que fosse feito, tanto mais que no próprio dia do funeral a Ré, depois de verificar toda a documentação, assinou sem quaisquer ressalvas o contrato/orçamento junto em fotocópia a fls. 35/36, que então lhe foi facultado. Aliás, quando na véspera tinha tratado de todos os pormenores do funeral com o neto da Ré, estando ambos dentro do seu carro, à porta de casa da Ré, o mesmo, antes de firmar quais seriam exatamente esses serviços, subiu ao apartamento da avó para recolher da mesma e do filho com ela residente, por sinal seu pai, instruções a esse propósito, posto que a decisão a eles cabia. E no regresso, portador dessa vontade daqueles, veio inclusivamente já munido dos documentos e da roupa do falecido, necessários para proceder ao levantamento do corpo. Só não trouxe na ocasião o cartão de contribuinte da Ré, tendo-lho esta facultado no próprio dia do funeral. Esse neto da Ré foi arrolado pela A. para depor como testemunha em audiência, então tendo sido referenciado como residente na mesma morada da Ré. A despeito de ao processo nada ter surgido a informar que essa fosse a sua residência, não parece, em todo o caso, que de facto o mesmo lá residisse. A testemunha J… referiu-se-lhe dizendo que o seu relacionamento com a Ré, sua avó, não era muito bom, por isso nem sequer sendo ele visita de casa. E se assim é, com maior premência se pode afirmar que necessariamente o mesmo teve que obter a colaboração da avó para recolher a documentação e roupa do falecido que depois entregou à testemunha F…. Diga-se, aliás, que na prática é assim que as coisas se processam as mais das vezes. São os familiares mais próximos do falecido que, numa altura em que estão mais fragilizados pela perda do seu ente querido, se vêm confrontados com os incómodos da necessária organização do funeral, com o acréscimo de sofrimento que isso importa e, portanto, não raras vezes quem assume esses trabalhos são outros na sua vez, sob sua orientação. Não é despiciendo referir o relato da testemunha F… no sentido de que quando, por ocasião da missa de 7º dia, se deslocou a casa da Ré para entregar o livro de condolências e a fatura dos serviços, estando a Ré presente e, bem assim, o filho K... com ela residente, por eles foi inclusivamente falado na possibilidade de recorrerem ao crédito para pagar os serviços prestados e faturados. Relativamente ao custo de mercado normalmente associado à realização de um serviço fúnebre do género do prestado, nada mais existe para considerar, comparativamente, senão o orçamento de fls. 30 e o depoimento prestado pela testemunha G… – técnica de funerária desde 2003, que o elaborou, o que em si é manifestamente insuficiente para extrair quaisquer ilações no sentido de que os serviços orçamentados e prestados pela A. se mostrem sobrevalorizados – e, ainda menos, exorbitantes e/ou desproporcionados - em relação ao que é normal e corrente. Um só orçamento não serve para termo de comparação a esse nível, para mais quando os serviços orçamentados não são exatamente os mesmos, com é o caso. Serve tão só de termo de comparação entre os serviços proporcionados por um e respetivo custo e os serviços proporcionados por outro e respetivo custo. À parte o facto de a testemunha em questão ter dito não prestar serviços de tanatopraxia, música e flores, nem ter para oferecer mais nenhuma hipótese de escolha senão a indicada no orçamento que elaborou, no que respeita a funeral para depósito em jazigo/capela (como foi o caso), anota-se que, como bem se refere no dito orçamento comparativo, o valor a final orçamentado corresponde ao seu “melhor preço”. E nesse “melhor preço” não se mostram contabilizadas as despesas paroquiais e de cemitério (que, confrontada a fatura dos autos, bem se vê que a A. contempla), e que são da conta do cliente, nem a cobertura da urna, que, tal como está referenciado no orçamento em causa, claramente se apreende como uma opção comercial de quem se propõe prestá-lo. Acresce que não há agora como saber se outros preços, porventura ainda “melhores”, a A. poderia orçamentar, tivesse a Ré querido por eles optar dentre o leque de possibilidades de escolha que lhe foram proporcionadas em catálogo. Concluindo, e a título de esclarecimento, adianta-se que a circunstância de nada mais para além do supra consignado como provado ter sido como tal mencionado se deveu precisamente à total ausência de prova relevante coerente e convincente no tocante à respetiva ocorrência - cuja demonstração apenas à Ré incumbia, de acordo com as regras gerais de repartição o respetivo ónus – e que, além do mais, o dado como provado também contraria".

Apreciemos.

A primeira nota que importa realçar, prende-se com a prova documental que os autos fornecem e o seu pertinente valor probatório. Diferentemente do que (não) disse na 1.ª instância, a ré, agora em sede de recurso, sobrevaloriza o facto de os documentos juntos pela autora – e em especial, pela sua relevância, o documento junto a fls. 35/36 – serem meras cópias, descobrindo nessa circunstância a ausência de qualquer valia probatória.

Relativamente à fatura (a fls. 7) a ré, na sua contestação, diz o seguinte: "por mera hipótese académica, caso se entenda que fosse a R. responsável pelo pagamento do referida fatura, vai desde já a mesma impugnada para todos os devidos e legais efeitos, isto porque os valores constantes na mesma são manifestamente exorbitantes, desproporcionados para o serviço prestado pela A., bem como pela prática de mercado" (artigos 21 e 22 da contestação, a fls. 20 destes autos). Já quanto ao documento que constitui fls. 35/36, e que constitui não só o "orçamento de serviço funerário" (este a fls. 35), mas também a "contratação de serviços funerários – condições gerais" (este a fls. 36), a ré, conforme fls. 40/41, começa por dizer que o mesmo é intempestivo e que, por isso, deve ser desentranhado; no entanto, "caso assim se não entenda", a ré impugna-o para todos os efeitos, concretamente "todo o seu teor, descritivo, conteúdo, valores e tudo o mais que vai contra a posição assumida na sua contestação" e acrescenta que "nunca teve acesso ao referido documento, que nunca foi preenchido na sua presença, nunca lhe foi dado um duplicado, não se lembrando sequer de o ter assinado" e conclui que "o referido documento é um mero orçamento".

Nos termos do artigo 368 do Código Civil (CC), as reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contrária contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exatidão. A falta de exatidão, que a impugnação pressupõe, é aqui, porque falamos de reproduções, concretamente de fotocópias, a que se estabelece entre o documento copiado e a cópia e, de modo algum, a ré alegou essa desconformidade. Não o fez na 1.ª instância (onde, igualmente, não requereu a apresentação do original) e, em sede de recurso, limitou-se a dizer que os documentos eram simples cópias, o que, sendo verdade, não implica, como decorre do preceito citado, a sua inutilidade probatória.

Por outro lado, e agora no que respeita à assinatura aposta no documento de fls. 35/36, concretamente a fls. 36 – que a autora apresentou acompanhado de cópia do bilhete de identidade da ré (fls. 37), decorre do disposto no artigo 374, n.º 1 do CC que a declaração de ignorância sobre a pertença a si da assinatura, feita pela parte contra quem o documento é apresentado, faz com que a mesma se tenha como verdadeira.

Em suma, com relevo para a apreciação da prova, temos por irrelevante que os documentos apresentados pela autora sejam meras cópias e temos por certa, como pertencendo à ré, a assinatura aposta a fls. 36.

Além das considerações antecedentes, que os documentos juntos aos autos suscitam, procedeu-se à audição da prova testemunhal gravada. Dessa audição, retivemos os depoimentos que ora transcrevemos:
1 – F…. Técnico comercial, funcionária da autora; conhece a ré e a família desta (Ficheiro 20111003104511 – 281702 – 64999). Referiu ao tribunal o seguinte: A família já era cliente antiga da agência, pois tinha-lhe tratado de um funeral em 2007; este agora foi em fevereiro de 2010 (min. 3,00). Recebeu um telefonema do coordenador da empresa e tomou nota do número de telefone do sr. E…; combinou o encontro com este, na residência da D. B…; quando chegou telefonou e ele (E…) desceu (4,05) e pediu-lhe se podiam tratar ali (do assunto) porque a avó estava combalida (4,20). Trataram no carro da testemunha e esta perguntou-lhe que tipo de funeral queria, mostrou o catálogo, deu-lhe valores, incluindo de outro (tipo) de serviço e ele escolheu; disse-lhe (à testemunha) que ia subir para falar com o pai e com a avó, a fim de decidirem, e a testemunha ficou à espera (5,30). O serviço escolhido foi um serviço típico da empresa, constante de catálogo, era o serviço de uma "urna maia" com serviço completo (7,00). Existem serviços adicionais (faturados) que foram explicados ao sr. E…, antes de subir para falar com eles e quando desceu disse-lhe que concordaram, incluindo a tanotopraxia (preparação do corpo) e as flores; estes serviços são só por acordo do cliente e exigem documento, que foi assinado pela D. B…; também foi contratada música, "pois eu falei e eles concordaram, porque o funeral anterior já tinha tido" (9,10). O orçamento discriminado só foi assinado pela avó mais tarde; o E…, quando desceu, trouxe o bilhete de identidade da D. B… (10,00); nessa altura, na viatura não foram assinados documentos, e por indicação do sr. E…, mais tarde "quando cheguei à Igreja, pelas dezoito horas, a D. B… já lá estava, sozinha" (11,40). Perguntou se era ela, ela confirmou e explicou-lhe todos os procedimentos do funeral, dos quais o sr. E… já tinha conhecimento, e pediu-lhe que assinasse os documentos; ela esteve a verificar, concordou e assinou (12,50). A senhora "estava numa situação… que se compreende, era o filho… mas não comentou os valores, que eram os acordados, ela viu e assinou" (13,40). Explicou-lhe, na altura, o serviço e o custo, que não era o mais caro da agência, pois o mais caro pode custar 25.000,00€, este era um serviço normal e ela não fez qualquer reparo ou queixa (14,55). O funeral foi no dia 15 e não logo a seguir, e ninguém fez qualquer reclamação ou sequer qualquer observação (15,30). Numa fase posterior, a testemunha também não teve qualquer reclamação; na altura da missa do sétimo dia foi a casa da D. B… e entregou a fatura; explicou o desconto de pagamento a pronto (dez por cento) e o sistema de crédito e o filho (da ré) que estava presente disse que ia ver e ligava; não ligou e quando o contactou disse-lhe que talvez o crédito, mas isso não era possível "devido à idade da senhora" e ficou sem efeito (17,30). Mais tarde ligou ao filho do senhor (o neto) e ele disse que ia falar com o pai e o assunto foi-se arrastando (18,00). Ficou surpreso quando soube que não concordavam com o orçamento; havia direito a um subsídio de funeral, mas para isso era preciso o recibo de pagamento e as coisas não se concretizaram (19,10).
Em contrainterrogatório, esclareceu que obteve a assinatura da ré na Igreja e que a família já era sua conhecida. Que quando obteve a assinatura os serviços já estavam a ser efetuados, "mas isso foi uma coisa bem falada", a necessidade de assinatura; deu várias alternativas ao sr. E…, mas, nessa altura, não falou diretamente com a D. B…; na altura ele, o neto, saiu da sua beira e depois desceu a confirmar, pedindo que a assinatura fosse mais tarde; quando falou com a D. B…, na capela da Igreja, ela assinou conforme tinham contratado e os valores, deste serviço e de outro, já tinham sido dados antes; foram dadas alternativas, mas pelo neto, quando da contratação, ele até levou um outro orçamento, para funeral em terra, não em jazigo, mas foram eles que optaram; apresentou ao sr. E… o catálogo, mas foram eles que (entre eles) falaram e escolheram, com certeza, "foi proposto e concordaram"; sete dias depois, esteve mesmo na residência; há um "serviço social" para jazigo e o seu valor é cerca de 4.000,00€ e isso, na altura, foi falado; o jazigo é sempre mais caro, mas há aquele serviço, mais em conta e a diferença é sensivelmente de três mil euros; o sr. E…, na altura, desceu com a roupa do falecido e os documentos; na Igreja a D. B… forneceu-lhe o cartão de contribuinte (20,30 a 31,20).

2 – G…. Responsável de um agência funerária, tendo sido contactada por um representante da ré (palavras da testemunha), ré que não conhece, salvo o nome, para apresentar um orçamento, ainda que não tenha sido contactada para este funeral, em concreto (Ficheiro 20111003111745). A testemunha, confrontada com a fatura junta pela autora (fls. 7) disse que um orçamento normal para um funeral/jazigo foi o que apresentou, tendo em conta a sua tabela de preços. Na fatura junta pela autora reconhece que há coisas que não tem (na sua agência), como o serviço de música e a tanotopraxia, "que nem sei como funciona" (5,00). O orçamento que apresentou "é o que eu cobro, a urna é igual, mas não posso responder pelos outros… eu restrinjo-me ao meu trabalho e não ando a ver o que os outros andam a fazer" (6,00; 7,10). A empresa da testemunha só tem uma opção para um jazigo/capela e, nessa parte, não tem catálogo diversificado (8,10); "acho que existem em Portugal aí umas cento e vinte agências, mas não ando a par" (9,00).

3 – J…. Aposentada, conhece a ré e conhecia o filho que faleceu (Ficheiro 20111003112823). Não conhece o E… (neto da ré) e (ele) não era uma pessoa de frequência normal (da casa da avó) ou de relacionamento próximo com a D. B…; é filho do filho mais velho da ré, que reside com esta e "eles não se dão" (3,30). Ele não era de grande proximidade, pois a D. B… "nem conhece a bisneta" (4,00). Segundo lhe disse a B…, quem tratou de tudo do funeral foi o neto, pois ela, além da idade que tem, estava transtornada. Ela disse-lhe que o neto estava a tratar de tudo e naquela altura ninguém estranha, "mas era esquisito" (5,50); as pessoas da funerária foram falar com o neto, na ocasião do funeral. Ela (D. B…) falou com a testemunha e disse que não sabia dos valores e que eles eram exorbitantes (7,50). A ré não estava com capacidade e só se agarrava à urna do filho, "se algo lhe foi dado para assinar, ela assinaria sem saber"; ela não sabe que assinou e disse (à testemunha), aquando da fatura, que "era um valor elevado e não tinha tido conhecimento" (9,40). Acha que se a ré estivesse no seu perfeito juízo só contactava a funerária se tivesse dinheiro para pagar (10,30); ela não pagou a fatura porque não concordava com o preço, disse-lhe ela (11,10); Disse à testemunha que recebeu a fatura pelo correio (12,30).

Apreciando a prova, em concreto.

Além do que já ficou dito, a propósito do documento junto pela autora, documento assinado pela autora, também a prova testemunhal, ao contrário do que defende a recorrente, não é no sentido por si defendido: a última testemunha, tudo quanto refere resulta no que lhe disse a própria ré; a testemunha G… nada sabe dizer sobre este funeral, em concreto, limitando-se a corroborar o preço apresentado num orçamento (a pedido de um representante da ré, diz a testemunha) onde discrimina os custos de um funeral que, ainda assim, não teria os mesmos serviços que aquele que efetivamente realizado. Finalmente, a primeira testemunha ouvida foi muito clara ao dizer que explicou os custos e as opções ao neto da ré e que este, munido deles, foi a casa (naturalmente, contactar o pai e a avó) e saiu com a concordância para a realização do funeral que veio a ter lugar; refere, igualmente e de modo inequívoco, que contactou a ré na Igreja, que explicou o serviço que já havia combinado com o neto e colheu da ré a assinatura do orçamento/contrato, sem nunca, nessa ocasião ou posteriormente, ter ouvido qualquer oposição ou reclamação. A mesma testemunha esclarece o sucedido aquando da apresentação da fatura e dos esforços da ré e do filho, no sentido de conseguirem proceder ao pagamento.

O entendimento da recorrente, no sentido de terem sido erradamente dados como provados os factos constantes dos pontos b), c), f) e h) ("- Quanto ao ponto b) da factualidade dada como provada, tem de se excluir a expressão “à Ré”, pois tal não foi provado; - Quanto ao ponto c) da Factualidade dada como provada, tem de se excluir “tudo em conformidade com o que pela Ré havia sido encomendado à A”, uma vez que não foi provado; - Quanto ao ponto f) da Factualidade dada como provada, tem de se excluir “certo é que até este momento a Ré não o fez”, por não provado; - Quanto ao ponto h) da Factualidade dada como provada, tem de se excluir “Sem prejuízo do que se alude em b) e c)”) não corresponde à prova produzida, porquanto nos parece inequívoco que a ré interveio no negócio, pessoalmente (assinando o orçamento/contrato junto aos autos) e também por intermédio do neto que transmitiu, necessariamente e antes da aludida assinatura, as condições, as opções e os diversos custos dos diversos serviços que estiveram em causa no funeral.

Entendemos, por tudo, que devem manter-se como factos provados todos aqueles que a recorrente considera, sem razão, como erradamente apreciados pela 1.ª instância.

Mas também quando aos factos que a 1.ª instância expressamente considerou não provados e que a recorrente entende que deviam ter sido dados como provados (- Tem de se considerar como facto provado que “Limitou-se a Ré a assistir ao funeral”; - Tem de se considerar como facto provado que “Nunca a R. entrou em contacto com a A. para efeitos do referido funeral”; - Tem de se considerar como facto provado que “Nunca a R. optou pelos serviços constantes na fatura que a A. quer ver reconhecida nos presentes autos”; - Tem de se considerar como facto provado que “Nunca a A. informou a Ré dos serviços que viria prestar e, principalmente, os valores dos mesmos”; - Tem de se considerar como facto provado que “Nunca a A. deu a conhecer à Ré opções dos seus serviços, produtos e os respetivos preços”; - Tem de se considerar como facto provado que “A A. agiu por sua conta e risco, prestando os serviços que bem entendeu no referido funeral”; - Tem de se considerar como facto provado que “O normal de um serviço do género do prestado pela A. ronda os €3.250,00”; - Tem de se considerar como facto provado que “Por norma, o valor da urna é de cerca de metade do valor faturado pela A.”; - “E o do Zinco de menos de € 250,00”; - “Por sua vez, o valor apresentado pela A. pela prestação do serviço é cerca do dobro, senão mais, do que normalmente é cobrado por um serviço fúnebre normal, simples”) entendemos que a apelante não tem razão.

Efetivamente, vários desses factos são manifestamente contrários àqueles outros que foram dados como provados e que consideramos, nos precisos termos que já deixámos dito, corretamente julgados.

Insiste a recorrente, no entanto, que o documento junto por si, relativo a um orçamento para um hipotético e semelhante funeral (documento esse confirmado e explicado em audiência pela sua autora) permite concluir – e dar como provado, consequentemente – qual o custo normal de um funeral e, relevantemente, que o valor cobrado pela autora se revela excessivo, já que "cerca do dobro, senão mais" o que será normal cobrar.

Ora, salvo o devido respeito, só pode comparar-se o comparável e a comparação – num caso como o presente – pressupõe a similitude dos serviços prestados (o que não sucede) e a indagação de todas as componentes do preço (por exemplo, o efeito do desconto do pagamento a pronto, que desconhecemos se a outra agência faria). Basta olharmos com alguma atenção para a fatura apresentada pela autora (documento de fls. 7) e para o orçamento junto pela ré (orçamento de uma única agência e que, efetivamente, não procedeu àquele serviço fúnebre) para constatarmos que o serviço cobrado não é o dobro ou mais que o dobro (como se alega e se queria ser provado), porquanto, além de não sabermos o que é o "normalmente cobrado" (será o preço da autora e o orçamento apresentado pela ré representado um serviço barato ou será o contrário?) verificamos que os serviços não incluídos no orçamento junto pela ré significam, na fatura da autora, uma diminuição de, pelo menos, 1.670,00€ e, por isso, a comparação far-se-ia entre 3.500 e 5.361 (ou, com o desconto de pronto de pagamento, eventualmente entre 3.500 euros e cerca de 4.840 euros). Em suma, o orçamento apresentado pela ré não pode considerar-se o protótipo do "preço normal"; os serviços faturados não são idênticos e a diferença de valores não é, claramente, a pressuposta pela recorrente. Não há prova, por isso, que permita dar como provados os factos alegados pela recorrente e que o tribunal expressamente considerou não provados.

Por tudo, mantemos integralmente a matéria de facto apurada na 1.ª instância (no que respeita aos factos considerados provados, mas igualmente quanto aos que se consideraram não provados).

2.2.2 – Aplicação do direito
1.3.1Se a sentença deve ser revogada, absolvendo-se da ré da instância, por ser parte ilegítima ou, então, do pedido, por não ter contratado com a autora e ser nulo o contrato ou, pelo menos, absolvendo-o de parte do pedido, já pois o preço apresentado pela autora é usurário e excessivo.

A primeira questão a apreciar prende-se com a eventual ilegitimidade da recorrente. Aquando da prolação do despacho saneador, o tribunal, ainda que sucintamente, pronunciou-se sobre a questão e conclui pela legitimidade de ambas as partes, dizendo que as mesmas "são legítimas, sendo certo que, tal como configurada pela A. a relação controvertida, é esta a titular do interesse relevante em demandar e a Ré, por sua vez, a titular do interesse relevante em contradizer". E assim é, efetiva e inequivocamente.

Insiste a ré, em via de recurso, que assim não devia ter sido considerada e, em abono do seu entendimento, cita o disposto no artigo 2068 do CC (encargos da herança) que nos diz, além do mais, que a herança responde pelas despesas com o funeral e sufrágios do seu autor. A recorrente acrescenta que a herança é um património autónomo e, por isso, era contra ela que devia ter sido proposta a ação.

O que sucede, no entanto, é que a autora invocou a celebração de determinado contrato pela ré, tendo a ré sido interveniente no negócio jurídico que consistiu na prestação do serviço fúnebre. A ré, no dizer da autora, é a contraparte desse negócio e, por isso, a responsável pelo pagamento do preço que acordou. Daí decorre a sua legitimidade, sem embargo de a mesma, o que aqui não está diretamente em causa, ser credora da herança, na medida em que haja pago despesas que são encargo desta. Mas a ré, como referiu a 1.ª instância, é parte legítima nesta ação.

Diz depois a autora que, caso seja parte legítima (e já se viu que sim e porquê) então deve ser absolvida do pedido, porquanto não contratou com a demandante ou, pelo menos, deve ser parcialmente absolvida do pedido, na medida em que a autora veio cobrar um preço usurário e excessivo pelo seu serviço.

Contrariamente ao que pressupõe a recorrente, a matéria de facto (que se manteve) revela inequivocamente a sua intervenção negocial e a consequente responsabilidade pelo pagamento do preço.

A 1.ª instância, abordando essa responsabilidade, referiu o que agora se sintetiza: "(…) Da argumentação da Ré no sentido de que quem “contratou” com a A. foi E… – referenciado em sede de audiência de julgamento como seu neto – a prova produzida deixou a descoberto que à verdade muito ficou a dever a afirmação complementar de que assim sucedeu por livre iniciativa daquele, sem que nisso a mesma tivesse tido qualquer participação, tanto mais que, por contar já então com 85 anos de idade, não dispunha de capacidade para tomar quaisquer decisões de índole contratual. Não só resultou provado que a Ré subscreveu, apondo a sua assinatura, o contrato/orçamento de fls. 35/36 dos autos, discriminativo dos serviços que pretendia ver prestados pela A. e respetivo custo, como também, a impor daí extrair as necessárias consequências no que toca à imposição do cumprimento por ela das correspondentes obrigações, nada a mesma logrou demonstrar no sentido de que quando assim atuou não estava no pleno uso das suas capacidades mentais. No descrito contexto, ainda que demonstrada a intervenção do citado E… nesse âmbito, sobrevém com mediana clareza que a medida dessa intervenção não ultrapassou os limites da atuação de um simples núncio, ou seja, de alguém que se limita a transmitir uma declaração de outrem e, portanto, alguém que não decide sobre a realização do negócio nem, ainda menos, sobre o seu conteúdo (…) Não demonstrou a Ré, sobre quem recaía o respetivo ónus, que não lhe tenham sido patenteadas, para escolha, as várias hipóteses de serviços disponíveis, nem os correspondentes preços. Aliás, a infirmar a existência de qualquer contrariedade por banda da Ré relativamente à situação, releva o facto de inclusivamente se ter provado que com relação à prestação dos serviços titulados pela fatura dos autos não foi deduzida qualquer reclamação. Vincularam-se, pois, A. e Ré, reciprocamente, nos termos de um contrato de prestação se serviços, formalizado pela outorga do documento junto aos autos em fotocópia a fls. 35/36, em nada prejudicado pelo facto de, estando já em curso a prestação desses serviços, ter sido assinado pela Ré (…) No caso, se é certo que em razão do contrato em referência resultou para a A. a obrigação de prestar os serviços ali melhor discriminados, para a Ré – e nunca, obviamente, para o citado E… – resultou por sua vez a obrigação de pagar àquela o respetivo preço, nos termos orçamentados (…) à efetiva prestação pela A. dos serviços faturados, sendo eles os contratados pela Ré, não retorquiu esta oferecendo o pagamento do preço, nem na data do seu vencimento (data de emissão da fatura), nem em qualquer outro momento até à data, apesar de para tanto ter sido por várias vezes instada".

Acompanhamos a fundamentação da decisão sob censura: a recorrente contratou um serviço fúnebre e, em razão desse contrato, devia ter pago o correspondente (e acordado) preço, o que não fez (ainda).

Por último, a recorrente entende que, pelo menos, o preço devido, ou melhor, o preço que a autora pretende ver pago, é excessivo e que o negócio é usurário; a ser condenada, a recorrente deve sê-lo (sustenta) em valor diferente, e menor, daquele que foi faturado pela autora.

Com relevo a esta última questão, a 1.ª instância deixou dito o que agora, sucintamente, transcrevemos: "Não há nada que permita questionar a boa fé da A. na celebração do contrato. Tão pouco que se pretendeu aproveitar, daí retirando benefícios injustificados, da inexperiência da Ré nos negócios, da sua fraqueza de caráter e, sobretudo, do seu estado mental. Essas alegadas inexperiência, fraqueza de caráter e estado mental da Ré nem sequer se demonstrou existirem. Naturalmente que por regra, e por razões óbvias, o estado psicológico das pessoas a quem falecem entes queridos resulta sempre, em maior ou menor medida, abalado. Contudo, se necessária esta é nesse momento em não em qualquer outro, obviamente que é nessa altura que tem que ser tratada, não podendo isso reverter em desfavor das empresas funerárias que assumem a prestação dos correspondentes serviços (…). No limite, também ficou por demonstrar que os valores reclamados pela A. pelos serviços que prestou sejam excessivos ou injustificados. Afastada fica, pois, a hipótese, pugnada pela Ré, de nulidade do negócio com fundamento em violação dos princípios da boa fé na formação do contrato, nos termos dos artigos 227º, 280º 286 e 289º do Cód. Civil, ou de anulabilidade do mesmo por usura, nos termos do artigo 282º do Cód. Civil".

Considerando a matéria de facto apurada na 1.ª instância, supra transcrita e integralmente mantida, também aqui, em sede de recurso, não vemos que comportamento pudesse ser imputado à autora, prestadora do serviço, no sentido de poder anular-se o negócio celebrado com a recorrente.

Acompanhando a clareza argumentativa da 1.ª instância (e, nesse sentido remetendo para a fundamentação da decisão sob censura) acrescentamos algo, apenas sobre a invocada usura da recorrida, sem repetirmos o que já foi dito em sede de reapreciação da prova e concretamente sobre a inidoneidade do documento (orçamento) junto pela ré para demonstrar a existência de um "preço normal" e do consequente excesso do custo praticado pela demandante.

O negócio jurídico é anulável, por usura – diz-nos o artigo 282 do CC – quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de caráter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.

Como resulta do preceito citado, a usura pretende castigar (pela anulação do contrato) o ilegítimo aproveitamento de uma situação de inferioridade de um dos contraentes, conhecida do outro, que foi razão de um aproveitamento por parte do usurário que, por esse modo, obteve – ou permitiu que terceiro obtivesse – um benefício injustificado ou excessivo. Pode dizer-se que a anulabilidade, nos casos de usura, pretende afastar os negócios em que alguém (só) lucra muito (excessivamente, injustificadamente) porque a outra parte, sabendo disso o usurário, não está em condições de contratar de forma perfeitamente livre, já que se encontra numa situação de necessidade, de dependência, de fraqueza, ou outra semelhante.

No caso presente, e por tudo quanto se foi dizendo, não podemos sequer concluir que o preço praticado pela autora se revela excessivo ou injustificado; naturalmente que, no mercado, haverá preços mais baixos e, é de crer, preços superiores para um serviço com as características daquele que foi prestado a pedido da recorrente, mas não ficou minimamente demonstrado que o preço faturado seja um preço usurário. Como não ficou demonstrado que esse preço (no fundo, o lucro ou benefício da recorrida) fosse resultado desta de ter aproveitado de uma situação de fragilidade da recorrente, quando, o que se certo, a demandante propor outras opções para serviços semelhantes (naturalmente com outras características de pormenor) e fê-lo antes do acordo quanto à prestação efetiva do serviço contratado.

Em suma, nenhuma das questões (de facto e de direito) apresentadas em sede de recurso, se revelam fundadas e justificam a alteração do decidido que, por ser assim, integralmente se confirma, improcedendo totalmente a presente apelação.

3 – Sumário (da responsabilidade do relator):
1 – A legitimidade afere-se pela configuração da ação proposta e é parte legítima quem é demandado para pagar o preço devido pela prestação de um serviço fúnebre que contratou, independentemente do custo desse serviço ser encargo da herança.
2 – A usura exige a demonstração, além do mais, que o preço cobrado ou o lucro obtido são excessivos e injustificados e nessa demonstração não pode esquecer-se a variabilidade dos preços, se estes não forem administrativamente tabelados, mas resultarem da ação concorrencial do mercado.

4 – Decisão:
Pelo que se deixou dito, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a presente apelação (interposta pela ré B… contra a autora C…, SA) e, em consequência, confirma-se integralmente a decisão proferida em 1.ª instância.

Custas pela recorrente.

Porto, 17.06.2013
José Eusébio dos Santos Soeiro de Almeida
Maria Adelaide de Jesus Domingos
Carlos Pereira Gil
____________
[1] Igualmente referiu a 1.ª instância que "Com relevo para a decisão do mérito da causa, não se provaram quaisquer outros factos dentre os alegados, designadamente que estivessem em contradição com os acima dados como provados, mormente que: "- A Ré, à data a que se reportam os factos a que se alude em b), c) e e), não tinha capacidade de tomar tais decisões de índole contratual; - Limitou-se a Ré a assistir ao funeral; - Nunca a R. entrou em contacto com a A. para efeitos do referido funeral; - Nunca a R. optou pelos serviços constantes na fatura que a A. quer ver reconhecida nos presentes autos; - Nunca a A. informou a Ré dos serviços que viria prestar e, principalmente, os valores dos mesmos; - Nunca a A. deu a conhecer à Ré opções dos seus serviços, produtos e os respetivos preços; - A A. agiu por sua conta e risco, prestando os serviços que bem entendeu no referido funeral; - O normal de um serviço do género do prestado pela A. ronda os €3.250,00; - Por norma, o valor da urna é de cerca de metade do valor faturado pela A.; - E o do Zinco de menos de €250,00; - O valor da cobertura da urna devia estar incluído no valor da urna; - Por sua vez, o valor apresentado pela A. pela prestação do serviço é cerca do dobro, senão mais, do que normalmente é cobrado por um serviço fúnebre normal, simples".