Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
466/11.3TAPRD.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAUL ESTEVES
Descritores: CRIME DE DIFAMAÇÃO
FUNÇÕES PUBLÍCAS
EXCEPTIO VERITAS
Nº do Documento: RP20161109466/11.3TAPRD.P2
Data do Acordão: 11/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 1031, FLS.96-116)
Área Temática: .
Sumário: I - É atípica a critica objectiva no âmbito do desempenho profissional, no exercício de funções públicas.
II - A exceptio veritas satisfaz-se com uma verdade assente num conjunto de circunstâncias vividas ou sabidas por fonte que se repute fidedigna e que permita acalentar a boa-fé do agente, não sendo exigível uma verdade pormenorizada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência os Juízes que integram a 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

1 Relatório

Nos autos nº 466/11.3TAPRD.P1 que correram os seus termos no Tribunal de Paredes, 1º Juízo Criminal foi proferida sentença que decidiu:
a) Absolver a arguida B… da prática de dois crimes de difamação p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, al. a) e 184.º, todos do Código Penal, na pessoa de C….
b) Absolver a arguida da prática de um crime de difamação p. e p. pelos arts. 180º, nº1, 182º, 183º, nº1, al. a) e nº2, todos do C. P. Penal, relativo à assistente “Clínica D…”;
c) Julgar totalmente improcedentes, por não provados, os pedidos de indemnização civil formulados, pelos demandantes C… e “Clínica D…” e, em consequência absolvo o arguido/demandado de tudo o peticionado.

Não conformado veio o assistente C… interpor recurso, alegando para tanto o que consta de fls.1200 e seguintes dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, concluindo, na parte que agora interessa apreciar o seguinte:
I – A sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia, sobre a invocada inconstitucionalidade dos n.ºs 2, 3 e 4 do Artigo 180º do Código Penal, por violação do direito a um processo justo e equitativo (igualdade de armas), previsto no n.º 4 do Artigo 20º da C.R.P., no Artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem; no Artigo 14º do PIDCP e no Artigo 6º da Convenção Europeia – cfr. Artigo 615º, n.º 1, alínea d) do C.P.C./2013.
Foi então proferida Decisão Sumária neste Tribunal que decidiu declarar nula a sentença, por omissão de pronúncia quanto à arguida inconstitucionalidade, ordenando que fosse proferida nova sentença que aprecie a questão suscitada.
Assim, foi proferida nova sentença que julgou improcedente a questão da inconstitucionalidade, mantendo a decisão absolutória da arguida.
Não conformado veio novamente o assistente interpor recurso para este Tribunal, alegando para tanto o que consta de fls. 1759 e seguintes e que aqui se dá por integralmente reproduzido, concluindo nos seguintes termos:
I – O Artigo 180º, n.ºs 2, 3 e 4 do Código Penal não cumpre o princípio do direito a um processo equitativo, um processo justo, equilibrado, pois permite aos Arguidos a alegação de factos e a apresentação de provas que demonstrem o seu interesse legítimo e a veracidade das suas imputações contra o ofendido, mas não permite à Acusação ou ao Assistente, posteriormente, contraditar tais factos e carrear para o processo os meios de prova necessários a criar a dúvida acerca dos factos alegados pelos Arguidos e, assim sendo, nesta interpretação, o referido artigo do Código Penal será inconstitucional por violação do direito a um processo justo e equitativo – cfr. Artigo 20º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

II – Atentos os depoimentos das testemunhas E… (Depoimento realizado na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130918152400_218267_64889 com início da gravação às 15h24m02s e fim às 16h36m14s); F… (Depoimento realizado na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130918170424_218267_64889 com início da gravação às 17h04m26s e fim às 17h33m22s.); G… (Depoimento realizado na 6ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 11/10/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20131011110428_218267_64889 com início da gravação às 11h04m29s e fim às 11h57m01s.); H… (Depoimento realizado na 7ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 11/10/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20131011142026_218267_64889, com início da gravação às 14h20m27s e fim às 15h03m01s); I… (Depoimento realizado na 7ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 11/10/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20131011150355_218267_64889, com início da gravação às 15h03m56s e fim às 16h19m18s.) e J… (Depoimento realizado na 8ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 24/10/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20131024100625_218267_64889, com início da gravação às 10h06m26s e fim às 13h33m03s), conjugados com a inexistência no processo dos registos informáticos da ARS relativos à marcação de consultas (Quem marcou), às faltas de comparência dos utentes às consultas (Quem faltou?), à prova de quem foram, e quando, os utentes faltosos que, contactados, declararam não ter sido convocados, não é possível dar-se por provada a matéria constante do referido ponto n.º 32 a fls. 1723 da sentença – cfr. transcrição parcial dos referidos depoimentos a fls. 7 a 17 desta Motivação.

III – Na realidade, o Tribunal “a quo” deu como provada a matéria constante do ponto n.º 32 da sentença a fls. 1723, sem que, para tanto, tivesse examinado quaisquer registos informáticos que demonstrassem tais factos e teve apenas em conta o depoimento das testemunhas H… e I…, sem apreciar o seu papel de membros da USF da Arguida, de Mandantes da mesma e a sua motivação por se sentirem prejudicadas, traídas e lesadas pelos médicos renunciantes da USF K… e pelo Assistente – cfr. os depoimentos supra identificados e parcialmente transcritos a fls. 18 a 22 desta Motivação e os Docs. de fls. 939 e 995, 976 a 982, 983 a 989 e os Docs. de fls. 313 a 319, fls. 1074 e fls. 1118 dos autos.

IV – Apreciado todo o depoimento daquelas testemunhas – G… (Depoimento realizado na 6ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 11/10/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20131011110428_218267_64889 com início da gravação às 11h04m29s e fim às 11h57m01s); H… (Depoimento realizado na 7ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 11/10/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20131011142026_218267_64889, com início da gravação às 14h20m27s e fim às 15h03m01s) e I… (Depoimento realizado na 7ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 11/10/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20131011150355_218267:64889, com início da gravação às 15h03m56s e fim às 16h19m18s) – em lado algum fica demonstrado que:
- Foi o Assistente quem fez essas inscrições/marcações;
- As datas em que as mesmas foram feitas e quando se deram essas faltas de comparência de utentes que não foram convocados;
- Quem foram esses utentes e quando foram contactados pelas testemunhas.

V – Nestes termos e pelas razões supra aduzidas e identificadas, o facto n.º 32 (a fls. 1723 da sentença recorrida) não podia ter sido julgado como provado, pelo que a sentença recorrida deve, neste aspeto, ser reformada, julgando-se como não provado tal facto, não só porque o mesmo não corresponde à verdade processual e material, como, muito menos, ficou demonstrado que tenha ocorrido “em data anterior a Abril de 2011” – cfr. depoimentos supra identificados nas conclusões IIª, IIIª e IVª e parcialmente transcritas a fls. 7 a 22 desta Motivação.

VI – Ao dar como provado o facto n.º 33 (a fls. 1723 da sentença) e com base nos depoimentos conjugados das testemunhas L… (Depoimento realizado na 5ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 27/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130927103718_218267_64889, com início da gravação às 10h37m19s e fim às 10h57m50s), M… (Depoimento realizado na 4ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 25/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130925153944_218267_64889, com início da gravação às 15h39m44s e fim às 16h04m19s) e N… (Depoimento realizado na 4ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 25/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130925160508_218267_64889, com início da gravação às 16h05m09s e fim às 16h33m50s), o Tribunal “a quo” não teve em conta que essas testemunhas estão de “relações cortadas” ou “zangadas” com o Assistente – cfr. os referidos depoimentos, parcialmente transcritos a fls. 28 e 30 desta Motivação.

VII – Além disso, o Tribunal “a quo” desconsiderou, não só o depoimento do Assistente (cfr. a transcrição parcial de fls. 32 desta Motivação) como a própria confissão da Arguida (cfr. a transcrição parcial do seu depoimento a fls. 33 desta Motivação).

VIII – Ainda que tal episódio tivesse ocorrido (o que o Assistente não concede), o mesmo só foi relatado à Arguida 15 dias antes da testemunha L… ter deposto no Tribunal (Setembro de 2013), ou seja, muito depois das entrevistas que a Arguida concedeu aos jornais “O…” e “P…” e à Q… – cfr. transcrição parcial do depoimento desta testemunha a fls. 26, 27 e 28 desta Motivação.

IX – Quanto ao episódio relatado (que é falso) pelas testemunhas M… e N…, o mesmo, ainda que fosse verdadeiro, ocorreu em data posterior a Maio de 2011 e, por isso, depois da data em que a Arguida concedeu as entrevistas em que proferiu afirmações ofensivas da honra e do bom nome do Assistente – cfr. a transcrição parcial dos seus depoimentos a fls. 28 a 31 desta Motivação.

X – Ainda que V.ªs Ex.ªs considerem tal facto como provado, deverá acrescentar-se que “o mesmo só foi comunicado à Arguida em Setembro de 2013 – cfr. transcrição parcial do depoimento da testemunha L… a fls. 26, 27 e 28 desta Motivação.
XI – Atentos os depoimentos do Assistente (Depoimento realizado na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130918113235_218267_64889, com início da gravação às 11h32m36s e fim às 13h13m41s) e das testemunhas E… (Depoimento realizado na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130918152400_218267_64889 com início da gravação às 15h24m01s e fim às 16h36m14s), T… (Depoimento realizado na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130918180215_218267_64889, com início da gravação às 18h02m16s e fim às 18h27m37s), U… (Depoimento realizado na 2ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 23/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130923103235_218267_64889, com início da gravação às 10h32m35s e fim às 11h02m59s) e V… (Depoimento realizado na 3ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 23/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130923144542_218267_64889, com início da gravação às 14h45m43s e fim às 15h35m31s), conjugados com a análise crítica dos documentos de fls. 920, 921 e 922 e, ainda, com o relatório do IGAS a fls. 785 e 786 dos autos, deve, com relação ao facto n.º 34 de fls. 1724 da sentença recorrida, dar-se como provados os seguintes factos:
- “O Assistente, por vezes, atendia na USCP W… alguns dos jovens do X…, fazendo-os inscrever, como era devido, como utentes da USCP”;
- “Que sendo Médico do X…, o fazia, como sempre o fez, a título gratuito, sem cobrar uma consulta que fosse”;
- “Que o Assistente sempre exerceu em Y…, com o conhecimento dos seus superiores, e que não trabalha, como nunca trabalhou, em exclusividade”;
- “Que tal conduta, como é público e notório, não era proibida, nem pela Lei, nem pelo Ministério da Saúde”;
- “Que o Assistente entendia – tendo já 65 anos – que todos os cidadãos tinham um direito a, sendo tal justificado e necessário, à emissão pelo Médico de Saúde Familiar dos exames necessários e aconselháveis à prevenção e tratamento das suas doenças”.

XII – Com relação aos pontos n.ºs 35 a 38 (a fls. 1724 da sentença recorrida) dos Factos dados como provados e tendo em conta o depoimento da testemunha Z… (Depoimento realizado na 6ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 11/10/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20131011124055_218267_64889, com início da gravação às 12h40m56s e fim às 12h55m47s), no qual o Tribunal “a quo” baseou a sua convicção para dar estes factos como provados, deve dar-se, igualmente, (complementarmente) por provado que:

- “A Arguida só tomou conhecimento deste episódio em meados do mês de Maio de 2011” – cfr. a transcrição parcial do depoimento da referida testemunha a fls. 46 e 47 desta Motivação.

XIII – Não podia o Tribunal “a quo” dar como provados os factos constantes dos pontos 39 e 40 a fls. 1724 e 1725 da sentença recorrida, apenas fundando a sua convicção nos documentos (cartas) de fls. 940 e 951 dos autos, pois esses documentos particulares, feitos pela Arguida, sem a exibição de qualquer prova de que os mesmos foram enviados ou recebidos pela destinatária (que não reconheceu o seu teor), não permitem julgar provados tais factos – cfr. Docs. de fls. 920 e 951 dos autos e a transcrição parcial dos depoimentos prestados pela Arguida (Depoimento realizado na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130918095458_218267_64889, com início de gravação às 09h54m59s e fim às 11h31m32s) e pela testemunha J… (Depoimento realizado na 8ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 24/10/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20131024100625_218267_64889, com início da gravação às 10h06m26s e fim às 13h33m03s) – cfr. transcrição parcial dos seus depoimentos a fls. 48 a 55 desta Motivação.

XIV – No caso dos documentos particulares, as declarações nelas contidas só têm força probatória plena se essas declarações forem contrárias aos interesses do declarante e não as favoráveis ao mesmo – cfr. o Artigo 376º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil e os Ac’s do STJ de 12/09/2007 e do Tribunal da Relação do Porto de 04/11/2013, melhor identificados a fls. 56, notas 24 e 26, desta Motivação.

XV – Assim, só poderá dar-se como provado, salvo o devido respeito pela douta opinião de V.ªs Ex.ªs, o seguinte:

- “Em Agosto de 2010 a Arguida comunicou à Diretora do AC… que se demitia do cargo de coordenadora da USCP W…, demissão que não foi aceite ”.
- “Em Dezembro de 2010, a Arguida comunicou à diretora do AC… a sua demissão do cargo de coordenadora da USCP W…, a qual foi aceite”.

XVI – Se o Tribunal “a quo” tivesse atentado e analisado os depoimentos da Arguida (Depoimento realizado na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130918095458_218267_64889, com início de gravação às 09h54m59s e fim às 11h31m32s), do Assistente (Depoimento realizado na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130918113235_218267_64889, com início da gravação às 11h32m36s e fim às 13h13m41s) e das testemunhas E… (Depoimento realizado na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130918152400_218267_64889 com início da gravação às 15h24m02s e fim às 16h36m14s), F… (Depoimento realizado na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130918170424_218267_64889 com início da gravação às 17h04m26s e fim às 17h33m22s), AD… (Depoimento realizado na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130918173354_218267_64889, com início da gravação às 17h33m55s e fim às 18h01m40s), AE… (Depoimento realizado na 3ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 23/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130923142448_218267_64889, com início da gravação às 14h24m50s e fim às 14h37m36s), G… (Depoimento realizado na 6ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 11/10/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20131011110428_218267_64889 com início da gravação às 11h04m29s e fim às 11h57m01s), H… (Depoimento realizado na 7ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 11/10/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20131011142026_218267_64889, com início da gravação às 14h20m27s e fim às 15h03m01s) e I… (Depoimento realizado na 7ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 11/10/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20131011150355_218267_64889, com início da gravação às 15h03m56s e fim às 16h19m18s), compaginados os mesmos com o teor dos artigos 32º a 38º da contestação da Arguida (fls. 527 a 529) e com a peça processual que a Arguida apresentou a fls. 890 e segs. dos autos, teria dado como provado que – cfr. as transcrições parciais destes depoimentos a fls. 58 a 74 desta Motivação:

- “A Arguida começou a dar-se mal com todos os outros médicos que trabalhavam na USCP W… a partir do momento em que estes renunciaram à participação no projeto de USF “K1…” e decidiram constituir a USF de “K…”;
- “A Arguida atribui ao Assistente a responsabilidade pela extinção do seu projeto de USF “K1…”, culpando-o disso mesmo”;
- “Partindo desses pressupostos, a Arguida começou a “disparar” para todos os lados, tentando salvar o seu projeto de USF e impedir a constituição da USF “K…”;
- “Para tanto, reuniu o Conselho Geral da USF “K1…” e decidiu, decidiram, participar, disciplinar e criminalmente, de todos os ex-membros da USF “K1…” – cfr. Doc. de fls. 972 a 982 dos autos;
- “Depois disso e por via do Mandatário que havia, entretanto, constituído, apresentou essas denúncias à Senhora Ministra da Saúde, nas quais o Assistente não era visado” – cfr. Docs. de fls. 983 a 991 dos autos;
- “Em Fevereiro de 2011 apresentou nos serviços do Ministério Público de Paredes uma queixa-crime contra todos os desistentes da USF “K1…” e outros, mas onde o Assistente não era denunciado” – cfr. Docs. de fls. 313 a 319 dos autos;
- “Depois disso e num espaço de poucas semanas, apareceram os panfletos anónimos (cfr. Doc. de fls. 8 dos autos) e as entrevistas concedidas pela Arguida aos jornais “O…” e “P…” e à Q… – cfr. Docs. de fls. 8 a 17 e 165 a 170 dos autos;
- “Em 30/12/2011 a Arguida deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel de uma Providência Cautelar e de uma Ação Popular para tentar impedir a extinção da USF “K1…” e a instalação da USF “K…” – cfr. Doc. de fls. 625 a 628 dos autos;
- “Em 23/03/2012 e em 04/07/2012 a Arguida participou ao IGAS diversos factos que no seu entender eram ilícitos ou irregulares, nos quais, entre outros, era visado o Assistente” – cfr. fls. 748 e 749 dos autos.

Sem prescindir,

XVII – Se os factos constantes da conclusão anterior não forem dados como provados, sempre os depoimentos supra identificados na conclusão XVI (cfr. transcrições parciais destes depoimentos a fls. 58 a 74 desta Motivação), conjugados com os documentos de fls. 972 a 982, de fls. 313 a 319; de fls. 8 a 17 e 165 a 170; de fls. 625 a 628 e de fls. 748 e 749, juntamente com as regras da experiência comum, permitirão dar como provado que foi por causa da constituição da nova USF “K…” e da extinção da USF “K1…” que a Arguida decidiu lançar-se na cruzada em que se lançou e, nela, assacando responsabilidades e culpas ao Assistente, decidiu dar as entrevistas que deu aos jornais “O…” e “P…” e à Q… e aí afirmar e imputar ao Assistente factos, suspeições e juízos de valor atentatórios do seu bom nome e da sua honra.

XVIII – O Tribunal “a quo”, ao não dar como provados os pontos n.ºs 1 e 2 dos Factos não provados a fls. 1725 da sentença, fez um julgamento errado da matéria de facto, desconsiderando ou fazendo um distorcido exame crítico da prova produzida em sede de audiência de julgamento e dos documentos juntos aos autos e melhor identificados na conclusão anterior – cfr. as transcrições parciais dos depoimentos constantes de fls. 58 a 74 desta Motivação e os Docs. de fls. 972 a 982, de fls. 313 a 319; de fls. 8 a 17 e 165 a 170; de fls. 625 a 628 e de fls. 748 e 749 dos autos.

XIX – Atento o depoimento da testemunha AE… (Depoimento realizado na 3ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 23/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130923142448_218267_64889, com início da gravação às 14h24m50s e fim às 14h37m36s) e da testemunha AF… (Depoimento realizado na 7ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 11/10/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20131011162009_218267_64889, com início da gravação às 16h20m10s e fim às 17h17m24s), conjugados com as regras da experiência comum, deve dar-se como provado que a Arguida sabia que a entrevista que concedeu ao jornalista AE… podia ser publicada quer no jornal “O…”, quer no jornal “P…”, como efetivamente o foi – cfr. transcrições parciais constantes de fls. 76 a 79 desta Motivação.

XX – Atentos os depoimentos prestados pela Arguida (Depoimento realizado na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130918095458_218267_64889, com início de gravação às 09h54m59s e fim às 11h31m32s) e pelas testemunhas E… (Depoimento realizado na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130918152400_218267_64889 com início da gravação às 15h24m02s e fim às 16h36m14s), AG… (Depoimento realizado na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130918163721_218267-64889, com início da gravação às 16h37m22s e fim às 17h03m42s), F… (Depoimento realizado na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130918170424_218267_64889 com início da gravação às 17h04m26s e fim às 17h33m22s), AD… (Depoimento realizado na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130918173354_218267_64889, com início da gravação às 17h33m55s e fim às 18h01m40s), AE… (Depoimento realizado na 3ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 23/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130923142448_218267_64889, com início da gravação às 14h24m50s e fim às 14h37m36s), H… (Depoimento realizado na 7ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 11/10/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20131011142026_218267_64889, com início da gravação às 14h20m27s e fim às 15h03m01s) e I… (Depoimento realizado na 7ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 11/10/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20131011150355_218267_64889, com início da gravação às 15h03m56s e fim às 16h19m18s), corroborados pelo vertido nos artigos 32º a 38º da contestação da Arguida (fls. 527 a 529) e com a peça processual de fls. 890 a 898 dos autos e, ainda, dos demais documentos existentes nos autos, fica provado que – cfr. transcrições parciais destes depoimentos a fls. 84 a 94 desta Motivação:

- “A Arguida é licenciada em Medicina” – cfr. transcrição parcial do depoimento da Arguida a fls. 80 e 81 desta Motivação;
- “A Arguida teve conhecimento da extinção do seu projeto de USF “K1…”, pelo menos, em Março de 2011” – cfr. transcrição parcial do depoimento da Arguida a fls. 81 desta Motivação;
- “Na reunião do Conselho Geral da USF “K1…” realizada em 22/01/2011 a Arguida e os demais elementos que o compõem “deliberaram mandatar a presidente deste órgão (a Arguida) para, nessa qualidade e na de coordenadora da USF, participar e requerer a instauração dos procedimentos que entenda convenientes e necessários à defesa da legalidade dos direitos dos utentes da USF K1… […], designadamente procedimentos criminais, administrativos e/ou contenciosos que bem entender com vista ao cabal cumprimento deste mandato” – cfr. Doc. de fls. 972 a 982 dos autos.
- “Em cumprimento dessa designação e na execução desse Mandato, a Arguida enviou em 16/02/2011 à Senhora Ministra da Saúde a carta de fls. 983 a 991 dos autos e nela nenhuma imputação é feita ao Assistente”;
- “Apesar da Arguida ter indiciado nas entrevistas que concedeu, que na queixa-crime que havia entregue nos Serviços do Ministério Público, que o Assistente era um dos denunciados, este, na verdade, não foi objeto de nenhuma denúncia criminal por parte da Arguida” – cfr. Docs. de fls. 313 a 319 e de fls. 1074 dos autos.
- “A Arguida e os demais membros da USF K1… (não desistentes) sentiram-se “traídos”, “lesados”, “prejudicados”, pessoal e profissionalmente, com a criação da USF K…, da qual o Assistente passou a fazer parte – cfr. as transcrições parciais dos depoimentos supra identificados a fls. 83 a 94 desta Motivação.

XXI - Sendo a Arguida Médica e tendo formação superior, claro fica que esta se serviu das entrevistas concedidas aos jornais e à Q… para lograr os seus intentos, o que fez de forma voluntária e consciente e de forma livre, bem sabendo (como poderia desconhecer?) que com as suas afirmações, suspeições e juízos de valor iria ofender, como de facto ofendeu, o Assistente.

XXII - Ao fazer o que fez, de forma continuada, a Arguida bem sabia o que estava a fazer e que tudo fazia parte de um plano que tinha por finalidade impedir a extinção da USF K1… e a instalação da USF K… – cfr. Transcrições constantes de fls. 84 a 94 destas Motivações de Recurso.

XXIII - Não restam, pois, dúvidas algumas de que as expressões imputadas à Arguida e vertidas nas entrevistas por si concedidas, são gravemente difamatórias e ofensivas da honra e do bom nome do Assistente.

XXIV - Para se preencher o elemento subjetivo do ilícito basta o dolo genérico, “sendo suficiente para o preenchimento do crime que o agente, ao realizar voluntariamente a ação, tenha consciência da capacidade ofensiva das palavras utilizadas” – cfr. os Ac’s da Relação de Coimbra de 18/02/2009 (Proc. 617/06.0TAPBL.C1) e da Relação do Porto de 20/06/2012 (Proc. 7132/09.8TAVNG-A.P1), ambos em www.dgsi.pt.

XXV - Deve, pois, considerar-se ofensivo da honra “aquilo que, razoavelmente, isto é, seguindo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais” – cfr. o Ac da Relação do Porto de 31/01/1996 (Proc. 9540900), também publicado em www.dgsi.pt.

XXVI – Devem ser levados à Matéria de Facto dada como não provada, mas relevante para a boa decisão da causa os seguintes factos que o Tribunal “a quo” não considerou, os quais podem ser relevantes para o Venerando Tribunal da Relação do Porto afirmar se se encontram ou não preenchidos os pressupostos de exclusão da ilicitude exigidos pelos n.ºs 2 e 3 do Artigo 180º do Código Penal, uma vez que tais factos não foram dados como provados pelo Tribunal – cfr. fls. 1716 a 1725 da sentença:

- “Que o Assistente faltava regularmente ao serviço mas assinava o Livro de Ponto no local correspondente aos dias e horas que faltava” – cfr. alínea a) do artigo 7º da contestação a fls. 523 dos autos;
- “Nos dias em que trabalhava não cumpria, devidamente, com a entrada e saída do seu horário de trabalho” – cfr. alínea b) do artigo 7º da contestação a fls. 523 dos autos;
- “No dia 25 de Fevereiro de 2011, C… inseriu no sistema informático do SNS, na USCP W…, em nome de outro utente mais um vasto conjunto de análises clínicas, sem que deles tivesse necessidade e sem consentimento do próprio utente” – cfr. artigo 17º da contestação a fls. 523 dos autos;
- “Que o Assistente não atendia os utentes propositadamente no Centro de Saúde para os orientar para a clinica privada” – cfr. Teor das entrevistas concedidas pela Arguida a fls. 10 a 17 e 165 a 170 dos autos;
- “Que no passado se faziam TAC’s como quem bebia copos de água e que o Dr. C… sustentou isso durante anos” – cfr. Doc. de fls. 165 a 170 dos autos;
- “Que os doentes não eram atendidos no Centro de Saúde e depois iam à clinica e tinham tudo o que queriam” – cfr. Docs. de fls. 10 a 17 e 165 a 170 dos autos.
- “Que a Arguida tinha entregue no Ministério Público uma queixa crime contra o Assistente por alegado envolvimento em negócios ilícitos” – cfr. Docs. de fls. 313 a 319 e 1074 dos autos.
- “Que as filas de espera na USCP W… resultaram da conduta, propositada, do Assistente” – cfr. Docs. de fls. 10 a 17 e 165 a 170 dos autos.

XXVII – Comete o crime de difamação quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo.

XXVIII – No caso em apreço confrontam-se a liberdade de expressão com os direitos à integridade moral e ao bom nome e reputação previstos, respetivamente, nos Artigos 25º, n.º 1, 26º, n.º 2 e 37º da Constituição da República Portuguesa.

XXIX – Nestes casos, “o intérprete deve proceder a uma abstrata ponderação e confronto dos direitos constitucionalmente protegidos, por forma a obter a concordância prática (harmonização) entre eles, o que se faz através do critério da proporcionalidade na distribuição dos custos”.

XXX – No caso em apreço não se trata de valorizar “a função social e cultural da imprensa”, pois quem vem acusada é uma cidadã, maior e responsável.

XXXI – A Arguida formulou sobre o Assistente juízos de valor, levantou suspeitas e imputou-lhe os seguintes factos:

a) Na entrevista ao jornal “O…” a arguida disse( ):

- “também sei que os utentes não eram atendidos no Centro de Saúde e depois iam à clinica privada do Dr. C.. e tinham tudo o que queriam” – ponto 12 dos factos provados;
- “É claro e é do conhecimento de toda a gente que durante anos o Dr. C… não atendia os utentes propositadamente no centro de saúde para os orientar para a clinica privada” – ponto 12, in fine, dos factos provados;
- “No passado faziam-se TAC’s como quem bebia copos de água […] Também cortei nebulizadores, porque não estão dentro das boas práticas clinicas. Cheguei a ir a casa de utentes em que os nebulizadores eram ninhos de mosquitos e foi isto que o Dr. C… sustentou durante anos” – ponto 13º dos factos provados.

b) Na notícia publicada no jornal “P…”, com base na entrevista cedida ao jornalista AJ…, foi levado a título de notícia uma das afirmações da Arguida – cfr. fls. 16 e 17 dos autos:

- “Doentes desviados”;
E ao subtítulo;
- “Médica acusa colega de levar os doentes para uma clínica, em detrimento do sector público” – ponto 15º dos factos provados.
Nessa notícia reproduziram-se, ainda, as seguintes afirmações da Arguida:
- “Uma médica do Centro de Saúde W1…, em …, acusa um colega de desviar doentes para a sua clinica privada” – ponto 16º dos factos provados;
- “Sei que os doentes não eram atendidos no centro de saúde e depois iam à clinica privada e tinham tudo o que queriam” – ponto 16º dos factos provados;
- “É claro que é do conhecimento de toda a gente que durante anos o médico não atendia os utentes propositadamente no centro de saúde para os orientar para a clinica privada” – ponto 16º, “in fine”, dos factos provados.

c) Por sua vez, na entrevista à Q… a Arguida afirmou o seguinte:

- “Em causa estarão por exemplo desvios de utentes para clinicas privadas de médicos que trabalham no centro de saúde” – ponto 19º da matéria provada;
- “após ter apresentado a demissão entregou no Ministério Público uma queixa-crime contra três colegas por alegado envolvimento em negócios ilícitos” – ponto 19º da matéria provada;
- “No esquema, agora revelado, estão implicados vários médicos” – ponto 19º dos factos provados;
- “Mas os supostos negócios ilícitos não ficam por aqui, segundo a ex-diretora do centro, durante vários anos os utentes foram orientados para uma clinica privada pertencente a um médico do centro de saúde sob a justificação de que o serviço estava lotado” – ponto 19º dos factos provados;
- “Os doentes não eram atendidos no centro de saúde para terem de ir à clinica dele” – ponto 19 dos factos provados;

XXXII – Esses factos, suspeições e juízos de valor são objetivamente ofensivos da honra e do bom nome e da dignidade do Assistente.

XXXIII – Atenta a gravidade, o contexto e ampla divulgação das imputações feitas pela Arguida, não podia esta deixar de ter consciência que iria obter como resultado, mesmo que admitamos que não o pretendesse, a ofensa da dignidade, da honra e do bom nome do Assistente.

XXXIV – Aceitar-se a tese da Arguida de que “nunca teve intenção de, sem fundamento legítimo, fomentar juízos ofensivos da honra ou da consideração dos Assistentes”, é “abrir caminho à despenalização dos crimes contra a honra”.

XXXV – A “exceptio veritatis” não pode valer-se de factos ocorridos em momento posterior ao da prática do crime, nem de factos de que o agente só venha a ter conhecimento em momento posterior ao da sua consumação.

XXXVI – A “exceptio veritatis” apenas tem lugar através da prova dos factos imputados, não sendo aplicável à formulação de juízos de valor ou de suspeições.

XXXVII – Num Estado de Direito existem meios próprios para um funcionário público (no caso uma Médica do SNS) denunciar alegadas irregularidades, ilícitos disciplinares ou criminais, praticados por outro funcionário público, seu colega de profissão e de serviço.

XXXVIII – A Arguida não fez prova das imputações que dirigiu ao Assistente, não sendo ilícito, nem proibido, pelo menos à data do cometimento dos factos, por Lei ou pelo Ministério da Saúde, o atendimento e prescrição nas Unidades de Saúde públicas de utentes de clinica privada. – cfr. fls. 920, 921 e 922 e fls. 785 e 786 dos autos e, ainda, a transcrição os depoimentos das testemunhas E… (Depoimento realizado na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130918152400_218267_64889 com início da gravação às 15h24m02s e fim às 16h36m14s) e V… (Depoimento realizado na 3ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 23/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130923144542_218267_64889, com início da gravação às 14h45m43s e fim às 15h35m31s), cuja transcrição parcial se encontra a fls. 37 a 39 e 41 a 44 desta Motivação.

XXXIX – A Arguida não fez prova – atento o facto de que os documentos de fls. 940 e 951 não possuem qualquer valor probatório – de que antes da prática dos crimes de que vinha acusada, tenha participado à direção do AC… ou a quaisquer outras entidades os factos ou suspeitas que imputou ao Assistente – cfr. depoimentos da Arguida (Depoimento realizado na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130918095458_218267_64889, com início de gravação às 09h54m59s e fim às 11h31m32s), S… (Depoimento realizado na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 18/09/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20130918152400_218267_64889 com início da gravação às 15h24m02s e fim às 16h36m14s) e J… (Depoimento realizado na 8ª sessão da audiência de discussão e julgamento de 24/10/2013, gravado no CD n.º 1, sob o ficheiro n.º 20131024100625_218267_64889, com início da gravação às 10h06m26s e fim às 13h33m03s) e os documentos de fls. 313 a 319 e 1074; 624 a 628; 715 a 717; 972 a 982 e 983 a 991 dos autos.

XL – Ao conceder as entrevistas que concedeu e ao fazer as imputações que fez, a Arguida não prosseguia qualquer interesse legítimo e atendível, porquanto, até aí, não havia lançado mão dos meios legais ao seu dispor para denunciar, disciplinar ou criminalmente, as alegadas condutas do Assistente – cfr. documentos de fls. 313 a 319 e 1074; 624 a 628; 715 a 717; 972 a 982 e 983 a 991 dos autos.

XLI – Ainda que prosseguisse um interesse legítimo, sempre o meio utilizado (entrevistas a órgãos de comunicação social), por si escolhido, viola o princípio da proporcionalidade previsto no Artigo 18º, n.º 2 da C.R.P. e aplicável aos casos de colisão de direitos fundamentais.

XLII – Atento o conflito existente entre a liberdade de expressão, por um lado, e os direitos à integridade moral, honra e ao bom nome, pelo outro, está o agente do crime obrigado a escolher o meio menos gravoso, menos coactivo, para os direitos afetados.

XLIII – O exercício do direito da Arguida “não exigia, no caso concreto, o sacrifício dos direitos ao bom nome e à honra do Assistente”.

XLIV – As ofensas que a Demandada fez tiveram uma enorme repercussão pública, violando ilicitamente direitos do demandante, causando neste danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, merecem ser atendidos – cfr. Artigos 70º, n.º 2, 483º e 496º do Código Civil.

XLV – Deve, assim, condenar-se a Demandada no pedido civil formulado, oportunamente, nestes autos.

XLVI – A sentença recorrida violou os Artigos 20º, n.º 4; 25º, n.º 1; 26º, n.º 1 e 37º, n.ºs 1 e 3 da C.R.P.; o Artigo 10º da DUDH; o Artigo 14º, n.º 1 do PIDCP; o Artigo 6º da Convenção Europeia; os Artigos 14º e 180º do Código Penal; o Artigo 615º, n.º 1, alínea d) do C.P.C./2013 e o Artigo 376º do Código Civil.


Nestes termos e com o douto suprimento do muito omitido, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência:

a) Ser julgada inconstitucional a interpretação dos nºs 2, 3 e 4 do artigo 180º do Código Penal, por violação do direito a um processo justo e equitativo, conforme o assinalado na conclusão I destas alegações de recurso;

b) Ser alterada a decisão da matéria de facto dada incorretamente por provada, conforme o requerido nas conclusões IIª, IIIª, Vª, VIª, VIIª a Xª, XIª, XIIª, XIIIª, XIVª deste Recurso;

c) Ser alterada a matéria de facto dada por não provada, dando-se por provados os factos referidos nas conclusões XVIª, XVIIª, XVIIIª, XIXª, XXª, XXIª a XXVª deste Recurso;

d) Ser levada à matéria de facto como não provada, por ter interesse à boa decisão desta causa, os factos constantes da conclusão XXVIª deste Recurso;

e) Ser a sentença recorrida revogada, condenando-se a Arguida como Autora de um crime de difamação agravada – cfr. conclusões XXVIIª a XLIIIª deste Recurso;

f) Condenar-se a Demandada no pedido cível oportunamente formulado nestes autos – cfr. conclusões XLIVª a XLVª deste Recurso.

Respondeu a arguida ao recurso, conforme resulta de fls. 1907 e seguintes dos autos, tendo pugnado pela improcedência do recurso.
Neste Tribunal o Digno Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto nos autos.
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.
Cumpre assim apreciar e decidir.

2 Fundamentação.
Resultam assentes e não assentes nos autos os factos abaixo transcritos, como também se mostra fundamentada a convicção do Tribunal nos termos que se irá de seguida transcrever:
II- Fundamentação.

A. – Resultou provado com interesse para a decisão da causa.
1. A arguida Sra. Dra. B…, é assistente de clínica geral, e médica do Serviço Nacional de Saúde, ao qual se encontra vinculada em contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, e em exercício de funções no Agrupamento de Centros de Saúde AI… desde 26-10-2009.
2. Exerceu funções de Coordenadora no Centro de Saúde W1… entre Novembro de 2009 e Dezembro de 2010.
3. Com referência aos meses de Março a Dezembro de 2011 desempenhou as suas funções de médica no Centro de Saúde W1….
4. O assistente Sr. Dr. C… é médico e exerce actualmente funções na USF K…, em …;
5. Por deliberação de 06/05/1985 da então Comissão Instaladora da Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., foi-lhe atribuído o cargo para desempenhar as funções de director de Serviços de Saúde, até 22/05/1991;
6. Por deliberação de 23/11/1988 da então Comissão Instaladora da Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., foram-lhe atribuídas as funções de director do Centro de Saúde W1….
7. Por despacho de 06/05/1989 da Ministra da Saúde, foi nomeado director do Centro de Saúde W1…, conforme publicação em D.R., n.º 133 – II Série, de 12/06/1989.
8. Por deliberação de 22/05/1991 da então Comissão Instaladora da Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., o médico em apreço retomou as funções de director do Centro de Saúde W1… a partir de 01/06/1991.
9. O assistente exerceu funções com a categoria de chefe de serviços de clínica geral, na Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., Agrupamento de Centros de Saúde AI… – Centro de Saúde W1…, regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado (ex-nomeação definitiva), em regime de 35 horas semanais, até 01/05/2011, data na qual passou à situação de aposentado.
10. A partir de 01/05/2011, e por despacho do Sr. Secretário de Estado da Saúde, de 29/07/2011, exerce funções em regime de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei 89/2010, de 21/07.
11. No mês de Abril de 2011, antes do dia 15, a arguida deu uma entrevista ao Jornalista do Jornal Regional “O….
12. Nessa entrevista a arguida afirmou, além do mais que "..."Não consigo aceitar alguma relação menos clara entre medicina privada e centros de saúde da mesma localidade. E há médicos no Centro de Saúde W1… que trabalham em clínicas privadas". Perante essa afirmação o jornalista AJ… referiu "C… é o único médico do Centro de Saúde que tem uma clínica privada..." ao que a mesma respondeu “…Exactamente. Também sei que os utentes não eram atendidos no Centro de Saúde e depois iam à clínica privada do Dr. C… e tinham tudo o que queriam. Há utentes que me pedem para eu não deixar o Dr. C… tomar conta do Centro de Saúde…” (…) “…cheguei a pedir à Dra. J… que trocasse o Dr. C… pelo Dr. AK…. Mas ela dizia-me que se fizesse isso o Dr. C… metia baixa e deixava de trabalhar”. No seguimento dessa entrevista, e perante a pergunta do Sr. Jornalista "Há muito tempo que sabia desta situação relacionada com C…? a arguida respondeu "É claro e é do conhecimento de toda a gente que durante anos o Dr. C… não atendia os utentes propositadamente no Centro de Saúde para os orientar para a clínica privada. O Dr. C… veio dizer a um funcionário que eu ia liquidar com a clínica, pois com os poucos médicos que tinha fiz questão de acabar com as filas de utentes que havia a partir das 3h00 da manhã.(...)"
13. E mais à frente, perante a pergunta do Sr. Jornalista "Alguma vez interferiu ou revogou uma decisão de um colega? respondeu "Não. Só ia para trás a prescrição de um exame que não estivesse bem fundamentada. No passado faziam-se TAC's como quem bebia copos de água. Apesar de um TAC ter radiações e fazer muito mal, quando cheguei a … assinava cinco, seis TAC's por semana. Isso tinha muitos custos sobretudo para a saúde. Também cortei nebulizadores, porque não estão dentro das boas práticas clínicas. Cheguei a ir a casas de utentes em que os nebulizadores eram ninhos de mosquitos e foi isso que o Dr. C… sustentou durante anos. (...)
14. A referida entrevista foi publicada na edição de 15 de Abril de 2011 do Jornal Regional com publicação semanal "O…", órgão de comunicação social escrita de âmbito regional, distribuído em …, …., … e …, com uma tiragem, relativamente à data da mencionada publicação, de 10.000 (Dez mil) exemplares.
15. Com base na mesma entrevista concedida pela arguida ao jornalista AJ…, foi publicada na página 20 da edição de 20 de Abril de 2011 do Jornal “P…” uma notícia cujo título é “Doentes desviados” e sub título “Médica acusa colega de levar os doentes para uma Clínica, em detrimento do sector público”.
16. Nessa notícia, na qual em momento algum é citado o nome do médico em causa, depois de uma parte introdutória na qual o jornalista refere “Uma médica do Centro de Saúde W1…, em …, acusa um colega de desviar doentes para a sua clínica privada. B… ex-coordenadora da unidade de saúde, garante que a situação se arrasta há bastantes anos e que é do conhecimento da população. A denúncia é efectuada pela mesma médica que apresentou uma queixa-crime no Ministério Público, tal como o P… já noticiou, acusando uma outra clínica de ... de dar consultas numa entidade privada enquanto estava de baixa no Centro de Saúde” é também dito, além do mais, que a arguida afirmou, “…Sei que os doentes não eram atendidos no Centro de Saúde e depois iam à clínica privada e tinham tudo o que queriam”; “É claro que é do conhecimento de toda a gente que durante anos o médico não atendia os utentes propositadamente no Centro de Saúde para os orientar para a Clínica privada: O médico chegou a dizer a um funcionário que eu ia acabar com o negócio, pois com os poucos médicos que tinha fiz questão de terminar com as filas de utentes aqui à porta”.
17. A referida edição do Jornal “P…” teve duas tiragens, sendo que tal notícia apenas foi publicada na tiragem destinada à região Norte de Portugal, cujo número de exemplares publicados foi de cerca de 10 000 (Dez mil).
18. No dia 04/05/2011 a arguida decidiu conceder uma entrevista à jornalista da Q…, S.A., AL….
19. Nessa entrevista, que ocorreu nesse mesmo dia, em local não concretamente determinado, mas situado em …, a arguida proferiu afirmações sobre médicos que prestavam serviço no Centro de Saúde W1…, entre os quais sobre o aqui assistente, e a supra referida jornalista elaborou uma peça jornalística na qual, enquanto são mostradas várias imagens, incluindo da própria arguida, do Centro de Saúde W1…, do Tribunal Judicial de Paredes e da assistente “Clínica Dr. C…”, tendo sido então afirmado pela arguida à mencionada jornalista o seguinte “…Em causa estarão por exemplo desvios de utentes para clínicas de médicos que trabalhavam no Centro de Saúde e o caso de uma profissional que esteve de baixa mas que trabalhava em clínicas privadas. A denúncia parte desta médica que até Dezembro assumia o cargo de direcção no centro de saúde W1…, após ter apresentado a demissão entregou no Ministério Público uma queixa-crime contra três colegas por alegado envolvimento em negócios ilícitos. No esquema, agora revelado, estão implicados vários médicos, entre eles uma profissional em situação de baixa médica mas que alegadamente exercia funções em clínicas privadas. “Os colegas passavam-lhe o atestado porque também se calhar também confiavam nela que ela estava de baixa, quer dizer, e foi isso… Vieram depois a descobrir que afinal trabalhava no público…Provavelmente eles também descobriram tal como me informaram a mim, descobriram eles que ela que não estaria, aliás, o E… dizia …em público e isto eu posso dizer, dizia em público que temos de acabar com esta palhaçada com esta, com esta …como é que ele dizia…temos que acabar com esta balda”. Mas os supostos negócios ilícitos não ficam por aqui, segundo a ex-directora de Centro, durante vários anos os utentes foram orientados para uma clínica privada pertencente a um médico do Centro de Saúde sob a justificação de que o serviço estaria lotado. “Os doentes não são atendidos no Centro de Saúde para terem de ir à clínica dele, agora, veja uma coisa, repare, quando há falta de médicos as pessoas procuram …. A saúde é um bem muito querido, é um bem muito caro.” (…)”.
20. Tal entrevista foi transmitida no “Jornal …” do dia 04 de Maio de 2011, pela Q…, S.A., para todo o País, e foi vista por um número não concretamente determinado de espectadores, mas não inferior a várias centena de milhares.
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21. O arguido nasceu há 65 anos, vive, trabalhou e trabalha na freguesia de …, concelho de Paredes e nos concelhos limítrofes;
22. Foi membro do Conselho Disciplinar Regional do … da Ordem dos Médicos Portugueses;
23. Foi orientador de formação do agora extinto Instituto de Clinica Geral IP;
24. Foi médico do serviço de Higiene, Segurança e Saúde no trabalho da ARS …;
25. É socio-fundador e médico da Clínica Geral e Medicina Familiar desde 1980 e até hoje Clínica com o seu nome “Dr. C…, Ldª”;
26. É médico do X… há mais de 20 anos;
27. Foi deputado à Assembleia Municipal de … nos mandatos de 1993/1997 e 1998/2001;
28. Foi durante várias épocas desportivas, médico da equipa de ciclismo de ….
29. O arguido sentiu-se magoado, vexado, incomodado e psiquicamente abalado na sequência das entrevistas, notícia televisiva e publicações das entrevistas dadas pela arguida aos referidos órgãos de comunicação social.
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30. Durante a peça televisiva exibida no dia e hora supra referidos, foi ainda dito “A Q… tentou uma reacção junto das clínicas privadas alvo da denúncia mas sem sucesso, na vila a população confessa que é prática deste médico que já vem de longo, os utentes escondem a cara mas não deixam de dar a confirmação”, “Eu precisava de um atestado pra, pra minha escola de condução, das aptidões e ele, meu médico não me quis passar mandou-me ir a clínica dele privada que ele lá passava no posto médico ele não me quis passar o atestado”. “Qual era a justificação para não passar no Centro de Saúde?” “Simplesmente que num passava, que no posto médico num, num eram as funções dele lá naquele posto passar atestados.
31. “Procuramos também uma resposta junto dos médicos implicados no caso que se remeteram ao silêncio, entretanto a Administração Regional … já fez saber que acionou de imediato um processo de inquérito para averiguar a verdade dos factos”.
Mais se provou com interesse para a decisão da causa (contestação):
32. O assistente em data não concretamente apurada, mas anterior a Abril de 2011, e por mais que uma vez, inscreveu na respectiva consulta da Unidade de Saúde W…, nomes de utentes que não compareciam e contactados alegavam não ter sido convocados;
33. Recusou, em meados de Janeiro de 2011, consulta domiciliária no âmbito dos cuidados de saúde primários que o mesmo integrava com funções de médico de medicina geral e familiar e realizou-a a título particular, mediante o pagamento pela filha da utente do valor de €60 (sessenta euros);
34. Levou a efeito a prescrição e o atendimento na UCSP W… a clientes da sua própria Clínica “Clínica Dr. C…”, designadamente, do futebol;
35. E em data não concretamente apurada mas em Fevereiro de 2011, Z…, residente e utente da Unidade de Saúde AM…, na sequência de queixas resultantes de uma queda de mota no âmbito de uma competição dirigiu-se à “Clínica Dr. C…” onde foi atendido pelo assistente C… e pagou a respectiva consulta.
36. No âmbito da referida consulta o assistente prescreveu medicação e a realização pelo referido Z… de análises à urina e ao sangue;
37. Depois de constatar que aquele não possuía seguro de saúde entregou-lhe um papel para exibir no Centro de Saúde W1…, onde lhe iria passar os necessários P1 para a realização das referidas análises através do serviço nacional de saúde.
38. No dia seguinte Z… dirigiu-se à Clínica Dr. C… onde efectuou colheita de sangue e entregou a colheita de urina contida em frasco previamente aí fornecido, após o que se dirigiu ao Centro de Saúde, entregou o papel fornecido pelo assistente na respectiva secretaria, foi aí inscrito, pagou taxa moderadora e foi logo encaminhado ao gabinete do assistente onde então este lhe passou os ditos P1.
39. A arguida em carta datada de 24 de Agosto de 2010 dirigida à Directora do AC… Drª J…, demitiu-se das funções de coordenadora da Unidade de Saúde W…, alegando, para além do mais, desagrado pelo desinteresse revelado pelo esclarecimento de denúncias que apresentou sobre a actuação de diversos profissionais, a qual não foi aceite;
40. E em carta datada de Dezembro de 2010, também dirigida à identificada directora do AC…, reitera o pedido de demissão, argumentando para além do mais, não defender a conivência com CIT fraudulentas/abusivas e outros interesses há muito enraizados na população de …, o que é então aceite.
Provou-se ainda:
41. A arguida é médica na Unidade de Saúde AN…, auferindo cerca de €1900 (mil e novecentos euros) mensais;
42. Tem uma filha de 11 anos;
43. Vive em casa própria relativamente à qual paga prestação bancária respeitante a empréstimo para a sua aquisição;
44. A arguida é licenciada em medicina familiar e administração hospitalar;
45. E foi anteriormente condenada pela prática em 17 de Maio de 2009 de crime de difamação agravada p. e p. pelo art. 180º e 184º do C. Penal, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €10.

B. Factos não provados com interesse para a decisão da causa.
1. A arguida por motivos não concretamente determinados, mas relacionados com a criação de Unidade de Saúde Familiar concorrente, começou a dar-se mal com outros médicos que trabalham no referido Centro de Saúde, o que ocorreu particularmente com o seu colega daquele Centro, o aqui assistente Sr. Dr. C….
2. Na sequência de tais factos a arguida tomou a decisão de denegrir a imagem do assistente, quer enquanto director do Centro de Saúde W…, quer na sua qualidade de cidadão e, como forma de concretizar essa sua intenção e plano, decidiu dar as referidas entrevistas aos identificados órgãos de comunicação social.
3. A entrevista no P… foi publicada com o prévio conhecimento da arguida.
4. A arguida agiu de forma voluntária, livre e consciente, com o propósito conseguido de denegrir a imagem do assistente, enquanto médico do Serviço Nacional de Saúde, e enquanto cidadão, não se coibindo de utilizar para esse efeito as referidas entrevistas;
5. E bem assim de denegrir a imagem, crédito e credibilidade da “Clínica Dr. C…”, junto de clientes e do público em geral;
6. E sabia que as respectivas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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As demais circunstâncias relatadas e considerações efectuadas, nas acusações pública e particulares, contestação e pedidos de indemnização civil não foram tidas em conta (e por isso não constam da fundamentação de facto) por conterem meros juízos conclusivos ou matéria de direito ou por não terem qualquer relevância para a decisão da causa (sendo certo que a lei apenas exige que devam constar da sentença os factos com relevo para a decisão da causa e só estes, devendo proceder-se se necessário ao aparo do que porventura em contrário e com carácter supérfluo provenha das referidas peças processuais de que aquela não é nem pode ser mera serventuária, (o que no caso ocorre relativamente a todos os factos contidos na contestação alheios ao objecto do processo contido nas acusações e à pretendida prova liberatória) – cfr: a este propósito Ac. do STJ de 2 de Junho de 2005, proc. 05P1441, dgsi).

C- Motivação de Facto e Exame Crítico das Provas.
i)Quanto à factualidade provada o Tribunal formou a sua convicção:
Nas declarações da arguida que admite a autoria das afirmações que lhe são imputadas e reproduzidas nas entrevistas escritas e na reportagem televisiva.
Nos originais dos jornais “O…” e “P…” juntos a fls. 107 e 139.
No CD-Rom visualizado em audiência quanto à reportagem que passou no “Jornal da Uma” da Q… e à visualização nesta, para além do mais da Clínica assistente.
No auto de transcrição e fotogramas de fls. 165 e ss.

No que respeita às funções exercidas pela arguida na Unidade de Saúde W1…, e posteriormente, e ao período em que tal ocorreu, atendeu o Tribunal às respectivas declarações e bem assim aos documentos juntos a fls. 902 (diário da republica), 903 (declaração emitida pela Administração Regional de Saúde) e de 904 e 905 (guia de apresentação ao serviço e a sua indicação como coordenadora da Unidade de Saúde W1…).

Quanto às funções profissionais até hoje exercidas pelo assistente teve o tribunal em consideração as suas declarações, suportadas pelo documento emitido pela Administração Regional de Saúde de fls. 79 e bem assim pelos depoimentos prestados pelas testemunhas Drª AO… e Dr. AP…, ambos médicos, os quais exerceram ainda funções na Administração Regional de Saúde; no depoimento da testemunha U…, ligado às associações desportivas e dos Bombeiros de AQ… e seu amigo, quanto às funções do assistente no X…, na equipa de ciclismo e ao seu desempenho junto da Assembleia Municipal.

Os sentimentos vivenciados pelo assistente, em consequência do teor das entrevistas concedidas pela arguida, foram não só pelo mesmo evidenciados, como redundam sustentados pelos depoimentos prestados pelas testemunhas AG… e pelo seu filho AR… e bem assim pelas mais básicas regras da experiência, posto que aquelas reportam factualidade objectivamente desagradável para a sua pessoa, e ninguém fica indiferente à crítica, seja esta, ou não sustentada.

Quanto à inscrição pelo assistente na respectiva consulta de nomes de utentes, que não compareciam e que contactados invocavam não ter consulta agendada, e no que respeita à prescrição e atendimento na UCSP W… a clientes da sua clínica privada, designadamente, do futebol, a convicção do tribunal assentou no depoimento conhecedor, objectivo e circunstanciado das testemunhas H…, assistente técnica e que exerceu funções na unidade de saúde W… como secretária clínica (à qual competia atender público, telefone, marcar consultas e demais trabalho de retaguarda), tendo sido para o efeito convidada no âmbito da constituição da USF “K1…” e G…, que também aí prestou serviços (entre Outubro de 2010 e Junho de 2011 e através do Centro de Emprego), designadamente, de atendimento ao público, ambas confirmando a apresentação de utentes provenientes da Clínica Dr. C…, munidos de papel com tal indicação e bem assim de um senhor do futebol com lista dos atletas (que careciam de ser inscritos), para serem pedidas análises, e ainda o agendamento de utentes que não compareciam e que contactados verbalizavam não ter consulta marcada.
Os apontados depoimentos são ainda corroborados pela testemunha I…, enfermeira, e que exerceu tais funções na mesma unidade, convidada para integrar a USF “K1…” que de forma igualmente segura relatou vários episódios relativos ao agendamento e atendimento do assistente, incluindo domicílios marcados à mulher.

Pelo depoimento da testemunha AS… que admitiu ser paciente do assistente na Clínica privada, apenas pagando a consulta, sendo que o resto, análises e P1, “vinham (do Cento de Saúde) ter à Clínica”, onde era feita a colheita, apenas se deslocando ao serviço público para obter receitas.

No depoimento absolutamente credível da testemunha Z…, utente de … que estando acidentalmente em … e com dores resultantes de queda de moto, se dirigiu à Clínica do assistente e protagonizou o episódio a que se reporta a factualidade provada, relatando ainda que ali regressou meses mais tarde (porque tudo lhe era mais facilitado) ainda que não tivesse tido necessidade de fazer novos exames.

No depoimento sincero e emotivo da testemunha L… que descreveu as circunstâncias em que o assistente lhe recusou um domicílio à mãe através do Centro de Saúde, aceitando levá-lo a efeito quando esta se dispôs a pagá-lo o que ocorreu nas apontadas circunstâncias e pelo indicado valor.

No depoimento conjugado das testemunhas M… e N…, também no que concerne à realização de recusa de domicílio à mãe acamada desta.

Nas cartas de fls. 940 e 951, dirigidas pela arguida à Drª J… pedindo a demissão e aí revelando as respectivas razões.

Quanto às condições sócio-económicas da arguida, o Tribunal alicerçou a sua convicção nas respectivas declarações que se revelaram credíveis, tanto mais que não foram postas em causa pela demais prova produzida.
E ao CRC de fls. 442 quanto aos antecedentes criminais.

Acresce que apontada factualidade, designadamente, a atinente à defesa, não foi em nada beliscada pela demais prova testemunhal e documental apresentada, porquanto, parcial, interessado, ou pouco conhecedor da realidade relatada.

A testemunha AG…, sua mulher e o representante da Clinica assistente e seu filho AR…, retratam naturalmente a realidade da perspectiva do marido e pai, nunca tendo exercido funções na Unidade de Saúde.
As testemunhas Dr. E… e AD…, apesar de terem trabalhado simultaneamente com a arguida na Unidade de Saúde, foram visados pelas respectivas participações judiciais e administrativas e nada revelaram assim susceptível de ser valorado.

De igual modo, pouco ou nada adiantou o depoimento prestado pela Directora Executiva do AC…, Drª J… que apresentando uma postura aparentemente imparcial, foi-se sucessivamente escudando num desconhecimento pouco aceitável ou num providencial esquecimento, relativamente a tudo o que pudesse ser favorável à arguida (mesmo relativamente a um simples jantar em que até o próprio assistente espontaneamente revelou ter sabido que esta elogiado o desempenho daquela, enquanto coordenadora), não se apresentando despiciendo o facto resultante de ter sido afectada pelas queixas efectuadas pela mesma arguida relativamente a profissionais da Unidade AT…, conforme resulta da informação fornecida pela ARS Norte a fls. 748 e ss..

A testemunha F…, assistente social na referida Unidade de Saúde (assim como em outras quatro), apresentando uma postura equidistante, nada de relevante referiu saber, concluindo elucidativamente estar então em causa uma luta entre o poder instalado e o que se queria instalar.

Os depoimentos prestados pelas testemunhas Drª AO…, Dr. AP…, T…, U… nada referiram de concreto e relevante e atinente à factualidade em causa susceptível, de ser ponderado.

O mesmo sucedendo quanto às testemunhas AU…, AV… (esta claramente animosa para com o assistente), AW…, AX…, e AY…, AZ…, BA… que nada de substancialmente útil a tal propósito adiantaram.

O depoimento da testemunha AF…, ex-marido da arguida, claramente comprometido e parcial, também em nada contribuiu para o esclarecimento da pertinente factualidade.

Ii –No que respeita à factualidade não provada, a mesma redundou não provada desde logo, e quanto ao facto de a arguida se ter começado a dar mal com outros médicos que trabalhavam no centro de Saúde W1…, e particularmente com o assistente, por motivos relacionados com a criação de duas Unidade de Saúde Familiar concorrentes, porquanto tal é infirmado pela prova produzida, designadamente, pelo próprio assistente, pela testemunha Dr. E…, e pela Drª J…, de onde decorre terem desde logo surgido conflitos com a arguida resultantes da sua coordenação e práticas clínicas (retirada de nebulizadores, cortes no transporte de ambulância para realização de fisioterapia, entre outros) consequência da função exercida e da forma como a levou a efeito e que pretendeu implementar e que provocaram atritos não só com estes, como com utentes, o que importou até, como admitem, a demissão em bloco dos médicos que formavam o projecto da USF, K1…, antes sequer da que se lhe seguiu ser aventada.

De igual modo, o infirma o teor do Boletim “BC…”, de 30 de Abril de 2010, onde se dá conta dos conflitos no Centro de Saúde e até da crítica levada a efeito por utentes à anterior gestão do Centro de Saúde, pelo assistente.

E bem assim as cartas dirigidas pela arguida à Directora do AC…, a que se refere a factualidade provada e que dão já conta da conflitualidade antes existente.

No que respeita à prática clínica e gestão do Centro (ou Unidade) de Saúde propriamente dita, quanto à prescrição de meios de diagnóstico tidos por excessivos e à ausência de controle dos nebulizadores (este que o próprio assistente em rigor admite) reportada à gestão daquele pelo assistente (gestão esta que se tem por assente, e que este consente - pese embora tente desvalorizá-la afirmando ter sido apenas coordenador técnico, figura organicamente inexistente, com a função quase exclusiva de apor a sua assinatura – o que era ele quem fazia e não o Dr. BB…, como quis fazer crer a testemunha Drª J… - assinatura que, se impõe naturalmente, concluir, o obrigava a controlar e a atentar no que assinava, pois que só assim se justificava que tivesse de o fazer – caso contrário bastaria que cada um dos médicos e demais pessoal clinico e administrativo realizasse, assumisse e assinasse tudo o que se reportasse às respectivas funções), a arguida limitou-se a verbalizar e a expor a sua opinião e critica devidamente sustentadas, o que reforçou de forma coerente em audiência, no foi que foi secundada, pelos indicados e pertinentes depoimentos a que se reporta a motivação da factualidade provada.

Por outro lado, logrando a arguida provar nos termos expostos a promiscuidade, o conflito de interesses entre o exercício de medicina pelo assistente no sector público e privado (não necessariamente ilícitos), nos termos constantes da factualidade provada, evidenciado que se mostra o interesse em os revelar, não só porque a pertinente factualidade tem inequívoca importância para a comunidade em geral e de … em particular, porque tinha exercido até há poucos meses funções de coordenadora da Unidade de Saúde em causa (altura em que deu conta de irregularidades aí praticadas à sua superior hierárquica), que não viu avalizada uma Unidade de Saúde Familiar (K1…) que em termos, pelo menos logísticos já se encontrava constituída, e que foi substituída por outra (K…), na qual não foi incluída (como consentem directa ou indirectamente, designadamente, arguida, Dr. E…, Drª J…), e que o fez no âmbito de reportagens jornalísticas que noticiavam os problemas aí existentes e quando é certo que até o coordenador à data daquela (Dr. E…) e o Director do AC… (Dr. BB…) já tinham concedido entrevistas, designadamente, quanto às ditas USF, como decorre do depoimento do jornalista AJ… e das publicações juntas e relativas ao jornal O…, tem de se ter necessariamente por não provado que agiu com intuito de difamar os assistentes.

Dos depoimentos das testemunhas AJ… e AL…, os jornalistas que subscreveram os artigos de jornal e reportagem televisiva, respectivamente, e por outro lado, resulta terem levado a efeito por sua iniciativa, no âmbito da profissão que exercem as indicadas entrevistas, contactando para o efeito a arguida, após ter ouvido o primeiro relatar problemas relativos às USF, e a segunda simultaneamente utentes dos serviços de saúde em causa, dos quais apenas um aceitou prestar declarações sem querer, porém, ser identificado.

E o mesmo se diga quanto à conversa que a arguida terá tido com a Drª J…, quanto à pretensão de substituição do assistente e cujo teor esta admite, ainda que a reporte a contexto diverso.

Quanto ao facto de a arguida saber, no âmbito da entrevista que deu a AJ…, que também seria publicada no “P…”, tal é por esta negado, sendo que o próprio admite ter-se apresentado como jornalista do jornal “O…”, revelando apenas quando instado para o efeito, e de forma pouco segura, ter a noção de que aquela o sabia.

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

Atentas as conclusões do recurso, podemos delimitar o seu objecto à apreciação das seguintes questões:

a) Inconstitucionalidade do artigo 180º do C.P.
b) Errada apreciação da matéria de facto e ausência de apreciação crítica da mesma
c) O preenchimento da tipicidade objectiva e subjectiva do crime de difamação.

Vejamos então.
a) A inconstitucionalidade do artigo 180º do C. Penal
Alega e conclui o recorrente que o artigo 180º, n.ºs 2, 3 e 4 do Código Penal não cumpre o princípio do direito a um processo equitativo, um processo justo, equilibrado, pois permite aos Arguidos a alegação de factos e a apresentação de provas que demonstrem o seu interesse legítimo e a veracidade das suas imputações contra o ofendido, mas não permite à Acusação ou ao Assistente, posteriormente, contraditar tais factos e carrear para o processo os meios de prova necessários a criar a dúvida acerca dos factos alegados pelos Arguidos e, assim sendo, nesta interpretação, o referido artigo do Código Penal será inconstitucional por violação do direito a um processo justo e equitativo – cfr. Artigo 20º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
Tal questão foi apreciada pelo Tribunal de 1ª Instância, tendo sido julgada improcedente, com a seguinte fundamentação:
Da inconstitucionalidade do art. 180º, nº2 do C. Penal invocada pelo assistente.
Veio o assistente C…, a fls. 1101 dos autos, depois de notificado para exercer o contraditório relativamente a requerimento e documentos apresentados pela arguida invocar a inconstitucionalidade da citada disposição legal enquanto permissiva da possibilidade desta em alegar factos demonstrativos da veracidade das imputações que fez e bem assim do interesse legitimo na sua divulgação, na medida em que lhe veda responder e tornar duvidoso o alegado, porquanto violador do principio da igualdade e do direito a um processo justo e equitativo imposto pelo art. 20º, nº4 da CRP.
Não lhe assiste, porém, qualquer razão.
Dispõe, reitera-se, o art. 180º, alíneas a) e b) do nº2 do C. Penal que “a conduta não é punível quando a imputação for feita para realizar um interesse legítimo; e o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira”.
No direito português não é elemento do tipo de ilícito da difamação que a afirmação produzida seja falsa, mas a lei permite nos termos atrás expostos a “exceptio veritatis”, isto é, que o arguido prove que o que diz é verdade, com a consequente exclusão da punibilidade da conduta, em certas circunstâncias. Não se trata de uma qualquer inversão do ónus da prova, antes sim da conclusão de que quem anda a propalar coisas a respeito de outrem deve chamar a si o risco da prova da verdade daquilo que põe a circular.
A prova da verdade fica estabelecida se puder concluir-se que a imputação é substancialmente correcta, independentemente de pormenores sem significado, ou de exageros irrelevantes, insiste-se. No desenrolar das diligências probatórias, o juiz tem portanto o estrito dever de zelar por que os apontados limites e a identidade da imputação não fiquem abastardados. (…) O Código de Processo Penal de 1929 continha um capítulo sobre o processo de difamação, calúnia e injúria, onde, no art. 590º, se estabelecia a tramitação a seguir quando o arguido pretendia provar a verdade das imputações: “…deduzirá por artigos a sua defesa na contestação…”. Não existe actualmente disposição semelhante, contudo, o arguido deverá anunciar na contestação e tornar claro tal propósito, para que o imputado, não seja surpreendido e esteja habilitado a contrariá-lo – Cfr. M. Miguez Garcia, ob cit., Vol. I, p. 360 e ss., e Acórdão do STJ de 17 de Março de 1994, CJ, Tomo I, p. 251.
No caso em apreço, e no que tange ao anúncio da pretensão de que queria fazer uso da identificada excepção, a arguida não poderia ter sido mais exaustiva, tanto mais que logo na contestação concretizou todos os factos que em seu entender o revelavam, como requereu as pertinentes diligências probatórias.
Por seu turno, o assistente, sempre previamente chamado pelo tribunal a pronunciar-se, também de forma detalhada e reiterada, contraditou, ponto por ponto, o invocado, explicitando os respectivos argumentos e requerendo as pertinentes provas, como aliás o demonstra à saciedade o requerimento em que acena a invocada inconstitucionalidade, já em pleno curso da audiência de discussão e julgamento e a vasta prova testemunhal e documental produzida Acresce que se nem sempre o assistente viu deferidas as diligências probatórias requeridas, o mesmo ocorreu relativamente à arguida, tudo no âmbito do dever imposto ao julgador de impedir o arrastamento do objecto do processo e produção de prova inócua, impertinente ou ilegal (de notar, porém, que no próprio requerimento em pleno uso do contraditório que lhe é concedido e em que alude à inconstitucionalidade em apreço o assistente requereu a junção de oito documentos, relativamente a sete dos quais admitida).
Assim sendo, e na medida em que o art. 180º, nº2 do C. Penal apenas se concebe no descrito contexto, em que as verdades pretendidas provar são previamente anunciadas, e sobre estas é permitido ao visado contraditá-las, contraditório este amplamente exercido nos presentes, inexiste qual violação do princípio da igualdade ou da equidade processual, e consequentemente falece a pretendida inconstitucionalidade.
Termos em que se conclui pela não verificação da apontada inconstitucionalidade do art. 180º, nº2 do C. Penal.
A questão colocada pelo recorrente haverá de ser tratada em termos abstractos, pois e no caso, nada se nos afigura ter existido nos autos que permitisse concluir que os seus direitos ao contraditório ficassem afectados, não tendo o Tribunal interpretado tal preceito de forma a prejudicar o assistente, o que por si só compromete a questão ora colocada, contudo, e ainda que de forma breve, iremos apreciar a decisão do Tribunal de 1ª Instância.
Ora, dispõe o artigo 180 do CP o seguinte:
1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 - A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.
Entende o recorrente, que a previsão constante nos números n.ºs 2, 3 e 4 do preceito acima transcrito não cumpre o princípio do direito a um processo equitativo, o que se mostra garantido pelo artigo 20º nº 4 da Constituição da República.
Dispõe o artigo 20º nº 4 da Constituição da República que “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”
Ora, a equidade em sentido estrito, requer que cada uma das partes no processo possa sustentar a sua posição em condições tais que a não coloquem em desvantagem em relação à parte adversa.
Conforme é sabido, no âmbito do processo penal, a igualdade processual, ou a "igualdade de armas", revela-se como instrumento de realização dos direitos estabelecidos a favor da acusação e da defesa, ou seja, significa a atribuição à acusação e à defesa de meios jurídicos, não forçosamente paralelos e de igual conteúdo, mas igualmente eficazes para salvaguardar os direitos que lhes assistem.
Uma conformação processual gémea apena se justificará quando não seja garantida a mesma eficácia mediante outra configuração de intervenção, ou quando o legislador encontra uma forma de intervenção que se repute claramente discriminatória e violadora desse princípio, tal como se retira da obra de Figueiredo Dias, "Sobre os sujeitos processuais no Novo Código de Processo Penal", Jornadas de Processo Penal, 1988, pág. 30.: “O que quer dizer que uma concreta conformação processual só poderá ser recusada, como violadora daquele princípio da igualdade, quando dever considerar-se infundamentada, desrazoável ou arbitrária, como ainda quando possa reputar-se substancialmente discriminatória à luz das finalidades do processo penal, do programa político-criminal que aquele está assinado ou dos referentes axiológicos que o comandam”
No caso insurge-se o recorrente/assistente por entender o legislador que o acusado possa defender-se mediante a prova da verdade sobre a sua imputação e que o possa fazer sem que o acusador/vítima tenha oportunidade processual de infirmar factualmente essa versão da defesa.
Com o devido respeito, não se afigura ter o recorrente razão, pois não só é compreensível que na perspectiva da defesa possa o arguido demonstrar a sua razão na imputação que dirigiu ao ofendido, e o interesse que pretendia salvaguardar com a sua conduta, bem como a “fonte” onde alicerçou a sua convicção quanto à veracidade da mesma, tudo de molde a que o Tribunal possa ponderar a sua culpa e a necessidades de recriminação penal – fim do processo pretendido pelo ofendido em sede penal – como também não está vedado ao acusador/assistente infirmar essa versão.
E não está vedado desde logo pelo cuidado que terá que depositar na acusação que redige, onde revelará com rigor factual a motivação subjectiva do acusado, e não está vedado processualmente pois sempre poderá em qualquer momento daquele arguir falsidade de documento, ou em sede de audiência de julgamento mediante o recurso aos meios de prova que entender necessários para demonstrar a culpa do acusado.
A defesa processual da peça “acusação” encontra ao seu dispor meios mais do que suficientes para permitir ao Tribunal a descoberta da verdade, sendo despropositado – no âmbito penal e atentos os fins que prossegue – abrir processualmente uma fase de “réplica” à contestação do arguido.
Assim, e atenta a posição tomada pelo Tribunal de 1ª Instância ao longo dos autos, e à forma como se desenrolou a produção de prova em sede de audiência de discussão e julgamento, não descortinamos qualquer conduta que tenha diminuído as possibilidades do assistente na defesa da matéria constante da acusação, e que tenha tido a sua origem numa interpretação não conforme a constituição e violadora do princípio que estamos a apreciar, bem como, e em abstracto, não se nos afigura desconforme à constituição o preceito penal apontado pelo recorrente, pelo que, e nesta parte, improcede o recurso.
b) Errada apreciação da matéria de facto e ausência da análise crítica da prova

Conforme resulta das extensas conclusões e da pormenorizada motivação, coloca o recorrente em crise a factualidade fixada sob os pontos 32º, 33º, 34º, 35º a 38º, factos dados como não provados, ponto 1, 2, 3,4,5 e 6, e matéria de facto relevante que o tribunal não atendeu como matéria não provada.
Vejamos então.
Tendo como ponto de referência a parte da sentença recorrida que contém a decisão sobre a matéria de facto (factos provados e não provados) e da respectiva motivação, a principal questão a decidir é a de saber se o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento, por existirem provas credíveis dos factos imputados à arguida que não foram consideradas pelo Tribunal, conduzindo à absolvição da mesma.
Apesar de os tribunais da Relação conhecerem de facto e de direito, nos termos do disposto no artigo 428º do Código de Processo Penal, como escreveu o Prof. Germano Marques da Silva, “o recurso sobre a matéria de facto não significa um novo julgamento, mas antes um remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância”, tendo, mais especificamente, o recurso ordinário “por finalidade a eliminação dos defeitos da decisão ilegal ainda não transitada em julgado”.
A mesma ideia tem sido destacada pela jurisprudência dos tribunais superiores, que vêm afirmando que o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia, em toda a sua extensão, a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento aí realizado não existisse, mas sim um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados com precisão, com a nota das provas que demonstram esses erros.
Tal é imposto pelo artigo 412º nº 3 e 4 do CPP, constituindo obrigação do recorrente identificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, e as provas que devem ser renovadas.
Importa assim verificar, caso a caso, os concretos pontos de facto que entende o recorrente estarem incorrectamente julgados e as concretas provas que indicou e que, segundo o mesmo, impõem decisão diversa da recorrida.
32. O assistente em data não concretamente apurada, mas anterior a Abril de 2011, e por mais que uma vez, inscreveu na respectiva consulta da Unidade de Saúde W…, nomes de utentes que não compareciam e contactados alegavam não ter sido convocados;
33. Recusou, em meados de Janeiro de 2011, consulta domiciliária no âmbito dos cuidados de saúde primários que o mesmo integrava com funções de médico de medicina geral e familiar e realizou-a a título particular, mediante o pagamento pela filha da utente do valor de €60 (sessenta euros);
34. Levou a efeito a prescrição e o atendimento na UCSP W… a clientes da sua própria Clínica “Clínica Dr. C…”, designadamente, do futebol;
35. E em data não concretamente apurada mas em Fevereiro de 2011, Z…, residente e utente da Unidade de Saúde AM…, na sequência de queixas resultantes de uma queda de mota no âmbito de uma competição dirigiu-se à “Clínica Dr. C…” onde foi atendido pelo assistente C… e pagou a respectiva consulta.
36. No âmbito da referida consulta o assistente prescreveu medicação e a realização pelo referido Z… de análises à urina e ao sangue;
37. Depois de constatar que aquele não possuía seguro de saúde entregou-lhe um papel para exibir no Centro de Saúde W1…, onde lhe iria passar os necessários P1 para a realização das referidas análises através do serviço nacional de saúde.
38. No dia seguinte Z… dirigiu-se à Clínica Dr. C… onde efectuou colheita de sangue e entregou a colheita de urina contida em frasco previamente aí fornecido, após o que se dirigiu ao Centro de Saúde, entregou o papel fornecido pelo assistente na respectiva secretaria, foi aí inscrito, pagou taxa moderadora e foi logo encaminhado ao gabinete do assistente onde então este lhe passou os ditos P1.
39. A arguida em carta datada de 24 de Agosto de 2010 dirigida à Directora do AC… Drª J…, demitiu-se das funções de coordenadora da Unidade de Saúde W…, alegando, para além do mais, desagrado pelo desinteresse revelado pelo esclarecimento de denúncias que apresentou sobre a actuação de diversos profissionais, a qual não foi aceite;
40. E em carta datada de Dezembro de 2010, também dirigida à identificada directora do AC…, reitera o pedido de demissão, argumentando para além do mais, não defender a conivência com CIT fraudulentas/abusivas e outros interesses há muito enraizados na população de …, o que é então aceite
Deu o Tribunal como assentes estes factos, com a seguinte justificação “ quanto à inscrição pelo assistente na respectiva consulta de nomes de utentes, que não compareciam e que contactados invocavam não ter consulta agendada, e no que respeita à prescrição e atendimento na UCSP W… a clientes da sua clínica privada, designadamente, do futebol, a convicção do tribunal assentou no depoimento conhecedor, objectivo e circunstanciado das testemunhas H…, assistente técnica e que exerceu funções na unidade de saúde de W… como secretária clínica (à qual competia atender público, telefone, marcar consultas e demais trabalho de retaguarda), tendo sido para o efeito convidada no âmbito da constituição da USF “K1…” e G…, que também aí prestou serviços (entre Outubro de 2010 e Junho de 2011 e através do Centro de Emprego), designadamente, de atendimento ao público, ambas confirmando a apresentação de utentes provenientes da Clínica Dr. C…, munidos de papel com tal indicação e bem assim de um senhor do futebol com lista dos atletas (que careciam de ser inscritos), para serem pedidas análises, e ainda o agendamento de utentes que não compareciam e que contactados verbalizavam não ter consulta marcada.
Os apontados depoimentos são ainda corroborados pela testemunha I…, enfermeira, e que exerceu tais funções na mesma unidade, convidada para integrar a USF “K1…” que de forma igualmente segura relatou vários episódios relativos ao agendamento e atendimento do assistente, incluindo domicílios marcados à mulher.
Pelo depoimento da testemunha AS… que admitiu ser paciente do assistente na Clínica privada, apenas pagando a consulta, sendo que o resto, análises e P1, “vinham (do Cento de Saúde) ter à Clínica”, onde era feita a colheita, apenas se deslocando ao serviço público para obter receitas.
No depoimento absolutamente credível da testemunha Z…, utente de … que estando acidentalmente em … e com dores resultantes de queda de moto, se dirigiu à Clínica do assistente e protagonizou o episódio a que se reporta a factualidade provada, relatando ainda que ali regressou meses mais tarde (porque tudo lhe era mais facilitado) ainda que não tivesse tido necessidade de fazer novos exames.
No depoimento sincero e emotivo da testemunha L… que descreveu as circunstâncias em que o assistente lhe recusou um domicílio à mãe através do Centro de Saúde, aceitando levá-lo a efeito quando esta se dispôs a pagá-lo o que ocorreu nas apontadas circunstâncias e pelo indicado valor.
No depoimento conjugado das testemunhas L… e N…, também no que concerne à realização de recusa de domicílio à mãe acamada desta.
Nas cartas de fls. 940 e 951, dirigidas pela arguida à Drª J… pedindo a demissão e aí revelando as respectivas razões.
Entende o recorrente que o Tribunal deu como provados tais factos sem se apoiar em qualquer prova documental, nomeadamente registos informáticos que permitiriam confrontar a versão, parcial e intencional das testemunhas em causa com os dados existentes na ARS.
Ora, com o devido respeito, a alegada insuficiência de meios de prova para formar a convicção do Tribunal, não constitui a “prova concreta” que impõe uma decisão diversa.
De igual forma, aponta o recorrente que as marcações de consulta podiam ser feitas pelas Administrativas, pelos utentes e pelos médicos e assenta essa sua convicção nos depoimentos das testemunhas, E…, F…, G…, H…, I…, J…, transcrevendo os seus depoimentos na motivação.
Percorrendo os depoimentos prestados pelas indicadas testemunhas, retira-se com clara facilidade que as consultas eram marcadas pelos médicos, podendo, contudo, residualmente, serem marcadas pelos próprios utente, via internet ou pelas administrativas. Contudo constituíam as agendas dos médicos a base do êxito da marcação, pelo que as marcações eram essencialmente efectuadas pelos médicos.
Repare-se que a testemunha E… admite que era ele, enquanto médico que marcava as consultas, “consultas de rotina, eu, eu sou eu que a marco no meu computador, as consultas dos doentes crónicos, …” a testemunha G… também referiu que são os médicos que por vezes marcam consulta, “ Mas, às vezes, os médicos também marcam consultas”, referindo ainda que o Dr. C… não queria que as secretárias marcassem consulta de tarde, mas a agenda dele estava sempre com marcações para o horário da tarde, sendo impressivo o seguinte trecho do depoimento:
Advogado: Pronto. Olhe, a senhora sabia o horário do doutor C…, sabia se ele prestava serviço noutro lado, se tinha o horário reduzido?
G…: Isso soube, do horário reduzido era as colegas que me diziam, que ele de tarde não dava consultas.
Advogado: Mas a senhora sabia que ele tinha um horário diferente dos outros médicos, ou não, ele não dava menos horas lá no centro de saúde?
G…: Dizia que ele fazia… como é que se chama? Em …, ou em …, mas eu não estava muito dentro do assunto porque ninguém me contava essas coisas.
Advogado: E o doutor C… dizia que não tinha horário de tarde, era isso que ele dizia?
G…: Sim, uma vez “Quem é que marca consultas” chegou uma vez “de tarde, que sabem que eu nunca venho de tarde?”.
Advogado: E a senhora há bocado disse “O meu horário não é de tarde”…
G…: Sim, e estava lá.
Advogado: … que ele disse isso, que o horário não é…?
G….: Estava na agenda.
Advogado: Olhe, e se apareciam lá utentes marcados para de tarde, a senhora diz que se ligava para lá, para os de tarde, e eles que não tinham consulta?
G…: Alguns, sim.
Advogado: Então quer dizer, o doutor C… não vinha de tarde e marcava consultas para de tarde, era?
G…: Estava, a agenda estava preenchida.
Advogado: Pronto. Mas quem é que pode preencher a agenda?
G…: Pode ser os médicos…
De igual forma, a testemunha I… referiu no seu depoimento que: “Eu comecei a ter a noção que a agenda médica do Dr. C… não correspondia exactamente ás pessoas que ele atendia. Tinha uma agenda cheia, atende três ou quatro doentes e sai a meio da manhã, não é. Comecei a ver que havia pessoas que estavam agendadas mas nem tinham conhecimento sequer da consulta”, o que também não permite retirar conclusão diferente daquela que o Tribunal retirou ao dar como assente o facto 32º
Ora, os depoimentos das testemunhas apontadas pelo recorrente como constituindo prova concreta que impunha uma decisão diversa, quanto ao ponto 32º dos factos assentes, não revelam tal capacidade, pelo que, não se alterará tal facto, sendo ainda de referir que a data Abril de 2011 que consta fixada reporta-se à data da entrevista da assistente ao jornal local, sendo a factualidade em causa reportada a até essa data.
Quanto ao facto fixado sob o número 33º alega o recorrente que o Tribunal deu credibilidade aos depoimentos das testemunhas L…, M… e N… sem cuidar que as mesmas estavam de relações cortadas com o assistente e que desconsiderou o depoimento do assistente, e da arguida.
Ora, com o devido respeito, tais considerações não assentam em qualquer prova concreta que imponha decisão diversa, sendo considerações de manifesto desacordo com a livre apreciação efectuada pelo Tribunal quanto aos depoimentos, e, se os mesmos se afiguram falsos, haverá o recorrente que fazer prova disso mesmo em sede própria, razão pela qual se mantém a factualidade assente.

Quanto ao ponto 34º da factualidade assente, alega o recorrente que deve ser aditada mais matéria factual que o assistente atendia no USCP W… alguns jovens futebolistas, fazendo-os inscrever como utentes e que sendo médico do X… o fazia sempre a título gratuito e que tal derivava do seu entendimento que todos os cidadãos tinham, direito à saúde e ao acesso aos exames necessários e aconselháveis à prevenção e tratamento de doenças.
Transcreve de seguida os depoimentos donde, em sua opinião, se retira tal factualidade.
Ora, com o devido respeito, tal matéria nova em nada abala o facto assente.
As convicções do assistente sobre os cuidados de saúde preventivos e a necessidade de serem suportados pelo Orçamento Geral do estado em termos de princípio afiguram-se ajustadas ao modelo político do Estado, conformado pelo Constituição da República, contudo a assistência médica que decidiu, acreditamos que voluntariamente e a título gratuito, prestar a um Clube de Futebol Local não pode ser alargada ao erário público, sendo evidente que os jovens locais praticantes de atletismo, hóquei em patins, natação, etc. etc., teriam os mesmos direitos e no extremo, todos os jovens do país, praticantes de modalidades desportivas, sendo sempre tais cuidados de saúde objecto de políticas próprias e não, como é evidente, dependentes de interpretações de políticas sociais individuais, como parece pretender agora o assistente revelar.
Importa ainda referir, a propósito da referência que o recorrente faz ao vertido pela Sra. Inspectora do IGAS, a fls. 785 dos autos, sobre a inexistência à data de Julho de 2013 qualquer entendimento ou orientação superior sobre a matéria em causa, o que revela que a conduta do assistente não era proibida, que em nada afecta a factualidade provada.
Na verdade, como é evidente, a inexistência de entendimento ou orientação assenta na manifesta clareza do exercício de funções de cariz privado e de cariz público, sendo certo que os doentes que optam pela assistência privada assumem as despesas dai decorrentes, não podendo a contratação pública do seu médico (privado) assistente revestir vantagens adicionais para aquele ou para o doente, consistentes na faculdade de serem servidos a titulo gratuito em sede de exames ou outros meios complementares de diagnóstico, o que deveria estar interiorizado pelo assistente, e provavelmente por outros profissionais do sector, e não está.
Quanto aos pontos 35 a 38 da factualidade assente, alega o recorrente que deveria ser dado como assente mais um facto, resultante do depoimento do testemunho de Z…, sendo acrescido à factualidade que: “A arguida só tomou conhecimento deste episódio em meados de Maio de 2011”
Não é possível retirar tal extrapolação do depoimento da testemunha.
Limita-se a dizer, na parte que interessa, que recebeu um telefonema da Dra. B… em Maio de 2013.
A data em que a Dra. B… teve conhecimento podia ter sido em Maio, como o podia ter sido em Fevereiro, Março ou Abril, o que se sabe é que foi em Maio que telefonou. Nada mais.
Assim e também nesta parte não se alterará a matéria de facto.
Quanto aos pontos 39 e 40 da sentença alega o recorrente que o Tribunal assentou a sua convicção nos documentos de fls. 1724 e 1725, sendo certo que dos mesmos não consta qualquer carimbo de entrada na direcção da AC…, nem resulta dos mesmos que tenham sido enviados por telefax e email.
Ora, também aqui, e sempre com o devido respeito, a pretensão do recorrente não pode proceder.
A autenticidade dos documentos, não tendo sido posta em causa, - repare-se que não estamos a conhecer recurso sobre incidente de falsidade recusado – haverá de ser admitida, e a sua apreciação e credibilidade recai assim unicamente no âmbito da livre apreciação do juiz, sendo os depoimentos que transcreve na motivação, a este propósito, matéria ponderada pelo Tribunal e como tal não se revela prova concreta que imponha decisão diversa, razão pela qual se manterá a factualidade assente.
Veio ainda o assistente, insurgir-se quanto à matéria de facto dada como não provada entendendo que houve aqui falta de exame crítico da prova, bem como se insurge pelo facto de o Tribunal não ter dado relevo a factos constantes da contestação e resultantes da audiência.
Diferentemente do que até aqui tinha acontecido, onde o recorrente impugnava a matéria de facto ao abrigo do disposto no artigo 412º do CPP, parece que agora, a sua discordância se apoia na ausência de exame critico da prova, e na omissão de pronúncia, ou seja, um vício que afecta da decisão, nos termos do disposto no artigo 379º e 374º nº 2 do CPP.
Na verdade, pretende o recorrente que fique assente nos autos a verdadeira – segundo o mesmo- motivação da arguida e que, seria o facto de o assistente, conluiado com E…, pretender esvaziar a USF K1… e criar outra no seu lugar.
A apreciação desses vícios, passa, como é evidente, pela ponderação da fundamentação da motivação do Tribunal quanto à prova produzida.
Haverá o Tribunal que apreciar a prova e sobre a mesma construir uma linha cognitiva compreensível que justifique a sua opção factual, não só entre os factos provados, como os não provados, como também, os relevantes e não relevantes.
Tudo isso haverá que ser suportado pelo exame crítico da prova, sendo pautado sempre pelo princípio da livre apreciação e as regras da experiência comum, tendo como limites o princípio do in dubio pro reo.
Ora, analisando a fundamentação da motivação, acima já transcrita neste acórdão, surge claro o processo cognitivo seguido pelo Tribunal, havendo apreciação crítica da prova, nomeadamente quando afirma o tribunal as razões pelas quais deu e não deu credibilidade aos depoimentos.
A inexistência de prova quanto aos factos assentes como não provados resulta expressa sem qualquer tipo de censura que lhe possa ser assacada, explicando o Tribunal a razão pela qual não seu como provado a existência de interesses próprios da arguida “por motivos relacionados com a criação de duas Unidade de Saúde Familiar concorrentes”
Pelo que, não se afigura qualquer ausência de apreciação crítica da prova e, consequentemente qualquer nulidade dai decorrente.
Por ultimo, e quanto a factos relevantes não considerados pelo Tribunal, também não se afiguram terem sido preteridos, sendo igualmente clara a motivação factual nessa parte, que se transcreve: “As demais circunstâncias relatadas e considerações efectuadas, nas acusações pública e particulares, contestação e pedidos de indemnização civil não foram tidas em conta (e por isso não constam da fundamentação de facto) por conterem meros juízos conclusivos ou matéria de direito ou por não terem qualquer relevância para a decisão da causa (sendo certo que a lei apenas exige que devam constar da sentença os factos com relevo para a decisão da causa e só estes, devendo proceder-se se necessário ao aparo do que porventura em contrário e com carácter supérfluo provenha das referidas peças processuais de que aquela não é nem pode ser mera serventuária, (o que no caso ocorre relativamente a todos os factos contidos na contestação alheios ao objecto do processo contido nas acusações e à pretendida prova liberatória) – cfr: a este propósito Ac. do STJ de 2 de Junho de 2005, proc. 05P1441, dgsi).”
Não sendo assim objecto de censura deste Tribunal face à apontada omissão de selecção factual relevante

C) O preenchimento da tipicidade objectiva e subjectiva do crime de difamação.
Veio o recorrente recorrer quanto à matéria de direito defendendo que as afirmações da Arguida são objectivamente ofensivas da honra e do bom nome do Assistente, formulando esta juízos de valor e suspeições (por exemplo, quando fala em negócios ilícitos, esquema e que apresentou uma queixa-crime contra três colegas por envolvimento em negócios ilícitos) que, claramente, são ofensivos para o Assistente e que sendo a Arguida licenciada em Medicina, instruída, madura, claro fica que as expressões, afirmações e juízos por si usados foram intencionais, com o intuito de atingir a honra e a dignidade do Assistente, como atingiria a de qualquer um que estivesse no seu lugar.
Assim e para o recorrente não podem existir dúvidas que a Arguida sabia que as afirmações eram susceptíveis de ofender o bom nome, a honra e a dignidade do Assistente e que esta actuou livre, voluntária e conscientemente (decidiu dar as entrevistas), tendo agido com dolo.
Por outro lado ainda que a Arguida prosseguisse um interesse legítimo (o de denunciar publicamente actos que considerava ilícitos, fazendo uso da sua liberdade de expressão) sempre o meio utilizado (entrevistas aos órgãos de comunicação social escrita e televisionada) e por si escolhido, viola o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, consagrado no Artigo 18º da C.R.P., e aplicável, como vimos supra, aos casos de colisão de direitos fundamentais.
Vejamos então, começando por atentar na fundamentação de direito do Tribunal recorrido:

I – Do crime de difamação p. e p. pelo art. 180º, nº1, 182º, 183º, nº2 e 184º do Código Penal:
Dispõe o art.º 180º/1 do Código Penal que “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias”.
Por outro lado, dispõe o art. 183º, nº1, al. a) do mesmo diploma legal que “ Se a ofensa for praticada através de meios ou circunstâncias que facilitem a sua divulgação as penas (…) são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo”. E o nº 2 “Se o crime for cometido através da comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até dois anos, ou com pena de multa não inferior a 120 dias”.
O art. 184º, também do C. Penal preceitua que são elevadas a metade nos seus limites mínimos e máximo se a vitima for uma das pessoas referidas na al. l) do art. 132º, nº2, no exercício das funções, ou por causa delas.
A honra é assim o bem jurídico protegido, enquanto exigência ao respeito por parte dos outros que decorre da dignidade humana, com consagração constitucional no art. 26º, nº1 da Constituição da Republica Portuguesa e tutela Penal nos arts. 180º a 189º do C. Penal.
Para resultar assente a prática do mencionado crime, é necessário que a factualidade provada preencha os elementos típicos objectivos e subjectivos.
O tipo em causa exige assim como elementos objectivos:
A imputação de facto (visto como dado real da experiência) a formulação de um juízo (percebido como a valoração de um dado ou ideia), ou a reprodução daquela imputação ou juízo (imputação que pode ser directa ou insinuada, ou seja, dirigida sob a forma de suspeita)
- que agente o faça dirigindo-se a terceiros;
- que os factos ou juízos sejam ofensivos da honra ou consideração do ofendido.

Acresce, como decorre do art. 182º do C. Penal que difamação verbal é equiparada a feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão”.
No tipo base deste ilícito criminal tutela-se a honra, abarcando tanto o valor pessoal ou interior que cada pessoa tem por si, como a reputação ou consideração que a comunidade tem por essa mesma pessoa, mas enquanto na difamação essa imputação é dirigida a terceiros. Por sua vez, a acção típica base destes crimes consistirá na divulgação ou imputação de factos (acontecimentos da realidade), incluindo a suspeição, ou então de considerações (palavras ou expressões) que suscitem juízos de valor ofensivos daquela honra ou consideração, tanto na sua dimensão pessoal, como social. Porém, não é necessário que as expressões injuriosas atinjam efectivamente a honra e consideração da pessoa visada, produzindo um dano de resultado, bastando que tais expressões sejam idóneas e susceptíveis de ofender (Ac. STJ de 2009/Jun./30, CJ (S) II/242). A tutela da honra faz-se, assim, pela previsão do risco que basta à consumação. A lei refere “ofensivos”, ou seja basta que o facto tenha o poder de produzir a ofensa, não exigindo que os factos tenham, na realidade, ofendido.
Após estas breves considerações urge debruçarmo-nos sobre cada uma das condutas objecto destes autos e exclusivamente atinentes aos assistentes C… e Clínica Dr. C…”
No que respeita às afirmações no passado faziam-se TAC's como quem bebia copos de água. Apesar de um TAC ter radiações e fazer muito mal, quando cheguei a … assinava cinco, seis TAC's por semana. Isso tinha muitos custos sobretudo para a saúde. Também cortei nebulizadores, porque não estão dentro das boas práticas clínicas. Cheguei a ir a casas de utentes em que os nebulizadores eram ninhos de mosquitos e foi isso que o Dr. C… sustentou durante anos. (...). Analisadas sob o ponto de vista objectivo e nos termos expostos poderão ser aquelas subsumíveis à tipicidade em apreço?
A resposta, diga-se desde já, tem de ter-se por negativa.
Na verdade tudo o que foi por aquela referido se situa no âmbito de um direito de critica, enquanto manifestação do direito de opinião traduzido na apreciação e comportamento do visado enquanto anterior coordenador de facto do Centro de Saúde e devidamente contextualizado.
Tal como resulta da factualidade provada a arguida foi entrevistada no âmbito de reportagem escrita e programa televisivo que visava os referidos serviços de Saúde dos quais tinha sido coordenadora até há poucos meses. A arguida não afirmou a tal propósito, nem sugeriu o que quer que fosse que pudesse pôr em causa as qualidades morais e consideração devida ao assistente, limitou-se a atacar a sua actuação profissional realizando uma apreciação negativa devidamente contextualizada.
O carácter “público” das funções exercidas pelo assistente enquanto director e médico de um serviço de saúde está sujeito ao escrutínio e julgamento públicos que deve e tem de aceitar. A liberdade de expressão não cobre apenas a razão pública ou a razão comunicativa, mas também a emoção pública e a emoção comunicativa – JONATAS MACHADO, Liberdade de expressão, 2002, pág. 418. É próprio da vida social a ocorrência de algum grau de conflitualidade entre os membros da comunidade. Fazem parte da sua estrutura ontológica as desavenças, diferentes opiniões, choques de interesses incompatíveis que causam grandes animosidades – Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 07/12/2005.
O direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função. Pelo que não há que considerar típicas sem mais, para efeitos das incriminações que tutelam o bem jurídico honra, todas e quaisquer expressões, imputações e juízos de valor que impliquem uma imagem negativa da pessoa que por eles é visada, por mais grave que essa imagem possa, a priori, afigurar-se – Cfr. Ac. da Relação do Porto de 12.06.2002, 05.11.2008 e 8.05.2013, dgsi, que se seguem de perto.
Uma das manifestações da liberdade de expressão é precisamente o direito que cada pessoa tem de divulgar a opinião e de exercer o direito de crítica, enquanto direito de participação activa na vida em sociedade –ac. da relação do Porto de 25.02-2009, dgsi.
Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal (1996), 81, ancorado na doutrina alemã e em algumas decisões do Tribunal Constitucional Federal alemão, defende que se devem considerar atípicos os juízos de apreciação e de valoração crítica vertidos sobre realizações científicas, académicas, artísticas, profissionais, etc., ou sobre prestações conseguidas nos domínios do desporto e do espectáculo, quando não se ultrapassa o âmbito da crítica objectiva, isto é, enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, às realizações ou prestações em si. Mais entende que a atipicidade da crítica objectiva pode e deve estender-se a outras áreas, aqui se incluindo as instâncias públicas, com destaque para os actos da administração pública, as sentenças e despachos dos juízes, as promoções do Ministério Público, as decisões e o desempenho político de órgãos de soberania como o Governo e o Parlamento. Por outro lado, entende que a atipicidade da crítica objectiva não depende do acerto, da adequação material ou da “verdade” das apreciações subscritas, as quais persistirão como actos atípicos seja qual for o seu bem-fundado ou justeza material, para além de que o correlativo direito de crítica, com este sentido e alcance, não conhece limites quanto ao teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas, isto é, não exige do crítico, para tornar claro o seu ponto de vista, o meio menos gravoso, nem o cumprimento das exigências da proporcionalidade e da necessidade objectiva. E defende mesmo que se devem considerar atípicos os juízos que, como reflexo necessário da crítica objectiva, acabam por atingir a honra do visado, desde que a valoração crítica seja adequada aos pertinentes dados de facto.
Não poderíamos estar mais de acordo.
A crítica contida nas referidas afirmações proferidas pela arguida, reitera-se, e assim sustentada é legítima, tem estreita conexão com as funções anteriormente exercidas pelo assistente naquela unidade de saúde, e assim em conformidade com o exposto, atípica.

Impõe-se agora analisar as restantes expressões atinentes aos assistentes (com exclusão das demais contidas na fundamentação de facto e constantes das acusações visando outrem e ali mantidos apenas para não desvirtuar o contexto das demais), a saber:
Em entrevista ao Jornalista do Jornal Regional “O…”, AJ…, publicada também no O… a arguida afirmou, para o que aqui interessa que "...Não consigo aceitar alguma relação menos clara entre medicina privada e centros de saúde da mesma localidade. E há médicos no Centro de Saúde W1… que trabalham em clínicas privadas". Perante essa afirmação o jornalista AJ… referiu "C… é o único médico do Centro de Saúde que tem uma clínica privada..." ao que a mesma respondeu “…Exactamente. Também sei que os utentes não eram atendidos no Centro de Saúde e depois iam à clínica privada do Dr. C… e tinham tudo o que queriam. Há utentes que me pedem para eu não deixar o Dr. C… tomar conta do Centro de Saúde…” (…).. No seguimento dessa entrevista, e perante a pergunta do Sr. Jornalista "Há muito tempo que sabia desta situação relacionada com C…? a arguida respondeu "É claro e é do conhecimento de toda a gente que durante anos o Dr. C… não atendia os utentes propositadamente no Centro de Saúde para os orientar para a clínica privada. O Dr. C… veio dizer a um funcionário que eu ia liquidar com a clínica, pois com os poucos médicos que tinha fiz questão de acabar com as filas de utentes que havia a partir das 3h00 da manhã.(...)"
No dia 04/05/2011 a arguida decidiu conceder uma entrevista à jornalista da Q…, S.A., AL…. Nessa entrevista, que ocorreu nesse mesmo dia, em local, nesta comarca de …, a arguida proferiu afirmações sobre médicos que prestavam serviço no Centro de Saúde W1…, entre os quais sobre o aqui assistente, e a supra referida jornalista elaborou uma peça jornalística na qual, enquanto são mostradas várias imagens, incluindo da própria arguida, do Centro de Saúde W1…, do Tribunal Judicial de … e da assistente “Clínica Dr. C…”, tendo sido então afirmado pela arguida à mencionada jornalista o seguinte “…Em causa estarão por exemplo desvios de utentes para clínicas de médicos que trabalhavam no Centro de Saúde e o caso de uma profissional que esteve de baixa mas que trabalhava em clínicas privadas. A denúncia parte desta médica que até Dezembro assumia o cargo de direcção no centro de saúde W1…, após ter apresentado a demissão entregou no Ministério Público uma queixa-crime contra três colegas por alegado envolvimento em negócios ilícitos. No esquema, agora revelado, estão implicados vários médicos, entre eles uma profissional em situação de baixa médica mas que alegadamente exercia funções em clínicas privadas. “Os colegas passavam-lhe o atestado porque também se calhar também confiavam nela que ela estava de baixa, quer dizer, e foi isso… Vieram depois a descobrir que afinal trabalhava no público…Provavelmente eles também descobriram tal como me informaram a mim, descobriram eles que ela que não estaria, aliás, o E… dizia …em público e isto eu posso dizer, dizia em público que temos de acabar com esta palhaçada com esta, com esta …como é que ele dizia…temos que acabar com esta balda”. Mas os supostos negócios ilícitos não ficam por aqui, segundo a ex-directora de Centro, durante vários anos os utentes foram orientados para uma clínica privada pertencente a um médico do Centro de Saúde sob a justificação de que o serviço estaria lotado. “Os doentes não são atendidos no Centro de Saúde para terem de ir à clínica dele, agora, veja uma coisa, repare, quando há falta de médicos as pessoas procuram …. A saúde é um bem muito querido, é um bem muito caro.” (…)”.

Atentas as afirmações proferidas e pela mesma admitidas, imputando ao assistente a prática de factos pelo menos, etica e disciplinarmente reprováveis, objectivamente consideradas, podem ser susceptíveis de se ter como difamatórias não perdendo de vista o conceito jurídico-penal de honra explanado, ponderado o contexto social, profissional e comunitário em que se insere o visado.

Porém, e para além das referidas afirmações, resultou também provado que o assistente em data não concretamente apurada, mas anterior a Abril de 2011, e por mais que uma vez, inscreveu na respectiva consulta da Unidade de Saúde W…, nomes de utentes que não compareciam e que contactados alegavam não ter sido convocados e bem assim a sua mulher; recusou, em meados de Janeiro de 2011, consulta domiciliária no âmbito dos cuidados de saúde primários que o mesmo integrava com funções de médico de medicina geral e familiar e realizou-a a título particular, mediante o pagamento pela filha da utente do valor de €60 (sessenta euros); levou a efeito, a prescrição e o atendimento na UCSP W… a clientes da sua própria Clínica “Clínica Dr. C…”, designadamente, do futebol. E ainda que, em data não concretamente apurada, mas em Fevereiro de 2011, Z…, residente e utente do Centro de Saúde AM…, na sequência de queixas resultantes de uma queda de mota no âmbito de uma competição dirigiu-se à “Clínica Dr. C…” onde foi atendido pelo assistente C… e pagou a respectiva consulta, altura em que este lhe prescreveu medicação de análises à urina e ao sangue e lhe entregou um papel para exibir no Centro de Saúde W1…, onde lhe iria passar os necessários P1 para a realização das referidas análises através do serviço nacional de saúde. No dia seguinte Z… dirigiu-se à Clínica Dr. C… onde efectuou colheita de sangue e entregou a colheita de urina contida em frasco previamente aí fornecido, após o que se dirigiu ao Centro de Saúde, entregou o papel fornecido pelo assistente na respectiva secretaria, foi aí inscrito, pagou taxa moderadora e foi logo encaminhado ao gabinete do assistente onde então este lhe passou os ditos P1.

Dispõe porém o art. 180º, alíneas a) e b) do nº2 do C. Penal que “a conduta não é punível quando a imputação for feita para realizar um interesse legítimo; e o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira”.
A noção de interesse legítimo envolve a prossecução de uma finalidade reconhecida pelo Direito como sendo digna de tutela, independentemente da sua natureza pública ou privada, ideal ou material. Além disso deve revelar-se necessária à salvaguarda desses interesses, designadamente, atinentes à determinação de manifestações concretas de ilicitude
A prova da verdade fica estabelecida se puder concluir-se que a imputação é substancialmente correcta, independentemente de pormenores sem significado ou de exageros irrelevantes. Fica apurada a verdade quando se chega à conclusão que o facto, objecto da afirmação, é exacto na sua tessitura essencial. A afirmação é falsa quando não são verdadeiros os seus pontos essenciais, mas não bastam para a tornar falsa os exageros de pouca monta ou as incorrecções acidentais ou secundárias – Cfr. M. Miguez Garcia, M. MIGUEZ GARCIA, O Direito Penal Passo a passo, Volume I, Almedina, p. 358 a 360.
Ora no caso em apreço e do confronto entre as afirmações proferidas e os factos resultantes da pertinente prova liberatória, impõe-se concluir que a arguida podia criticar nos termos supra expostos e nos moldes em que o fez, a actuação do assistente, como também tinha, pelo menos, razões para reputar em boa-fé como verdadeiras as afirmações assentes no que lhe foi transmitido por utentes e administrativos, sendo certo que a mistura entre o exercício das funções do assistente na sua clínica privada e o seu exercício na unidade de saúde pública, era manifesto, de que constitui claro exemplo a prescrição de análises clínicas a doente que consultou na privada, que até nem era da área de …, e o seu atendimento célere na Unidade de Saúde Pública, independentemente da alegada frequência de tal prática, ou até da sua aceitação geral, mas com evidentes custos para o serviço público, ainda mais numa zona, então, carenciada de serviços de saúde rápidos e eficazes, sem esquecer, que um serviço público lotado, impele naturalmente quem carece de consulta a deslocar-se ao privado e muito mais se este lhe facilita o acesso rápido a meios de diagnóstico gratuitos (e tenha a sobredita conduta ou não originalmente tal intuito, posto que a palavra, propositadamente, utilizada pela arguida em linguagem comum é o contrário de involuntário, como aliás se salienta elucidativamente, em situação de contornos aproximados, in ac. da Relação do Porto de 20.06.2012, dgsi).
Acresce que, não sendo permitido no âmbito da prova liberatória socorrer-se o autor das expressões de factos anteriores ou posteriores semelhantes ou equivalentes aos que constituem o núcleo da imputação, pode apoiar-se naquelas circunstâncias que conheceu posteriormente ou que resultaram de uma posterior clarificação da situação – ob cit, p. 360.
E se é certo que como tem sido entendido quase unanimemente pela doutrina e jurisprudência que a causa de justificação apenas opera na imputação de factos (acontecimentos, eventos, ou situações que pertencem ao passado ou ao presente e sejam susceptíveis de prova) e já não na formulação de juízos ofensivos (ainda que os contornos entre facto e juízo de valor sejam por vezes fluídos e na prática surjam dificuldades, nomeadamente, quanto à prova da verdade – cfr: ob cit p. 342 e ss) não é de excluir uma apreciação pelo julgador sobre a verdade dos factos que eventualmente se achem subjacentes à exteriorização daqueles juízos de valor, especialmente nos casos em que a par de juízos de valor se imputam factos que se achem em relação de causa e efeito com aqueles – Cfr. OLIVEIRA MENDES, O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, Almedina, Coimbra 1996, p. 63.
Por outro lado, considerado o referido âmbito da entrevista, sendo certo que a arguida tinha responsabilidades não só como médica daquela unidade de saúde, como sua ex-coordenadora e enquanto cidadã, de relatar o que ocorria no âmbito da actuação, designadamente, do assistente enquanto também ele médico naquela unidade e antigo coordenador, matéria essa de inequívoco interesse público, a sua divulgação nos termos e circunstâncias em que o foi revelou-se meio adequado e razoável, configurando a realização de um interesse legítimo.
Termos em que se conclui pela não punibilidade da conduta da arguida no que concerne a todos os crimes que lhe foram imputados.
Conforme resulta da apreciação jurídica operada pelo Tribunal recorrido, as questões ora levantadas pelo recorrente – com excepção da alteração da factualidade assente que não mereceu provimento, como vimos – foram abordadas pelo Tribunal e foram-no de molde a merecerem o nosso assentimento.
Na verdade, o assistente ora recorrente exercendo funções de cariz público, pago pelo erário público e com capacidade de no âmbito dessas funções requisitar serviços igualmente suportados financeiramente pelo Estado, bem como com capacidade de atender ou não atender doentes do SNS, situa-se numa posição de elevada susceptibilidade de ser alvo de escrutínio quanto – e unicamente – ao seu desempenho profissional ligado a essas mesmas funções públicas.
A observação critica objectiva sobre o desempenho dessas funções públicas, quando o que está em causa são os interesses dos utentes do SNS e a gestão dos dinheiros públicos, numa perspectiva de optimização dos gastos, é, como é evidente de interesse público, consistindo num interesse legítimo a sua divulgação, ainda que com recurso aos meios de comunicação social.
O âmbito de actuação da arguida limitou-se precisamente a essa faceta do comportamento do assistente, ou seja o seu desempenho profissional enquanto médico do SNS e os interesses que lhe competiam defender nesse seu desempenho, revelando o que se lhe configurava constituir conflito de interesses entre aquelas suas obrigações e o desempenho de medicina privada em simultâneo.
Não se trata, como amiúdas vezes pretende o recorrente demonstrar, constituir o seu desempenho no âmbito da medicina privada, enquanto cumulativo e simultâneo com o exercício das mesmas funções públicas uma conduta lícita, e como tal justificativo, até por consistir numa prática corrente entre os profissionais de medicina nas mesmas circunstâncias.
O centro de gravidade do núcleo das imputações dirigidas pela arguida ao assistente centra-se precisamente na violação pelo assistente, no desempenho da sua actividade profissional pública – reforça-se a ideia – dos seus deveres de bom gestor da coisa pública, e dos interesses dos utentes do SNS, sabendo, e não podendo ignorar, tal qual acontecerá com outros profissionais nas mesmas circunstâncias, que lhe cabe zelar pelos interesses públicos, o que no caso significaria respeito absoluto pelos doentes do SNS, e uma clara distinção, entre os seus doentes tratados no âmbito do seu exercício de medicina privada e os seus doentes tratados no âmbito do seu exercício da medicina pública no que se refere à prescrição de exames e outras necessidades de cuidados de saúde ou de tratamento.
As expressões utilizadas pela arguida sobre o comportamento do assistente visaram unicamente este aspecto da sua vida.
Como bem refere a sentença, e nos inibe de repetir, a lição do Professor Costa Andrade, in “Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal”, doutrina que seguimos e perfilhamos e que se ajusta ao caso em apreço, é clara quando defende que é atípica a critica objectiva no âmbito do desempenho profissional, o que sucedeu face ao teor das afirmações da arguida sobre o assistente.
Pretendeu, e quis a arguida divulgar este aspecto da vida do assistente e para tanto socorreu-se da comunicação social.
Tal conduta a que recorrente dá uma enfase culposa desmedida e censurável não tiveram para o Tribunal tal intensidade, e bem quanto a este Tribunal de Recurso, sendo justificável que assim tivesse acontecido, até porque, e como resulta dos autos, já a matéria era do domínio público mediante os cartazes que aparecerem apostos na zona e que determinou o interesse jornalístico.
A proporcionalidade sobre o interesse legítimo e os interesses de defesa do bom nome e honra do assistente que segundo o mesmo estaria afectado pelo recurso à comunicação social, também, e pelas razões expostas não se verifica, sendo exigível e de interesse legítimo a divulgação de condutas que possam afectar os interesses públicos cuja defesa cabe ao visado, por força do exercício das suas funções.
Dúvidas não temos, que no âmbito da “exceptio veritatis”, facultada por lei à arguida, obteve esta a prova da verdade das suas afirmações, não lhe sendo exigível uma verdade pormenorizada, ponto por ponto, mas uma verdade assente num conjunto de circunstâncias, vividas ou sabidas por fonte que se repute fidedigna e que permita acalentar a boa fé do agente sobre essas mesmas circunstâncias, e que levaram o Tribunal, e bem, a excluir a punibilidade com a consequente absolvição da arguida.
Temos assim como acertada a apreciação jurídica do Tribunal recorrido, apreciação essa que determinou a absolvição da arguida, decisão essa que se manterá em sede de recurso.

3 Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-.se nos seus precisos termos a decisão recorrida.

Custas pelo assistente, fixando-se a taxa de justiça em 4 uc’s.

Notifique

Porto, 9 de Novembro de 2016
Raul Esteves
Élia São Pedro