Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
297/11.0JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MELO LIMA
Descritores: ATOS SEXUAIS COM ADOLESCENTES
MEDIDA DA PENA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: RP20121017297/11.0JAPRT.P1
Data do Acordão: 10/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I - Nem o princípio de formulação positiva da igualdade, nem o princípio de formulação negativa de proibição da discriminação impossibilitam diferenciações de tratamento tendentes a corrigir desigualdades de facto desde que "essas diferenças sejam objetivas e razoáveis e que prossigam um fim legítimo, ou seja, que exista uma justificação objetiva, razoável e proporcional entre o meio utilizado e os fins visados.
II – O facto de a idade núbil, pelos costumes da etnia cigana, ser mais baixa que a prevista na lei civil não interfere com a previsão da lei penal ao punir quem logre obter relacionamento sexual com menor de 14 anos explorando e/ou aproveitando a sua inexperiência e a sua debilidade intelectual [art. 173.º do CP].
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO Nº 297/11.0JAPRT
RELATOR: MELO LIMA
Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

1. Pelo 1º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca da Maia, respondeu em Processo Comum com intervenção de Tribunal Colectivo, o arguido B…., acusado da prática, em autoria material e concurso efectivo, de:
● Um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 1, do C. Penal;
● Dois crimes de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art.º 173.º, n.º 2, do C. Penal.

2. A final, na parcial procedência da pronúncia, o Tribunal decidiu:
2.1 Absolver o arguido da prática do crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 1, do C. Penal;
2.2 Condenar o arguido:
2.2.1 Como autor material de um crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art.º 173.º, n.º 2, do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
2.2.2 Como autor material de um crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art.º 173.º, n.º 2, do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
2.2.3 Em cúmulo, na pena única de 3 (três) anos de prisão, efectiva.

3. Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido B…., cuja motivação rematou com as seguintes conclusões:
3.1 Vem o presente recurso interposto do douto acórdão de fls. 122 e ss., proferido nos autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo que condenou o arguido, B…., em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos de prisão efectiva, pela prática em autoria material de dois crimes de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art° 173° n°2 do Código Penal.
3.2 Entende o arguido, ora Recorrente, que face à factualidade dada como provada em juízo e ao Direito aplicável, a pena aplicada “in casu” revela-se manifestamente excessiva, conforme se passa a expor:
3.3 Dos factos dados como provados e no que concerne os tidos como importantes para a fixação da medida da pena, importa salientar os seguintes:
3.3.1 “C…. nasceu a 4 de Fevereiro de 1997, na freguesia de …., concelho de Guimarães;
3.3.2 Em Fevereiro de 2011, após ter saído do estabelecimento prisional onde esteve a cumprir uma pena de prisão efectiva, o arguido B…. decidiu procurar a C…..
3.3.3 Entre os dias 11 e 18 de Fevereiro, o arguido contactou, por diversas vezes, com a menor C…., na altura com 14 anos de idade, onde lhe referiu que gostava dela e que queria casar com ela.
3.3.4 A menor C….. era virgem e não tinha até essa data mantido qualquer contacto sexual com nenhum homem.
3.3.5 A menor C…. sempre viveu com a sua avó.
3.3.6 A menor C…. tem uma debilidade mental de grau moderado (WISC III, Ql global= 51), estando, por força dela, mais vulnerável ao comportamento de sedução do arguido e dos seus apelos para actos sexuais e limitada na sua capacidade de se autodeterminar sexualmente.
3.3.7 O arguido, conhecedor da idade da menor, da sua inexperiência e da sua maior vulnerabilidade, decidiu aproveitar-se disso para a convencer a ter relações sexuais consigo.
3.3.8 O arguido é oriundo de um núcleo familiar de etnia cigana, com onze descendentes, de parcos recursos socioeconómicos.
3.3.9 O processo de socialização do arguido, foi também, marcado por um trajecto escolar limitado ao ano do 1° ciclo do ensino básico, por precocidade da sua união conjugal (de acordo com as regras da etina cigana) aos quinze anos de idade, dissolvida mais tarde e substituída por outro relacionamento amoroso, pelo envolvimento no consumo abusivo de psicotrópicos e pelo cumprimento de pena de prisão aos dezassete anos.
3.4 O Tribunal “a quo” deu ainda como provados os demais factos constantes de fls. 123 a 126, referentes ao arguido, que não se transcrevem por questões de economia processual e por não relevarem para a presente motivação.
3.5 O Tribunal “a quo” fundamentou-se, na apreciação dos factos nas declarações do arguido, no depoimento da menor C…. e no depoimento da sua avó, D….. e demais elementos de prova, referidos a fls. 129 do acórdão.
3.6 Ainda que no acórdão de que ora se recorre, referir o Tribunal “a quo” ter em consideração o estatuído no n° 2 do art° 71° do Código Penal, nomeadamente: “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente, ou contra ele, considerando (…)“,- sublinhado nosso- no caso em apreço e salvo melhor opinião, não considerou minimamente as circunstâncias do caso em concreto, que para a determinação da medida da pena, poderiam depor a favor do arguido, nomeadamente:
3.7 Em primeiro lugar, não pode de forma alguma ser pura e simplesmente “esquecida” a circunstância de, arguido e ofendida, pertencerem à etnia cigana.
3.8 Efectivamente e não querendo de forma alguma, com tal consideração, “fazer tábua rasa” do princípio da igualdade consagrado na Constituição da República Portuguesa, certo é que existem alguns chamados “regimes de excepção”, que analogicamente e no caso em concreto não podem deixar de ser chamados à colação.
3.9 É do conhecimento geral que na etnia cigana, as pessoas casam muito cedo. Veja-se inclusive o caso do arguido, conforme referido na matéria de facto dada como provada — (...) precocidade da sua união coniugal (de acordo com as regras da etina cigana) aos quinze anos de idade (...) ponto 22. da matéria de facto provada.
3.10 Não obstante o facto de o arguido ser conhecedor da idade da menor C….., para ele tal facto não foi, nem é, minimamente relevante, já que para os elementos da comunidade dele (etnia cigana), a partir do momento em que uma mulher possa ter filhos, já está em idade de casar. O que acontece frequentemente.
3.11 Além disso, deveria também o tribunal “a quo” ter em atenção o disposto no art° 72° n°5 1 e 2, alínea b) do Código Penal, nomeadamente: “O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime (…), que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. 2 Para efeitos do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes: (…) b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa merecida.”— sublinhado nosso.
3.12 O Tribunal “a quo”, apesar de considerar como meio de prova os exames periciais a telemóveis e o auto de visionamento de fis. 241 a 247, não teve minimamente em consideração o facto de no dia 22 de Fevereiro de 2011, existirem várias insistências por parte da menor C….. a solicitar o contacto com o arguido.
3.13 Caso para pensar: Se ela não tivesse solicitado o contacto com o arguido, poderia o segundo crime ter existido? Não podemos ignorar, nem deixar de considerar que o segundo crime existiu. Mas não terá sido a conduta do arguido determinada pela tentação da própria vítima?
3.14 Acresce ao exposto que no decurso do inquérito, esteve proposta pelo Ministério Público e aceite pelo arguido, a suspensão provisória do processo, sujeita a determinadas regras de injunção, sendo certo que o arguido não cumpriu a regra de se apresentar às entrevistas determinadas pela equipa de reinserção social, cumprindo na íntegra a outra imposição que foi a de não mais se aproximar da menor C…..
3.15 Veio também, pouco tempo após a detenção do arguido para prestar declarações no âmbito dos presentes autos, a avó da menor, apresentar desistência de queixa (fls. 109), que o Ministério Público não aceitou.
3.16 Refira-se ainda e finalmente a este propósito que do relatório médico-legal de fls. 206 e 207, efectuado na pessoa da menor, C…., menciona que a menor “... (continua a não se sentir ofendida, a não referir medo do arguido e a não querer nenhum castigo para o mesmo).
(...) A suspensão provisória seria vantajosa por forma a reduzir a exposição da menor à comunidade, onde a iniciação nestas idades e mesmo a gravidez são aceites e a mesma terá dificuldade em ser aceite junto de futuros companheiros. Não se revela emocionalmente afectada pelos factos relatados.” — sublinhado e negrito nosso.
3.17 Assim sendo e tendo em conta tudo quanto supra se refere e aqui chegado, vejamos então porque entende o arguido que a pena que lhe foi aplicada em concreto é manifestamente exagerada.
3.18 Tendo em atenção os fundamentos para tal aduzidos no acórdão de que ora se recorre, nomeadamente que a fixação da medida concreta da pena, terá que ser efectuada nos termos equacionados no n° 1 do art° 71° do Código Penal, ou seja, em função da culpa do agente, que constitui limite inultrapassável. Será que assim foi? Parece que não.
3.19 Vejamos o que nos refere o douto acórdão a este respeito, nomeadamente as circunstâncias relevantes a que atendeu no caso em concreto, para a fixação da medida da pena.
3.20 Começando pelo grau de ilicitude do facto típico, entendeu o tribunal “a quo”, que ela se situa num grau acima do médio, considerando designadamente, os actos sexuais em causa e a idade da menor.
3.21 Não obstante considerarmos que objectivamente, existe ilicitude na acção do arguido, não podemos concordar com o facto de o tribunal entender que ela se situa num grau acima do médio, considerando os actos sexuais em causa e a idade da menor, já que conforme supra se menciona e inclusive consta do relatório médico-legal de fls. 206 e 207, a menor “... (continua a não se sentir ofendida, a não referir medo do arguido e a não querer nenhum castigo para o mesmo). (...) A suspensão provisória seria vantajosa por forma a reduzir a exposição da menor à comunidade, onde a iniciação nestas idades e mesmo a gravidez são aceites e a mesma terá dificuldade em ser aceite junto de futuros companheiros. Não se revela emocionalmente afectada pelos factos relatados.” — sublinhado nosso.
3.22 Quanto à intensidade do dolo, no caso em concreto e atendendo às especiais circunstâncias do presente caso, entendemos que o arguido não agiu com qualquer tipo de dolo, mas apenas e tão só, agiu com negligência, uma vez que atentos os costumes da comunidade onde sempre viveu, em consciência não tinha a percepção de estar a cometer um crime, devendo aplicar-se ao caso em apreço o disposto na alínea b) do art° 15° do Código Penal. Refira-se a este propósito que o arguido “casou” aos 15 anos de idade.
3.23 Assim sendo e tendo em conta a moldura penal abstracta aplicável aos crimes de que o arguido foi acusado e condenado, a qual é de pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, bem como todas as circunstâncias supra descritas a ter em conta a favor do arguido, assim como as que constam do acórdão de que ora se recorre, em desfavor do arguido, nomeadamente os antecedentes criminais do mesmo, sendo certo que como muito bem se refere no acórdão do tribunal “a quo”, o arguido nunca foi condenado por crimes de idêntica natureza aos que ora estão em causa.
3.24 Ponderando todas as referidas circunstâncias, entende o arguido como adequada e suficiente para as finalidades da punição, a aplicação de uma pena de prisão de um ano para cada um dos crimes, sendo certo que relativamente ao segundo crime, deverá ter-se em conta o disposto no n° 1 e alínea b) do n° 2 do art° 72° do Código Penal, e em cúmulo jurídico aplicar uma pena de prisão ao arguido que não ultrapasse os 18 meses de prisão, devendo tal pena de prisão ser substituída por trabalho a favor da comunidade, ainda que eventualmente sujeita a regras de injunção, nomeadamente, acompanhamento educacional pelo Instituto de Reinserção Social.
3.25 Atento tudo o acima exposto, entende o arguido que o Tribunal “a quo” no seu douto acórdão violou manifestamente, entre outros, o disposto no art° 71°, n° 1 e alínea b) do n° 2 do art° 72°, art° 15° alínea b), todos do Código Penal.

4 Respondeu o Exmo. Procurador da República, junto do Tribunal recorrido, dizendo em síntese,
4.1 A pena única aplicada ao arguido B…., três anos de prisão, é adequada proporcional e não padece de qualquer excesso.
4.2 Não há qualquer circunstância que justifique a atenuação da pena, “maxime” a atenuação especial por nada se ter provado nesse sentido, designadamente, que os factos delituosos tenham sudo cometidos devido a forte tentação da ofendida C…..
4.3 Não foram violadas quaisquer normas legais pela decisão recorrida, designadamente os artigos 71.º, 72, n.º 2 b) e 15.º b)do Código Penal.
5 Com igual sentido de improcedência pronunciou-se, neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto .
6 Foi observada a notificação a que alude o Artigo 417º/2 do CPP.
7 Colhidos os Vistos, realizada a Conferência, cumpre conhecer e decidir.

II Fundamentação de facto

1 É a seguinte a factualidade dada por provada no Tribunal recorrido:
1.1 C…. nasceu a 4 de Fevereiro de 1997, na freguesia de …., concelho de Guimarães.
1.2 O arguido viveu em união de facto com a tia da menor, E…., residindo numa barraca do acampamento cigano, sito na Rua …., …., Maia.
1.3 Em Fevereiro de 2011, após ter saído do estabelecimento prisional onde esteve a cumprir uma pena de prisão efectiva, o arguido B…. decidiu procurar a C…..
1.4 Entre os dias 11 e 18 de Fevereiro, o arguido contactou, por várias vezes, com a menor C…., na altura com 14 anos de idade, onde lhe referiu que gostava dela e que queria casar com ela.
1.5 A menor C…. era virgem e não tinha até essa data mantido qualquer contacto sexual com nenhum homem.
1.6 A menor C…. sempre viveu com a sua avó.
1.7 A menor C…. tem uma debilidade mental de grau moderado (WISC III, QI global =51), estando, por força dela, mais vulnerável ao comportamento de sedução do arguido e aos seus apelos para actos sexuais e limitada na sua capacidade de se auto-determinar sexualmente.
1.8 O arguido, conhecedor da idade da menor, da sua inexperiência e da sua maior vulnerabilidade, decidiu aproveitar-se disso para a convencer a ter relações sexuais consigo.
1.9 No dia 18 de Fevereiro de 2011, pelas 20:00 horas, na Travessa da …., Ermesinde, o arguido encontrou-se com C…., nessa data com 14 anos de idade, e dirigiram-se ambos para uma zona escura.
1.10 Nesse local, o arguido e a menor C…. despiram-se da cintura para baixo, após o que o arguido introduziu o seu pénis erecto na vagina da menor, por várias vezes, colocou as mãos nos seios e nádegas daquela e deu-lhe beijos na boca.
1.11 O arguido não usou preservativo.
1.12 O arguido agiu da forma descrita, de forma livre, deliberada e consciente, ciente da idade da menor, da sua inexperiência e especial vulnerabilidade e querendo aproveitar-se disso, com a intenção que, concretizou, de satisfazer os seus instintos lascivos e libidinosos.
1.13 No dia 22 de Fevereiro de 2011, pelas 23:30 horas, o arguido encontrou-se com a menor C…., junto do acampamento onde esta vivia, e deslocaram-se para a Rua …., …., Maia, para uma zona junto a um Apeadeiro existente próximo da linha férrea.
1.14 Nesse local, o arguido e a menor C…. despiram-se da cintura para baixo, após o que o arguido introduziu o seu pénis erecto na vagina da menor, por várias vezes.
1.15 Após o decurso de algum tempo, o arguido voltou a introduzir o seu pénis erecto na vagina da menor, por várias vezes.
1.16 O arguido não usou preservativo.
1.17 O arguido agiu da forma descrita, de forma livre, deliberada e consciente, ciente da idade da menor, da sua inexperiência e especial vulnerabilidade e querendo aproveitar-se disso, com a intenção que, concretizou, de satisfazer os seus instintos lascivos e libidinosos.
1.18 O arguido estava consciente que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.
1.19 O arguido é oriundo de um núcleo familiar de etnia cigana, com onze descendentes, de parcos recursos sócio-económicos.
1.20 Sempre se dedicaram à venda ambulante de roupa e à mendicidade, mantendo-se na dependência de apoios e prestações sociais.
1.21 O ambiente educativo caracterizou-se pela desorganização ao nível da definição de papéis e lacunas na supervisão parental, num registo de permissividade relativamente a condutas anti-sociais e incapacidade de imposição de regras.
1.22 O processo de socialização do arguido foi, também, marcado por um trajecto escolar limitado ao 1º ano do 1ºciclo do ensino básico, pela precocidade da sua união conjugal (de acordo com as regras da etnia) aos quinze anos de idade, dissolvida mais tarde e substituída por outro relacionamento amoroso, pelo envolvimento no consumo abusivo de psicotrópicos e pelo cumprimento de pena de prisão aos dezassete anos.
1.23 Em Fevereiro de 2011, o arguido B…. foi restituído à liberdade, após cumprimento de pena de prisão pela prática de um crime de condução sem habilitação legal.
1.24 Passou a viver com a companheira, filho de dez anos e uma irmã.
1.25 Contudo, a hostilidade que sentiu por parte dos familiares, mormente o pai, motivaram a decisão de residir só, num espaço habitacional, que dispõe de condições habitacionais precárias, onde recebe visitas frequentes da companheira e filho, que residem em Águas Santas.
1.26 Opositor da prestação de rendimento social de inserção (€ 300,00), subsiste com este montante e com apoio de elementos da comunidade cigana ligados à …. (Areosa – Porto), onde se desloca diariamente.
1.27 Não dispõe de um apoio familiar estruturado, embora as lacunas a este nível sejam supridas pelos elementos da comunidade religiosa que integra.
1.28 O seu quotidiano é desprovido de qualquer tipo de actividade organizada de cariz ocupacional e/ou profissional.
1.29 Por acórdão 2.02.1999 o arguido foi condenado na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática, em 2.10.1997, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, da Lei 15/93, de 22/01; por sentença de 10.03.2005 foi condenado na pena de 105 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, com 70 setenta dias de prisão em alternativa, pela prática, em 12.02.2005, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do DL 2/98, de 3/01; por sentença de 6.04.2005 foi condenado na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, pela prática, em 12.06.2002, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, do DL 2/98, de 3/01; por sentença de 3.10.2006 foi condenado na pena de 5 (cinco) meses prisão, pela prática, em 29.08.2005, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, do DL 2/98, de 3/01; por acórdão de 18.10.2006 foi condenado na pena única de 2 (dois) anos prisão, pela prática, em 4.09.2005, de dois crimes de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do C.Penal; por sentença de 14.06.2007 foi condenado na pena de 7 (sete) meses prisão, pela prática, em 28.06.2005, de um crime de furto, p. e p. pelo art.º 203.º, do C.Penal; por sentença de 12.05.2005 foi condenado na pena de 1 (um) ano prisão, suspensa por 2 (dois) anos, pela prática, em 18.01.2001, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, do DL 2/98, de 3/01; por sentença de 14.01.2010 foi condenado na pena de 6 (seis) meses prisão, pela prática, em 3.01.2010, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, do DL 2/98, de 3/01.

2 Teve o mesmo Tribunal por não provados os seguintes factos:
2.1 Em data não concretamente apurada, mas que se situa entre 1 de Junho e 31 de Outubro de 2009, no acampamento cigano, sito na Rua …., …, Maia, o arguido dirigiu-se ao compartimento (barraca) onde dormia a menor C…., na altura com 12 anos de idade, e após a ter despido da cintura para baixo, após o que se deitou ao lado dela, despiu-se igualmente da cintura para baixo, colocou-se por cima da menor e roçou o seu pénis erecto na parte superior das coxas da menor e na zona genital, ao nível da vulva, aí o friccionando, e colocou as mãos em várias partes do corpo, designadamente nos seios e nádegas daquela e deu-lhe beijos na boca.
2.2 Em Fevereiro de 2011 a menor nunca tinha mantido qualquer relacionamento de namoro.
2.3 A menor sempre viveu no acampamento cigano referido na matéria de facto provada, caracterizado por ser um meio fechado e sob grande controlo.
2.4 No dia 18 de Fevereiro de 2011, foi a solicitação do arguido, por meio de telemóvel, que este se encontrou com C…..
2.5 Nesse dia, o arguido, colocou a menor de costas para si e roçou o seu pénis junto ao ânus da mesma.
2.6 No dia 22 de Fevereiro de 2011, o arguido ejaculou no interior da vagina da menor C…..

3 Foi a seguinte a Motivação da decisão de facto dada pelo Tribunal recorrido (transcrição):
«Nos termos do disposto no art.º 374.º, n.º 2, do C.P.Penal, o Tribunal deve indicar os motivos de facto e de direito que fundamentam a sua decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.
Em sede de valoração da prova, a regra primacial é a constante do art.º 127.º, do mesmo código, segundo a qual a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal”.
Este princípio da livre apreciação da prova traduz-se na ideia de que “o Tribunal baseia a sua decisão sobre a realidade de um facto na íntima convicção que formou a partir do exame e da ponderação das provas produzidas”[1].
Assim, quanto aos factos provados da acusação, a decisão teve por base:
● As declarações do arguido, que de forma convincente, considerando a demais prova produzida, confirmou ter mantido, nas duas ocasiões referidas nos mesmos factos provados, relações sexuais com a menor após ter saído da cadeia, o que fez sem usar preservativo.
● O depoimento da C…., actualmente com 15 anos, que, para além de confirmar a relação do arguido com a tia, com quem o mesmo viveu, e de confirmar que aquando dos factos vivia com a avó no acampamento de Aguas Santas, confirmou que alguns dias após o arguido ter saído da prisão, a hora que indicou, mantiveram relações sexuais em local que indicou e que consta das fotografias de fls. 46 e 47, que lhe foram exibidas, descrevendo como tudo aconteceu e confirmando que o arguido não usou preservativo. Confirmou, também, que noutra ocasião, a hora que também indicou, mantiveram relações sexuais, que, igualmente, descreveu, perto de um apeadeiro do metro, mais concretamente no local que consta das fotografias de fls. 45, que lhe foram exibidas, sendo que na ocasião se encontrava menstruada. Confirmou, ainda, que quando o arguido lhe ligava dizia que gostava dela e que queria casar com ela. Ainda de relevante, confirmou que teve um namorado no acampamento, que era filho de um tio, que se chamava F…. e tinha 10 ou 11 anos, disse que tratava o arguido por G…. e confirmou que a foto de fls. 246 é dela e do arguido, tendo sido tirada com o telemóvel. Relativamente a todo o factualismo referido, a menor convenceu, relatando os factos de forma coerente, verificando-se, por outro lado, que os factos por ela relatados foram confirmados pela demais prova produzida, designadamente pelas declarações do arguido.

No que diz respeito ao demais factualismo da acusação, começou por referir não se lembrar de o arguido ter ido ter com ela à barraca, onde vivia sozinha, muito embora, depois, tenha referido que, efectivamente, tal aconteceu, tendo aquele ido ter com ela à cama, onde se limou a dar-lhe beijos na boca e a acariciar-lhe a zona do sexo, não tendo havido, nessa ocasião, relações sexuais, muito embora o arguido se tenha colocado em cima dela. No que diz respeito a esta situação, muito embora os esclarecimentos prestados pela menor, designadamente quanto às declarações anteriormente prestadas nos autos quanto a essa mesma situação, as dúvidas decorrentes das duas versões apresentadas não permitem, com a necessária certeza, dar como certa a ultima versão apresentada.
Por outro lado, tais dúvidas ficam reforçadas com a informação de fls. 185.
● O depoimento da testemunha D…., mãe da companheira do arguido e avó da menor. Em síntese, referiu que um dia, após o arguido ter saído da prisão, deu pela falta da neta, foi à polícia e andaram à procura dela, que acabou por aparecer. Confirmou que após a neta ter aparecido, foram à Polícia Judiciária e ao hospital fazer exames, esclarecendo que aquela se encontrava menstruada e que um penso higiénico seu ficou na polícia. Mais confirmou que a neta dormia sozinha numa barraca ao lado da sua. Depôs de forma convincente, relatando factos de que teve conhecimento directo e esclarecendo sem deixar qualquer dúvida as questões que lhe foram colocadas.
● O depoimento da testemunha H…., que vive perto do acampamento onde a menor vive com a avó, do outro lado da linha do comboio. Em síntese, referiu que certa noite, pelas 6:00 horas da madrugada, após ter sido acordado pelos cães, viu dois vultos num dos bancos que constam de fls. 45 e que ficam junto à sua residência. Esclareceu que era um homem e uma mulher, que não conseguiu identificar. Todavia, o homem tinha barba e a mulher parecia mais jovem. Referiu, finalmente, que quando os dois se levantaram, arranjaram a roupa.
● A participação de fls. 9 e 10 e o aditamento de fls. 11, que confirmam o relato dos factos feitos pela testemunha D…..
● Os cartões de fls. 37.
● Os bilhetes de identidade de fls. 39.
● As fotografias de fls. 45, 46 e 47.
● O relatório de perícia de natureza sexual em direito penal de fls. 191 a 193 e os relatórios periciais de fls. 194 a 196 e 200 a 202.
● O assento de nascimento de fls. 163.
● Os elementos clínicos de fls. 168 a 179.
● A informação da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais de fls. 185, de onde resulta que entre 1 de Junho e 31 de Outubro de 2009 o arguido se encontrava a cumprir pena de prisão, informação que, atento o princípio in dubio pro reo, e muito embora a ofendida tenha confirmado, num segundo momento e após negar, que o arguido praticou os factos, não nos permite dar com o provado o factualismo descrito em 2. da acusação.
● O relatório médico do exame médico-legal de psiquiatria de fls. 206 e 207.
● O auto de colheita de amostras de fls. 220, a base de dados de fls. 221, os autos de fls. 222 e 223.
● O relatório pericial de criminalística biológica de fls. 230 a 233.
● Os exames periciais a telemóveis e o auto de visionamento de fls. 241 a 247.
No que concerne à situação pessoal do arguido, baseou-se o tribunal no Relatório Social junto e nas suas declarações.
Relativamente aos antecedentes criminais do arguido, teve-se em conta o respectivo C.R.C..
Quanto aos factos constantes da matéria de facto não provada, o tribunal teve por base a circunstância de a prova produzida em audiência não ter confirmado os mesmos.»

III FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. Delimitação objectiva do recurso.

Sem prejuízo das questões que ao tribunal de recurso cumpre conhecer oficiosamente – designadamente os vícios indicados no artigo 410º/2 do C.P.Penal – o âmbito do recurso, como é entendimento jurisprudencial pacífico, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo Recorrente na respectiva motivação.
Considerando que, da leitura da decisão recorrida não resulta verificado qualquer dos vícios a que alude o referido artigo 410º/2, atentas as conclusões do recurso sub specie a questão a conhecer circunscreve-se a saber se a medida concreta das penas, singulares e única, violam, por excesso, os princípios da necessidade/adequação/razoabilidade ínsitos no artigo 71º do Código Penal e se, reduzindo esta última a uma pena que não ultrapasse os 18 meses de prisão, não deverá a mesma ser substituída por trabalho a favor da comunidade, eventualmente sujeita a regras de injunção, nomeadamente, acompanhamento educacional pelo Instituto de Reinserção Social.

2. Medida da pena nos termos da Lei Penal Substantiva
2.1 Acto prévio à submissão das considerações tecidas em motivação de recurso pelo Recorrente ao juízo concreto sobre a medida das penas, importa ter presentes “as finalidades da punição” apontadas e adoptadas pelo legislador.
Acolhendo, aqui, a súmula de Figueiredo Dias dir-se-á que o programa político-criminal assumido pelo legislador penal nos nºs 1 e 2 do Artigo 40º do Código Penal consubstancia-se em que,
«1.Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2. A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3. Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4.Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais» ([2])

Dizer, então, que a pena concreta deverá corresponder a uma intervenção penal inteiramente enformada pelos princípios politico-criminais exarados imperativamente naquele normativo e ora deixados referidos - seja i) pelo princípio da prevenção geral positiva ou de integração, ii) seja pelo princípio da culpa, iii) seja pelo princípio da prevenção especial positiva ou de socialização, iiii) seja complexivamente, pelo princípio da humanidade.

Prevenção geral de integração ou dizer - na formulação de Gunther Jakobs - estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada, na ideia de que, primordialmente, a finalidade visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto. Tutela não num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospectivo, traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, ou, dizer ainda, do restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.
É neste sentido que importa ter em particular consideração que se à justiça compete o “estatuto de primeiro garante da consolidação dos valores fundamentais reconhecidos pela comunidade, com especial destaque para a dignidade da pessoa humana”, incumbe-lhe, então, no momento da iuris dictio, preservar a função de referência que a pena em concreto assume para a mesma comunidade no pressuposto de que, perante esta, “mais do que a moldura penal abstractamente cominada na lei, é a concretização da sanção que traduz a medida da violação dos valores pressupostos na norma”.
Neste conspecto, importa ter presente o propósito da correcção de tendências formulado pelo legislador quando ora alerta no sentido de que a pena de prisão deve “ ser reservada para situações de maior gravidade e que mais alarme social provocam, designadamente a criminalidade violenta e ou organizada, bem como a acentuada inclinação para a prática de crimes revelada por certos agentes….” ora justifica que “não raro, a suspensão da execução da pena tem-se assumido como a verdadeira pena alternativa, …., gerando-se a ideia de uma ‘quase absolvição’ ou de impunidade do delinquente primário, com descrédito para a justiça penal”.([3])

Exigências de prevenção especial (ou, como parecerá ainda legitimo dizê-lo, prevenção da reincidência):
i)positiva ou de socialização, se privilegiado o propósito da reinserção social, a ressocialização e/ou a socialização de um de-socializado;
ii) negativa ou de inocuização quando, por pura exigência de defesa social se privilegie e procure a neutralização da perigosidade social do delinquente através da sua separação ou segregação. ([4])

No campo da ponderação prática já das circunstâncias relativas ao facto já das circunstâncias relativas ao agente, deve o Tribunal sobrelevar: ali, o grau de ilicitude, o modo de execução, o peso das consequências – sem prejuízo, de estas mesmas circunstâncias poderem ser consideradas, também, para aferir das necessidades de socialização e/ou de inocuização do agente; aqui, na avaliação do grau de censurabilidade ético-jurídica (culpa), a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados, os fins ou motivos da prática do facto, as condições pessoais do agente, a conduta ante e post-facto [Artigo 71º/2 CPP]
Verificado um concurso de crimes, há lugar à aplicação de uma pena única.
Pena esta que, tendo “como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão” e “como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”, terá como factores de ponderação, relativamente à sua medida, “em conjunto, os factos e a personalidade do agente” [Artigo 77º/1 e 2 CPP]

No apelo ao critério pragmático indicado por Pinto de Albuquerque:
Em regra, a ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade é feita nos seguintes termos:
● Tratando-se de uma personalidade mais gravemente desconforme com o Direito, o Tribunal determina a pena única somando à pena concreta mais grave metade (ou, em caos excepcionais, dois terços) de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso;
● Tratando-se de uma personalidade menos gravemente desconforme ao Direito, o tribunal determina a pena única somando à pena concreta mais grave um terço (ou, em caos excepcionais, um quarto) de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso” ([5])

2.2 Uma referência específica importa fazer relativamente ao ilícito juspenal em causa.

O Recorrente foi condenado pela prática, em concurso real de infrações, de dois crimes de atos sexuais com adolescentes pºpºpº artigo 173º /1 e 2 do Código Penal.
Dispõe-se aqui:
«1. Quem, sendo maior, praticar ato sexual de relevo com menor entre 14 3e 16 anos, ou levar a que ele seja por este praticado com outrem, abusando da sua inexperiência, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
2. Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito oral, coito anal ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos, o agente é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias»

É do conhecimento comum, que a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. [40º/1 C.Penal]
Qual o bem jurídico que o descrito tipo do ilícito visa proteger?

Responde Figueiredo Dias:
«Bem jurídico protegido pela incriminação, na sua forma actual, é o livre desenvolvimento da vida sexual do adolescente de 14 a 16 anos, de qualquer sexo, face a processos proibidos de sedução conducentes à cópula ou ao coito anal ou oral..»

Já a respeito do modus de concretização da conduta típica, explica o Mestre de Coimbra:
«Modalidade típica da ação é - ……. – a sedução. Seduzir sexualmente significa, neste contexto, explorar a (ou aproveitar-se da) inexperiência sexual da vítima e consequentemente a menor força de resistência que por isso terá diante da cópula ou do coito. É isto que, na sua singeleza, o tipo pretende traduzir, através da expressão abusando da inexperiência da vítima..» ([6])

Não se desconhece o sentido crítico e/ou abertura de novos horizontes que o mesmo Mestre vai formulando quanto à norma em causa:
«Na verdade parece ser de recomendar, em termos de iure dando, a descriminalização deste tipo de conduta, atribuindo a tutela do desenvolvimento da vida sexual adolescente, nesta parte, a outros meios de política social, nomeadamente de caráter moral, educativo e religioso» ([7])

O respeito devido, quanto a concordância ou discordância com o juízo premonitório deixado referido, não retiram a proibição do arbítrio enquanto autolimitação enformadora do julgador na justa medida em que não lhe cabe controlar os juízos da oportunidade política da lei, dizer, ainda, porquanto não lhe compete discutir se o legislador, num caso concreto, encontrou a solução mais adequada ao fim, mais razoável ou mais justa.
Compete-lhe, sim, aplicar a lei.
E aplicar, na específica referência à norma em causa, sob a consideração de que logo o estabelecimento de concretos parâmetros etários – in casu, menor entre 14 e 16 anos - teve presente o saber da experiência comum de que a vítima, rapaz ou rapariga, pela sua pouca idade, encontra-se ainda a formar a sua personalidade, nomeadamente ao nível da dimensão sexual, longe, portanto, da maturidade.
Sob a consideração, outrossim, de que a norma impõe a maioridade do agente – maioridade, entenda-se maioridade civil, inidêntica com a idade da responsabilidade criminal -, a significar, exatamente por ser maior, a exigência de um dever especial de não abusar da inexperiência de qualquer menor nas idades compreendidas “entre 14 e 16 anos”.

No vizinho Reino da Espanha, o Código Penal previne situação bastante similar ao punir «El que, interviniendo engaño, cometiere abuso sexual com persona mayor de trece años y menor de dieciséis” [183º/1]
Em causa, se bem se interpreta, o abuso sexual fraudulento, em que o consentimento (da vítima) é alcançado logrando o agente, pelo recurso a ardil, induzir a vítima em engano.
Engano a implicar a provocação de um erro na vítima sobre a transcendência da ação que realiza e não sobre a própria ação que efetua aparentemente de forma voluntária, de modo que, o engano não provoca um comportamento formalizado, mas um consentimento apenas aparente, uma vez que a vítima, especialmente inexperiente, é introduzida pelo agente num contexto em que se produz uma representação falsa ou incorreta sobre a transcendência das suas acções de caráter sexual. ([8])
Se, conjugadamente, com a menoridade e a inexperiência, relevar a indução ardilosa em erro ou engano, naturalmente, comprovada que se mostre a prática de ato sexual de relevo – maxime, cópula, coito oral, coito anal ou introdução vaginal ou anal de parte do corpo ou objetos - hão de ter-se por verificados os elementos objetivos do tipo-do-ilícito previsto no normativo sob apreço.

2.3 Descendo ao caso concreto.

Desenhados que foram os factos e traçado que fica o direito importa, agora, dizer se sim ou não devem as penas cominadas ser reduzidas ou, antes, mantidas nas mediadas em que foram cominadas.

Diz-se: desenhados os factos.
Importa, neste conspecto, realçar que o Recorrente não impugnou a decisão de facto - fosse por apelo a eventuais vícios da decisão [410º/2 CPP] fosse por invocação de erros de julgamento, como será dizer: dando o tribunal por provados factos que a prova, de todo contrariava, ou dando por não provados factos que a prova em audiência necessariamente impunha que fossem tomados por adquiridos – antes com a decisão de facto por inteiro se conformou.
Verdade, porém, conquanto não ponha em causa a factualidade provada, o Recorrente, como adiante melhor se verá, socorre-se, aqui e ali, na motivação do recurso, de factos que não constam do acervo comprovado, nem são referenciados como não-provados.
Obviamente, insusceptíveis de consideração.

Punctum saliens da instância recursiva a medida das penas in singulos e a escolha da medida da pena única, esta na dependência da decisão que sobre aquelas recair.
São vários os pontos que o Recorrente indica em fundamento da alegada violação do princípio da proibição do excesso.

Importa analisá-los.

2.3.1 Em primeira linha de consideração aponta o Recorrente a falha em não ter o Tribunal considerado minimamente as circunstâncias do caso em concreto que, para a determinação da medida da pena, poderiam depor a favor do arguido, “Em primeiro lugar, …. a circunstância de, arguido e ofendida, pertencerem à etnia cigana”. (SIC)
E justifica: «não querendo de forma alguma, com tal consideração, “fazer tábua rasa” do princípio da igualdade consagrado na Constituição da República Portuguesa, certo é que existem alguns chamados “regimes de excepção”, que analogicamente e no caso em concreto não podem deixar de ser chamados à colação, como seja o facto de que, na etnia cigana, as pessoas casam muito cedo», para daí concluir que «Não obstante o facto de o arguido ser conhecedor da idade da menor C…., para ele tal facto não foi, nem é, minimamente relevante, já que para os elementos da comunidade dele (etnia cigana), a partir do momento em que uma mulher possa ter filhos, já está em idade de casar. O que acontece frequentemente

Com o devido respeito, o Recorrente incorre em confusão conceptual.
Invoca o princípio jusfundamental da igualdade.
Talqualmente o fazem os Dignos Magistrados do Ministério Público.

Dispõe o artigo 13º da Constituição da República:
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
A ser identificado como o direito à igualdade, o princípio da proibição da discriminação, ínsito no artigo 14º da CEDH (Convenção Europeia dos Direitos do Homem), nos termos do qual “O gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção deve ser assegurado sem quaisquer distinções, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas ou outras, a origem nacional ou social, a pertença a uma minoria nacional, a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situação”. ([9])

Subjacente ao pensamento do Recorrente, se bem se interpreta, a ideia de que podendo o princípio da igualdade manifestar-se numa dupla vertente – negativa (assim na vedação de privilégios e de discriminações) e positiva – valerá esta última na ponderação do caso sub iudicio, num apelo direto ao tratamento desigual para situação substancial e objetivamente desigual.
Em concreto, reclama o recorrente quena etnia cigana, as pessoas casam muito cedo”, “para os elementos da comunidade dele (etnia cigana), a partir do momento em que uma mulher possa ter filhos, já está em idade de casar”.

Pois bem.
Seguramente, como se entende, nem o princípio de formulação positiva da igualdade, nem o princípio de formulação negativa de proibição da discriminação impossibilitam discriminações positivas, diferenciações de tratamento tendentes a corrigir desigualdades de facto, importando sim que “essas diferenças sejam objetivas e razoáveis e que prossigam um fim legítimo, ou seja, que exista uma justificação objetiva, razoável e proporcional entre o meio utilizado e os fins visados. ([10])

Porque se disse, então, que existe por parte do recorrente uma confusão conceptual?
Por via da inversão de valores que pretende introduzir.

Admitamos como certo que a idade núbil na etnia cigana é mais baixa que a prevista na lei civil.
Não é na idade, todavia, que se esgota o punctum prurens da questão quanto da violação do interesse jurídico que a norma penal visa proteger.
No Código Civil de 1867 exigia-se a idade mínima de 14 anos para os indivíduos do sexo masculino e de 12 anos para os indivíduos do sexo feminino! [artigo 1073ºnº4, sem prejuízo da exigência do consentimento dos pais – Artº 1058º/1]
Já o Decreto nº1 de 25.12.1910, elevou aqueles mínimos, respetivamente para os 18 e os 16 anos (Artº 4º/3).
Logo, porém, o Código de Registo Civil de 1932 viria a permitir que fossem autorizados pelo juiz, por motivos ponderosos, os casamentos de menores do sexo feminino com a idade de 14 anos e de menores do sexo masculino com a idade mínima de 16 anos (Artºs 294º e 295º), idades estas que o DL 30 615 de 25.07.1940 viria a consagrar assim logrando a paridade com o direito canónico (Cân. 1067 do C.J.C de 1917) e que obteriam igual consagração no novo Código Civil, na primitiva redação [Artº 1601º al.a)].
Só com a reforma de 1977, viria a ser estabelecido o limite mínimo de 16 anos para a idade nupcial, sem distinção de sexo.
Deste breve apanhado legislativo ressuma claro que a idade núbil, de acordo com os diferentes regímenes civis, tem variado, sendo certo, repetindo, que relativamente ao sexo feminino a idade limite mínima chegou a ser de 12 anos!
Se igualmente bem se ajuíza, predominaram na ponderação dos diferentes regímenes razões de caráter puramente fisiológico ou orgânico.

Ora nada disto está em causa com referência ao interesse jurídico que a norma penal visa proteger.
A questão dos 14 anos é, de algum modo, uma falsa questão. Conquanto pressuposto objetivo, não preenche o tipo-do-ilícito: determinante é o aproveitamento (a exploração) da inexperiência, via sedução, que a inexistir, elide o crime.
Posto que a sensibilidade comunitária, hoje mais do que nunca, se arrepie com as gravidezes aos 12, 13, 14 ou poucos mais anos, não deixa de conferir uma maior compreensão ao relacionamento sexual, mesmo na adolescência.
Todavia, já não compreende que um “MAIOR” – dizer, idade superior aos dezoito anos – logre obter relacionamento sexual – ex.g. de cópula – com uma “MENOR” de 14 anos explorando e/ou aproveitando a sua inexperiência e a sua debilidade intelectual.
Em causa, seja com referência ao cidadão de etnia cigana ou de qualquer outra etnia, cor, língua, religião, origem nacional ou social, a proteção do “livre desenvolvimento da vida sexual do adolescente”.
Qualquer discriminação aqui, conforme à pretensão do Recorrente, só poderia revestir-se de um sentido negativo, ou dizer de negação da proteção que a lei quis conferir: proteção ao agente, desprotecção à vítima!
Daí a referência à inversão de valores.
Os costumes da etnia cigana, em termos de idade núbil, até podem estar conformes com o direito justinianeu ou mesmo com o Direito Canónico!
Seguramente, porém, já não será conforme aos próprios costumes da etnia cigana, a sedução que explora e aproveita a inexperiência sexual de uma menor de 14 anos para com ela manter cópula.
O sentido positivo do princípio da igualdade implica, além do mais, o tratamento das situações como existem mas também como devem existir, acrescentando assim uma componente ativa ao princípio e fazendo da igualdade perante a lei uma verdadeira igualdade através da lei. ([11])
Porque o princípio da igualdade vincula diretamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional, não pode este tribunal diferenciar negativamente recusando a aplicação de uma norma de acordo com os interesses jurídicos que ela diretamente visa proteger, em favor de valores e /ou costumes que na verdade minimamente se confirmam.

2.3.2 Reclama, de um outro passo, o Recorrente a aplicabilidade in casu da atenuação especial decorrente do artigo 72º da Lei Penal substantiva, na medida em que o Tribunal não relevou que a sua conduta foi determinada “por forte solicitação ou tentação da própria vítima”.

O que justifica do seguinte modo:
«O Tribunal “a quo”, apesar de considerar como meio de prova os exames periciais a telemóveis e o auto de visionamento de fis. 241 a 247, não teve minimamente em consideração o facto de no dia 22 de Fevereiro de 2011, existirem várias insistências por parte da menor C….. a solicitar o contacto com o arguido. Caso para pensar: Se ela não tivesse solicitado o contacto com o arguido, poderia o segundo crime ter existido? Não podemos ignorar, nem deixar de considerar que o segundo crime existiu. Mas não terá sido a conduta do arguido determinada pela tentação da própria vítima?

Falece a razão ao Recorrente por duas breves razões.
Desde logo, sem que haja impugnado, como se deixa referido, a decisão de facto – sequer no sentido da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – o Recorrente invoca, aqui, facto [“no dia 22 de Fevereiro de 2011, existiram várias insistências por parte da menor C….. a solicitar o contacto com o arguido”] que não consta nem do acervo comprovado nem do alinhamento dos não-provados.
Ora, “quod non est in actis, non est in mundo”!

De todo o modo, esta transferência da culpabilidade para a vítima não elidiria nem a ilicitude do facto, nem a culpa do agente.
Seguramente, às vezes, a própria vítima coloca-se ela mesma, de forma inconsciente ou irrefletida, numa situação de perigo que pode facilitar a sua vitimização.
Isso não pode servir, de modo algum para diminuir a culpabilidade do agente, nem mesmo para transferir, como se deixa referido, a sua culpabilidade. ([12])
Por detrás de uma tal atitude irrefletida de colocação numa situação de perigo não se pode olvidar que está já a atuação do agente tendente a levar a vítima ao engano.
De sorte que a atuação desta não é causa, é consequência: age, enquanto enganadamente seduzida.

2.3.3 Invoca o Recorrente, ainda, em abono da diminuição das penas cominadas, que “no decurso do inquérito, esteve proposta pelo Ministério Público e aceite pelo arguido, a suspensão provisória do processo, sujeita a determinadas regras de injunção, sendo certo que o arguido não cumpriu a regra de se apresentar às entrevistas determinadas pela equipa de reinserção social, cumprindo na íntegra a outra imposição que foi a de não mais se aproximar da menor C…..”, bem assim que a avó da menor, apresentou desistência de queixa”.

Uma vez mais o Recorrente apela a factos que não constam do acervo comprovado e que, por isso, não poderão relevar na ponderação da escolha e determinação da medida da pena.
Aliás, mesmo a terem-se por provados, não se vê como deles colher o proveito pretendido em termos da determinação da medida da pena.
Sempre se questionará: a avó que apresentou a desistência da queixa não é mãe da companheira do Recorrente?! [Supra II, 3: “O depoimento da testemunha D…., mãe da companheira do arguido e avó da menor”]

Solução diversa não é de conferir ao invocado parecer médico quando se exprime no sentido de que a menor «continua a não se sentir ofendida, a não referir medo do arguido e a não querer nenhum castigo para o mesmo», «Não se revela emocionalmente afectada pelos factos relatados».

Desde logo, o Tribunal não levou ao acervo fáctico qualquer formulação no sentido da superação do sucedido, pela vítima - com 15 anos, à data da prolação da decisão.
De todo o modo, importa sublinhá-lo, não está em causa que a menor/vítima tenha sexuado com recurso à força ou violência por parte do Recorrente.
Seguramente, não o fez contrariada: errada sobre a transcendência das ações que realizava que não sobre as próprias ações que efectuava, aparentemente agiu de forma voluntária.
Porém, o mal, in casu, não se identificou no sexuar contra vontade da vítima.
O mal deixou-se identificado com a sedução sexual explorativa da inexperiência da vítima, com o aproveitamento (enganador) da menor força de resistência desta.
De todo o modo, ainda: eventual desculpabilização relativamente ao agente, feita por menor de 15 anos – sem olvido da sua debilidade mental de grau moderado - qual a relevância jurídica que poderia assumir?!
Com o devido respeito, não se vê.

2.3.4 Reclama o Recorrente: «não agiu com qualquer tipo de dolo, mas apenas e tão só, agiu com negligência, uma vez que atentos os costumes da comunidade onde sempre viveu, em consciência não tinha a percepção de estar a cometer um crime»

Nos termos do artigo 14º da Lei penal Substantiva, item 1: “Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, atuar com intenção de o realizar”. [Dolo direto]
Reza no acervo fáctico que o Recorrente não contrariou nem pôs em causa que:
Em Fevereiro de 2011, após ter saído do estabelecimento prisional onde esteve a cumprir uma pena de prisão efectiva, o arguido B….. decidiu procurar a C….. Entre os dias 11 e 18 de Fevereiro, o arguido contactou, por várias vezes, com a menor C….., na altura com 14 anos de idade, onde lhe referiu que gostava dela e que queria casar com ela. A menor C….. era virgem e não tinha até essa data mantido qualquer contacto sexual com nenhum homem. A menor C…. sempre viveu com a sua avó. A menor C….. tem uma debilidade mental de grau moderado (WISC III, QI global =51), estando, por força dela, mais vulnerável ao comportamento de sedução do arguido e aos seus apelos para actos sexuais e limitada na sua capacidade de se auto-determinar sexualmente. O arguido, conhecedor da idade da menor, da sua inexperiência e da sua maior vulnerabilidade, decidiu aproveitar-se disso para a convencer a ter relações sexuais consigo. No dia 18 de Fevereiro de 2011, pelas 20:00 horas, na Travessa ….., Ermesinde, o arguido encontrou-se com C….., nessa data com 14 anos de idade, e dirigiram-se ambos para uma zona escura. Nesse local, o arguido e a menor C…. despiram-se da cintura para baixo, após o que o arguido introduziu o seu pénis erecto na vagina da menor, por várias vezes, colocou as mãos nos seios e nádegas daquela e deu-lhe beijos na boca. O arguido agiu da forma descrita, de forma livre, deliberada e consciente, ciente da idade da menor, da sua inexperiência e especial vulnerabilidade e querendo aproveitar-se disso, com a intenção que, concretizou, de satisfazer os seus instintos lascivos e libidinosos. No dia 22 de Fevereiro de 2011, pelas 23:30 horas, o arguido encontrou-se com a menor C….., junto do acampamento onde esta vivia, e deslocaram-se para a Rua …., …., Maia, para uma zona junto a um Apeadeiro existente próximo da linha férrea. Nesse local, o arguido e a menor C….. despiram-se da cintura para baixo, após o que o arguido introduziu o seu pénis erecto na vagina da menor, por várias vezes. Após o decurso de algum tempo, o arguido voltou a introduzir o seu pénis erecto na vagina da menor, por várias vezes. O arguido agiu da forma descrita, de forma livre, deliberada e consciente, ciente da idade da menor, da sua inexperiência e especial vulnerabilidade e querendo aproveitar-se disso, com a intenção que, concretizou, de satisfazer os seus instintos lascivos e libidinosos. O arguido estava consciente que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei».

Em face deste quadro, de preclaro dolo direto, como dizer que o recorrente «não agiu com qualquer tipo de dolo, mas apenas e tão só, agiu com negligência»?!
Est modus in rebus!

2.3.5 Consideremos finalmente, se na concreta ponderação dos graus de culpa e ilicitude, o Tribunal violou os princípios da necessidade, da razoabilidade, da adequação nas penas cominadas.

No momento da escolha e determinação da medida da pena, o Tribunal recorrido ponderou:
«O arguido praticou, em concurso real, dois crimes de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art.º 173.º, n.ºs 1 e 2, do C.Penal.
O referido crime é punido com pena de prisão de punido com pena de prisão até 3 (três) anos ou multa até 360 dias.
Sendo aplicável, como acontece no caso concreto, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dará preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No caso dos autos, o arguido já foi condenado anteriormente e por diversas vezes pela prática de crimes, tendo cumprido pena de prisão efectiva. Aliás, praticou os factos logo após ter saído em liberdade.
Assim, tendo em conta o modo como ocorreram os factos e a repetição dos mesmos, atendendo a que o bem jurídico a proteger é de assinalável importância, e que as muitas condenações anteriormente sofridas pelo arguido não se mostraram suficientes para o afastar da prática de novos crimes, considera-se que a pena de multa não realiza, minimamente, as finalidades da punição, optando-se, pois, pela pena de prisão.
Esgotado o primeiro momento da determinação definitiva da pena, cabe agora proceder à fixação da respectiva medida concreta, o que se fará nos termos equacionados no art.º 71.º, n.º 1, do C.Penal, ou seja, em função da culpa do agente, que constitui limite inultrapassável (traduzindo-se, assim, num princípio fundamental do Estado de Direito), tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.
Por outro lado, como dispõe o n.º 2 do referido preceito, deverão ainda ser consideradas todas as circunstâncias gerais que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, em particular o grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, bem como a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
(………………………).
“ (….) consideremos agora as circunstâncias relevantes em termos de medida da pena concreta:
Começando pelo grau de ilicitude do facto típico, entendemos que ela se situa num grau acima do médio, considerando, designadamente, os actos sexuais em causa e a idade da menor.
No que diz respeito à intensidade do dolo, ao actuar como actuou o arguido fê-lo como dolo directo, sendo, nessa medida, particularmente intensa a sua vontade criminosa.
Relativamente às condições pessoais e económicas do arguido, resulta dos factos provados que é de modesta condição social e económica, o que não pode deixar de ser considerado.
Em termos de conduta do referido arguido anterior aos factos objecto dos presentes autos, importa salientar que tem antecedentes criminais, embora pela prática de crimes de natureza diversa, o que releva em sede de prevenção geral e especial.
Relativamente à sua conduta posterior ao crime, a mesma deverá ser tomada em conta, na medida em que assumindo a prática dos factos provados assumiu a sua responsabilidade.
Ponderadas todas estas circunstâncias e não havendo quaisquer outras a ter em conta, entende o tribunal como adequado condenar o arguido na pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática de cada um dos dois crimes de actos sexuais com adolescentes.
Em cúmulo, tendo em conta uma moldura de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos de prisão, considerados no seu conjunto os factos e a personalidade do arguido, relativamente à qual se salienta, de negativo, o seu vasto passado criminal e a circunstância de ter praticado os factos logo que saiu da prisão, entendemos como adequada a pena única de 3 (três) anos de prisão.
*
Considerando a pena única de prisão aplicada ao arguido e a possibilidade de suspender a execução da mesma, importa, pois, decidir se será de suspender.
As finalidades da punição, são, como se sabe, e é lembrado no Ac. S.T.J. de 18.10.2007, a tutela dos bens jurídicos e a reinserção social do condenado.
Consabido que as finalidades da punição se circunscrevem à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade – art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal -, é em função de considerações exclusivamente preventivas, prevenção geral e especial, e não em função de considerações de culpa que o julgador tem de se orientar na opção pela pena de suspensão de execução da prisão.
Assim, para aplicação daquela pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, que a pena de suspensão da execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade. Em segundo lugar, é necessário que o tribunal se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos.
Por outro lado, o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado deve ter em consideração, como a letra da lei impõe, a sua personalidade, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste.
Importa, todavia, esclarecer que o que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é qualquer "certeza", mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida. O tribunal deve correr risco "prudencial" (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade. Existindo, porém, razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada.
No caso concreto, o arguido já sofreu diversas condenações pela prática de crimes.
Praticou os factos logo que saiu da prisão, o que demonstra que as penas de prisão que cumpriu não foram eficazes e logo que teve a oportunidade voltou a praticar novos crimes, “reincidindo”.
Assim, não é possível fazer qualquer juízo de prognose favorável e concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, impondo as necessidades de prevenção uma resposta punitiva firme, isto é, a pena de prisão efectiva.»

Tenha-se em consideração, em primeiro lugar, que o Recorrente não põe em causa, relativamente a cada uma das penas singulares, a opção pela pena privativa da liberdade.
Também este tribunal de recurso, no acolhimento da fundamentação adrede aduzida, não vê fundamento para alterar a escolha da pena levada a efeito.
De salientar, ainda, que com referência à pena única fixada, o Recorrente não põe em causa a não suspensão da sua execução.
Neste particular, como no anterior, subsistindo as medidas encontradas, são de acolher de igual passo as razões aduzidas no sentido do afastamento da pena substitutiva da suspensão da execução da pena de prisão.
Cuidemos, então, da medida de cada uma das penas.
Uma vez aqui, importará ter uma vista geral sobre as ocorrências em apreciação.

Em traços gerais, do que nos dá conta o acervo fáctico comprovado?
Saído da prisão, em Fev. de 2011, após cumprimento de uma pena privativa da liberdade, o Recorrente, então com a idade de 30 anos (nascera a 11 de Setembro de 1980), ciente da idade (14 anos), da inexperiência e da maior vulnerabilidade da C….. (a menor, com uma debilidade mental de grau moderado, vivia com a avó e o Recorrente tinha vivido em união de facto com a tia da menor, E….), decidiu procurá-la, tendo-a contactado por várias vezes, entre os dias 11 e 18 de fevereiro, referindo-lhe, no propósito de a convencer a ter relações sexuais consigo, que gostava dela e que queria casar com ela.
A C….., que sempre viveu com a avó, era virgem e não tinha até então mantido qualquer contacto sexual com nenhum homem.
Na sequência de tais contactos, no dia 18 de Fevereiro de 2011, pelas 20:00 horas, na Travessa ….., Ermesinde, o arguido encontrou-se com a C….., numa zona escura, e aí, depois de se terem despido da cintura para baixo, o arguido introduziu o seu pénis erecto na vagina da menor, por várias vezes, colocou as mãos nos seios e nádegas daquela e deu-lhe beijos na boca.
A cena repete-se a 22 de fevereiro, pelas 23.30h, em …., Maia, numa zona junto a um Apeadeiro, voltando o arguido a introduzir o pénis erecto na vagina da menor por diversas vezes, ato que repetiu, de novo por diversas vezes, após o decurso de algum tempo.
Ao proceder nos modos deixados descritos, o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, ciente da idade da menor, da sua inexperiência e especial vulnerabilidade e querendo aproveitar-se disso, com a intenção que, concretizou, de satisfazer os seus instintos lascivos e libidinosos.

Não estão em causa a comprovação dos elementos objetivo-subjetivos do tipo do ilícito.
Não está em causa a ocorrência múltipla de cópula, dizer repetidas penetrações da vagina pelo pénis.
Não estão em causa a idade da menor – 14 anos, dizer, limiar mínimo – como a idade maior do arguido-recorrente, 30 anos de idade, a significar, aqui como ali, um maior grau de ilicitude quanto um justificado fundamento para uma maior censurabilidade ético-jurídica.
Maior censurabilidade, na justa medida em que quanto mais adulto, maior a exigência de uma conduta conforme aos valores jus-éticamente protegidos.
Acrescida censurabilidade, quanto mais acentuada a vulnerabilidade da vítima: in casu, em face da ausência de uma proteção paternal (a menor sempre viveu com a avó), em face da apontada debilidade mental, em face, enfim, da confiança incutida pelo agente quer pelo tempo de convivência com uma tia da menor, quer pela idade adulta que ora leva a acreditar no sentido da responsabilidade pela palavra dada, ora cria maiores dificuldades para contrariar as atitudes tomadas por quem é já homem adulto.
Com aparente sentido mitigador o Tribunal entendeu que «assumindo a prática dos factos provados assumiu a sua responsabilidade»
Dificilmente se pode acolher uma tal leitura.
Reconhecer a prática dos factos não significa, necessariamente, a assunção de culpa.
Quantas vezes não o é.
No caso, no próprio articulado da motivação do presente recurso, o recorrente não se censura para além da atuação negligente e, como Adão no paraíso, não deixa de transferir culpas para a vítima: “A mulher …, ofereceu-me o fruto e eu comi-o”! [Génesis 3, 12]

Sob conjugada ponderação, pois, os factos à luz dos anotados graus de culpa e de ilicitude.
Se a comunidade se mostra particularmente sensível a este tipo de ilícitos, assim justificando acrescida atuação ao nível da proteção contrafáctica da norma, não são menores as exigências de prevenção especial, tanto no sentido da prevenção positiva ou de socialização [socialização de um de-socializado (vide Supra II, 1.24 a 1.28)] como de prevenção negativa ou de inocuização na justa medida em que o abundante pretérito criminal [Supra II. 1.29] obriga a que, por especial exigência de defesa social, se privilegie e procure a neutralização da perigosidade social do recorrente através da sua separação ou segregação.

Nesta conformidade, as penas parcelares encontradas pelo Tribunal Colectivo mostram-se necessárias e em medida adequada e justa.
De igual modo, no que concerne ao cúmulo jurídico efectuado.
Em causa o apuro de uma pena única relativamente a duas penas parcelares, respeitantes cada uma delas à prática de um crime de Atos Sexuais com Adolescentes, pºpºpº artigo 173º/1 e 2 do Código Penal.
Para além das anotações recolhidas do acórdão, importa, dar, aqui, particular realce à circunstância emergente do quadro fáctico comprovado no sentido da verificação de uma inegável inclinação para a prática de crimes.
Nesta conformidade, a opção por uma pena única de 3 anos de prisão apurada entre um mínimo de 2 anos e um máximo de 4 anos de prisão enquadra-se nos limites apontados supra [III. 2.1] na vertente «personalidade mais gravemente desconforme ao Direito”.

Visto a pena única assim cominada, perde razão de ser a pretensão a pretensão formulada de substituição por trabalho a favor da comunidade.

IV Decisão
São termos em que, na improcedência do recurso, confirma-se o acórdão recorrido.
Da responsabilidade do recorrente a taxa deº justiça de 4UC
Porto 17 de Outubro de 2012
Joaquim Maria Melo Sousa Lima
Francisco Marcolino de Jesus
__________________
[1] Vide Carlos Matias, revista “Sub Judice”, nº 4, pag. 148.
[2] “Temas Básicos da Doutrina Penal – Sobre os Fundamentos da Doutrina Penal Sobre A Doutrina Geral Do Crime”, Coimbra Editora, 2001; pág.110-111
[3] Preâmbulo do DL 48/95 de 15 de Março. Itens 1 e 4
[4] Vide: Figueiredo Dias, ob. Cit. Fls. 78 ss
[5] COMENTÁRIO DO CÓDIGO PENAL à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem – Universidade Católica Editora, Lx. 2008; Pág. 244
[6] COMENTÁRIO CONIMBRICENSE DO CÓDIGO PENAL, PARTE ESPECIAL, TOMO I, Coimbra Editora, 1999 – págs. 563, 564, 566
[7] Ibidem, pág. 564
[8] No sentido exposto: CÓDIGO PENAL COMENTADO Y COM JURISPRUDENCIA – LUIS RODRIGUEZ RAMOS (DIRECTOR)/ AMPARO MARTINEZ GUERRA (COORDINADORA), 3Edición, Grupo Wolters Kluwer Esoaña, S..A., págs. 641-642
[9] De modo mais explícito, tenha-se em conta o Artigo 1º do Protocolo Nº12 à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais: “ 1. O gozo de todo e qualquer direito previsto na lei deve ser garantido sem discriminação alguma em razão, nomeadamente, de sexo, raça, cor, língua, religião, convicções políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento ou outra situação. 2. Ninguém pode ser objeto de discriminação por parte de qual quer autoridade pública com base, nomeadamente, nas razões enunciadas no número 1 do presente artigo”.
[10] No sentido exposto, com abundante referência a decisões do Tribunal Europeu, IRENEU CABRAL MONCADA, A CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM, 3ªEdição, Coimbra Editora 2005, pág. 232
[11] Jorge de Miranda e Rui Medeiros, CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA ANOTADA; TOMO I, 2ªEdição, Coimbra Editora, págs. 222-223
[12] Não se resiste à seguinte transcrição retirada da obra referenciada na Nota 8: «El engaño implica la provocación de un error en la víctima sobre la transcendência de la acción que realiza y no sobre la própria acción, que efectúa aparentemente de forma voluntaria. Por esse motivo, el engano no provoca un comportamento formalizado, sino un consentimento que és tan solo aparente, en la medida en que la víctima, especialmente inexperta, há sido introducida por el autor en un contexto en el que se producia uma representación falsa o incorrecta sobre la transcendentia de sus acciones de carácter sexual»