Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
871/09.5TBCSC.L1-7
Relator: LUÍS LAMEIRAS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO PARCIAL
JUSTA INDEMNIZAÇÃO
CLASSIFICAÇÃO DE SOLOS
APTIDÃO CONSTRUTIVA
ARBITRAGEM
SERVIDÃO NON AEDIFICANDI
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A justa indemnização, em procedimento expropriativo, visa ressarcir o prejuízo que para o expropriado advenha da ablação do seu direito e prossegue o objectivo de lhe permitir, o mais que for possível, reintegrar a sua esfera patrimonial, tal como seria se não tivesse havido o acto da expropriação (artigos 62º, nº 2, da Constituição da Repú-blica, e 23º, nº 1, do Código das Expropriações);
II – Para o conseguir, o Código das Expropriações estabelece um elenco de critérios re-ferenciais, tendentes ao apuramento do valor dos bens expropriados, contidos nos artigos 26º e seguintes; mas sujeitos ainda a um juízo correctivo na medida do que se mostre necessário para que possa ser concretizado aquele superior objectivo (artigo 23º, nº 5, do CE);
III – Classificado o solo como apto para a construção, na decisão arbitral, se a entidade expropriante não tiver interposto recurso desta decisão, não pode mais tarde, na sequên-cia da instância expropriativa desencadeada a pretexto do recurso interposto pelo ex-propriado, vir pôr em causa essa classificação;
IV – Desde que um solo comporte aptidão edificativa, não é a circunstância de um pla-no municipal de ordenamento do território, cuja entrada em vigor seja subsequente à data da sua aquisição, o vir a classificar para instalação de infra-estruturas e equipa-mentos públicos, que o transforma em solo apto apenas para outros fins (artigo 26º, nº 12, do CE);
V – Nesta hipótese, se a área do perímetro na faixa de 300m, a contar do limite do solo, estiver toda ela ocupada com edifícios ou construções, o valor desse solo deve calcular-se em função do valor médio dessas construções (artigo 28º do CE); mas se a referida área integrar parcelas com aptidão edificativa, o valor do mencionado solo deve então ser calculado em função do valor médio das construções que seja possível implantar nas referidas parcelas (artigo 26º do CE);
VI – Os juízos periciais, que subjazem, quer à arbitragem, quer à diligência instrutória da avaliação, envolvem sempre um alcance de discricionariedade técnica que escapa aos julgadores; mas de que estes precisamente carecem, como apoio para a formação da respectiva convicção (artigos 388º e 391º do Código Civil e 591º do Código de Processo Civil);
VII – Não havendo razões para distinguir a capacidade técnica ou a competência rela-tiva dos vários peritos que intervêm, quer na arbitragem, quer na avaliação, a hipótese da divergência dos respectivos laudos deve ser resolvida, mais do que pelo critério de que os designados pelo tribunal comportam uma maior isenção e desprendimento dos interesses das partes, antes pelo da consistência da fundamentação dos laudos e pela sua virtualidade persuasiva, de convencer (artigo 21º do DL nº 125/2002, de 10 de Maio);
VIII – Na hipótese de expropriação parcial de um prédio em que, por sobre a parte sobrante dele, numa certa área, fique a incidir uma servidão non aedificandi, só há lugar a crédito indemnizatório, em sede expropriativa, e por causa desse vínculo de não edificação, se deste resultar efectivamente algum prejuízo real para a parte não expro-priada do mesmo prédio (artigo 29º, nº 2, do CE, interpretado pelo assento nº 16/94);
IX – O montante da indemnização que o juiz deve fixar, no recurso da arbitragem, re-conduz-se sempre à data da declaração de utilidade pública e deve ser actualizado des-de essa data até à data da decisão final do processo (artigos 24º, nº 1 e nº 2, 66º, nº 1, do CE, e acórdão uniformizador nº 7/2001).
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1. Do procedimento expropriativo.

1.1. G(…) ACE desencadeou procedimento tendente à expropriação de uma parcela de terreno (parcela nº 146, com a área de 229 m2, situada na freguesia de …, concelho de …s, a desanexar do prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo … – Secção … e descrito na Conservatória do Registo Predial de …s sob a ficha nº …), de que eram donos M(…), J(…) e S(…).

            A declaração de utilidade pública, com carácter de urgência, da expro-priação, foi publicada no Diário da República, 2ª série, de 12 de Maio de 2008 (doc fls. 20 a 22).

            Foi realizada vistoria ad perpetuam rei memoriam (doc fls. 76 a 77).
            A entidade expropriante tomou posse administrativa (doc fls. 99 a 100).

            Promoveu-se arbitragem.
            O acórdão dos árbitros fixou, por unanimidade, o valor da indemniza-ção em 10.545,00 € (doc fls. 139 a 144).

            1.2. A entidade expropriante remeteu o processo de expropriação ao tribunal; e neste foi adjudicada “ao Estado português a propriedade da parcela nº 146, com a área de 229 m2, situada na freguesia de …, concelho de …, a destacar do prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo …, Secção …, e descrito na …ª Conservatória do Registo Predial sob o nº …, confrontando a norte, com caminho, a sul com caminho, a nascente com … e a poente com … e …” (fls. 154).

            1.3. Os expropriados (apenas estes) interpuseram recurso da decisão arbitral; terminando a concluir por uma indemnização em montante não inferior a 161.456,68 € (fls. 163 a 187).
            Foi admitido o recurso da arbitragem (fls. 199).
            A expropriante respondeu; afirmando que a indemnização deve ser fixada nos termos calculados pelo acórdão arbitral, isto é, em 10.545,00 € (fls. 201 a 207).

            1.4. Empreendeu-se a diligência instrutória da avaliação.[1]
            Os peritos produziram relatório; e concluíram (doc fls. 241 a 259):
            O perito designado pela exproprianteatribui como indemnização pela expropriação da parcela nº 146 o valor de 9.400,00 €”.
            O perito designado pelos expropriadosatribui como indemnização pela expropriação da parcela nº 146 o valor de 38.401,50 €”.
            Os três peritos nomeados pelo tribunalatribuem como indemnização pela expropriação da parcela nº 146 o valor de 21.651,50 €”.
Foram prestados esclarecimentos (docs fls. 300 a 304 e 309 a 311).

1.5. As partes produziram alegações.
            Os expropriados para concluírem que “deve:
a) ser ordenado aos senhores peritos que procedam à avaliação da parcela expropriada de modo a determinar o seu valor real e corrente, numa situação normal de mercado, e não por aplicação dos critérios referenciais do artigo 26º e seguintes do CE;
b) ou, quando assim não se entenda, ser atribuída aos expropriados uma indemnização em quantia nunca inferior a € 63.706,00, actualizável até à data da decisão final do processo
(fls. 343 a 363).
            A expropriante para concluir que “porque não recorreu [do] acórdão arbitral, … terá que se conformar com a indemnização aí calculada” (que foi a de 10.545,00 €) (fls. 366 a 401).

            1.6. Foi, por fim, proferida sentença (fls. 508 a 519).
            Nesta, se decidiu “fix[ar] a indemnização devida pela expropriante … aos expropriados …, quanto à parcela identificada com o nº 146, …, na quantia de € 21.651,50, reportada a Julho de 2009, data da avaliação, e actualizada anualmente de acordo com os índices de inflação, excluindo habitação, publicados pelo INE, desde aquela data até ao trânsito em julgado da presente decisão”.

2. Dos recursos de apelação.

2.1. Da apelação independente.
2.1.1. Os expropriados não se conformaram com a sentença.
Interpuseram recurso (principal) de apelação; e concluíram:

            i. A matéria de facto deve ser ampliada como consequência do trânsito em julgado da decisão arbitral e em virtude do acordo das partes e/ou falta de impugnação;
ii. É lícito aos tribunal da Relação proceder à ampliação da matéria de facto, por do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão recorrida;
iii. Assim, em consequência dos efeitos do trânsito em julgado da decisão arbitral, deve ter-se por definitivamente assente que a parcela expropriada se deve con-siderar como “solo apto para construção”;
iv. Por esse mesmo motivo, devem ter-se por definitivamente assentes as percentagens e índices considerados nas arbitragem e não impugnados em sede de re-curso, designadamente o índice fundiário de 24% fixado na decisão arbitral;
v. Do mesmo modo, deve ter-se por inatacável a conclusão fáctica de que a parcela expropriada está na envolvente de aglomerado urbano;
vi. E não obstante a parcela expropriada estar localizada, segundo o PDM, em espaço canal, tal não impede que seja avaliada de acordo com os parâmetros urba-nísticos estabelecidos para a classe ou categoria do espaço envolvente;
            vii. Logo, tendo o prédio do qual faz parte a parcela expropriada sido adquirido pelos expropriados em data anterior à entrada em vigor do PDM, o seu valor deve ser calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar na área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 metros da parcela expropriada;
            viii. Resulta dos elementos probatórios juntos aos autos que as construções existentes ou possíveis de edificar na área envolvente da parcela expropriada são de média densidade;
            ix. Como tal, o índice de construção usado pelos senhores peritos no cálculo da avaliação da parcela expropriada é incorrecto;
            x. Aliás, mesmo que se considere que o índice de construção na área en-volvente é de baixa densidade, sempre seria incorrecto o índice de construção utilizado pelos senhores peritos, tendo em atenção a área da parcela expropriada e o disposto no PDM de Cascais;
            xi. Em virtude da servidão non aedificandi resultante para a área sobrante, esta sofre uma redução da capacidade construtiva, daí derivando um prejuízo efectivo que tem que ser indemnizado;
            xii. Considerando as correcções do índice fundiário e de construção, o valor das benfeitorias e a desvalorização da parcela sobrante obtém-se o valor global indemnizatório global de 63.706,00 € (46.716,00 [solo] + 240,00 [benfeirorias] + 16.750,00 [parcela sobrante]);
            xiii. Valor esse que deve ser actualizado de acordo com a evolução do ín-dice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, a aplicar desde a data da d.u.p. – 12 de Maio de 2008 – até à data da decisão final;
            xiv. Decidindo como decidiu, a sentença recorrida violou, designadamente, as normas dos artigos 23º, nº 1, 24º, nº 1, 26º, nº 12, e 29º nºs 1 e 2, todos do Código das Expropriações.

            Em suma, a sentença do tribunal “a quo” deve ser revogada e, em conse-quência, ser atribuída a quantia de 63.706,00 € como justo valor indemnizatório da parcela expropriada; valor este que deve ser actualizado de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, desde a data da declaração de utilidade pública até à data da decisão final.

2.1.2. A expropriante respondeu; e concluiu assim:

            A indemnização deve ser fixada nos termos decididos no acórdão arbitral.

2.2. Da apelação subordinada.
2.2.1. A expropriante interpôs recurso (subordinado); e concluiu:

            i. Para além dos que foram dados como assentes na sentença recorrida, de-vem ainda considerar-se demonstrados e relevantes na fixação do valor indemnizatório (artigo 712º, nº 1, alínea a), do CPC), outros factos que resultam inequivocamente pro-vados por documentos juntos aos autos;
ii.  A sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia (artigo 668º, nº 1, alínea d), do CPC);  
iii. A sentença recorrida é nula por falta de fundamentação (artigo 668º, nº 1, alínea b), do CPC), já que não se pode considerar fundamentação de direito a que seja por simples adesão genérica aos fundamentos invocados pelas partes, neste caso a um dos relatórios de avaliação pericial;
iv. Quando em processos expropriativos estejam em confronto avaliações arbitrais e periciais, não pode, sem uma adequada fundamentação, aderir-se a esta avaliação pericial: quer os árbitros que subscreveram o acórdão arbitral recorrido, quer os peritos que efectuaram a avaliação pericial foram nomeados por tribunais a partir da mesma lista oficial de peritos, pelo que se alguma distinção entre árbitros e peritos tivesse que ser feita, sempre a opção teria que recair no acórdão arbitral, seja porque esta decisão reveste uma natureza materialmente jurisdicional (sendo a avaliação pericial um mero elemento da instrução do processo), seja pelo maior estatuto formal dos árbitros face aos peritos, pois aqueles foram nomeados pelo senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa e estes por tribunal de 1ª instância;
v. O relatório dos peritos tem natureza meramente instrutória, estando sujeito à livre apreciação de prova pelo tribunal de acordo com o artigo 389º do CC; as-sim, condição essencial para que os tribunais possam aderir às conclusões dos peritos (que não se verifica no processo sub judice) é que estas ponderem todos os factos juridicamente relevantes e respeitem as exigências legais, designadamente a metodologia e critérios estabelecidos no Código das Expropriações devidamente interpretados pela tutela constitucional; se assim não for, como não é no caso que nos ocupa, as avaliações efectuadas pelos peritos do tribunal não podem ser seguidas;
vi. A sentença não levou em conta os erros graves cometidos na avaliação pericial;
vii. Em 1º lugar, os peritos do tribunal decidiram qualificar o “solo apto para construção”, aplicando o artigo 26º, nº 12, do CE. Tal classificação do solo deturpa as regras do Código das Expropriações por quatro razões: (a) a parcela não era servida pelas infra-estruturas urbanísticas referidas na alínea a), do artigo 25º, nº 2, do CE (essas infra-estruturas situavam-se a cerca de 170 m da parcela); (b) a parcela não se integrava em núcleo urbano; (c) face ao PDM a parcela não tinha qualquer capacidade edificativa, encontrando-se integrada em espaço canal e, para além disso, submetida a uma servidão rodoviária non aedificandi devido à EN9 já existente ao tempo da declaração de utilidade pública desta expropriação; (d) apesar de serem proprietários deste terreno há mais de 10 anos, os expropriados nunca promoveram a obtenção de uma licença de construção;
viii. Em 2º lugar, mesmo aceitando a aplicação do artigo 26º, nº 12, foram cometidos erros graves no cálculo da justa indemnização;
ix. (a) os Peritos indicados pelo tribunal adoptaram o índice de construção bruto máximo de 0,5, por corresponder aos espaços urbanos de baixa densidade, quando o artigo 26º, nº 12, do CE exige que nessas situações se recorra ao índice médio da envolvente. De facto, o índice de construção adoptado na sentença recorrida, por não ser o índice médio da envolvente, não pode ser aplicado, pois na envolvente da parcela em causa existem, além de espaços urbanos de baixa densidade, várias categorias de espaço onde não se pode construir, tendo estas de ser levadas em conta para apurar o índice médio de construção de acordo com artigo 26º, nº 12, do CE. Assim, porque o índice de construção médio, num raio de 300 m a partir da parcela, é de 0,377 é este o índice que deve ser adoptado;
x. (b) quanto ao índice fundiário, foi adoptado o índice de 15%, que é o índice fundiário máximo. Tal valor é inaceitável, desde logo, devido ao facto de os peritos terem classificado este terreno como médio de acordo com os critérios a considerar. Deste modo, fica por explicar como é que pode ser aplicado o índice máximo aí previsto. Na verdade, face a esse máximo de 15%, um índice de 0 a 5% será um índice baixo; um índice de 6% a 10% será um índice médio; e um índice de 11% a 15% será um índice alto. Assim, se os senhores peritos classificaram esta parcela face aos critérios estabelecidos no artigo 26º, nº 6, do Código das Expropriações, como média, o índice mais elevado que poderiam ter aplicado seria de 10%. Os índices máximos são reservados para os terrenos de excelência, situados nos mais importantes núcleos urbanos, o que não é o caso que nos ocupa;
xi. Em 3º lugar, os senhores peritos não realizaram a dedução estipulada no artigo 26º, nº 10, do Código das Expropriações, em especial na actual situação da economia portuguesa;
xii. Por último, o valor médio de mercado de terrenos em Alcabideche com as características desta parcela (alguns até com capacidade edificativa que esta parcela não tem) oscila entre € 15,00/m2 e € 32,00/m2, sendo que o valor adoptado pela sentença recorrida fixou um valor unitário de € 93,50/m2; deste modo, numa clara violação do artigo 23º, nº 5, do Código das Expropriações, os senhores peritos adoptaram um valor unitário correspondente ao triplo do maior valor que o mercado evidencia e também muito superior ao que vem sendo adoptado em diversas arbitragens / perícias relativamente a terrenos urbanizáveis face ao PDM.

Em suma, a justa indemnização deve ser fixada nos termos determinados no acórdão arbitral.

2.2.2. Os expropriados não responderam ao recurso subordinado.

3. Delimitação do objecto do recurso.

3.1. A partir do núcleo circunscrito pelo conteúdo do acto recorrido, as conclusões dos apelantes delimitam o que é objecto de recurso; quer dizer, as questões decidendas colocadas nele em apreciação (artigo 684º, nº 3, do CPC).

No caso concreto, de procedimento expropriativo, é a concretização da justa indemnização aquilo que primordialmente está em causa.

            3.2. Entretanto, os apelantes (principais e subordinada) autonomizaram, concreta e primordialmente, os seguintes assuntos decidendos:

            1.º A sentença apelada é nula por falta de fundamentação?
            2.º A sentença apelada é nula por omissão de pronúncia?
            3.º Deve ser ampliada a matéria de facto de sustentação do julgado?

            4.º (1) A justa indemnização, na hipótese dos autos, é a retratada pelo valor de 63.706,00 € (tese dos apelantes independentes)?

. Isto é, o solo deve ser classificado como apto para construção? E merece que lhe seja aplicável o artigo 26º, nº 12, do CE?
. O índice de construção a aplicar deve ser o de 1,00 (média densidade)? Ou, no mínimo, de 0,80 (baixa densidade)?
. O índice fundiário a aplicar deve ser o de 24%?
. E o custo de construção a aplicar é o de 850,00 € ( x 1 x 24% = 204,00 € / m2)?
. A desvalorização resultante de fixação de uma servidão non aedificandi na parcela sobrante merece ser indemnizada no processo de expropriação?
. Em que termos deve ser actualizado o montante da indemnização encontrado?

(2) Ou é-o pelo de 10.545,00 € (tese da apelante subordinada)?

. Isto é, o solo deve ser avaliado não mais do que nos termos do acórdão arbitral?
. Sendo a avaliação um mecanismo instrutória e a arbitragem uma decisão jurisdicional, tem a última um valor superior ou igual à primeira?
. O solo nem é apto para construção?
. O artigo 26º, nº 12, não é aplicável já que uma parte do prédio foi adquirida (por sucessão hereditária) já depois da vigência do PDM de Cascais?
. E ainda porque essa aplicação supõe um determinado investimento em função da sua capacidade edificativa – que não ocorre – retirada a posteriori pelo PDM?
. O índice de construção a aplicar deve ser o de 0,377 (o médio no raio de 300m)?
. E o índice fundiária máximo de 10%?
. Há que efectuar a dedução prescrita no artigo 26º, nº 10 (grave crise económica e financeira em que se encontra a economia portuguesa)?
. O valor médio de mercado de terrenos com as características da parcela oscila entre 15,00 €/m2 e 32,00 €/m2?

(3) Ou é outro o volume dessa recta compensação? Porventura o que retrata a quantia de 21.651,50 € (fixado na sentença do tribunal “a quo”)?

. Isto é, [Vt/m2 / 93,50 € (850,00 € {custo construção} x 0,50 {índice construção} x 22 % {índice fundiário}) x área da parcela / 229 m2] + [valor das benfeitorias / 240,00 €]?

            II – Fundamentos

            1. As questões concernentes à nulidade da sentença.

            1.1. Nulidade por falta de fundamentação.
            É a apelante subordinada (a expropriante) que suscita a questão da carência de fundamentação do julgado, em especial por este se limitar a aderir ao relatório pericial (maioritário) sem equacionar as questões jurídicas controversas.

            A necessidade de fundamentação das decisões dos tribunais tem consagração constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República) e legal (artigos 158º, nº 1, e 659º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Não lhe basta a simples adesão ao argumentário contido no requerimento ou na oposição (artigo 158º, nº 2, do CPC). E, se faltar, acarreta a nulidade da própria decisão (artigo 668º, nº 1, alínea b), do CPC).

            A respeito do vício da nulidade vem-se, porém, entendendo que ape-nas se verifica quando haja uma completa ausência dos fundamentos, de facto ou de direito, em que assenta a própria decisão;[2] ou seja, quando a falta da indicação dos factos ou do enquadramento jurídico seja absoluta, a ponto de nem sequer permitir formular um juízo de mérito ou demérito sobre as questões solvendas. Distinto será o caso em que a fundamentação seja medíocre ou insuficiente, o qual poderá, quando muito, envolver um juízo de improcedência com funda-mento em erro de facto ou de direito; mas já não vício de omissão.
            É portanto primordialmente uma imperfeição de forma; uma lacuna ou envolvência de vazio que não viabiliza a seu próprio respeito apreciação alguma.

            Ora, neste quadro, não parece que a sentença impugnada padeça da apontada imperfeição. Na óptica dos factos, ela discrimina-os, em seis pontos (v fls. 509 a 511); e, da mesma forma, na óptica jurídica, não deixa de indicar e avaliar as disposições legais tidas por ajustadas (v fls. 511 a 517). Termina – é certo – por aderir, no geral e sem maiores explicações, ao parecer dos peritos nomeados pelo tribunal, contido na avaliação que teve lugar (v fls. 517 a 519); e aí sustenta o julgado final. Mas não labora em omissão tal, capaz de prejudicar o próprio juízo de mérito. Este, fá-lo-á o tribunal de recurso, precisamente escruti-nando o acertado (a suficiência) ou infundado (a insuficiência) dos alicerces da-dos para a decisão final, para o dispositivo com que remata a sentença.
            Improcede, nesta óptica, o vício, como invocada nulidade.

1.2. Nulidade por omissão de pronúncia.
            É também a apelante subordinada que argui o vício de omissão de pronúncia da sentença, por esta se não ter pronunciado sobre as questões que ela oportunamente suscitara na sua alegação.

            Está em causa a disposição do artigo 668º, nº 1, alínea d), início, do Código de Processo Civil; segundo o qual padece de nulidade a sentença quando o juiz nela deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar. É pre-cisamente a designada “omissão de pronúncia”, em directa conexão com o co-mando ínsito no artigo 660º, nº 2, início, do mesmo código; deste resultando que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, a menos que se trate de questões cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras.

Neste particular, o que se vem dizendo é que o sentido do vocábulo “questões”, aí empregue, não é confundível com as “razões” ou “argumentos” que as partes produzam; mas quer significar unicamente os “assuntos solven-dos”, que respeitem, em particular, ao pedido, causa de pedir ou excepções dedu-zidas, que não aos motivos de sustentação de cada um dos pontos de vista.[3]   Por outro lado ainda, que se certo “assunto”, a que se dá solução, tornar desneces-sária, por indiferente, a abordagem de um outro, ainda que este último haja sido levantado pelas partes, não carece (então) o juiz de se pronunciar sobre ele.

            Em matéria de instância expropriativa, a questão decidenda nuclear é a da concretização do montante da (justa) indemnização a pagar ao expropriado pela entidade expropriante (artigo 66º, nº 1, do Código das Expropriações).
            Essa, abordou-a a sentença da 1ª instância; fixando o indemnização.

            Instrumentalmente surgem, depois, outros quantos assuntos que precedem, e condicionam, a resposta a dar àquele; o essencial.
Ora, neste particular entronca a análise da omissão de pronúncia.
A apelante (subordinada) autonomizou, na sua alegação, (1) a apreciação relativa do acórdão arbitral e da avaliação, (2) os critérios seguidos na primeira e (3) os critérios seguidos na segunda, e, por fim, (3) o problema da justa indemnização.
Ora, quer a apreciação do acórdão arbitral recorrido, quer a ponderação dos meios da prova, bem como a equacionação dos critérios emergentes das normas jurídicas aplicáveis do Código das Expropriações, não deixaram de ser ajuizados na sentença. Podem não o ter sido de um modo livre de crítica, já que o foram (e meramente) por adesão ao juízo pericial dos três peritos, que o tribunal nomeou; e deixando assim a ideia de que é o conteúdo do laudo deles o que retra-ta o recto enquadramento das normas jurídicas expropriativas, conducente à final estatuição. Mas, mesmo com tais contornos, a apreciação está lá; não foi omitida.
Já o assunto de saber do concernente mérito ou demérito, escapa ao vício formal da pura lacuna de conhecimento. É já questão de substância.
            Também aqui, o vício, como invocada nulidade, não existe

1.3. Poderes de cognição do tribunal “ad quem” .
            Aliás, neste particular, sempre se diga que, nulidades da sentença houvesse, competiria a este tribunal “ad quem” supri-las; por, na hipótese, e dada a respectiva natureza, dispor de todos os elementos necessários para tanto.
            É que, nesta matéria, rege primordialmente a regra da substituição.
            Ainda que declare a nula a decisão que põe termo ao processo, na medida em que o tribunal de recurso disponha dos alicerces adequados à produção de uma decisão de mérito conscienciosa, e justa, a ela deve aderir, produzindo-a ao invés de ordenar ao tribunal de que se recorre que o faça – é a norma do artigo 715º, nº 1, do Código de Processo Civil.

            2. As questões concernentes à ampliação da matéria de facto.

            2.1. Ambos os apelantes (principais e subordinada) propugnam uma ampliação dos factos provados enquadrantes dos normativos da justa indemnização.

            Em processo expropriativo é primordialmente a decisão arbitral que inicia a circunscrever a matéria de facto relevante para a decisão. Com efeito, o acórdão dos árbitros, proferido em conferência, é devidamente fundamentado (artigo 49º, nº 2, início, do CE); e, para lá do mais, é-lhe aplicável o disposto no artigo 21º, nº 4;[4] significando claramente a necessidade da sua sustentação fáctica semelhantemente ao que acontece em qualquer sentença de cariz jurisdicional (artigo 659º, nº 2, início, e nº 3, do CPC).[5] 
Apetrechados com essa decisão, aos interessados é reconhecido o direito da interposição de recurso (artigos 51º, nº 5, final, e 52º, nº 1, do CE). O requerimento de interposição exporá logo as razões da discordância e proporá provas (artigo 58º do CE); como semelhantemente as proporá a parte contrária na respectiva resposta (artigo 60º, nº 2, do CE).
Significa, então, que o recurso interposto pode ter uma vertente de facto ou uma vertente jurídica, ou ambas.
O recorrente pode discordar do quadro de facto em que se haja sustentado a decisão arbitral para integrar o direito; entender que os factos ali foram incorrectamente considerados; ou até acrescentar outros factos novos, ali omitidos, mas que, na sua óptica, comportem real eficácia condicionante do consciencioso julgamento jurídico. Naturalmente, se esse recorrente for o expropriado, tais factos hão-de ser os que concretizem a configuração concreta do crédito indemnizatório que propugne (artigo 342º, nº 1, do Código Civil); já se for a entidade expropriante hão-de principalmente ser os de natureza exceptiva, com virtualidade de comprimir esse crédito (artigo 342º, nº 2, do Código Civil).
Mas pode o recorrente pôr em crise apenas a aplicação do direito.
Nessa hipótese, os factos provindos da decisão arbitral hão-de ser tidos, em princípio, como tendencialmente consolidados; e salvo alguma excepção hão-de ser mantidos pela sentença que vier a julgar o recurso interposto; como subsequentemente pelo acórdão da Relação, na apelação que dela se desencadeie.
Convém notar que esta consolidação fáctica se distingue do dever de a decisão conter todos aqueles factos que decorram de uma prova legal e tarifada, a prova plena; já que esta comporta estrita matéria de direito (artigo 659º, nº 3, início, do CPC). Os factos que consideramos consolidados, desde que não impugnados ou preteridos na decisão dos árbitros, são principalmente aqueles revelados por meios de prova de livre apreciação (artigos 655º, nº 1, e 659º, nº 3, final, do CPC); já que só estes envolventes de verdadeiro julgamento de facto.
A própria diligência instrutória da avaliação, obrigatória na instância expropriativa (artigo 61º, nº 2, do CE), há-de primordialmente e via de regra fundar-se naqueles factos (inicialmente) reconhecidos pela arbitragem. A avaliação constitui um meio de prova pericial (artigo 388º do Código Civil); por reporte à situação existente na data da declaração de utilidade pública (artigo 24º, nº 1, início, do CE). E sem prejuízo do apoio devido aos peritos, por meios complementares que reclamem (artigo 583º, nº 1, do CPC), serão sempre aqueles factos importante plataforma para a sustentação do parecer que o seu relatório retrate.

            Na hipótese dos autos só os expropriados impugnaram a arbitragem.
E primordialmente por razões de aplicação do direito.

            Em termos de facto o conteúdo do acórdão arbitral não se discute.
            E disso fez, no seu essencial, eco a sentença agora apelada.
           
2.2. Mas em recurso principal dizem os apelantes que “deve ter-se por assente, para além da matéria elencada na sentença recorrida [ainda] a seguinte”.

            Em primeiro, que “ (…) foi fixada uma zona de servidão non aedificandi de edifícios a menos de 40 m a contar do limite definitivo previsto das plataformas da auto-estrada”. É o artigo 4º, nº 1, alínea b) i), do Decreto-Lei nº 242/2006, de 28 de Dezembro que fixa a referida zona de servidão non aedificandi; por conseguinte, tratando-se de uma inferência jurídica que tem por fonte uma disposição legal, sem sequer comportar matéria de facto (esta estritamente constituída por algum extracto de realidade capaz de enquadrar previsões jurídico-normativas).

            Em segundo, que o bem expropriado “esteve registado a favor da 1ª expropriada M(…) e marido L(…), por partilha por morte de J(…) e mulher, anteriores possuidores, desde 10.11.93”. É verdade e está documentado que assim é (doc fls. 27); o facto será aditado no contexto do artigo 659º, nº 3, início, do Código de Processo Civil.

            Em terceiro, que a Rua …, com a qual o bem expropriado confronta a sul é “pertencente ao aglomerado urbano de Alcabideche”. É também verdade e inequívoco que assim seja (doc fls. 142); a redacção dos factos, a que se vai proceder no lugar próprio, melhor o explicitará.

            Em quarto, que “o prédio de que faz parte a parcela se situa nas imediações de aglomerado urbano”. Também não merece dúvida, já que quer na vistoria ad perpetuam rei memoriam, quer na arbitragem, a circunstância foi reconhecida (docs fls. 80, 81, 148 e 150). Cremos, porém, que a explicitação de que o bem confronta a sul com rua pertencente ao aglomerado urbano de …, que se fará na narrativa dos factos, é suficiente para obter aquela inferência; não havendo que o reiterar, em mera repetição do que já resulta ser certo.

            Em quinto, que a parcela foi classificada “na decisão arbitral, como solo apto para construção”. Neste particular, não se vislumbra matéria de facto; essa classificação resulta de um enquadramento legal (artigo 25º, nº 1, alínea a), do CE) e não é a circunstância de a arbitragem o haver concluído que comporta o facto constitutivo do crédito; esse, apenas aquele que permita a ilação jurídico-normativa de que o solo merece, afinal, uma tal classificação.

            Em sexto, que no relatório de arbitragem se considerou um índice de 15% do custo de construção, bem como demais índices de variação, completando o “total do índice fundiário = 24,0 %”. É também inequívoca matéria jurídica, aqui, em particular, de aplicação dos índices previstos nos nºs 6 e 7 do artigo 26º do CE; donde, constituindo factos apenas o substrato que permita ver preenchidas as concernentes previsões; não tendo, por si mesmo, o extracto decisório arbitral, virtualidade constitutiva do concreto indemnizatório pretendido.

            Em sétimo e em oitavo, que a parcela sobrante fica parcialmente abrangida pela servidão non aedificandi de edifícios a menos de 40 m e que os senhores peritos consideraram existir uma faixa non aedificandi em resultado da construção da obra com cerca de 500 m2. O assunto é, neste particular, envolvente de enquadramento jurídico normativo. Desde logo, é um diploma legal que estabelece a mencionada faixa non aedificandi. Por outro lado, não é a respectiva (porventura inequívoca) existência que, por si só, potencia o direito à indemnização. O que está em causa é primordialmente o enquadramento do preceito sobre expropriação parcial, que manda compensar a depreciação da parte não expropriada ou os prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável, na medida em que tais constrangimentos resultem da divisão do prédio (artigo 29º, nº 2, do CE); disposição que até na interpretação conferida pelo assento nº 16/94, de 15 de Junho – a que adiante nos referiremos – não dispensa o efectivo prejuízo criado pelo vínculo da não edificação. Ora, a ampliação da matéria de facto pela Relação apenas se justifica se esta a considerar indispensável (artigo 712º, nº 4, intermédio, do CPC). E nem é esse o caso – a fixação da servidão non aedificandi não tem, só por si, virtualidade constitutiva de crédito indemnizatório. Mas voltaremos ao tema.

            Em nono e décimo, que “J(…) faleceu em 25 de Fevereiro de 1981” (doc fls. 332) e que “L(…) faleceu em 5 de Janeiro de 1999” (doc fls. 334). São factos incontestáveis. Discriminar-se-á, contudo, este último apenas, já que, demonstrada a inscrição registral do bem, em nome de L(…) e esposa M(…), pelo menos desde 10 de Novembro de 1993 (doc fls. 27) (portanto até antes da publicação da resolução do conselho de ministros nº 96/97,[6] que ratificou o plano director municipal de …), é quanto basta para a conscienciosa apreciação decisória da questão controversa.

            2.3. Agora a apelante do recurso subordinado; que propugna também a ampliação a factos “assentes … que a sentença recorrida inadvertidamente ignorou”. E assim refere (1) servidão rodoviária non aedificandi que onerava a parcela à data da d.u.p., (2) índice de construção médio da envolvente da parcela num raio de 300m de 0,377, (3) valor médio de mercado de terrenos na zona entre 15 €/m2 e 32 €/m2, (4) grave crise económica e financeira da economia portuguesa, (5) registos fotográficos juntos à vistoria ad perpetuam rei memoriam, e (6) a distância de 170m das infra-estruturas urbanísticas.
            Ocorre, contudo, isto. A (agora) apelante subordinada (a expropriante) não recorreu da decisão arbitral. Mesmo sem proceder a depuração do que constitua matéria de facto, nos aspectos vários que elenca, a verdade é que só com dificuldade se concebe que a sua apelação seja capaz de desvirtuar os factos em que se sustentou a arbitragem; particularmente aqueles que alicerçam a classificação, aqui feita, de solo apto para construção; os que apoiam o índice fundiário fixado de 0,50; ou, ainda, o valor de mercado do solo de 45,00 €/m2.
Em bom rigor, não fôra a impugnação feita à arbitragem pelos expropriados, já nada era discutível ao propósito agora propugnado na apelação pela expropriante. Donde, não poder já haver modificação de facto, nem reavaliação de meios de prova, sujeitos à livre convicção, que a sustente (artigo 659º, nº 3, final, e 712º, nº 1, alínea a), início, do CPC); apenas ampliação de facto que se apoie em provas tarifadas, porventura, preteridas na sentença proferida no tribunal “a quo” (artigo 659º, nº 3, início, e 713º, nº 2, final, do CPC). Só isso.

A narrativa factual seguinte reflectirá estes considerandos.

            3. A narrativa dos factos provados.

            Dito o que precede.
Depurando a matéria de facto, com interesse para fixar a justa indemnização; seleccionando-a tendo por primordial base a contida na decisão arbitral, nos extractos desta não objecto de recurso; equacionada a prova plena, emergente do direito probatório material; ajustando a respectiva redacção; e reordenando-a por uma ordem tendencialmente lógica e cronológica; tudo isto tendo em conta; são, então, os seguintes os factos que importa discriminar:

i. Na 2ª conservatória do registo predial de ...s, por apresentação de 10 de Novembro de 1993, está inscrita a aquisição, em favor de L(…), casado com M(…), em comunhão geral, por partilha por morte de J(…) e mulher P(…), do prédio rústico “terra de cultura arvense de sequeiro e de mato” (norte e sul, caminho; nascente, A(…); poente, J(…) e M(…)), artigo ...7, secção ..., descrição ... (doc fls. 25 a 28);
ii. No dia 5 de Janeiro de 1999 faleceu L(…), no estado de casado com M(…) (doc fls. 334);
            iii. Na mesma conservatória do registo predial, por apresentação de 16 de Maio de 2000, está inscrita a aquisição, em favor de M(…), S(…) e J(…), sem determinação de parte ou direito, por meação e sucessão por morte, do prédio rústico descrito em i. (doc fls. 25 a 28);
            iv. Por despacho do secretário de estado das obras públicas e comunicações, publicado no Diário da República nº 91, 2ª série, de 12 de Maio de 2008, foi declarada a utilidade pública urgente da expropriação da parcela de terreno, identificada com o nº 146, com a área de 229 m2, a destacar do prédio rústico, inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob o artigo ..., Secção ... e descrito na 2ª conservatória do registo predial de ... com o nº ..., confinando a norte com caminho, a sul com caminho, a nascente com A(…) e a poente com J(…) e M(…) (docs fls. 20 a 22 e 76 a 77);
v. A referida parcela de terreno era destinada à construção da auto-estrada A16 / IC30 - lanço Linhó (EN9) / Alcabideche (IC15);
vi. No dia 20 de Junho de 2008, era a seguinte a “descrição da parcela”:
“com a forma de um losango, com ligeiro pendente no sentido sul / norte, onde é limitada por um muro em pedra solta. À data ... não tinha qualquer uso, encontrando-se coberta de vegetação espontânea herbácea e arbustiva (mato, canas e silvas), alguns pinheiros bravos de pequeno porte, sendo ainda de referir a existência de afloramentos rochosos e pedrogosidade”
(doc fls. 77);
vii. “Constituía o topo norte do prédio da qual é destacada, marginando um caminho” (doc fls. 142);
viii. “Na zona envolvente da parcela – menos de 300 m – existem construções, fundamentalmente do tipo moradia, situando-se porém na Rua da ...a mais de 240 m do local da parcela prédios de habitação de 4 e 5 pisos” (doc fls. 142);
ix. “Em termos paisagísticos, a envolvente da parcela situa-se em zona de passagem entre os centros de Cascais e Sintra, local de algumas infra-estruturas e equipamentos conhecidos, nomeadamente o Autódromo do Estoril e Cascais Shopping, encontrando-se em construção, nas imediações, o futuro Hospital Regional de Cascais” (doc fls. 142);
x. Quanto a “infra-estruturas urbanísticas”:
“a parcela não tem quaisquer infra-estruturas, no entanto, o prédio confronta a sul com a Rua M(…) [pertencente ao aglomerado urbano de Alcabideche, via] pavimentada a betuminoso, que dispõe de redes de água, de telefone, de electricidade, drenagem pluvial e saneamento ligado à ETAR”
(docs fls. 77 e 142);
xi. E quanto a “benfeitorias”:
. Muro em pedra solta – 12m x 1m = 12 m2;
   . 4 Pinheiros jovens.”
(doc fls. 77);
xii. Por apresentação de 13 de Fevereiro de 2009, está incrita em favor do Estado a aquisição, por expropriação por utilidade pública, do prédio rústico, parcela 146, com a área total de 229 m2, “terreno – norte e sul c/ caminho, nascente c/ A(…) e poente c/ J(…) e M(…)”, matriz ..., secção nº ... (parte), “desanexado do descrito sob o nº ...” (doc fls. 224 a 225).

4. O mérito jurídico – a medida concreta da justa indemnização.

            4.1. Enquadramento preliminar.
É – já o dissemos – a concretização do conceito da justa indemnização o cerne do assunto decidendo.
A propriedade constitui um direito fundamental, com a inerente salvaguarda (artigo 62º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa); compreendendo-se que qualquer ablação que a atinja mereça o pagamento de justa indemnização (artigo 62º, nº 2, da CRP). Dir-se-á ser este o quadro constitucional a que a lei ordinária se mostra circunscrita. Parece ser essencial a reintegração da esfera patrimonial do expropriado; o seu direito de propriedade como que se transforma, por via do acto ablativo, no direito ao respectivo valor; tratando-se de o repor na situação económica equivalente àquela em que se encontraria, não fosse o surgimento do falado acto.[7] 
O consenso do que em tese geral assim se adianta tem tendência a dissipar quando se avança para o nível mais concreto; de conhecer, em cada situação, o momento certo em que se alcança o patamar da reintegração justa, e se fica a radicar nesta. E dessa controvérsia faz eco a abundante, e quantas vezes desencontrada, jurisprudência que se vem produzindo sobre o assunto.

Em todo o caso.
            O acto ablativo de expropriação não é cindível da realização contemporânea de uma reposição ajustada na esfera do expropriado (artigos 1308º e 1310º do Código Civil, e 1º do Código das Expropriações).
            Essa adequação da reposição, que se concretiza no pagamento da justa indemnização, significa que não há-de a mesma pecar por defeito, mas também que o não o poderá fazer por excesso.
É o artigo 23º do Código das Expropriações, que principalmente apresenta as linhas gerais da indemnização justa; esta, o que pretende é ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação; retratado no “valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data” (nº 1); havendo o valor dos bens de “corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado”; e para o que se faculta, até, a hipótese de um ajustamento, mesmo oficioso, se for necessário para conduzir a que se atinja efectivamente esse objectivo (nº 5).

Os preceitos seguintes desenvolvem essas linhas gerais.
Contribuindo para envolver a maior objectividade nos valores a fixar.
A quantia da indemnização é calculada com referência à data da declaração de utilidade pública; e é actualizada à data da decisão final do processo, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação (artigo 24º, nº 1).
Para este efeito, o solo classifica-se como apto para a construção ou para outros fins (artigo 25º). Se o solo for apto para a construção, estabelece o artigo 26º, nº 1, o seu valor calcula-se “por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal”; e seguindo toda a sequência de orientações contidas nos diversos normativos dos restantes números do mesmo artigo.[8]

            Não é tarefa fácil a da concretização da justa indemnização.
            Ela envolve, via de regra, a exigência do conhecimento profundo dos mercados e das suas variações e contingências; para lá disso, mas também integrado na mesma tarefa, ainda o domínio de conhecimentos em áreas específicas do saber e da intervenção, que a generalidade dos julgadores não possui.
            É esse o motivo pelo qual, na economia do procedimento expropriativo, sempre que haja recurso da decisão arbitral, por discordância do valor da indemnização por ela fixado, se impõe como imperativa, na busca de potenciar a decisão mais justa, que melhor salvaguarde os interesses latentes de direito material, a diligência instrutória da avaliação (artigo 61º, nº 2, do CE);[9] cuja natureza típica é, como sabemos, a de prova pericial, se bem que de características particulares; mas, como toda, destinada a apoiar o julgamento do tribunal; e sujeita ao crivo da (mera) livre apreciação deste (artigos 388º e 389º do Código Civil).
            Não está, portanto, em causa a decisão do tribunal. Verdadeiramente é ele quem decide, constituindo a avaliação uma (mera) diligência instrutória.
            Não obstante, o que acontece – com naturalidade – é que, dada a iminente tecnicidade dos assuntos postos à apreciação, a racionalidade, a razoabilidade e a obediência aos cânones coerentes de ciência e lógica, aconselham, via de regra, a uma adesão aos juízos de perícia formulados; e, na inversa, que só uma sólida sustentação seja capaz de alicerçar a divergência do tribunal relativamente às conclusões periciais. Quer dizer, mostrando-se estas ajustadamente fundamentadas, e na falta de outro argumento relevante por carência de justificação técnica, ou técnico-construtiva, para além dos já sopesados na decisão arbitral, é adequado que a livre apreciação corresponda, via de regra, à adesão, a uma especial guarida que seja dada ao exame pericial.

            Seja como for; ao juiz compete fixar o montante concreto da indemnização que haja de ser entregue aos expropriados (artigo 66º, nº 1, do CE).

4.2. O caso concreto dos autos.

            4.2.1. Na hipótese dos autos a declaração de utilidade pública foi publicada no dia 12 de Maio de 2008; sendo o bem a expropriar consistente em uma parcela de terreno, com a área total de 229 m2, a destacar do topo norte de um prédio, com construções, fundamentalmente do tipo moradia a menos de 300m, e a mais de 240m prédios de habitação de 4 e 5 pisos, sem infra-estruturas urbanísticas, mas confrontando o prédio de onde se destaca, a sul, com rua de aglomerado urbano, via pavimentada a betuminoso, dispondo de redes de água, telefone, electricidade, drenagem pluvial e saneamento ligado à ETAR.

            Classificou a arbitragem esta parcela como solo apto para a construção (fls. 142). Semelhantemente, na avaliação, os peritos nomeados pelo tribunal e o designado pelos expropriados (fls. 245 a 246).
Já o designado pela expropriante, discordando embora dessa classificação, admitiu, contudo, “que o valor da parcela possa emanar, por similaridade, da aplicação do disposto no nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações” (fls. 249).

            A sentença agora recorrida optou pela aptidão construtiva.
            E o assunto volta, agora, a ser discutido como objecto da apelação.

Vejamos.
A parcela expropriada não pode ser classificada senão como solo apto para construção. Diversas razões o impõem.
            O critério da aptidão construtiva obtém-se das três alíneas, do nº 2, do artigo 25º, do Código das Expropriações. Não de outros critérios, nem de outros elementos. Entretanto, é consensual a inserção da parcela em espaço-canal, resultado da delimitação na carta de ordenamento do PDM – Cascais,[10] reconhecida na arbitragem (fls. 142) e na avaliação (fls. 245).
            A classificação de um solo para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos, por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição haja sido anterior à sua entrada em vigor, não tem a virtualidade de prejudicar a sua aptidão edificativa; pelo menos para efeitos expropriativos – é a norma do artigo 26º, nº 12, do Código das Expropriações. Essencial é que essa aptidão, para lá de uma tal classificação de ordenamento do território, decorra ainda da integração em algum dos critérios estabelecidos nas alíneas do artigo 25º, nº 2, citado.[11]  É, por isso, comum dizer-se que a operacionalidade daquele artigo 26º, nº 12, pressupõe o prévio enquadramento no artigo 25º, nº 1, alínea a) – a precedente verificação de que o solo tem aptidão construtiva.
            O artigo 26º, nº 12, não abdica da aptidão construtiva do solo.

            Ora, no caso dos autos, esta parece existir; posto que o prédio – de que a parcela é trecho – confronta com rua, de aglomerado urbano, pavimentada e dotada das infra-estruturas (facto x.) (artigo 25º, nº 2, alínea a), do CE).
            Por outro lado, se assim é, o argumentário do laudo do perito que a expropriante designou é, em si mesmo, incoerente – pois se aplica o critério avaliativo do artigo 26º, nº 12, então tem de pressupor que o solo é apto para construir, e não pode equacionar o solo como apto (apenas) para outros fins.
            Ademais, nem a ideia avançada pela entidade expropriante de que à data da d.u.p. a parcela já estava onerada por uma servidão rodoviária non aedificandi, por virtude da sua proximidade à EN 9, merece acolhimento. É que, sobre o assunto, pronunciaram-se os cinco peritos; de modo negativo, o dos expropriados; no sentido de que (só) parte da parcela era atingida pela servidão, o da expropriante; e opinando que se tratava de uma pequena parte, sem expressão, os três do tribunal (fls. 265). Isto é, e em síntese, no juízo técnico pericial, com o consenso de não ser toda a parcela expropriada onerada; e, por outro lado, sem um juízo concludente (nem do perito da expropriante) de que a parcial oneração pudesse ter a virtualidade bastante para desvirtuar a classificação do solo
            Por fim, a não interposição de recurso da decisão arbitral, sobre esta questão, permitiu que o assunto, perfeitamente condicionante do volume indemnizatório nela fixado, transitasse em julgado. É esta a jurisprudência maioritária a respeito do caso julgado em instância expropriativa; na medida da essencialidade de questões e assuntos para o dispositivo cominado, para a decisão final que é estabelecida, ocorre extensão de caso julgado (material); que assim se não limita ao extracto puramente injuntivo ou decisório do acórdão arbitral, mas alcança (ao menos) algumas questões logicamente precedentes e onde aquela decisão (final) essencialmente se funde.

            4.2.2. O solo expropriado é, neste quadro, apto para a construção.
            E, sendo-o, veicula a aplicabilidade no caso do artigo 26º, nº 12.

            A inserção do solo expropriado em espaço-canal, pelo Regulamento do PDM de Cascais, desde 1997, significava a sua correspondência a um corredor a activar por infra-estruturas e com o efeito de barreira física dos espaços marginados (artigo 2º, nº 1, alínea i)). A sua expropriação fez-se, em 2008, para a construção de uma auto-estrada (facto v.). O solo pertencia aos expropriados, que o haviam adquirido – a M L., desde 1993, em parte; e ela e os outros co-expropriados, S. M e J A., desde 1999, por sucessão (factos i. a iii.).

            Já dissemos que o artigo 26º, nº 12, do CE, reporta ao cálculo do valor do solo apto para construção. Mas tal só assim é na medida em que o solo haja sido adquirido pelo expropriado em data anterior à entrada em vigor do plano de ordenamento do território que o haja classificado para a afectação pública.
            Percebe-se porquê. Em rigor, a afectação pública suprime a eficácia edificativa, comprime o valor do solo; e, não fôra a disposição normativa, permitir-se-ia alguma manipulação – afectar o solo com o intuito único de reduzir automaticamente o volume indemnizatório devido pela sua expropriação e, ao mesmo tempo, frustrar legítimas expectativas dos proprietários. É portanto obstar a classificações dolosas dos solos e a manipulações intencionais das regras urbanísticas, pelos planos municipais de ordenamento do território,[12] em notória preterição e prejuízo dos expropriados, o objectivo visado pela disposição.
            Mas se o expropriado, quando adquire o bem, o recebe onerado com aquele encargo de afectação pública, já se perde a finalidade assim gizada. A sua expectativa não pode ser outra, senão a de ser reparado pelo bem onerado que adquiriu, mas já na pendência do plano de ordenamento territorial.
            Volta a perceber-se, numa óptica de aquisição intencional, como seja por exemplo a decorrente da compra do solo. Mas merece fundadas reservas se a aquisição tiver génese em facto alheio à vontade, como se dá na sucessão por morte. É que então o fenómeno (sucessório) como que se impõe, como resposta à impossibilidade (jurídica) de uma interrupção nas relações jurídicas do “de cujus”; mal se percebendo que o decesso deste (facto jurídico que os interessados não dominam) pudesse, em si, ter ainda a virtualidade de poder comprimir (e fortemente) o valor do bem transmitido – representado este pelo (virtualmente) devido em função da sua expropriação.

            Ainda assim, no caso dos autos, apenas os expropriados S. M e J A. haviam adquirido (exclusivamente) por sucessão, em data posterior ao plano ao ordenamento do território, tendo a expropriada M L. adquirido (em parte) numa data precedente. Ora, os índices de avaliação não são cindíveis; e a expectativa de valor (ao menos) da última sairia frustrada, contra a tutela da norma, se o solo em que comungou como meeira se visse (gravemente) comprimido por via da morte do seu cônjuge, o “de cujus” e autor da sucessão.

            Mais; na inversa do que propugna a entidade expropriante, em recurso subordinado, em lado algum aparece o enquadramento normativo condicionado a qualquer investimento prévio à classificação do PDM. À norma jurídica basta a aquisição anterior, como indicio fundante de uma expectativa de valor, que a lei acolhe, e que essa classificação pudesse vir preterir.
            Por fim, fôra enquadramento normativo que a arbitragem realizara; sem reacção formal (e atempada) da entidade expropriante. Para lá de tudo, parece-nos que o trânsito em julgado, nesse extracto, é também operativo.

Cremos, então, que a hipótese dos autos merece razoavelmente ser integrada na previsão normativa; o que pode até ser apoiado pelos livres ajusta-mentos que o procedimento expropriativo viabiliza (artigo 23º., nº 5, do CE).

            Reconhecido o enquadramento, estatui o artigo 26º, nº 12, que o valor do solo deva ser calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300m do limite da parcela expropriada.
Esta estatuição também não é isenta de dúvidas. Escreve, a seu propósito, FERNANDO ALVES CORREIA que “quando o área correspondente ao círculo cujo perímetro exterior se situe a 300m do limite do terreno a expropriar estiver toda ela ocupada com edifícios ou construções, o valor do solo expropriado deve ser calculado em função do valor médio dessas construções (o qual é determinado de acordo com o preceituado no artigo 28º do CE); quando a referida área integrar parcelas com aptidão edificativa, o valor do mencionado solo deve ser calculado em função do valor médio das construções que seja possível implantar nas referidas parcelas (o qual deve ser apurado de acordo com o estatuído nos diferentes números do artigo 26º do Código).”[13]

            Na hipótese dos autos, existem construções na zona envolvente da parcela, a menos de 300m (facto viii.); mas não é verdade que toda a área (correspondente ao círculo do perímetro desses 300m) esteja ocupada por edifícios e construções – o que, a sê-lo, então sim, seria condição para seguir a avaliação desses edifícios e construções (artigo 28º, nº 1).
A valorização do solo há-de portanto ser feita no quadro do artigo 26º, nº 1, do CE. E sempre sem prejuízo – esta mesma disposição o explicita – dos ajustamentos equitativos necessários ao encontro da justiça concreta no ressarcimento devido pela ablação a que se procede (artigo 23º, nº 5, citado).

4.2.3. A própria lei explicita que os critérios constantes do artigo 26º do CE são critérios (estritamente) referenciais (artigo 23º, nº 5, início); por conseguinte, que não absolutamente vinculativos; se bem que seja ajustado tê-los co-mo importantes pontos de menção, concedentes de rigor e objectividade numa matéria difícil e de melindre como é a de fixar o valor de reintegração da esfera jurídica patrimonial que, por acto impositivo, se vê inesperadamente constrangida.

            O critério de base deriva do artigo 26º, nº 4, final;[14] o valor a considerar há-de ser o do custo da construção, em condições normais de mercado, encontrado no quadro dos índices contidos nos números seguintes do mesmo artigo.[15]

            Vejamos então.
            E primordialmente escrutinando o índice de construção viabilizado na parcela expropriada. Esse índice fôra estimado em 0,50 na arbitragem; e igualmente na avaliação, pelos peritos do tribunal e dos expropriados, propondo o da expropriante um índice de 0,377. Agora, na apelação, os expropriados visam o índice de 1,00, correspondente a espaço urbano de média densidade, ou ao menos de 0,80, correspondendo a baixa densidade; e a expropriada o de 0,377.
            Quer-nos parecer que a decisão mais ajustada, neste particular, há-de necessariamente ter em conta a capacidade de edificação permitida na parcela pelo regulamento do PDM de Cascais, onde aquela se situa. Vejamos. Os documentos de cartografia, junto um à arbitragem (doc fls. 146), e outro pela expropriante em resposta ao recurso dela interposto (doc fls. 216), retratam o espaço urbano no prédio, de onde a parcela expropriada provém, como de baixa densidade; não se descortinando aí a possibilidade de a parcela poder ser classificada de um modo diverso desse. Por conseguinte, sendo-lhe aplicáveis as disposições do artigo 25º, nº 5, do regulamento do PDM. Nesse enfoque, arbitragem e avaliação (maioritária) enquadraram a alínea a) desse preceito, aplicando o índice de utilização bruto de 0,50. Julgamos que acertadamente. Para lá da estrita percepção técnica a respeito do assunto, quer-nos parecer que mais se ajusta aos objectivos expropriativos o índice de utilização bruto, como definido no artigo 2º, nº 3, alínea d), do regulamento do PDM, do que o índice líquido, referido na alínea c) seguinte. Desta forma afastando os valores da alínea c), do citado artigo 25º, nº 5, pretendidos pelos expropriados.[16]  E chegando ao índice construtivo igual a 0,50 como o adequado, como base de valorização da parcela expropriada. Valor que não sendo também o defendido pela expropriante agora em apelação, com ele se houvera porém conformado, por altura da decisão arbitral; postura então envolvente de consolidação, neste particular; e que agora tem de ser respeitada.

            Passo seguinte, o da determinação do custo da construção.
            O critério referencial é o dos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada (artigo 26º, nº 5, do CE). A este respeito, a Portaria nº 1425-B/2007, de 31 de Outubro, fixara, para o ano de 2008, o valor de 721,28 €.
            Foi o montante de que partiu a arbitragem; que lhe acrescentou 15% (“para se tornar compatível com os custos de construção de moradias praticados no local”) e aplicou, depois, o índice de 0,90 (para cálculo de área bruta de construção), chegando ao valor final de 746,50 €.
            Na avaliação, os peritos do tribunal e o dos expropriados consideraram o valor de 850,00 € (“atendendo ao local e tipo de construção” e contemplando nesse valor “todos os custos directos e indirectos, nomeadamente financeiros, correspondentes aos custos reais de mercado e à qualidade média existente nos novos empreendimentos na zona em questão”); e o da expropriante partiu do valor administrativo, aplicou-lhe o índice de 0,90 e formulou um juízo correctivo, chegando ao valor de 700,00 €.

            É nossa convicção a de que o valor a considerar nunca poderá ser inferior ao que foi atribuído na decisão arbitral. Volta a ser assunto de caso julgado; a entidade expropriada teve aquele valor por acertado, não o impugnou e, por isso, não pode agora deixar de se ter, como mínimo, consolidado. Dito isto; é melhor ajustado esse valor (mínimo) ou, para mais, aquele que foi estimado, por clara maioria, na avaliação?

            A questão conexiona-se, neste particular, com a valia do juízo pericial.
            Para já, sublinhar que é, aqui também, estritamente referencial a indicação aos valores fixados pela administração, para os referidos efeitos; significando que se não trata de adstrição ou vínculo absolutos, antes condicionados aos superiores objectivos expropriativos (artigo 23º, nº 5, citado).[17]
            Depois, sublinhar que o que está em causa são – além do mais – “conhecimentos especiais que os julgadores não possuem” (artigo 388º do CC); só por isso se justificando a intervenção de peritos, cujo estatuto está rigorosamente contemplado na lei,[18] e cuja tarefa é de relevantíssimo apoio, a este nível de tecnicidade, para um subsequente juízo de livre apreciação judicial (artigos 391º do CC e 591º do CPC). Competindo acentuar ainda que esse trabalho de perícia comporta, em alguma medida, um alcance de discricionariedade técnica, que não merece estranheza e antes deve estar presente na consciência de quem julga.

            De notar, a este propósito, a jurisprudência, algo corrente, no sentido de que, na dúvida acerca do juízo técnico formulado pelos peritos designados pelas partes e o avançado pelos judicialmente nomeados,[19] quando seja distinto, haver de (ao menos tendencialmente) seguir o propugnado por estes últimos, por provavelmente imbuído de maior isenção e, certamente, mais desprendido dos interesses latentes das partes (que precisamente os designam).
Pese embora, cremos ser de considerar semelhante a capacidade técnica e a competência relativa de todos, ao menos por princípio, e desde que não haja seguras razões que o façam preterir.
Por isso, que nem vemos que o assunto seja de valia relativa da perícia, contida na arbitragem, ou da contida na avaliação. Em rigor, e segundo o nosso ponto de vista, o valor probatório emergente de qualquer uma das perícias não é também distinto, ao menos por princípio.[20]
A distinção maior, segundo nos parece, capaz de promover alguma diferenciação, e condicionar o nível de convencimento e aceitabilidade, coloca-se verdadeiramente no patamar dos fundamentos, das justificações e explicações que sustentem os laudos; no grau de perceptibilidade e na capacidade de persuasão, que se alicerce na exactidão e pormenorização das explicações técnicas dadas – critério para que julgamos apontar o artigo 21º, final, do DL nº 125/2002, de 10 de Maio, quando comina uma fundamentação clara aos laudos periciais.

            Ora, ao que aos autos importa, não pode deixar de ser reconhecido que a sustentação dos laudos maioritários, a este particular, contida na avaliação, e mesmo com o complemento contido em esclarecimentos, não é perfeitamente esclarecedora; resguarda-se numa mera e única narrativa conceitual e genérica, sem qualquer densificação, e viabiliza a permanência de uma dúvida (geral) de como se logrou chegar ao número concreto (fls. 246 e 301).
De outro lado, apesar de tudo, com maior pormenorização, a contida na arbitragem (fls. 143 e 144); esta que, com maior transparência (e, por conseguinte, com outro nível de persuasão), precisamente, parte do montante administrativamente estabelecido (aconselhado pelo Código das Expropriações, no artigo 26º, nº 5), para só depois explicitar uma ponderação, a que procede, de áreas líquida / bruta (igual a 90%), e compatibilizar, por fim, “com os custos de construção de moradias praticados no local” (na majoração igual a 15%); de tudo obtendo o valor final.
Do nosso ponto de vista, dir-se-á que numa meditação entre um juízo (puramente) geral e abstracto, sem nota de algum conteúdo perceptível, e um outro que, apesar de tudo, seja envolvente de alguma objectividade num valor concreto, que tem como ponto de partida, a tendência persuasiva e de convencimento tende para este segundo.
É a óptica de uma legitimação, não acrítica, mas sustentada no convencimento gerado por uma justificação (logo compreensão) mais sólida.

            Ponderado, em suma, o nível de discricionariedade técnica, (sempre) imanente à perícia, e o cálculo (objectivo) que parte de uma quantia que a administração fixou, tem-se por mais credível e aceitável o custo de construção fixado pela arbitragem; e, por essa razão, a ele se adere; fixando esse custo, para os efeitos expropriativos em 746,50 €/m2.

            Por fim, a determinação do índice fundiário.
            Os árbitros fixaram-no em 12%. A avaliação, de seu turno, considerou-o, na óptica dos peritos do tribunal e dos expropriados, em 22%; e na do perito da expropriante, em 15,13%.

São essencialmente os nºs 6 e 7, do artigo 26º, do CE, aqui em causa.
            O primeiro fixando o índice máximo de 15% do custo da construção; o segundo narrando os índices de majoração condicionados pelas infra-estruturas discriminadas em nove alíneas.

            A lei reitera a exigência de justificação, de fundamentação.

            Vejamos, então, cada um dos raciocínios explicitados nos laudos.

            A arbitragem atendeu a 15% do custo da construção, e acresceu-lhe 9% correspondendo às infra-estruturas urbanísticas; depois reduziu 50% sobre o resultado global obtido, por considerar “que as infra-estruturas urbanísticas se encontram a mais de 50m”. Obteve os referidos 12%.

            Agora a avaliação.
            O laudo dos peritos do tribunal e dos expropriados, também atendeu ao máximo de 15% do custo da construção. Porém, na majoração por infra-estruturas, considerou o índice global de 8,5%, ao qual aplicou uma redução de 20% (mas apenas ao último valor percentual), “face à distância que se encontram essas infra-estruturas e eventuais necessidades de reforço”, obtendo o produto (arredondado) de 7%.[21]  Obtiveram-se assim os referidos 22%.[22]
            O laudo do perito da expropriante atendeu ao índice de 13% do custo da construção; e majorou as infra-estruturas, em função da distância e benefício capaz de servir a parcela, em 2,13%. Obteve os apontados 15,13%

            Pois bem; apreciando.
Sabemos que os critérios que a lei faculta são referenciais.
O nº 6, do artigo 26º, estabelece um máximo de 15% “variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona”; por outro lado, as majorações do nº 7, do mesmo artigo, terão “a variação que se mostrar justificada”.
Do nosso ponto de vista, é o juízo de discricionariedade técnica um dos que mais pesa para a concretização destes diversos índices parcelares. No quadro da tecnicidade, antes referida, sem preconceito ou discriminação de qualquer dos laudos, há-de merecer especial apoio à decisão judicial aquele deles que mostrar maior coerência nas fórmulas que utilize, consistência de alicerce, mesmo numa ponderação comparativa com os demais; porventura describilizando algum que, no cômputo global, mostre sensível diferenciação dos restantes.

Dito isto. O índice de construção de 15% é consensual na arbitragem e na avaliação maioritária; merecendo a discordância (apenas) do laudo da expropriante. Por outro lado, o índice da majoração por infra-estruturas (num máximo de 10%) é semelhante também na arbitragem (9%) e na avaliação maioritária (8,5%); sendo substancialmente mais reduzido no laudo da expropriante (2,13%).
A arbitragem faz incidir o factor correctivo (estimado) de 50%, por distância e esforço das infra-estruturas, sobre o produto final dos 24% a que chega (englobados aí os 15% do custo de construção). Mas pensamos que é mais razoável aplicar essa taxa de esforço, que se reporta apenas às infra-estruturas, aos índices que a esta unicamente respeitem, apenas aos derivados do artigo 26º, nº 7. Ora, é esta última a metodologia do laudo da avaliação maioritário – que aplica a correcção de 20%, mas apenas sobre a majoração das infra-estruturas.
Já o laudo do perito da expropriante é, neste particular, sensivelmente diverso de todos os demais – mesmo considerando que ele já comporta em si um factor correctivo de esforço pela distância das infra-estruturas, e ainda que eventualmente acrescido de 50% [ 2,13% x 50% = 4,16% ], a diferença continuaria substancial relativamente aos restantes.

Em suma; importa acolher um dos juízos; eminentemente técnico.
É a discricionariedade técnica, temperada pelo ajustado persuasivo das justificações a sustentarem os laudos, a pedra de toque na edificação da convicção (livre) e tomada de opção decisória. Afigura-se-nos desajustado aplicar a redução por esforço infra-estrutural também ao índice do custo de construção co-mo faz a arbitragem. De seu turno, o laudo do perito da expropriante, no seu juízo técnico, diverge sensivelmente, por defeito, dos laudos periciais restantes.
Cremos ser, deste ponto de vista, o laudo maioritário da avaliação aquele a seguir – aquele que, ponderando as variações, na óptica técnica tidas por justificadas, fixa em 15% o índice de custo da avaliação e em 7% o dos benefícios infra-estruturais [ 8,5 % - 20% = 7% ]; e conclui pelo número final de 22,00%sendo este, portanto, o valor de índice fundiário que se tomará em conta para fixar a justa indemnização.

            E, com a sustentação destes pressupostos, são estes os cálculos.

[ Índice construção x Custo construção x Índice fundiário
= Valor m2 ]

ou seja

[ 0,50 x 746,50 € x 22,00%
= 82,11 € ]

            O valor metro quadrado do solo, na parcela expropriada, que se tem por ajustado, tendo em conta os elementos de que os autos permitem dispor, e no quadro dos critérios que o Código das Expropriações faculta, é o de 82,11 €.[23]

            E assim, contendo a parcela 229 m2, é o seguinte o seu valor:

[ Área da parcela x Valor m2
= Valor total da parcela]

ou seja

[ 229 m2 x 82,11 €
= 18.803,19 € ]

            O valor da parcela, para efeitos expropriativos, é o de 18.803,19 €:

            4.2.4. Ao resultado obtido como índice de custo da construção, a coberto dos nºs 6 e 7, do artigo 26º, do CE, manda o nº 10, do mesmo artigo, aplicar um factor de correcção, agora para menos e até ao máximo de 15%, em função da inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva.
            O que aqui se tem em vista é a compensação por não existir a comum propensão prejudicial envolvente do exercício da construção, e implicante de um encargo específico necessariamente custoso.[24]  É que o expropriado não desenvolve actividade construtiva alguma, certo que se a tivesse de desenvolver teria de suportar aquele respectivo custo, e o inerente risco empresarial.[25]

            Na hipótese dos autos, nem a arbitragem, nem a avaliação autonomizaram este índice correctivo; esclarecendo a última que os prudentes cálculos efectuados “já englobam a inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva” (fls. 302).[26]
            Mas entidade expropriante suscita o assunto na sua apelação subordinada; pondo particularmente em relevo o contexto de crise em que, desde 2008, a economia portuguesa se encontra, bem como o decorrente clima de incerteza.

            Vejamos. Primacialmente para relembrar, outra vez, que os critérios do artigo 26º são estritamente referenciais (artigo 23º, nº 5, citado); não imperativos ou absolutos. Depois, para relembrar, ainda, que a decisão arbitral também não ponderou o índice, agora questionado, e que a expropriante com isso se conformou. Em terceiro, para sublinhar que o reflexo do índice tem de assentar numa análise objectiva das coisas, no retrato fáctico e concreto das circunstâncias envolventes da parcela que permitam reconhecer o invocado risco suprimido.[27]

            Ora, aceitando mesmo o cenário de crise, a que escapam os expropriados do caso, a verdade é que a entidade expropriante não repercute, com objectividade, esse cenário na parcela concreta expropriada; dito de outra forma, afinal, qual a medida concreta em que avalia o constrangimento no valor da parcela? Acresce que, referindo-se a justa indemnização à data da d.u.p. (artigo 24º, nº 1, início, do CE), natural é que a ponderação do risco suprimido nessa data, isto é, no que concretamente se pretende, o cenário de retracção económica, conste já reflectido na determinação concreta do custo de construção, referencialmente baseado no administrativamente fixado, para esse período de tempo, e depois sujeito aos juízos técnicos dos peritos. Nenhuma estranheza nisso havendo; e permitindo-o o referencial do Código das Expropriações.

            Em suma; o índice correctivo, a aplicar por defeito, contido no artigo 26º, nº 10, do CE, não é absolutamente imperativo; e só é feito reflectir no produto resultante dos demais critérios, apenas na medida do justificável.

            Se o cenário da conjuntura económica já é tido em conta no escrutínio dos valores produzidos pelos juízos técnicos – como na hipótese dos autos se esclarece a respeito da avaliação – não há que voltar a comprimir aqueles valores.

4.2.5. Controversa é, ainda, nos autos, a questão da indemnização re-lativa à parte do prédio, de que provém a parcela expropriada, mas não abran-gida pela d.u.p.. A arbitragem não a considerou. Na avaliação, os peritos do tribunal e da expropriante consideraram não haver depreciação, nem lugar a indemnização; e o dos expropriados a inversa. A sentença aderiu ao laudo maioritário. E, no recurso (principal), os expropriados retornam ao assunto, querendo ver-se indemnizados no montante de 16.750,00 € pela desvalorização da área sobrante; opondo-se, nesta sede, a expropriante.

            A controvérsia, neste particular, assenta na circunstância de o artigo 4º, nº 1, alínea b), i), do Decreto-Lei nº 242/2006, de 28 de Dezembro,[28] fixar quanto a lanços de auto-estrada zonas de servidão non aedificandi a menos de 40m do limite das plataformas de auto-estrada; quadro em que, para o caso dos autos, gera no prédio de onde a parcela expropriada se destaca a existência de uma faixa non aedificandi com aproximadamente 500 m2 (fls. 257 e 303).
Isto é certo e inequívoco; emergente de um quadro jurídico-normativo.

            Ressalta, então, que expropriada a parcela (doc fls. 224 a 225), no solo sobrante (ou numa sua parte) subsiste a apontada realidade.

            Contudo.
Quando haja de expropriar (apenas) parte de prédios, pode dar-se o caso de o sobrante, por via da divisão, ficar de tal maneira gravosamente afectado, que viabilize ao expropriado desencadear um mecanismo de expropriação total (artigo 3º, nº 2, do CE). Mas, de outra forma, também pode a divisão ser prejudicial, comportar encargos, perdas ou outros constrangimentos que, embora reais, não atinjam aquele patamar de gravosidade ou importância que a lei exige para a completa expropriação.
Na nossa óptica, é para esta derradeira hipótese que rege o disposto no artigo 29º, nº 2, do CE; isto é, uma situação que, sem a gravosidade da expropriação total, não obstante, é merecedora de uma protecção jurídica.[29]  O preceito comina um outro critério referencial para o cálculo de valor do bem afectado; na hipótese, para o cálculo do valor nas expropriações parciais; nele se prevenindo, ao que aqui importa, que quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável, devem especificar-se em separado os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que hão-de acrescer ao valor da parte expropriada.

            A constituição de servidão non aedificandi em parte sobrante de prédio expropriado comporta virtualidade indemnizatória na instância expropriativa?

            Vejamos.
            A questão não é de resposta de fácil; como o mostra a jurisprudência desencontrada que, sobre este particular assunto, se tem debruçado.

            No que ao caso dos autos concerne é a seguinte a nossa óptica.
No quadro legal do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, o Supremo Tribunal de Justiça formulou o assento nº 16/94, de 15 de Junho de 1994,[30] onde considerou ser devida indemnização, em sede expropriativa, “pelo prejuízo que efectivamente resulte, na parte sobrante dos prédios expropriados, da servidão non aedificandi decorrente da implantação de uma auto-estrada”.
            Sem embargo do valor estritamente persuasivo, semelhante ao do acórdão uniformizador de jurisprudência (artigos 17º, nº 2, do DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 732º-A, nº 1, final, do CPC), a verdade é que a doutrina vem entendendo que a orientação, naquele propugnada, permanece inteiramente válida, ainda hoje, no quadro do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 168/99, de 18 de Setembro.[31]
            Com o seu valor jurídico interpretativo, podemos então tirar, para o que mais nos importa, que a constituição de servidão comporta, ao menos por princípio, crédito indemnizatório; mas que, para que tal aconteça, se exige ainda que essa constituição haja gerado um certo prejuízo ou dano, uma menos valia, no extracto sobrante não expropriado; bem se podendo dar o caso de o vínculo de não edificação não produzir, no concreto, qualquer perda para a importância ou para o valor do solo sobrante.
Por outro lado, ainda dizer que a avaliação dessa menos-valia, dessa compressão, gerada por sobre a parte sobrante, não expropriada, se há-de reportar ao momento da publicação da d.u.p. e tendo em linha de conta as condicionantes de facto existentes por essa ocasião; como é apanágio indiscutido do direito das expropriações (artigo 23º, nº 1, final, do CE).

Dito isto; olhemos melhor para o caso dos autos.
Na diligência instrutória da avaliação disseram os peritos do tribunal e da expropriante que “a área remanescente do prédio não sofre depreciação em resultado da … expropriação”; discordando o dos expropriados, que avaliou, a este respeito, um montante de 16.750,00 € (fls. 256 a 257 e 263 a 264).
            Mais tarde, a pretexto de esclarecimentos, perguntados de como estava classificado no PDM o solo onerado, disseram, por unanimidade, que “o solo inserido na faixa non aedificandi encontra-se inserido em espaços canais (74% da área) e espaços urbanos de baixa densidade (26% da área)”; e perguntados se a virtual capacidade edificativa poderia ser aproveitada na parte restante, não onerada, do prédio, responderam “os peritos do tribunal e o indicado pela expropriante consideram que sim. O perito indicado pela expropriada considera também que sim, no entanto refere que os expropriados ficam condicionados nas suas opções” (fls. 302).[32]
            E adiante, ainda a propósito do mesmo assunto, reconhecendo os peritos do tribunal e da expropriante, existir a faixa non aedificandi com cerca de 500m2, mas reafirmando a respectiva posição de que “a parcela sobrante não fica onerada ou não sofre depreciação, uma vez que a servidão incide sobre uma área maioritariamente inserida em espaço canal e que a edificabilidade conferida pela área minoritária inserida em espaço urbano de baixa densidade poderá ser transferida para a área da parcela sobrante que não se encontra inserida na faixa non aedificandi” (fls. 303).

            Que podemos concluir daqui?
            Como dissemos, não é fixação de uma faixa non aedificandi que, só por si, tem a virtualidade de gerar automaticamente efeitos indemnizatórios na instância expropriativa; impõe-se, ademais, que essa fixação gere um real e efectivo prejuízo, uma concreta e palpável depreciação que imponha a reparação.
            Assim, por exemplo, a constituição de servidão non aedificandi num solo sem aptidão construtiva não constitui qualquer prejuízo; e, nessa perspe-ctiva, não confere direito a qualquer indemnização.[33]

            Á data da d.u.p. a faixa agora atingida pelo estabelecimento da servidão estava maioritariamente inserida (na medida de 74%, segundo se crê) em espaço-canal; significando isso, como antes dissemos, que, ao menos nesse trecho assim classificado, já não era, àquela data, possível edificar.[34] 
Então e o demais (na medida dos restantes 26%)? Quanto a esse trecho, inserido em espaço urbano de baixa densidade, a edificabilidade, agora preterida, pode ser transferida e aproveitada na parte restante e não onerada do prédio; apenas acontecendo (porventura) poderem os expropriados ficar “condicionados nas suas opções” – sendo, este mesmo, o juízo do perito por eles designado (cits. fls. 302). Ora, esta virtual condicionante de opções não comporta prejuízo relevante e consistente, por conseguinte, incapaz de sustentar crédito algum indemnizatório. É uma afectação no seu interesse que comporta escassa importância ou, pelo menos, que os autos não revelam ter alguma outra projecção que não essa; e, assim sendo, sem vocação constitutiva de indemnização.[35]

Não estamos longe, segundo pensamos, da situação equacionada no texto de PEDRO ELIAS DA COSTA: “Mesmo que o solo tivesse aptidão construtiva, não ocorre prejuízo se a constituição de servidão não impedir a edificação com o mesmo índice de construção (…). Nesta situação não é inviabilizado o aproveitamento económico possível do solo como também não sofre o expropriado qualquer prejuízo. Assim sendo, não se justifica a atribuição de indemnização”.[36]

            Quer-nos, então, parecer que a faixa non aedificandi constituída no caso dos autos sobre parte do sobrante não foi geradora de depreciação.
            É o que aliás resulta dos laudos periciais da avaliação; mesmo do perito designado pelos expropriados; este que, no trecho que não é espaço-canal, admite idêntica edificabilidade por sobre a parte não onerada do solo – apenas sobrelevando a (ténue) condicionante de opções dos proprietários.
            E, por decorrência, significando, mesmo no quadro interpretativo do assento nº 16/94, que não é devida a pretendida indemnização; já que aquele su-põe um “prejuízo que efectivamente resulte … da servidão non aedificandi.

            Aliás, não fôra o referenciado assento, com o valor que hoje compor-ta, nem deixaríamos de ter fundadíssimas reservas sobre a virtualidade indemnizatória da constituição de servidões de não edificação sobre partes sobrantes de prédios expropriados.[37]  É que tais constituições já se não comportam verdadeiramente no universo expropriativo; não emergem por via causal (directa) da divisão do prédio em parte expropriado; e nem o eventual dano que gerem está causalmente ligado ao facto da expropriação parcial do prédio em causa (como sempre exigiria o disposto no artigo 563º do Código Civil).[38]

            Em suma; e no caso dos autos, por inexistência de prejuízo concernente, nada há a indemnizar a respeito do sobrante do prédio que foi em parte expropriado.

            4.2.6. Por fim, a avaliação das benfeitorias.[39]
             Que, no essencial, se não discute. A arbitragem fixou o valor de 240,00 €; e a diligência da avaliação, por unanimidade, assim o considerou. E nem, de igual maneira, em sede recursória, esse valor se acha, por um qualquer modo, posto em crise
            O seu montante integrará o cômputo final da justa indemnização.

            4.2.7. Agora, a actualização da indemnização.
A sentença apelada fixou a indemnização a pagar pela expropriante; e esclareceu “reportada a Julho de 2009, data da avaliação, e actualizada anualmente de acordo com os índices de inflação, excluindo habitação, publicados pelo INE, desde aquela data até ao trânsito em julgado da presente decisão”. Os expropriados, na apelação principal, referem que “o valor que vier a ser encontrado deve ser actualizado desde 12 de Maio de 2008, data da d.u.p.

            Vejamos então.
            Estabelece o artigo 24º, nº 1, do Código das Expropriações, que o montante da indemnização se calcula com referência à data da declaração de utilidade pública (início); acrescentando que é actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor com exclusão da habitação (final).
            O índice é o publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação dos bens (artigo 24º, nº 2).
            Compreende-se o sentido das normas; a salvaguarda da reintegração do património atingido pela diminuição exige uma afectação monetária que corresponda efectivamente ao valor do bem que sai; e o volume do crédito em dinheiro, desse valor, ser sujeito a actualização ao momento da sua disponibilidade.
            Trata-se, em suma, de compensar a erosão do valor da moeda;[40] como modo de maximizar a aproximação da esfera afectada à que seria sem ablação.[41]
            Ademais; a decisão final que fixa o termo ad quem da actualização, e que aqui nos importa, é a contida no vertente acórdão.

            A este respeito, releva ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, uniformizador de jurisprudência, nº 7/2001, de 12 de Julho de 2001, que (além do mais) fixou a interpretação de que, havendo recurso de arbitragem e não tendo esta procedido à actualização do valor inicial, o valor fixado na decisão final é actualizado até à notificação do despacho que autorize o levantamento de uma parcela do depósito, e ainda de que, daí em diante a actualização incidirá sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado.[42]  O sentido desta óptica é o de que, na medida em que os valores se mostrem à disposição do expropriado, e fique no livre arbítrio deste deles dispôr, deixa de se justificar aquela compensação própria à supressão do progressivo desvalor da moeda; isto é, logo que se lhe faculte o respectivo acesso, o expropriado só não querendo é que não obtém a satisfação efectiva (ao menos parcial) do seu crédito.

            Agora o caso concreto.
            A d.u.p. foi publicada em 12 de Maio de 2008.[43]
A decisão arbitral fixou, para expropriação total, o montante indemnizatório de 10.545,00 €; mas não procedeu a actualização.
            Houve recurso dessa decisão (apenas) pelos expropriados; e, por despacho de 22 de Maio de 2009, notificado a 27 do mês,[44] foi atribuído a estes, nos termos prevenidos pelo artigo 52º, nº 3, do CE, o montante arbitrado.
            Na avaliação, os peritos adiantaram os valores, sem actualização, de 9.400,00 € o da expropriante, de 38.401,50 € o dos expropriados e de 21.651,50 € os do tribunal.

            Na óptica deste acórdão a justa indemnização é retratada no valor de 19.043,19 € (= 18.803,19 € + 240,00 €).

            No quadro normativo do citado artigo 24º, nº 1, interpretado à luz do acórdão uniformizador 7/2001, cremos que o recto cálculo do montante da indemnização resultará, na hipótese concreta, das seguintes operações aritméticas.

            i. o valor da indemnização fixada (de 19.043,19 €); e
            ii. a actualização assim calculada:
                a. sobre o valor de 19.043,19 €, referenciado a 12 de Maio 2008, e com início nesta data, incidirão os coeficientes da evolução do índice de preços aplicável, até 27 de Maio de 2009;
                b. sobre o valor de 8.498,190 €, diferença entre a indemnização fixada e a quantia disponibilizada em 27 de Maio de 2009 (= 19.043,19 € – 10.545,00 €), incidirão os coeficientes da evolução do índice de preços,  com início nesta data até à da decisão final, precisamente a data do vertente acórdão.

            É a soma de i. com o produto de cada uma das actualizações parcelares, de ii.a. e ii.b. que os expropriados receberão; constituindo o resultado assim encontrado o valor completo da justa indemnização (actualizada) que, pelo acto ablativo da propriedade que os atingiu, lhes é perfeita e adequadamente devida.

            Por fim.
            É esta a óptica que temos por certa; mas há que não esquecer isto.
Ao juiz, a lei (apenas) atribui a tarefa de fixar o montante das indemnizações a pagar pela expropriante (artigo 66º, nº 1); apenas isso; significando a concretização da justa indemnização reportada à data da d.u.p. (artigo 24º, nº 1, início). Já quanto à sua actualização (artigo 24º, nº 1, final), a lei principalmente comete a sua liquidação à entidade expropriante; é o que resulta do artigo 71º, nº 1, do CE, quando estabelece que transitada em julgado a decisão que fixar o valor da indemnização, o juiz do tribunal da 1ª instância ordena a notificação da expropriante para, em 10 dias, depositar os montantes em dívida e juntar ao processo nota discriminada, justificativa dos cálculos da liquidação de tais montantes.
            Escreve LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA que, em face de tal disposição “não cabe ao tribunal efectuar oficiosamente o cálculo da actualização da indemnização prevista no artigo 24º … . Essa liquidação é posta pela lei a cargo da entidade expropriante, podendo ser impugnada pelo expropriado ou restantes titulares do direito à indemnização”.[45] 
Isto é – acrescentamos nós –, apresenta a lei, agora, um sistema de liquidação, a cargo daquela entidade; salvaguardado, depois, por um subsequente incidente de impugnação, a suscitar pelo credor da indemnização, em caso de discordância (artigo 72º do CE).
E se a decisão que torna definitivo o montante indemnizatório tiver sido, como acontece no caso concreto, proferida em tribunal superior, o que manda a lei é que a notificação para liquidação e depósito só ocorra depois da baixa do processo à 1ª instância; a cujo juiz é atribuído o encargo de a ordenar.[46]

            4.2.8. Concluindo; resta dizer que a apelação principal, interposta pelos expropriados, no essencial, não procede; e que a apelação subordinada, interposta pela expropriante, procede parcialmente.

            Ali, os expropriados haviam propugnado um valor de 63.706,00 €, por se inconformarem com o fixado na sentença, de 21.651,50 €, e não o conse-guiram de todo; apenas lhe assistindo razão no relativo à sua actualização.

            Aqui, a expropriante havia propugnado um valor de 10.545,00 €, por se inconformar com o fixado na mesma sentença, e obteve sucesso no valor de 2.608,31 €, já que conseguiu reduzir o quantum indemnizatório para 19.043,19 €; e apenas decaindo no mais.

            Será, portanto, esse o sentido da decisão final do acórdão.

            5. A questão tributária.
É o artigo 446º do CPC que principalmente estabelece o critério de distribuição das custas, também nos recursos; e que é, por princípio, o do decai-mento (nº 1 e nº 2).
Na hipótese dos autos, há recurso principal e há recurso subordinado.

No 1º, interposto pelos expropriados, salvo no trecho concernente à a-ctualização da indemnização, o decaimento deles é completo. Como porém naquele trecho – onde têm razão – o quadro legal (artigos 66º, nº 1, e 71º, nº 1, do CE) não sustenta pronúncia judiciária (em bom rigor, o tribunal apenas fixa o montante das indemnizações, não lhe cabendo, como dissemos, no mais, pronun-ciar-se), ponderados os critérios de tributação e o desfecho que os autos conhe-cem, é de justiça que os expropriados suportem, na íntegra, as custas do recurso independente que interpuseram.

            No 2º, interposto pela expropriante, o decaimento é apenas parcial. Ponderados os valores envolvidos, na sua relatividade, julga-se que é equitativo que a entidade expropriante suporte o encargo das custas, na proporção de 75%, e que os expropriados o suportem, na proporção de 25%.

III – Decisão

            Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em:

            1.º - julgar a apelação pincipal improcedente;

2.º - julgar a apelação subordinada parcialmente procedente;

3.º - fixar o montante da indemnização a pagar pela entidade expro-priante em 19.043,19 € (dezanove mil, quarenta e três euros e dezanove cêntimos).

            No tribunal a quo terá lugar a notificação a que se refere o artigo 71º, nº 1, do Código das Expropriações.

            As custas da apelação principal são encargo dos expropriados.
            As custas da apelação subordinada são distribuídas, na proporção de 75% a cargo da entidade expropriante e de 25% a cargo dos expropriados.

Lisboa, 13 de Março de 2012

Luís Filipe Brites Lameiras  
Jorge Manuel Roque Nogueira
José David Pimentel Marcos
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[1] A diligência foi ordenada por despacho de 22 de Maio de 2009, apenas contido no processo em suporte informático.
[2] Acórdão da Relação do Porto de 10 de Outubro de 2005 in Colectânea de Jurisprudência XXX-4-205.
[3] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Janeiro de 2002 e da Relação de Lisboa de 26 de Fevereiro de 2002 in Colectânea de Jurisprudência (STJ) X-1-37 e XXVII-1-125.
[4] A remissão contida no artigo 49º, nº 6, é verdadeiramente para o nº 4 do artigo 21º, que não para o seu nº 3, como consta da republicação do Código das Expropriações, anexa à Lei nº 56/2008, de 4 de Setem-bro. O mencionado artigo 21º, nº 4, reporta-se precisamente ao conteúdo, de estrito alcance fáctico, da vistoria ad perpetuam rei memoriam; que assim é recebido pela decisão arbitral.
[5] É jurisprudência corrente a de que a conferência dos árbitros constitui um tribunal arbitral necessário; por outro lado, e para lá do mais, que os árbitros devem fundamentar de facto o decidido, de modo a que fique claro o seu iter cognoscitivo quanto ao apuramento dos factos relevantes, naturalmente com base nos elementos de prova que considerem relevantes. Veja-se Salvador da Costa, “Código das Expro-priações e Estatuto dos Peritos Avaliadores anotados e comentados”, 2010, páginas 300 a 301 e 302).
[6] Essa publicação foi feita no Diário da República, I série – B, de 19 de Junho de 1997.
[7] Sobre a dimensão constitucional da justa indemnização, em particular, como pressuposto do acto ablativo da expropriação por utilidade pública, vejam-se Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constitui-ção da República Portuguesa anotada”, volume I, 4ª edição, páginas 808 a 809, e Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa anotada”, tomo I, 2005, páginas 629 a 630.
[8] É, outra vez, o critério da objectividade possível e da igualdade entre os proprietários aquele que pre-side ao elenco dos índices, instrumentais para encontrar os valores justos. Claro que tem aqui papel pri-mordial o juízo de perícia que, quer árbitros, quer peritos, são chamados a produzir.
[9] António Abrantes Geraldes, “Expropriação por utilidade pública (linhas gerais)”, texto policopiado, Centro de Estudos Judiciários, Dezembro de 1996, página 16.
[10] A inserção da parcela expropriada em espaço-canal consta na narrativa fáctica da sentença recorrida; mas, a nosso ver, sem acerto. Essa inserção resulta de uma atribuição jurídica; donde, subtraída à questão de facto. Veja-se ainda, a este respeito, os artigos 2º, nº 1, alínea i), e 53º do Regulamento do Plano Director Municipal de Cascais (DR, I-B, de 19 de Junho de 1997).
[11] Não fôra a classificação do plano de ordenamento, tais solos seriam inequivocamente qualificados como aptos para a construção, face à sua localização, respectivas acessibilidades, desenvolvimento urba-nístico da zona e infra-estruturas urbanísticas (Fernando Alves Correia, “Manual de Direito do Urbanis-mo”, volume II, páginas 249 a 250; e Salvador da Costa, obra citada, página 188).
[12] Fernando Alves Correia, obra citada, página 251; e Salvador da Costa, obra citada, página 188.
[13] Obra citada, páginas 252 a 253. Salvador da Costa segue essa mesma interpretação (obra citada, pági-nas 188 a 189).
[14] Parece consensualmente rejeitado o procedimento prevenido nos nºs 2 e 3, do artigo 26º, do CE.
[15] Repetimo-lo: que são aqueles o CE referencialmente aconselha.
[16] Sublinha-se que nenhum dos laudos periciais, nem o subjacente à arbitragem, nem os contidos na ava-liação, considerou que o índice de construção superasse o de 0,50.
[17] Salvador da Costa, obra citada, página 181.
[18] O estatuto dos peritos avaliadores foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 125/2002, de 10 de Maio, entretan-to alterado pelos Decretos-Lei nº 12/2007, de 19 de Janeiro, e 94/2009, de 27 de Abril.
[19] Correntemente se têm em vista os três peritos nomeados pelo tribunal na avaliação (artigo 62º, nº 1, a-linea a), final, do CE); mas semelhantemente se pode aplicar o mesmo raciocínio ao juízo que formulem os três outros peritos, intervenientes na arbitragem (artigo 45º, nºs 1 e 2, do CE), numa ponderação relativa desta com os laudos que os das partes venham a produzir, mais tarde, na subsequente avaliação.
[20] A natureza tribunal arbitral necessário da arbitragem expropriativa que, segundo julgamos, é geral-mente pacífica na jurisprudência, não coloca o juízo pericial que lhe subjaz num patamar valorativo superior ao da subsequente avaliação. Na medida em que, por via de recurso da decisão arbitral, seja posta em crise essa perícia, ali contida, não há obstáculo, como dizermos na nota anterior, em ponderar também os juízos periciais dos árbitros, em particular, no seu confronto com os dos peritos. Divergimos assim da óptica da expropriante quando, confundido o meio de prova com a decisão arbitral, qualifica a perícia da arbitragem como mais credível do que a subjacente à avaliação na instância recursória seguinte.
[21] Esta pormenorização consta (apenas) nos esclarecimentos que foram prestados (v fls. 301).
[22] Nos esclarecimentos o laudo maioritário apontou que este índice “corresponde ao limite inferior de referenciais de mercado”.
[23] A expropriante também se insurge, a este nível, dizendo que o valor médio de mercado de solos seme-lhantes ao da parcela oscila entre 15,00 € e 32,00 €, o metro quadrado; e sustenta-se em prova documen-tal que fez juntar aos autos por ocasião das alegações que produziu, na instância de recurso da arbitra-gem, a coberto do artigo 64º, nº 2, do CE. Mas sem razão. A verdade é que essa junção de documentos foi inidónea, como resulta claro da disposição do artigo 60º, nº 2, do CE; a prova, assim extemporaneamente junta, não comporta, pois, o valor probatório pretendido. Além de que tais valores surgem claramente desconformes com todos os laudos, seja da arbitragem, ou da avaliação; e mesmo o perito da ex-propriante, nesta última, com base nos reduzidos índices que considerou, chegou a um valor também superior ao que, no seu recurso subordinado, a expropriante invoca, e que foi de 40,00 € / m2 (v fls. 255).
[24] Victor Sá Pereira e António Proença Fouto, “Código das Expropriações”, 2002, página 101.
[25] Salvador da Costa, obra citada, página 186.
[26] Importante notar que este esclarecimento é unanimemente feito por todos os cinco peritos do colégio da avaliação.
[27] Salvador da Costa, obra citada, página 186.
[28] Este diploma aprovou, além do mais, as bases da concessão da concepção, projecto, construção, ma-nutenção e exploração de lanços de auto-estrada, no conjunto designado por Grande Lisboa (artigo 1º).
[29] João Pedro de Melo Franco, “Código das Expropriações anotado”, 4ª edição, página 208.
[30] O assento foi publicado no Diário da República, I série – A, de 19 de Outubro de 1994, páginas 6335 a 6339.
[31] Victor Sá Pereira e António Proença Fouto, “Código das Expropriações”, 2002, página 111.
[32] As duas perguntas enunciadas constam apenas do processo em suporte informático, contidas em reque-rimento entregue pela entidade expropriante no dia 21 de Setembro de 2009.
[33] Pedro Elias da Costa, “Guia das Expropriações por Utilidade Pública”, 2003, página 320.
[34] Veja-se a definição contida no artigo 2º, nº 1, alínea i), do Regulamento do PDM de Cascais.
[35] No Código Civil encontramos aflorada a ideia, que cremos constituir princípio geral de direito, da ir-relevância de certo tipo de afectações nos interesses dos sujeitos, quando elas comportem escassa impor-tância (veja-se, por exemplo, o artigo 802º, nº 2).
[36] Obra citada, página 321.
[37] A não ser, porventura, que se reconhecesse situação de facto com enquadramento em alguma das (três) alíneas do artigo 8º, nº 2, do Código das Expropriações.
[38] Vejam-se Salvador da Costa, obra citada, página 216; e F. Alves Correia, em anotação aos acórdãos da Relação de Coimbra de 30 de Março de 2000 e do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 2001, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 134º, nºs 3924 e 3935, páginas 99 a 100.
[39] O Código das Expropriações refere-se às benfeitorias, em particular, no artigo 23º, nº 2, alínea c).
[40] A actualização está relacionada com as flutuações do valor da moeda e visa proteger o expropriado contra o fenómeno da desvalorização (Pedro Cansado Paes, Ana Isabel Pacheco, Luís Alvarez Barbosa, “Código das Expropriações anotado”, 2000, página 133).
[41] Fernando Alves Correia, obra citada, página 238.
[42] O acórdão uniformizador foi proferido a coberto do Código das Expropriações pretérito, aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro; mas a orientação que propugna merece transposição para o quadro legal presente. Está publicado no Diário da República, série I-A, de 25 de Outubro de 2001, pá-ginas 6845 a 6847.
[43] É esta (a da publicação) a data que fixa o termo a quo da contagem da actualização; Acórdãos da Relação de Lisboa de 13 de Outubro de 2009, proc.º nº 842/2002.L1-1, e de 11 de Fevereiro de 2010, proc.º nº 114/1998.L1-6, ambos no sítio www.dgsi.pt.
[44] Estes despacho e notificação apenas constam no processo em suporte informático.
[45] “Código das Expropriações anotado”, 2ª edição, página 159. Ainda, Victor Sá Pereira e António Proença Fouto, obra citada, página 181.
[46] Victor Sá Pereira e António Proença Fouto, obra citada, página 180.