Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
191-BE/2001.L1-2
Relator: ESAGÜY MARTINS
Descritores: DESPACHO DO RELATOR
RECURSO DE AGRAVO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
FALÊNCIA
PRAZO
PRAZO PROCESSUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2012
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: DESPACHO
Decisão: INDEFERIMENTO
Sumário: I – O prazo de reclamação de créditos em processo de falência é um prazo processual, pelo que a decisão que conclui pela intempestividade da apresentação das reclamações de créditos não conhece de mérito.
II – Assim sendo, não se tratando de uma decisão de mérito, o recurso incidente sobre a mesma é de agravo e não de apelação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nas alegações dos recursos respectivos, suscitam os recorrentes, todos eles, uma questão prévia, qual seja a da discordância quanto à qualificação dos recursos como de agravo, propugnando a correcção daquela para a espécie apelação.
E isto, assim, considerando que o despacho recorrido fundamentou o decidido na invocada circunstância de à data da dedução da reclamação, já haver expirado o prazo para o exercício do direito de reclamação do correspondente crédito.
Ora, prosseguem, “Tal prescrição constitui e configura uma excepção peremptória que, uma vez confirmada, implica a improcedência do requerido”.
Assim, ao julgar tal prescrição procedente, o despacho recorrido “decidiu quanto ao mérito da causa, afastando em definitivo a sua pretensão e direito”.
Cabendo pois recurso de apelação do dito despacho, nos termos do art.º 691.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Vejamos:
A decisão recorrida foi proferida e notificada em sede de tentativa de conciliação – prevista no art.º 196.º, n.ºs 1 e 2, do, aqui imperante, C.P.E.R.E.F. – conforme acta reproduzida a folhas 148-154.
Nela se tendo consignado que as reclamações de créditos dos ora Recorrentes “apresentam-se assim, nos termos do disposto nos art.ºs 10° n.º 1, 14° n.º 1 e 188° nos 1 a 3 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência e 144° n.º 1 do Código de Processo Civil, manifestamente extemporâneas, pelo que não serão consideradas”.
Dispondo-se, no citado art.º 188.º, n.º 1, do C.P.E.R.E.F. que “Dentro do prazo fixado na sentença declaratória da falência, devem os credores do falido, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses que represente, reclamar a verificação dos seus créditos, quer comuns, quer preferenciais, por meio de requerimento no qual indiquem a sua proveniência, natureza e montante, podendo ainda alegar o que houverem por necessário acerca da falência.”.
Ora, no confronto dos paralelos prazos de dedução de embargos de terceiro e embargos de executado – cfr. art.ºs 816.º, n.º 1 e 353.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, na redacção, aqui imperante, introduzida pelo Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro – sempre se entendeu que o recurso do despacho que rejeitasse os primeiros, por deduzidos fora de prazo – vd. art.º 817.º, n.º 1, alínea a) – ou indeferisse a petição dos segundos, por intempestivos – cfr. art.º 354.º - era de agravo.
Neste sentido podendo ver-se, quanto aos embargos de executado, os Acórdãos desta Relação de 03-06-1993, e de 22-06-2006,[1] e, quanto aos embargos de terceiro, os Acórdãos deste Relação, de 22-04-2008,[2] e da Relação do Porto, de 14-01-2008.[3]

E, no tocante ao prazo de reclamação de créditos na falência, como se julgou no Acórdão da Relação de Coimbra, de 12-07-1988[4] – com aplauso de Luís A. Carvalho Fernandes[5] – é também aquele de natureza processual, que não um prazo de caducidade (e muito menos de prescrição, como pretendem os Recorrentes).
Assim se referindo em tal aresto entender-se por prazo judicial “o período de tempo fixado para se produzir um determinado efeito processual. A sua função consiste em dimensionar no tempo os actos processuais, ou seja, na expressão de Carnelutti, em regular a distância entre os diversos actos do processo.”.
Prazo que, nos dizeres de Alberto dos Reis,[6] “pressupõe necessariamente que já está proposta a acção, que já existe um determinado processo, e destina-se ou a marcar o período dentro do qual há-de praticar-se um determinado acto processual (prazo peremptório), ou a fixar a duração duma certa pausa, duma certa dilação que o processo tem de sofrer (prazo dilatório).”.
  E tanto pode ser marcado por lei como fixado pelo juiz – vd. art.º 144.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – sendo que quando a lei confere ao juiz a fixação do prazo, umas vezes deixa-lhe plena liberdade na sua designação, e outras vezes restringe-lhe esse arbítrio, que pela indicação dum limite máximo ou de um limite mínimo, que pela marcação simultânea de um limite máximo e mínimo.
Tendo-se que no caso dos autos a lei deixou ao juiz a fixação do prazo para a reclamação de créditos, mas apontando-lhe um limite máximo, a saber, “até 30 dias”, cfr. art.º 128.º, n.º 1, alínea e), do C.P.E.R.E.F.
Já o prazo de propositura de acções” como se prossegue no mesmo aresto, ”é o período de tempo dentro do qual determinada acção deve ser proposta, sob pena de caducidade. Esse prazo varia de acção para acção, de acordo com o direito que através dela se pretende exercer. A respectiva relação de direito substantivo é que determinará o prazo dentro do qual o direito deve ser exercido, sob pena de se extinguir”.
Como mais refere Alberto dos Reis,[7] “O prazo dentro do qual há-de ser proposta uma determinada acção é um elemento integrante do regime jurídico da respectiva relação de direito substantivo ou material.”.
Não podendo, “indiferentemente, ser fixado pela lei ou pelo juiz; tem de ser fixado pela lei, uma vez que se trata de prazo preprocessual, de prazo anterior à organização do processo.”
 
Tal perspectiva é retomada no citado Acórdão desta Relação, de 22-04-2008, quanto à paralela situação do prazo de dedução de embargos de terceiro.
Ali se considerando que do regime daqueles resulta claramente que o prazo previsto para tal é regulado como prazo processual, que se assume “como um requisito de admissibilidade” da dedução daqueles, “e não como prazo de exercício de um direito substantivo, a envolver uma apreciação de mérito a título de excepção peremptória de direito material.”.
Com efeito, e como naquele aórdão se considerou, a natureza substantiva ou adjectiva de um prazo projecta-se em três vectores essenciais do respectivo regime legal, a saber: a necessidade ou não de invocação pelo interessado, a repartição do ónus probatório e as regras de cômputo do prazo.
“Assim, no domínio dos prazos substantivos, a regra é: a necessidade de invocação pelo interessado, como sucede no âmbito da prescrição extintiva (artigo 303º do CC) e do prazo de caducidade quando respeitante a matéria de direitos disponíveis (artigo 333º, nº 2, do CC); a incidência do ónus probatório sobre a parte contra quem o direito é invocado, dado tratar-se de facto extintivo daquele direito (artigo 342º, nº 2, do CC); o regime de contagem previsto, em geral, no artigo 279º e aplicável ex vi 296º do CC.
Já no que concerne aos prazos processuais peremptórios, a regra é: o seu conhecimento oficioso, como decorre, além do mais, do preceituado nos artigos 146º e 166º, nº 2, do CPC; a incidência do ónus probatório sobre a parte que pratica o acto (veja-se, por exemplo, o preceituado quanto ao justo impedimento no nº 2 do artigo 146º do CPC); o regime de contagem previsto no artigo 144º do CPC, com aplicação meramente residual do disposto no artigo 279º ex vi da parte final do artigo 296º do CC.
(…)
Mas é Vaz Serra quem melhor nos elucida sobre o critério de distinção ao doutrinar que o prazo de direito substantivo diz respeito ao exercício e limite temporal de um direito material, enquanto que o prazo processual tem a ver com a estrutura e desenvolvimento do processo.
Sintetizando as noções dadas, poder-se-á definir o prazo processual como sendo o período de tempo fixado para a prática de um acto processual ou para a produção de um efeito processual; ou ainda aquele que delimita o tempo para o exercício dos direitos processuais das partes e dos poderes funcionais do tribunal, incluindo a secretaria, no desenvolvimento da instância. Em contraponto, o prazo substantivo diz respeito à vida da relação jurídica substantiva. A pedra de toque tem sido apelar pois à natureza do direito ou da relação jurídica a que o prazo diz respeito.”.
*
Acrescente-se apenas, e a finalizar, por uma lado, serem os próprios recorrentes a concitarem, nas suas alegações, os art.ºs 14.º, n.º 1 do C:P.E.R.E.F., e 144.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o primeiro determinando a aplicabilidade à contagem dos prazos, em processo de falência, do disposto no Código de Processo Civil, e, o segundo, dispondo que “1- O prazo processual estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz…”.
E, por outro, que conforme anotam José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes,[8] a sentença ou o despacho decidem do mérito da causa quando “proferem decisão susceptível de produzir caso julgado material”.
O que não ocorre, na situação em análise.
Não sendo a reclamação deduzida tempestivamente o credor perde o direito processual de a deduzir. Mas não perde o direito substantivo (o seu crédito), mantendo-o na íntegra, embora não possa fazer-se pagar pelos bens do falido apreendidos para a massa.
E mesmo isto, em termos que não são absolutos.
Pois que o credor reclamante retardatário poderá ainda obter o reconhecimento do seu crédito, em acção proposta contra os credores (e o falido) no prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração de falência, nos termos do art.º 205.º do C.P.E.R.E.F.

Dest’arte, porque tratando-se o prazo de reclamação de créditos em processo de falência, de um prazo processual, a decisão recorrida, ao concluir pela intempestividade da apresentação das reclamações de créditos apresentadas pelos ora Recorrente, não conheceu de mérito.

E, nessa conformidade, os recursos interpostos só podiam ser – à data – de agravo.
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Por outro lado, verifica-se que, diversamente do que, em manifesto lapso, se consignou na decisão recorrida, a publicação (por extracto) da sentença que declarou a falência de M & R - Indústrias ... S.A. teve lugar em 20-11(Novembro)-2002, que não em 20-12(Dezembro)-2002, como pretendem ignorar os Recorrentes…
Sendo tal constatável em consulta do D.R. III Série, n.º 268, de 20-11-2002, a págs. 268.
O que não deixará de ser considerado em sede de julgamento do objecto do recurso.
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Isto posto:
Recurso o próprio, recebido no efeito e regime adequados.
Inexistindo questões prévias de que importe conhecer.

Aos vistos dos Exm.ºs Adjuntos e, nada sendo suscitado, inscreva-se em tabela.

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2012

Ezagüy Martins
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[1] Proc. 0060186, relator: Almeida Mira, e proc. 4379/2006-6, relator: Fátima Galante, ambos em www.dgsi.pt/jtrl.nsf.
[2] Proc. 1156/2008-7, relator: Tomé Gomes, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf.
[3] Proc. 0756898, relator: Sousa Lameira,
[4] Relator: Manuel Pereira da Silva, in Col. Jur., Ano XIII, tomo IV, págs. 55-56.
[5] In “Código Dos Processos Especiais De Recuperação da Empresa e de Falência, Anotado”, Quid Juris?, Lisboa, 1999, pág. 468, Nota 2.
[6] In “Comentário”, vol. II, pág. 57.
[7] In op. cit., pág. 56.
[8] In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 3.º, Coimbra Editora, 2003, pág. 57.